Evolução da prática e do discurso no Direito Penal

Resumo: O presente trabalho busca apresentar aspectos importantes da evolução do Direito Penal, abordando alguns momentos históricos e aspectos doutrinários que contribuem para evolução do discurso e da prática penal.[1]

Sumário: 1.Introdução. 2. PERÍODO DA VINGANÇA. 2.1. Fase da Vingança Privada. 2.2.Vingança Divina. 2.3. Vingança Pública. 3. DIREITO PENAL DOS POVOS. 3.1. Direito Romano. 3.2 Direito Germânico. 3.3.Direito Canôncio. 4. PERÍDO HUMANITÁRIO. 4.1. A Contribuição do Iluminismo. 4.2. As Críticas de Beccaria. 4.3. A Experiência de John Howard. 4.4. Escola Clássica. 5. PERÍODO CIENTÍFICO. 5.1 Escola Positivista. 5.2. Escolas Ecléticas.

1.  INTRODUÇÃO

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Desde que o homem buscou a vida em coletividade passou a pautar sua convivência segundo regras que almejam a harmonia das relações empreendidas. Diante destas primeiras é possível afirmar estar o embrião do que viria a se tornar o Direito Penal.

A partir de regras com conteúdo moral e religioso o homem passou a estabelecer limites e condutas para os seus pares. Cada tribo possuía seu padrão de conduta, segundo seus hábitos e crenças para melhor sistematização do assunto, a doutrina divide a evolução do direito penal em períodos, os quais pressupõem uma seqüência lógica de análise, sem, contudo indicar ser esta uma seqüência sucessiva de períodos. Desta forma são estabelecidos três períodos, os quais são serão analisados como se segue:

2. PERÍODO DA VINGANÇA.

Esta fase confunde-se com a busca do homem em firmar-se como elemento modificador do meio em que vive. É um tempo em que os conflitos são tomados, inicialmente, como uma ofensa contra o grupo ao qual pertence o ofendido. Desta forma legitima-se a toda coletividade a buscar dar cabo do conflito. A melhor compreensão deste período exige uma divisão do mesmo em fases distintas assim estabelecidas:

2.1. Fase da Vingança Privada

Prevalece nesta fase o exercício arbitrário das próprias razoes. A aplicação de prevalece o instinto animalesco, ou seja, em regra é a reação com os meios que buscam a vingança, cabendo ao ofendido, seus familiares ou ao grupo ao qual pertence o ofendido, executar a vingança, almejando desta forma, restabelecer a paz. A pena empreendida não tem características do que modernamente buscou chamar de instrumento jurídico, pois dentre as suas particularidades está à falta de limites ao poder punitivo empreendido pelo agente que a pratica. O seu limite é a força que o agente possui para confrontar aquele contra quem se destina a sua ira.

Uma das primeiras amostras de que o homem busca estabelecer limite a sua ira vingativa, é o surgimento da Pena de Talião, com todo o seu rigor, dirige ao agressor apenas o dano que tenha causado o que em muitas ocasiões pode ser um excesso.

A Pena de Talião é encontrada em diversos documentos históricos, a saber: entre os babilônicos é encontrada no Código de Hamurábi como se segue:

– Se alguém bate numa mulher livre e a faz abortar, deverá pagar dez ciclos pelo feto.

Se essa mulher morrer, então deverá matar o filho dele.

Entre os hebreus também são encontradas estas regras, assim como apresenta os livros de Êxodo e Levíticos, inclusive em Levíticos 24: 17 assim está previsto:

Todo aquele que fere mortalmente um homem deverá morrer.

A Lei das Doze Tábuas também utilizou da Pena de Talião, como se segue:

Se alguém fere outrem, que sofra a Pena de Talião, salvo se houver acordo.

Posteriormente, surge a composição, assim o ofensor poderia comprar o direito de represália que cabia ao ofendido ou a sua família ressalta Magalhães Noronha que a composição também foi adotada no Código de Hámurabi, no Pentateuco, e no Código de Manu, afirma ainda que esta permanece até hoje sob a forma de multa, indenização, dote, etc. O direito germânico também fez largo uso da composição. Apesar de serem pautadas apenas na retribuição do ato praticado, as regras contidas na Pena de Talião demonstram uma evolução, pois configura em um nascedouro dos limites do poder punitivo.

2.2. Vingança Divina

Nesta fase o comportamento desviante era tido como uma ofensa aos deuses. Estas regras são encontradas nos códigos da Índia, China, Babilônia, Pérsia, Israel, etc. A administração e aplicação das penas, geralmente ficava a cargo dos sacerdotes.

Na Bíblia Sagrada, apresenta um exemplo claro da aplicação da vingança divina no livro de Josué, capítulo 7, nos seguintes termos:

“Então Josué e todo o Israel com ele tomaram a Acã filho de Zera, e a capa, e a barra de ouro, e a seus filhos e a suas filhas, e a seus bois, e a seus jumentos, e a suas ovelhas, e a sua tenda, e tudo quanto tinha, e levaram-nos ao vale de Acor. Disse Josué: Por que nos conturbaste? O Senhor hoje te conturbará. E todo Israel o apedrejou; e depois de apedrejá-los, queimou-os a fogo. E levantaram sobre ele um monte de pedras, que permanece até ao dia de hoje; assim o Senhor apagou o furor de sua ira…”[2]

Prevalecem nesta fase as penas corporais de extrema crueldade, as quais geralmente levavam a morte do apenado.

2.3. Vingança Pública.

A vingança pública passou a ser praticada pressupondo um maior desenvolvimento das sociedades, contudo o seu conteúdo ainda era permeado pela influência religiosa, contudo o poder punitivo passou a ser exercido também pelo monarca, segundo o seu arbítrio, mas em nome de Deus.

Apesar da inexistência de garantias aos súditos ou subordinados, esta fase corresponde a uma evolução na aplicação das penas, pois outorga a sua aplicação ao Estado, ainda que este a exerça com rigor desmedido, mas representa um limite para a atuação individual.

Outro ponto a destacar, é que a aplicação da pena também objetivava a proteção do soberano, o que as mantinham em um elevado nível de crueldade. Assim descreve (NORONHA , 1997, p. 21), a aplicação da pena na Grécia antiga:

“O direito e o poder de punir emanavam de Júpiter, o criador e protetor do universo. Dele provinha o poder dos reis e em seu nome se procedia a o julgamento do litígio e a imposição do castigo.”

3. DIREITO PENAL DOS POVOS.

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3.1.  Direito Romano.

Segundo (FRAGOSO, 1995, p.26) no período da fundação de Roma, a pena possuía um caráter sagrado, pois visava aplacar a ira dos deuses, diante das falhas humanas.

O poder punitivo, na sociedade romana antiga, não se diferencia das demais sociedades antigas, ou seja, concentrava-se no pater familias, ficando sob a sua autoridade todos os que dele dependiam. As regras eram aplicadas de forma indiscriminada segundo o arbítrio do líder do clã.

O desenvolvimento da sociedade romana levou o Estado a controlar a aplicação das penas, controle este pouco abrangente e se pautando em castigos corporais e cruéis.

A imposição de pena pública, nos tempos da Realeza, se dava aos crimes de perduelio e parricidium. O perduelio consiste na traição ou conspiração política contra o Estado, quanto ao parricidium à doutrina diverge quanto ao significado primitivo dado à palavra, como aponta Fragoso, corresponderia à morte de um homem livre. Observa ainda o penalista que estes crimes eram julgados por tribunais especiais o duoviri perduellionum e quaestores parricidii. (FRAGOSO, 1995, p. 27)

Segundo Fragoso (1995, p.27), o advento da República faz com que ocorra a separação entre a Igreja e o Estado. O poder punitivo passa a sofrer limitações, em especial com o surgimento da Lex Valeria, aproximadamente 500 anos antes de Cristo. O autor salienta ainda, que a aplicação de penas capitais era subordinada ao juízo do povo reunido em comicio. Do conflito entre Plebeus e Patrícios resultou a Lei das XII Tábuas, o que impõe limites a vingança privada, ainda vigente.

Para (FRAGOSO,  1995, p. 28), o fim da República faz surgir uma vasta legislação penal, versando sobre as mais diversas condutas, tais como, falsidade de documentos, corrupção eleitoral, seqüestro, estupro, etc. Prevalece ainda a disciplina do Pater Familias, no entanto a vingança privada praticamente se extingue.

A atuação jurisdicional do Estado passa a ser intensa, conforme fragmento de Fragoso:

“Os crimes públicos são julgados por tribunais de jurados permanentes, encarregados de fazer o inquérito, presididos por um magistrado (quaestione perpetuae), substituindo os julgamentos populares pelos comícios. A primeira quaestio surgiu em 149 a.C, juntamente com Lex Capurnia de repetundis, para punição da extorsão praticada no recolhimento de impostos. Logo o processo foi reconhecido pelos líderes populares como de extraordinária significação política (LISZT- SCHMIDT) e com a Lex Sempronia (123 a.C) estenderam-se os poderes do tribunal. O processo das quaestiones tornou-se processo penal uma quaestio. Ao tempo de Sila eram sete as quaestiones perpetuae (maiestatis, ambitus, repetundae, sacrilegium, de sicariis et veneficiis, injurias graves e falsum). Posteriormente surgem as quaestiones para os crimes de rapto e o crimen vis, aparecendo, ao tempo de Augusto, as relativas aos crimes de adultério e de usura. A acusação podia ser promovida por qualquer cidadão. Nessa época as penas são grandemente mitigadas, sendo praticamente abolida a pena de morte. A punição era em regra a interdictio acquae et igni, que se limitava ao exílio e à deportação. As leges Corneliae e Juliae constituíam o ordo judiciorum publicorum, dando lugar aos crimina publica (legitima, ordinaria), que deveria estar expressamente previstos para ensejar a punição, que também deveria estar expressamente prevista (poena legitima). O sistema das quaestiones perpetuae permaneceu, em vigor até o século lll, mas desde o Principado de Augusto (27d.C) começa a sofrer a concorrência de um processo conforme a nova constituição e ao novo espírito do Estado(Bonfante). Inicia-se o processo chamado extraordinario (cognitio extraordinem), no qual era dispensada a acusação formal, procedendo de oficio os órgãos do Estado, com grande liberdade de forma e atitude na apreciação dos delitos e imposição de penas. Surgem então os chamados crimes extraordinarios, entre os quais se destacam vários casos de furto qualificado (furto de gado, abigeato, furto nos balneários, fures balneari, assaltos à mão armada nas estradas, atrociores fures, expilatores […]” (FRAGOSO,1995, p. 28-29)

Fragoso (1995) ressalta que a aplicação da pena de morte passou a ser aplicada a diversos crimes após a época de Adriano, sendo que os meios de aplicá-la eram os mais diversos e cruéis possíveis, tais como, crucificação, a espada, o fogo e mais tarde a forca, que veio substituir a crucificação, isto a partir de Constantino. No Império a aplicação da pena observava a classe social do condenado, sendo que a tortura era reservada apenas a plebe. Esta estrutura persistiu até o Iluminismo.

O Direito romano influenciou fortemente o sistema jurídico ocidental, sobretudo em alguns conceitos já conhecidos a época, como o dolo e a culpa.

A esta fase a prisão não possuía a finalidade de cumprimento de pena, era apenas um meio de conter o acusado até o julgamento e aplicação da pena imposta.

3.2. Direito Germânico.

Em sua fase primitiva vigoravam as regras costumeiras. A aplicação das penas era fundada na vingança privada. A composição era largamente difundida, pois o crime era tratado como assunto privado, o que autorizava as partes a praticarem a vingança ou transigirem.

Conforme destaca Fragoso (1995, p.31), nesta fase:

“O direito é concebido como ordem de paz e sua transgressão como ruptura da paz, pública ou privada, conforme se trate de crime público ou privado. A perda da paz por crime público permitia que qualquer pessoa desse morte ao transgressor, analogamente ao que acontecia ao antigo direito romano. No caso de crime privado a perda da paz implicava Faida, que era um estado de inimizade entre o ofendido e seus parentes e o criminoso, impondo o dever da vingança de sangue.”

A composição foi um instituto largamente empregado no direito germânico, sendo que possuía um caráter misto compreendendo a pena e o ressarcimento, como descreve Fragoso:

“Nela distinguiam-se a Wergeld ou Manngeld, que era a soma em dinheiro a ser paga à família da vítima, em caso de homicídio e crimes a ele assimilados, e a Busse, que era a indenização aplicável aos crimes de menor gravidade. Além desses pagamentos feitos ao ofendido ou à sua Sippe, era devido ao tribunal ou ao rei, como mediadores, o preço da paz (Friedensgeld, Fredum, Fredus). Ao antigo direito germânico era estranha a pena do talião, que só tardiamente foi aplicada, por influência do direito romano e do cristianismo.” (FRAGOSO,   1995,p.33)

“É também característica do direito germânico a prevalecência, por longo tempo, do aspecto objetivo do fato delituoso, em contraposição ao direito romano da época clássica, que proclamava o primado subjetivo. Atende-se ao dano causado, sem indagar se resultou de culpa, dolo ou caso fortuito.” (FRAGOSO,1995, p.32)

3.3. Direito Canônico.

A importância do direito canônico é reflexa da influência que o Cristianismo teve no ocidente. Tal influência tem como marco inicial a imposição da religião cristã como única religião do Estado, tal fato se deu em 379 a.C, com Teodósio l. A partir deste episódio o poder temporal passa a utilizar-se da sua influencia para impor-se ao Estado, para tanto se utilizava da prerrogativa de ser o representante de Deus na terra.

Este regramento abordava os crimes em divisões distintas, como se segue:

“[…] delicta eclesiastica (de exclusiva competência dos tribunais eclesiásticos), delictamere secularia (julgados pelos tribunais leigos) e delicta mixta, os quais atentavam ao mesmo tempo contra a ordem divina e humana e poderiam ser julgados pelo tribunal que primeiro deles conhecesse.” (FRAGOSO,   1995, p.33)

Para Fragoso (1995, p. 33) a importância do direito canônico pode ser ressaltada ainda no forte conteúdo disciplinar que as suas normas continham. Neste sentido desenvolve a noção da pena como forma de espiar o pecado, consignado na justa retribuição, arrependimento e emenda do réu. Ainda é importante ressaltar que coube ao direito canônico dar maior efetividade ao conceito de igualdade entre os homens o que levou em um segundo momento a acentuar o aspecto subjetivo do crime. Apesar da forte carga humanitária que permeia o direito canônico, este sistema jurídico carrega em sua história as marcas deixadas pelas práticas da Santa Inquisição, a qual utilizava os mais cruéis meios para alcançar os seus objetivos. Por ultimo destaca-se a penitenciaria como uma instituição nitidamente eclesiástica.

4. PERÍODO HUMANITÁRIO

A compreensão desta fase evolutiva do direito penal deve ser estudada tendo em conta a evolução do pensamento racional proporcionada pelo Iluminismo. O homem se reencontra como objeto do seu estudo, passando assim a orientar seu raciocínio para as questões políticas e sociais que o aflige, alterando o quadro estático até então vigente.

Para Greenwood (apud, FRAGOSO, 1995, p. 39) :

“Iluminismo significa a auto-emancipação do homem da simples autoridade, preconceito, convenção e tradição, com insistência no livre pensamento sobre problemas que tais instâncias consideravam spacer

O período compreendido entre os séculos XVII e XVIII é um ponto de conflito entre os ideais da burguesia liberal emergente e o Estado absolutista em declínio. A nobreza enfraquecida pelo fortalecimento dos ideais burgueses tentava reafirmar sua posição dominante, no entanto era combatida firmemente pela classe burguesa, que via na derrocada dos nobres o seu momento de assumir o poder. A igreja católica, ainda empenhada em combater o protestantismo buscava firmar-se na nobreza, tentando manter o status quo que permitira construir a sua rede de influência, que a tornara um poder supra-estatal.

É neste ambiente de ideais antagônicos que desenvolve o pensamento Iluminista.

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4.1. A Contribuição do Iluminismo.

O desenvolvimento do direito está sempre atrelado ao desenvolvimento do pensamento racional. É neste ambiente de mudança que surge e se desenvolve o movimento chamado Iluminismo.

A filosofia iluminista contribuiu imensamente para o desenvolvimento do direito vigente até então. Nesta linha diversos trabalhos foram desenvolvidos, como destaca René Ariel Dotti:

“Muitos escritores famosos do século XVII, além de Beccaria, se interessaram profundamente pelas questões da justiça criminal. Entre eles podem ser referidos; Jean Jacques Rousseau, (O contrato social, 1762), Montesquieu, (O espírito das leis, 1748), Voltaire, (O preço da justiça e da humanidade, 1777), Jeremias Bentham, (Introdução aos princípios morais na legislação, 1780), Immanuel Kant, (Crítica da razão pura, 1788), e Friedrich Hegel (Filosofia dos direitos, 1821).” (DOTTI, 2003, p.143)

Essa construção filosófica acima descrita auxiliou os trabalhos desenvolvidos por Cesare Bonesa, o Marquês de Beccaria e de John Howard.

4.2. As Críticas de Beccaria.

Leciona Fragoso que:

“Beccaria parte do contrato social, afirmando que o fim da pena é apenas o de evita que o criminoso cause novos males e que os demais cidadãos o imitem, sendo tirânica toda punição que não se funde na absoluta necessidade. Defendia a conveniência de leis claras e precisas, não permitindo sequer ao juiz o poder de interpretá-las, opondo-se dessa forma ao arbítrio que prevalecia na justiça penal …”

“…ao movimento de Reforma que se inicia com a enorme repercussão que teve a obra de Beccaria, tem-se chamado de Humanitário, pois lança a idéia de respeito à personalidade humana e se funda em sentimentos de piedade e compaixão pela sorte das pessoas submetidas ao terrível processo penal e ao regime carcerário que então existiam.” (FRAGOSO, 2004, p. 48-49)

O trabalho de Beccaria significa uma ruptura com as práticas medievais ainda vigentes. A partir da difusão de sua obra, a crítica ao sistema criminal tornou-se forte, passando a influenciar as legislações posteriores, podendo-se afirmar que ainda é um trabalho atual, haja vista as condições em que o sistema penal-carcerário tem funcionado.

René Dotti sintetiza as críticas de Beccaria nos seguintes pontos:

Denuncia o uso da lei em favor de minorias autoritária.

Sustenta a idéia da proporcionalidade entre os delitos e as penas.

Prega a necessidade de clareza das leis e sujeita o pretexto adotado por muitos magistrados de que era preciso consultar o espírito da lei, visando aplicá-lo de forma injusta.

Analisa as origens das penas e do direito de punir, sustentando que a moral política não pode proporciona nenhuma vantagem durável se não estiver baseada sobre sentimentos indeléveis do coração do homem.

Advoga a moderação das penas opondo-se vigorosamente a pena de morte e as demais formas de sanções cruéis.

Condena a tortura como meio de obter confissões e sustenta a necessidade da lei estabelecer com precisão, quais seriam os índices que poderiam justificar a prisão de uma pessoa acusada de um delito.

Reprova o costume de se por a cabeça a prêmio, de oferecer recompensa para a captura do criminoso.

Reivindica a necessidade de uma classificação de delitos e a descriminalização de vários deles.” (DOTTI, 2003, p.144)

4.3.  A Experiência de John Howard.

Humanista de tradicional família inglesa. Esteve preso no calabouço da cidade de Brest em 1775, quando se dirigia para Lisboa a fim de ajudar as vítimas do terremoto.

Ao retornar para Inglaterra passou a combater o sistema prisional da época. Com este objetivo viajou por diversos países do continente europeu colhendo informações sobre as prisões, lazaretos e hospitais, sendo posteriormente publicadas na obra “The State of Prisons in England and Walles” (DOTTI, 2003,p.145). Esta obra tornou-se um dos clássicos do Direito Penitenciário Mundial.

Segundo Dotti (2003, p.145), Howard destacou as necessidades e condições das prisões da época, fixando as seguintes bases:

a) condições humanas de higiene e alimentação deveriam ser proporcionadas aos reclusos

b) a disciplina deveria ser diferenciada para os presos provisórios e os condenados.

c) implantação da educação moral e religiosa nos estabelecimentos penitenciários.

d) implantação do trabalho para os reclusos

e) sistema celular mais humanizado.

4.4.  Escola Clássica.

Segundo MIRABETE,( 2002, p.39), a nomenclatura Escola Clássica surgiu com os adeptos da Escola Positivista, os quais a cunhavam de forma pejorativa, desqualificando o trabalho desenvolvido sob a influência dos Iluministas. A Escola Clássica compreende inúmeros trabalhos que vieram a público na primeira metade do século XIX. Dentre os inúmeros trabalhos que representam a Escola Clássica cumpre destacar os nomes de: Jeremy Bentham, Paul Johann Anselm Von Feuerbach, Gaetano Filangieri, Giandomenico Romagnosi e Francesco Carrara.

Dentre outras premissas a Escola Clássica sustenta que:

a) “o direito penal deve utilizar-se do método dedutivo, abandonando o experimentalismo próprio das ciências naturais.” (MIRABETE, 2002, p. 39

b) “o crime e a pena como entes jurídicos, com abstração da realidade humana que envolve a conduta delinqüente;                                                   c)  “o fundamento da responsabilidade penal é a responsabilidade moral, com base no livre arbítrio, distinguindo entre inimputáveis e imputáveis.” (DOTTI, 2003, p. 153)

5. PERÍODO CIENTÍFICO

Esta fase também ficou conhecida como Período Criminológico. Sua base doutrinária foi fortemente influenciada pelas teses positivistas, sobretudo pelas teorias deterministas e evolucionistas. Mirabete descreve este período nos seguintes termos:

“O movimento Criminológico iniciou-se com os estudos de César Lombroso, com a publicação da obra Luomo Delinqüente studiato in rapporto, all antropologia, alla medicina legale e alle discipline carcerarie, expondo suas teorias e abrindo nova etapa na evolução das idéias penais. Aborda o crime como manifestação da personalidade humana e produto de várias causas. Lombroso estuda o delinqüente do ponto de vista biológico. Criou com seus estudos a Antropologia Criminal e, nela, a figura do criminoso nato. Esse pioneiro firmou alguns conceitos básicos, alguns ampliados, outros retificados por seus seguidores, que deram novas diretrizes e abriram novos caminhos no estudo do crime e do criminoso…

Apesar dos exageros da teoria lombrosiana, seus estudos abriram novas estradas na luta contra a criminalidade”.  (MIRABETE, 2002, p.40)

Mirabete sintetizou as idéias de Lombroso nos seguintes pontos:

O crime é um fenômeno biológico, não um ente jurídico, como afirmava Carrara. Por essa razão, o método que deve ser utilizado em seu estudo é o experimental, e não o lógico-dedutivo dos clássicos.

O criminoso é um ser atávico e representa a regressão do homem ao primitivismo. É um selvagem e nasce delinqüente como outros nascem sábios ou doentios, fenômeno que na biologia é chamado degeneração.

O criminoso nato apresenta características físicas e morfológicas específicas, como assimetria craniana, fronte fugidia, zigomas salientes, face ampla e larga, cabelos abundantes e barba escassa, etc.

O criminoso nato é insensível fisicamente, resistente ao traumatismo, canhoto ou ambidestro, moralmente insensível, impulsivo, vaidoso e preguiçoso.

A causa da degeneração que conduz ao nascimento do criminoso é a epilepsia (evidente ou larvada), que ataca os centros nervosos, deturpa o desenvolvimento do organismo e produz regressões atávicas.

Existe a loucura moral, que deixa íntegra a inteligência, suprimindo, porém, o senso moral.

O criminoso é, assim, um ser atávico, com fundo epiléptico e semelhante ao louco moral, doente antes que culpado e que deve ser tratado e não punido.” ( LOMBROSO, apud, MIRABETE, 2002, p. 40-41)

É pacífico, que Lombroso cometeu diverso exageros em seus estudos, sobretudo pela forte influência da filosofia positivista, mas também é louvável a sua contribuição para o desenvolvimento das ciências criminológicas, especialmente para a medicina legal.

A referência a Escola Positivista deve sempre resguardar um ponto especial a obra Sociologia Criminal de Henrique Ferri,

Mirabete destaca que coube a Ferri ressaltar a importância de um trinômio causal do delito: os fatos antropológicos sociais e físicos. Mirabete destaca também que foi a obra de Ferri que estabeleceu uma divisão dos criminosos em cinco categorias, como se segue:

“O criminoso nato, segundo Lombroso.

O louco, portador de doença mental;

O habitual, produto do meio social;

O ocasional, indivíduo sem firmeza de caráter e versátil na prática do crime,

O passional, homem honesto, mas de temperamento nervoso e sensibilidade exagerada.”

Outro importante estudioso que contribui para as ciências penais nesta fase foi Rafael Garófalo. Em sua obra, Criminologia, estudou o delito, o delinqüente e a pena. Seu trabalho também foi desenvolvido sob influência da Escola Positivista.

5.1. Escola Positivista

A Escola Positivista está intimamente ligada ao chamado Período Científico ou Criminológico. Ferri, seu maior representante no campo jurídico, classifica seus principais aspectos em dois campos distintos: político social e cientifico. Esta divisão nos é apresentada por René A. Dotti, nos seguintes termos:

“Na esfera política social:

Afirmou a necessidade de restabelecer o equilíbrio entre os direitos do indivíduo e os do Estado.

Opôs-se à ilusão, dominante na Idade Média e acolhida pela Escola Clássica, de que o remédio mais eficaz para o crime era a pena, feroz ou mitigada.

Na esfera científica ressalta os seguintes pontos, dentre outros:

O crime, a pena e a sua execução não devem separar-se nunca do delinqüente.

O Estado deve limitar-se a organizar a defesa social repressiva contra a delinqüência, não assumindo, para tanto, nenhuma função filosófica, religiosa ou ética.

A pena não deve somente atender à gravidade objetiva e jurídica do crime, mas também, deve adaptar-se à personalidade do delinqüente. O determinismo é a força que impulsiona a conduta delituosa.

A maior exigência da justiça penal é assegurar uma defesa social mais eficaz contra os criminosos mais perigosos e uma defesa mais humana para os criminosos menos perigosos, que constituem o maior número.” (DOTTI, 2003, p.156)

5.2.  Escolas Ecléticas.

Objetivando superar os rigores extremados da Escola Clássica e da Escola Positivista, novos movimentos ganharam peso a partir do século XIX.

Na Alemanha surgiu a Escola Moderna Alemã, orientada pela iniciativa de Von Lizst. Magalhães Noronha ressalta que essa escola tinha como foco principal: (Noronha, 1997) […] “a adoção de medidas e providências de ordem práticas no interesse da repressão e prevenção do delito o que conseguiu, introduzindo nas legislações diversos institutos”.

Noronha,( 1997), “observa ainda que, a pena para Lizst e seus seguidores, tem função preventiva geral e especial, aquela advertindo a todos, esta quando recai sobre o delinqüente”.

René A. Dotti resume os princípios desta corrente nos seguintes termos:

a) o Direito Penal é a ciência independente que se ocupa da exposição dogmática do Direito vigente e emprega o método lógico-abstrato.

b) a criminologia, a Penologia e a Política Criminal, embora ligadas ao Direito Penal, são ciência autônomas e aplicam o método experimental,

c) a imputabilidade tem como base a responsabilidade penal e, sem entrar no âmago da questão do livre-arbítrio e do determinismo, deve ser declarado culpado o sujeito que tenha capacidade de se conduzir socialmente. No entanto para determinada categoria de infratores, a natureza das medidas aplicáveis dependerá de sua periculosidade,

d) o delito é ao mesmo tempo, considerado como conceito jurídico proporcionado pelo Direito Penal e como fenômeno natural, suscetível investigações criminológicas quanto à sua etiológia e formas de apresentação.

e) a luta contra o delito deve empregar tanto a pena como a medida de segurança.” (DOTTI, 2003, p.157)

Na Itália surgiu a chamada Terza Scuola, a qual se alinha os estudos desenvolvidos por Alimina, Carnivale e Impalomeni. Esta corrente também fora denominada de Positivismo Crítico. Suas teorias se pautam na Antropologia e Sociologia Criminal, realizam uma distinção entre o imputável e o inimputável. (NORONHA , 1997, p. 40)

 

Bibliografia utilizada:
BÍBLIA SAGRADA. Traduzida por: João Ferreira de Almeida, SBB, 1969, p.238e239
DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal, parte geral, 2003.
FRAGOSO, Cláudio Heleno, Lições de Direito Penal, 1995. Rio de Janeiro.  Forense.
FRAGOSO,Cláudio Heleno. Lições de Direito Penal, 2004. Rio de janeiro.  Forense.
Mirabete, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal, parte geral, 2002. São Paulo. Atlas.
NORONHA ,E.M. Direito Penal Vol. 1, 1997. São Paulo. Saraiva.
Notas:
[1] Esta publicação é parte integrante da monografia “garantias constitucionais na execução penal: análise crítica do regime disciplinar diferenciado”, apresentada para conclusão de curso para graduação de bacharel em Direito no Centro Universitário Curitiba.  
[2] Bíblia Sagrada, traduzida por: João Ferreira de Almeida,SBB,1969, p.238e239

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Ageu Tenório da Silva

 

Acadêmico de direito na Fcauldade de Direito do Centro Universitário Curitiba, Curitiba Paraná

 


 

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