Resumo: Através do presente trabalho se discorre acerca do foro por prerrogativa de função, realizando-se análise e descrição do referido instituto em âmbito nacional. Com o intuito de delimitar a aplicação deste critério de competência especial, contextualizou-se o mesmo, realizando-se sua evolução histórico-constitucional ao longo dos textos legais que foram promulgados ao longo da história, para ao final concluir sobre sua manutenção ou não no ordenamento jurídico vigente. Trata-se de pesquisa qualitativa, através de metodologia de análise de conteúdo.
Palavras-chave: Direito Processual Penal; Direito Penal; Direito Constitucional; Foro por prerrogativa de função.
Abstract: Through the present paper elaborates on the forum by prerogative function, performing analysis and description of the institute nationwide. In order to delimit the application of special jurisdiction criterion, contextualized to the same, performing its historical and constitutional developments over the legal texts that were promulgated throughout history to the end conclude on maintenance or not in current law. It is a qualitative research, through content analysis methodology.
Keywords: Criminal Procedural Law; Criminal Law; Constitutional right; Forum for right function.
Sumário: Introdução. 1. Histórico do foro por prerrogativa de função no Brasil. 2. Conceituação do foro por prerrogativa de função. Conclusões.
Introdução
No Brasil, o foro por prerrogativa de função foi estabelecido no longínquo período em que o mesmo era colônia portuguesa, sendo inicialmente um privilégio que pessoas “importantes” detinham, vide art. 179, XVII, da Constituição de 1824.
Com o decurso de tempo, chega-se ao estado atual, em que o referido sistema é denominado comumente por foro privilegiado, ante a sua ampla abrangencia e benefício aos que dele usufruem, sendo uma garantia do legislativo que determinadas pessoas públicas/políticas possuem, a partir do cargo que detém, com critérios de competência especial para julgamentos de crimes de responsabilidade e comuns de natureza penal.
Através do artigo se realiza esboço histórico do foro por prerrogativa de função no Brasil, analisando-se como o mesmo evoluiu e/ou regrediu com o passar dos anos, chegando-se ao conceito atual do critério de competência especial. Quanto à metodologia, trata-se de pesquisa qualitativa, através da análise de conteúdo.
Conclui-se pela relevância da discussão principalmente pelo crescimento de demandas judiciais frente aos políticos brasileiros, as quais em algumas oportunidades são extintas pela questão processual que o instituto assegura. Com isso, a temática apresenta frequente debate acerca de sua manutenção no ordenamento jurídico, motivo pelo qual, com o presente trabalho objetiva-se apresentar argumentos para que ocorra um debate com maior embasamento e subsídios.
1. Histórico do foro por prerrogativa de função no Brasil.
No que se refere ao histórico do foro por prerrogativa de função, realiza-se análise evolutiva do critério junto aos diversos ordenamentos jurídicos que existiram no Brasil, referenciando-se dados concretos de julgamentos brasileiros desde a promulgação da Constituição Federal 1988, traçar comparativo com outros países, para ao final conceituar o critério de competência especial.
O inicio do foro por prerrogativa de função, no direito processual penal, emerge como manifestação do processo penal romano, configurando relevante alteração realizada neste período a designação de “certos privilégios que suspenderam, em favor de determinadas classes de pessoas, as regras ordinárias da instrução criminal”. Neste norte, José Mendes de Almeida Júnior, refere-se à jurisdição especial para julgamento dos crimes “aos senadores, cujos crimes eram julgados por senadores, aos eclesiásticos que não eram julgados senão pelas jurisdições mais altas,” além das isenções, consubstanciadas nas quaestiones ou tormentos para os soldados e seus filhos, aos veteranos do exército, para os clarissimi em geral, etc[1].
Posteriormente, junto às jurisdições eclesiásticas, convém destacar o Alvará de 20 de janeiro de 1580, expedido pelo cardeal rei D. Henrique, que estabelecia foro privilegiado para os oficiais do Santo Ofício, familiares e criados de deputados do Conselho Geral, de inquisidores, de deputados e de secretários[2].
Nos termos sustentados por José Mendes de Almeida Júnior, referidos benefícios foram alargados por Filipe II, fulcro no Alvará de 31 de dezembro de 1584, autorizando a expedição de alvarás de fiança pelo Conselho Geral para os privilegiados. Ademais, a ampliação não foi apenas no que se refere aos privilégios, a abrangência da jurisdição e das imunidades eclesiásticas merece destaque, ratificando a influência do clero no período[3].
Em razão desta sistemática, originou-se a marcha dos reis ao diferenciar os delitos referentes às justiças seculares, daqueles associados às oficialidades eclesiásticas. Neste processo, ampliaram-se os casos privilegiados, que estavam “fundados não sobre a natureza dos fatos, mas sobre a qualidade das pessoas acusadas, estabelecidos em favor dos nobres, dos juízes, dos oficiais judiciais, abades e priores, fidalgos e pessoas poderosas”, culminando na classificação dos crimes, relativamente às jurisdições, em crimes privilegiados, crimes eclesiásticos e crimes comuns[4].
Assim, verifica-se que o instituto do foro por prerrogativa de função teve crescimento durante a Idade Média, sendo comumente utilizado aos nobres e eclesiásticos. Todavia, conforme será explicitado, atualmente, as principais ordens constitucionais da Europa Ocidental mantém mínimos vestígios do critério de competência especial.
Em perspectiva nacional, o primeiro registro acerca do tema, vem da longínqua Constituição brasileira de 1824, que em seu inciso XVII, dispunha da seguinte maneira: “A' excepção das Causas, que por sua natureza pertencem a Juizos particulares, na conformidade das Leis, não haverá Foro privilegiado, nem Commissões especiaes nas Causas civeis, ou crimes[5]”.
Posteriormente, no Brasil, proclamada a República em 1889, a Constituição de 1891, no artigo 57, parágrafo 2º, instituiu o foro privilegiado, dando competência ao Senado para julgar os membros do Supremo Tribunal Federal nos crimes de responsabilidade e, ao STF, para julgar os juízes federais inferiores (artigo 57, parágrafo 2º) e o presidente da República e os Ministros de Estado nos crimes comuns e de responsabilidade (artigo 59, II). A partir de então, ora mais, ora menos, todas as Constituições mantiveram o foro privilegiado[6].
Nos termos de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino[7], a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891, passou pelo seguinte processo:
“Em 15 de novembro de 1889, com a edição do Decreto n.° l,de 15.11.1889, foi declarada a República. Nos termos desse decreto, as províncias, agora como estados integrantes de uma federação, formaram os Estados Unidos do Brasil. Foi instaurado um governo provisório, que, em 3 de dezembro, nomeou uma comissão para elaborar um projeto de Constituição, o qual, em 22.06.1890, foi publicado como "Constituição aprovada pelo Executivo". Em 15 de setembro de 1890 foi eleita a Assembléia-Geral Constituinte, que se instalou em 15 de novembro, e, em 24 de fevereiro de 1891, promulgou a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, com poucas modificações em relação ao projeto que fora aprovado pelo Executivo (cujo principal mentor, diga-se, foi o grande Rui Barbosa)”.
Assim, junto a Constituição de 1891, existia foro privilegiado para o Presidente da República, nos crimes de responsabilidade perante o Senado, e, nos crimes comuns perante o Supremo Tribunal Federal[8], incumbindo à Câmara dos Deputados a definição de procedência ou improcedência da acusação[9].
Outrossim, no que pertine a referida Constituição, o critério de competência especial se consubstanciava aos Ministros de Estado, nos crimes comuns e de responsabilidade sendo processados e julgados pelo Supremo Tribunal Federal, e, nos conexos com os do Presidente da República, pela autoridade competente para o julgamento deste[10]. Por derradeiro, competia ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar originariamente e privativamente os Ministros Diplomáticos, nos crimes comuns e nos de responsabilidade[11].
Com a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934, estabeleceu-se que, ao invés do Senado, um Tribunal Especial, seria competente para o julgamento do Presidente da República nos crimes de responsabilidade[12]. Ademais, a Corte Suprema teve a tarefa de processar e julgar, no que pertine aos crimes comuns, o Presidente da República, Ministros da Corte Suprema, e, nos crimes comuns e de responsabilidade, os Ministros de Estado, Procurador-Geral da República, Juízes dos Tribunais Federais e das Cortes de Apelação dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, Ministros do Tribunal de Contas, Embaixadores e Ministros Diplomáticos[13].
Já no ordenamento vigente da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937, foi definida competência originária a um Conselho Federal – composto por representantes dos Estados e por dez membros nomeados pelo Presidente da República[14] – para o processamento e julgamento do Presidente da República nos crimes de responsabilidade[15], bem como dos Ministros do Supremo Tribunal Federal nos delitos da referida natureza[16]. Com relação aos Ministros de Estado, estabeleceu-se o foro privilegiado, nos crimes comuns e de responsabilidade, perante o Supremo Tribunal Federal, e, nos conexos com os do Presidente da República, perante a autoridade competente para o julgamento deste[17].
Ainda, referente à Constituição de 1937, para o Supremo Tribunal Federal, foi fixada a competência para processar e julgar originariamente os seus Ministros e os Ministros de Estado, resguardada a competência do Conselho Federal, e o Procurador-Geral da República, os Juízes dos Tribunais de Apelação dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, os Ministros do Tribunal de Contas e os Embaixadores e Ministros diplomáticos, nos crimes comuns e nos de responsabilidade[18].
Quanto ao aspecto histórico vivenciado quando da promulgação da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946, Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino[19] asseveram:
“Com o término da Segunda Guerra Mundial, e o fim do Estado Novo, ocorre a redemocratização do Brasil. Depois de grande turbulência no quadro político interno ocorre a queda de Getúlio Vargas e, finalmente, a instalação de uma Assembleia Constituinte, em 2 de fevereiro de 1946. Em 18 de setembro de 1946 foi promulgada a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, elaborada com base nas Constituições de 1891 e de 1934. Segundo o Prof. José Afonso da Silva, embora essa "volta ao passado" tenha sido um erro, e a Constituição de 1946 não tenha conseguido realizar-se plenamente, ela cumpriu sua tarefa de redemocratização e proporcionou condições para o desenvolvimento do País, durante as duas décadas de sua vigência”.
No que se refere ao critério de competência especial, a Constituição de 1946 agregou diversas hipóteses que ensejavam a aplicação do foro privilegiado. Fixou a competência privativa do Senado Federal para julgar o Presidente da República[20], nos crimes de responsabilidade, e os Ministros de Estado, em crimes de mesma natureza, quando conexos com o daquele[21]; bem como processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal e o Procurador-Geral da República, também nos crimes de responsabilidade[22]. Ainda, concedeu competência especial aos Ministros de Estado que, nos crimes comuns e nos de responsabilidade, seriam processados e julgados pelo Supremo Tribunal Federal, ressalvada a hipótese do artigo 62, I[23].
Seguindo nos aspectos referentes a Constituição de 1946, para o Supremo Tribunal Federal fixou-se competência de processar e julgar originariamente o Presidente da República nos crimes comuns[24]; os seus Ministros e o Procurador-Geral da República também nos crimes comuns[25]; os Ministros de Estado, os Juízes dos Tribunais Superiores Federais, os Desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, os Ministros do Tribunal de Contas e os Chefes de Missão Diplomática em caráter permanente, nos crimes comuns e nos de responsabilidade, ressalvando-se a hipótese da parte final do art. 92[26]; e os mandados de segurança contra ato do Presidente da República, da Mesa da Câmara ou do Senado e do Presidente do próprio Supremo Tribunal Federal[27].
Portanto, a situação que se configura, a partir da Constituição brasileira de 1946, é a de uma ampla abrangência de foros privilegiados, que foi mantida, com pequenas variações, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, com a Emenda Constitucional de 1969. Grifa-se a inovação do foro privilegiado para deputados e senadores perante o Supremo Tribunal Federal[28].
A Câmara dos Deputados teve ampliadas suas atribuições, porquanto, competia o juízo de procedência da acusação contra o Presidente da República e aos Ministros de Estado[29]. Igualmente, a competência do Supremo Tribunal Federal foi ampliada, passando a competir o processamento e o julgamento, nos crimes comuns, do Vice-Presidente da República e dos deputados e senadores como referido acima[30].
Ampliou-se a competência originária do Tribunal Federal de Recursos, sendo cabível processar e julgar os juízes federais e do trabalho, além dos membros dos tribunais regionais do trabalho, bem como dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, e os do Ministério Público, nos crimes comuns e nos de responsabilidade[31]; os mandados de segurança contra ato de Ministro de Estado, do Presidente do próprio Tribunal ou das suas câmaras, turmas, grupos ou secções; do diretor-geral da Polícia Federal ou de juiz federal[32]; os habeas corpus, quando a autoridade coatora for Ministro de Estado ou a responsável pela direção-geral da polícia federal ou juiz federal[33].
Já no referente aos Tribunais de Justiça, permaneceu o foro privilegiado para juízes de inferior instância nos crimes comuns e nos de responsabilidade, agregando-se aos membros do Tribunal de alçada[34].
2. Conceituação do foro por prerrogativa de função
O presente tópico objetiva trazer à baila o atual conceito do critério de competência especial, com sua abrangência, bem como aborda os respectivos dispositivos legais atinentes ao tema. Assim, espera-se dirimir eventuais dúvidas referentes a aplicabilidade do foro por prerrogativa de função.
Dentre as diversas funções do Estado, destaca-se o exercício da jurisdição, que é o mecanismo que o Poder Judiciário garante o dever de administrar justiça aos que a solicitam. Necessita-se, assim, ter uma estruturação e concretização dessa função jurisdicional, que são dadas ante ao instituto da competência. Portanto, conforme sustentado por Arruda Alvim, competência configura-se nas tarefas de um determinado órgão do Poder Judiciário, afetas a esse em virtude de sua atividade jurisdicional específica[35].
Para definir a quantidade de jurisdição específica de cada órgão do Poder Judiciário, o Código de Processo Civil definiu a divisão tripartida de Chiovenda, que estabelece a competência como funcional, material ou territorial. No entanto, conforme suscitou Vicente Greco Filho, este critério não basta, pois existem regras de competência na própria Constituição Federal. Logo, no processo lógico de eliminação gradual de hipóteses para definição do juiz competente, a primeira análise deve-se ater às possibilidades de justiças especiais previstas na Carta Magna, cujas competências prevalecem sobre a competência geral da justiça comum. Sustenta-se, ainda, que as justiças especiais seriam as justiças especializadas, como a militar, eleitoral e do trabalho[36].
O objetivo precípuo do instituto das imunidades parlamentares é conferir aos representantes do povo a possibilidade de poderem exprimir suas opiniões, palavras, anseios de seus representados, sem sofrer retaliação, interferência externa, reforçando, assim a democracia. Neste norte, pontua Pedro Lenza[37] que referidas prerrogativas dividem-se em:
“a) imunidade material, real ou substantiva (também denominada inviolabilidade), implicando a exclusão da prática de crime, bem como a inviolabilidade civil, pelas opiniões, palavras e votos dos parlamentares (art. 53, caput); b) imunidade processual, formal ou adjetiva, trazendo regras sobre prisão e processo criminal dos parlamentares (art. 53, §§ 1.º ao 5.º, da CF/88)”.
Assim sendo, no que se refere a imunidade processual, cumpre ressaltar que a Constituição brasileira prevê duas espécies de foro especial, as quais foram divididas por Romão Côrtes Lacerda, quais sejam: a competência ratione materiae, em que, como o próprio nome indica, a matéria é o dado determinante da competência, consubstanciada nas justiças especializadas, como a militar, a federal, a eleitoral; e a competência ratione personae, em que a função a que está vinculada a pessoa confere-lhe um foro especial[38].
Assim sendo, é imperioso realizar comentários frente à relação configurada entre o instituto do foro privilegiado e o princípio do juiz natural. Essa garantia constitucional, prevista no art. 5°, inciso XXVII e LIII, CF/88, que decorre da cláusula do devido processo legal, traz em si a ideia de que juiz natural é aquele previamente instituído por lei[39], ou seja, a ideia de que o ordenamento não tolera a ocorrência de tribunais de exceção.
A competência especial ratione personae, é critério de determinação da competência de caráter excepcional em relação ao critério territorial, que é comum e residual. Assim, em razão desta especialidade, o legislador constituinte prevê, junto ao texto legal da Carta Maior, o foro por prerrogativa de função, que é competência advinda do critério pessoal, inexistindo, portanto, discrepância com o princípio do juiz natural. Pacelli Oliveira[40] esclarece:
“a matéria relativa à chamada competência por prerrogativa de função e competência em razão da matéria estão reguladas na Constituição da República, reservando-se à legislação ordinária a competência em razão do lugar. Assim, encontram-se totalmente revogados os dispositivos previstos nos arts. 86 e 87 do CPP. […] O que nos parece, contudo, inaceitável – daí o desatino – é querer criar regras atinentes ao princípio do juiz natural por meio de legislação ordinária. E mais: incluir tais disposições, de conteúdo ratione personae, com outras, em que a competência é estabelecida em razão do lugar. O retrocesso, mau gosto e, enfim, a inconstitucionalidade de tais disposições são patentes”.
Conforme se depreende da norma vigente, o Brasil adota o sistema do foro por prerrogativa de função para determinados cargos políticos/públicos, quando a pessoa que os ocupa, cometer crimes comuns (previstos no Código Penal e leis extravagantes) e crimes de responsabilidade (praticados por funcionários públicos e agentes políticos em razão de sua função).
A sistemática vigente se consubstancia em uma garantia do legislativo, a partir da relevância existente em determinados cargos/funções públicas, em fixar foro privativo para o processo e julgamento das infrações penais cometidas por seus representantes/ocupantes.
Esta situação acima referenciada gera a competência ratione personae, pois, atribui-se norma especial para o indivíduo, em vista da visibilidade e relevância do trabalho exercido, ocasionando, assim, julgamento por tribunal distinto do procedimento comumente utilizado. Segue a lição de Mirabete[41] acerca do tema:
“Entre as imunidades relativas, em seu sentido amplo, estao as referentes ao foro por prerrogativa de função, consistentes no direito de determinadas pessoas de serem julgadas, em virtude dos cargos ou funcoes que exercem, pelo Órgãos Superiores da Jurisdição, em competencia atribuída pela Constituição Federal ou constituições estaguais”.
Explicitando melhor a competência ratione personae, Tavora[42] define a necessidade do foro por prerrogativa de função, “em razão da alta relevância da função que desempenham, tem o direito ao julgamento por um órgão de maior graduação.”
Os beneficiados com a situação supra referida, são estabelecidos em disposições esparsas na legislação pátria, encontrando-se junto aos arts. 84 a 87 do CPP; arts. 22, I, d, e 29, I, d, da Lei n. 4737/1965 (Código Eleitoral); art. 14 da Lei n. 5.836/72; art. 4º, I, a, do Regimento Interno do STM (julgamento de oficiais generais das Forças Armadas); e arts. 29, X, 53, § 3º, 86, § 1º, I, 96, III, 102, I, b, c, 105, I, a, e 108, I, a, todos da CF/88, além das disposições das constituições estaduais.
Decide-se, assim, pela utilização de tabelas junto ao corpo textual do trabalho – ciente de que sua utilização pode ser considerada como não sendo a mais acertada – a fim de dirimir eventuais dúvidas, bem como facilitar a compreensão geral acerca da jurisdição competente para o foro por prerrogativa de função, ante as diversas possibilidades previstas no ordenamento jurídico brasileiro:
Portanto, conforme explicitado ante a tabela acima confeccionada, clara e cristalina a ampla abrangência do foro por prerrogativa de função junto ao ordenamento jurídico brasileiro, visto as inúmeras hipóteses em que a legislação ampara o seu uso.
Passa-se, assim, para outro critério que deve ser observado quando da designação do órgão competente para o julgamento da competência especial, que reside no sentido de definir se a natureza do crime influencia em sua fixação.
A orientação jurisprudencial exarada junto a Suprema Corte é uníssona[43] no sentido de definir apenas os crimes de responsabilidade e comuns ensejam a aplicação do foro por prerrogativa de função.
Os crimes de responsabilidade não configuram verdadeiramente infrações penais, mas infrações de ordem política, possuindo regramento distinto do disposto às infrações regidas pelo Direito Penal. Sobre o tema, Pacelli de Oliveira[44] arrazoa:
“Os chamados crimes de responsabilidade não configuram verdadeiramente infrações penais. Constituem, ao contrario, infrações de natureza eminentemente política, com tratamento bastante distinto daquele reservado às infrações abrangidas pelo Direito Penal. Estão submetidas a processo e julgamento perante a jurisdição política, integrada, em geral, por órgãos do Legislativo (Senado Federal, Câmara dos Deputados – à qual compete admitir a acusação contra o Presidente da República, conforme art. 85CF -, Assembleias Legislativas e Câmara de Vereadores)”.
Esclarecendo a situação supracitada, existe uma diferença, que reside no caráter da pena dos delitos, visto que as infrações penais têm como principal objetivo, a restrição da liberdade do indivíduo, ao passo que, o crime de responsabilidade, visa, caso haja condenação, a perda do cargo ou função pública e a vedação de exercício futuro, em decorrência do desempenho ilegal junto a atividade pública. No que tange aos crimes comuns, incluem-se todas as infrações de natureza penal, bem como as eleitorais.
Assim sendo, deve-se destacar que existe outra questão a ser observada, quando do direcionamento ao órgão competente para julgar o crime cometido pelo ocupante do cargo/função pública, beneficiada pelo foro por prerrogativa de função, que reside no sentido da natureza da infração. Neste sentido, segue, novamente, tabela ilustrativa:
Assim sendo, têm-se definidos os aspectos referentes à natureza do crime e a jurisdição competente para julgamento ante ao critério de competência especial, envolvendo todos os beneficiados pela regra.
Segundo entendimento da doutrina predominante sobre o assunto, a competência originária dos tribunais impõe-se em razão da dignidade e da importância de determinados cargos e funções públicas, como forma de garantir a independência funcional de seus titulares[46]. Cumpre, neste passo, transcrever posicionamento de Tourinho Filho[47]:
“há pessoas que exercem cargos de especial relevância no Estado, e, em atenção a esses cargos ou funções que exercem no cenário político-jurídico da nossa Pátria, gozam elas de foro especial, isto é, não serão processadas e julgadas como qualquer do povo, pelos órgãos comuns, mas pelos órgãos superiores, de instância mais elevada”.
No que se referem as possibilidades de prisão dos parlamentares, de acordo com a EC n°: 35/2001, resumidamente se observa: a) em regra os parlamentares federais não podem ser presos penalmente ou civilmente. Exceção: em caso de flagrante de crime inafiançável (racismo, tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e os definidos como crimes hediondos, ação de grupos armados, civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático), hipótese em que os autos serão enviados para à Casa respectiva no prazo de 24 horas, para que se resolva a questão da prisão, em voto aberto.
Outrossim, por intermédio da EC n°: 35/2001, outra alteração profunda no instituto do foro por prerrogativa de função, foi no sentido de que inexiste prévio pedido de licença para se processar parlamentar federal no STF, sendo que, no máximo, a Casa legislativa poderá sustar o andamento da ação penal de crime ocorrido após a diplomação, na hipótese em que o partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros assim entender. Inexiste, ainda, imunidade processual em relação a crimes praticados antes da diplomação.
Não é beneficiado, contudo, aquele que pratica o crime durante exercício eventual da função, como o jurado que pratique lesão corporal durante a sessão de julgamento do Tribunal do Júri, ou o substituto automático do secretário de Estado, o Vice-Governador que cometa delito durante exercício interino das funções de Governador[48].
Ademais, em razão de que o privilégio se refere ao cargo e não a pessoa, o foro por prerrogativa de função não se estende aos crimes realizados após a cessação definitiva do exercício funcional, conforme súmula nº: 451[49], do STF. Esse posicionamento ganha sustento nas palavras de Nucci[50]:
“Assim, caso alguém esteja respondendo por um determinado delito em Vara comum de 1º grau, uma vez que seja eleito, por exemplo, deputado federal, o feito será remetido, para continuidade, ao Supremo Tribunal Federal. Entretanto, se ele deixar o cargo, sem ter sido julgado, retornará à instância original, pois o crime foi praticado antes do exercício do mandato”.
Convém destacar, que as imunidades parlamentares são irrenunciáveis, visto que decorrem do cargo, não sendo um privilégio da pessoa. Portanto, a imunidade não se estende aos suplentes, salvo se estejam em seu efetivo exercício ou assumam o cargo.
Questão pertinente ao tema é quanto ao desmembramento do processo, na hipótese em que nem todos os envolvidos detenham o critério de competência especial. Diferindo do posicionamento adotado no processo do “mensalão”, a regra do STF é de que com base na conveniência da instrução e na racionalização dos trabalhos, deve-se desmembrar o processo.
Portanto, conforme explicitado anteriormente, o foro por prerrogativa de função teve origem junto ao ordenamento jurídico brasileiro no longínquo período em que era colônia portuguesa, a partir de então, ora mais, ora menos, todas as Constituições mantiveram o referido critério, divergindo, apenas existindo alterações quanto a sua abrangência.
Chega-se, assim, ao estado atual, que o referido sistema é denominado comumente por foro privilegiado, porquanto é uma garantia do legislativo que determinadas pessoas públicas/políticas possuem, a partir do cargo que detém, com critérios de competência especial, para julgamentos de crimes de responsabilidade e comuns de natureza penal, sendo, portanto, julgadas de maneira diversa dos demais.
Sendo assim, realizados apontamentos históricos e a atual conceituação do foro por prerrogativa de função, entende-se que foram feitos importantes considerações para que o leitor compreenda como o critério de competência especial ora evoluiu, ora regrediu, junto ao nosso ordenamento jurídico vigente, chegando a um momento contemporâneo em que apresenta ampla abrangência, acarretando, em algumas situações, em casos de absolvição dos acusados por questões meramente processuais inerentes ao instituto.
Conclusões
Com intuito de fazer uma análise progressiva, partindo-se dos aspectos históricos referentes ao tema, chega-se a um aspecto contemporâneo relativo a temática com sua atual conceituação.
Isso permite ao leitor realizar uma ‘linha cronológica’ de como o critério de competência especial evoluiu e/ou regrediu com o passar dos anos, entendendo como e por quais razões o mesmo se encontra no atual estágio, em que, ante sua abrangência e benefícios concedidos aos agraciados com o instituto, chega a ser denominado de foro privilegiado.
Conclui-se que é maléfico para o Poder Judiciário ter um instituto de competência especial com tamanha abrangência, e que acaba, por vezes, gerando sentimento de impunidade e descrédito, ante as constantes e crescentes absolvições por questões processuais, as quais são oriundas e partem da existência desta norma legal prevista junto ao ordenamento jurídico brasileiro.
(RHC 84184, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Primeira Turma, julgado em 06/06/2006, DJ 25-08-2006 PP-00054 EMENT VOL-02244-02 PP-00370 RTJ VOL-00200-02 PP-00898 LEXSTF v. 28, n. 333, 2006, p. 370-378 RT v. 96, n. 855, 2007, p. 513-516)
(RE 398042, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 02/12/2003, DJ 06-02-2004 PP-00038 EMENT VOL-02138-08 PP-01653).
(ADI 2587 MC, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 15/05/2002, DJ 06-09-2002 PP-00066 EMENT VOL-02081-01 PP-00177)
Informações Sobre o Autor
Lucas Andres Arbage
Advogado Especialista em Direito Penal e Processo Penal Mestrando em Educação pela Universidade Federal da Fronteira Sul UFFS