Evolução histórica do direito penal

Resumo: o presente artigo versa sob os aspectos mais relevantes da evolução histórica do Direito Penal, trazendo consigo noções básicas, e as dimensões por este alcançado em vários período distintos. No entanto, como ponto culminante, apresenta o caminho trilhado pelo direito penal no Brasil, bem como as obras que serviram de norte neste âmbito desde a antigüidade até os dias atuais.


Palavras-chave: Evolução Histórica; períodos; funções; influências; Escolas; Direito Penal.


sumário: 1. INTRODUÇÃO; 2. Períodos da Evolução Histórica do Direito Penal (2.1 Período da Vingança, 2.1.1 Fases e Influência da Vingança Penal, 2.1.1.1 Vingança Privada, 2.1.1.2 Vingança Divina, 2.1.1.3 Vingança Pública, 2.2 Período Humanitário, 2.2.1 Fases e Influências do Período Humanitário, 2.2.1.1 O Direito Penal e a “Filosofia das Luzes”); 3. Escola Naturalista e O Direito Natural; 4. Escola Clássica; 5. Período Cientifico (5.1 Funções e Influência do Período Cientifico ou Criminológico, 5.1.1 O Determinismo, 5.1.2 Os Evangelistas e a Escola Positiva, 5.1.3 O Movimento Positivista no Direito Penal); 6. O Direito Penal no Brasil; CONSIDERAÇÕES FINAIS; BIBLIOGRAFIA.


1. Introdução


Desde os primórdios da humanidade, o homem tem progredido em todos os sentidos. Através do desenvolvimento da razão, dom não atribuído a nenhum outro animal, exceto à espécie humana, o homem tem sempre estado organizado em grupos ou sociedades. No entanto, a interação social nem sempre é harmônica, pois nela o homem revela o seu lado instintivo: a agressividade.


Pode-se afirmar que através dos tempos o homem tem aprendido a viver numa verdadeira “societas criminis“. É aí que surge o Direito Penal, com o intuito de defender a coletividade e promover uma sociedade mais pacífica.


Se houvesse a certeza de que se respeitaria a vida, a honra, a integridade física e os demais bens jurídicos do cidadão, não seria necessário a existência de um acervo normativo punitivo, garantindo por um aparelho coercitivo capaz de pô-lo em prática. São haveria, assim, o “jus puniendi“, cujo titular exclusivo é o Estado.


Por isso é que o Direito Penal tem evoluído junto com a humanidade, saindo dos primórdios até penetrar a sociedade hodierna. Diz-se, inclusive, que “ele surge como homem e o acompanha através dos tempos, isso porque o crime, qual sombra sinistra, nunca dele se afastou” (Magalhães Noronha).


2. Períodos da evolução histórica do direito penal.


2.1 Período da Vingança


Tendo início nos tempos primitivos, nas primórdios da humanidade, o Período da Vingança prolonga-se até o século XVIII.


Nos tempos primitivos não se admitia a existência de um sistema orgânico de princípios gerais, já que grupos sociais dessa época eram envoltos em ambientes mágicos e religiosos. Fenômenos naturais como a peste, a seca, e erupções vulcânicas eram consideradas castigos das divindades, pela prática de fatos que exigiam reparação.


Podem-se distinguir as diversas fases de evolução da vingança penal, como a seguir:


· Fase da vingança privada;


· Fase da vingança divina; e


· Fase da vingança pública.


Entretanto, essas fases não se sucedem umas às outras com precisão matemática. Uma fase convive com a outra por largo período, até constituir orientação predominante, para, em seguida, passar a conviver com a que lhe se segue. Assim, a divisão cronológica é meramente secundária, já que a separação é feita por idéias.


2.1.1 Fases e Influência da Vingança Penal


2.1.1.1  Vingança Privada


Neste período histórico na vingança privada, cometido um crime, ocorria a reação da vítima, dos parentes e até do grupo social (tribo), que agiam sem proporção a ofensa, atingindo não só o ofensor, como todo o seu grupo. A inexistência de limites (falta de proporcionalidade) imperava no revide à agressão, bem como a vingança de sangue. Foi um dos períodos em que a vingança privada constituiu-se a mais freqüente forma de punição, adotada pelos povos primitivos.


A vingança privada constituía-se numa reação natural e instintiva, por isso, foi apenas uma realidade sociológica, não uma instituição jurídica.


Duas grandes regulamentações, com o evoluir dos tempos, encontraram-se fundadas na vingança privada: a lei de o talião e a composição.


Apesar de se dizer comumente pena de talião, não se tratava propriamente de uma pena, mas de um instrumento moderador da pena, o qual consistia em aplicar ao delinqüente ou ofensor o mal que ele causou ao ofendido, na mesma proporção.


Foi adotado no Código de Hamurabi:


Art. 209 – Se alguém bate numa mulher livre e a faz abortar, deverá pagar dez ciclos pelo feto”.


Art. 210 – Se essa mulher morre, então deverá matar o filho dele”.


Também encontrado na Bíblia Sagrada:


Levítico 24, 17 – Todo aquele que feri mortalmente um homem será morto”.


Assim como na Lei das XII Tábuas.


Tábua VII, 11 – Se alguém fere a outrem, que sofra a pena de Talião, salvo se houver acordo”.


 “Ut supra“, a Lei de Talião foi adotado por vários documentos, revelando-se um grande avanço na história do Direito Penal por limitar a abrangência da ação punitiva.


 Posteriormente, origina-se a composição, através do qual o ofensor comprava sua liberdade, com dinheiro, gado, armas, etc. Adotada, também, pelo Código de Hamurabi (Babilônia), pelo pentateuco (Hebreus) e pelo Código de Manu (Índia), foi largamente aceita pelo Direito Germânico, sendo a origem remota das indenizações cíveis e das multas penais.


2.1.1.2  Vingança Divina


Nesta era, a religião atinge influência decisiva na vida dos povos antigos.


A repressão ao delinqüente nessa fase tinha por fim aplacar a “ira” das divindades ofendidas pela prática do crime, bem como castigar ao infrator.


A administração da sanção penal ficava a cargo dos sacerdotes que, como mandatários dos deuses, encarregavam-se da justiça.


Aplicavam-se penas cruéis, severas, desumanas. A “vis corpolis” era usa como meio de intimidação.


No Oriente Antigo, pode-se dizer que a religião confundia-se com o Direito, e, assim, os preceitos de cunho meramente religioso ou moral, tornavam-se leis vigentes.


A legislação típica dessa fase era o Código de Manu, mas esses princípios foram adotados na Babilônia, no Egito (Cinco Livros), na China (Livro das Cinco Penas), na Pérsia (Avesta) e pelo povo de Israel.


2.1.1.3  Vingança Pública


Com uma saciedade um pouco mais organizada, especialmente no que tangia ao desenvolvimento do poder político, surge, no seio das comunidades, a figura do chefe ou da assembléia.


A pena, portanto, perde sua índole sacra para transformar-se em uma sanção imposta em nome de uma autoridade pública, a qual representava os interesses da comunidade em geral.


Não era mais o ofendido, ou mesmo os sacerdotes, os agentes responsáveis pela sanção, mas sim o soberano (rei, príncipe, regente). Este exercia sua autoridade em nome de Deus e cometia inúmeras arbitrariedades.


A pena de morte nesta época era uma sanção largamente difundida e aplicada por motivos que hoje são considerados insignificantes. Usava-se mutilar o condenado, confiscar seus bens e estender a pena além do pessoa do apenado, geralmente atingia-se até os familiares do delinqüente.


Embora a criatura humana vivesse aterrorizada período da história, devido à falta de segurança jurídica, verificou-se um grande avanço no fato de a pena não ser mais aplicada por terceiros, e sim pelo Estado.


2.2 Período Humanitário


O denominado Período Humanitário transcorre durante o lapso de tempo compreendido entre 1750 e 1850.


Tendo seu apogeu no decorrer do Humanismo, esse período foi marcado pela atuação de pensadores que contestavam os ideais absolutistas.


Pugnava-se nesta época pela reforma das leis e da administração da justiça penal no fim do século XVIII.


Os povos estavam saturados de tanta barbárie sob pretexto de aplicação da lei. Por isso, o período humanitário surgiu como uma reação as arbitrariedade praticadas pela administração da justiça penal e contra o caráter real das sanções.


Os escritos de Monteguieu, Voltaire, Rosseau, D’Alembert e o Cristianismo foram de suma importância para o humanismo, uma vez que construiram o próprio alicerce do período humanitário.


O pensamento predominante da época ia de encontro a qualquer crueldade e se rebelava contra qualquer arcaísmo do tipo: “Homens, resisti à dor, e sereis salvos”. (Basileu Garcia).


2.2.1 Fases e Influências do Período Humanitário


2.2.1.1  O Direito Penal e a “Filosofia das Luzes”


Nos séculos XVII e XVIII, o pensamento que predominava era de que “o homem deveria conhecer a justiça”. Esta época porém foi marcada pela expansão da burguesia, classe social que comandava o desenvolvimento do capitalismo. Mas nem tudo era belo e tranqüilo: havia um grave conflito de interesses entre os burgueses (classe emergente) e a nobreza.


Surgiu, então, um sistema de idéias que deu origem ao liberalismo burguês, e estas idéias ganharam força através de um movimento cultural conhecido como Iluminismo ou Filosofia das Luzes.


Os pensadores iluministas, em geral, pregavam a necessidade de uma ampla reforma do ensino, criticavam duramente a intervenção do Estado na economia e achincalhavam a Igreja e os poderosos.


Nem mesmo Deus escapava às discussões desta época. O Deus iluminista, racional, era o “grande relojoeiro”, nas palavras de Voltaire.


Deus foi encarado como expressão máxima da razão, legislador do Universo, respeitador dos direitos universais do homem, da liberdade de pensar e se exprimir. Era também o criador da “lei”, a qual no sentido expresso pelo filósofo iluminista Montesquieu era a “relação necessária que decorre da natureza das coisas”.


Foram, evidentemente, escritos como os de Montesquieu, Voltaire, Rosseau e D’Alembert que induziram o advento do humanismo e o início da radical transformação liberal e humanista do Direito Penal.


 Locke, filósofo inglês, foi considerado o pai do iluminismo, e escreveu a obra intitulada como “Ensaio sobre o Entendimento Humano”. Montesquieu, jurista francês, escreveu: “O Espírito das Leis”, defendendo a separação dos três poderes do Estado. Voltaire, pensador francês, ficou reconhecido e eternizado pela história pelas críticas ao clero católico, à intolerância religiosa e à prepotência dos poderosos. Rousseau, filósofo francês, célebre defensor da pequena burguesia e inspirador dos ideais da revolução Francesa, foi autor da obra “O Contrato Social” e “Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens”. Por fim, Diderot e D’Alembert foram os principais organizadores da “Enciclopédia”, obra que resumia os principais conhecimentos artísticos, científicos e filosóficos da época.


Os pensadores iluministas, supra citados, em seus escritos, trouxeram a tona uma nova ideologia, o pensamento moderno que repercutiria até mesmo na aplicação da justiça: à arbitrariedade se contrapôs a razão, à determinação caprichosa dos delitos e das penas se pôs a fixação legal das condutas delitivas e das próprias penas.


Os povos clamavam pelo fim de tanto barbarismo disfarçado.


Em 1764, imbuído dos princípios iluministas, Cesar Bonesana, Marquês de Beccaria, fizeram publicar a obra “Dei Delitti e Delle Pene“, que, posteriormente, foi chamada de “Pequeno Grande Livro”, por ter se tornado o símbolo maior da reação liberal ao desumano panorama penal até então vigente.


Os princípios básicos pregados pelo jovem aristocrata de Milão firmaram o alicerce do Direito Penal moderno, e muitos desses princípios foram, até mesmo, adotados pela declaração dos Direitos do homem, durante a Revolução Francesa.


Segundo ele, não poderia o magistrado aplicar penas que não estivessem previstas em lei. A lei seria uma obra exclusiva do legislador ordinário, que “representa toda a sociedade ligada por um contrato social”.


Quanto a crueldade das penas referia que era de todo inútil, odiosa e contrária à justiça.


Sobre as prisões de seu tempo dizia que “eram a horrível mansão do desespero e da fome”, faltando dentro delas muita coisas, mas principalmente a piedade e a humanidade.


Não foi à toa que alguns autores o entitulavam de “Apóstolo do Direito”, pois o jovem marquês de Beccaria revolucionou o Direito Penal e sua obra significou um largo passo na evolução do regime punitivo.


3. Escola Naturalista e o Direito Natural


Durante os séculos XVI e XVIII, na denominada fase racionalista surgiu a Escola do Direito Natural, de Hugo Grócio, Hobbes, Spinoza, Puffendorf, Wolf, Rousseau e Kant. Sua doutrina apontava os seguintes pontos básicos: a natureza humana como fundamento do Direito; o estado de natureza como suposto racional para explicar a sociedade; o contrato social e os direitos naturais inatos.


De conteúdo humanitário e influenciado pela filosofia racionalista, a Escola propagou o Direito Natural como eterno, imutável e universal.


Todavia a Escola do Direito Natural teve uma certa duração, porém a corrente que se formou, ou seja, o jusnaturalismo prolongou-se até os dias atuais.


Romagnosi, um dos iniciadores da Escola Clássica, fundamentou sua obra, “Gênesis do Direito Penal”, concebendo o Direito Penal como um direito natural, imutável e anterior às convenções humanas.


Embora ainda sob uma pseudocompreensão de alguns juristas, o Direito Natural tem sobrevivido e mostrado que não se trata de idéia metafísica ou princípio de fundo meramente religioso.


O jusnaturalismo atual constitui um conjunto de princípios amplos, dos quais o legislador deverá deduzir e compor a ordem jurídica. Os princípios mais citados referem-se ao direito à vida, à liberdade, à participação na vida social, à segurança, etc.


É bastante claro o elo que existiu e ainda existe entre Direito Natural e Direito Penal, pois os princípios abordados pelo jusnaturalismo, especialmente os correspondentes aos direitos naturais inativos, estão devidamente enquadrados no rol dos bens jurídicos do assegurados pelo Direito Penal.


Assim, o jusnaturalismo e seus princípios não deixaram de influenciar o Período Humanitário, no qual tornavam-se individuais a valorização dos direitos intocáveis dos delinqüentes e a conseqüente dulcificação das sanções criminais.


4. Escola Clássica


Esta denominação foi criada pejorativamente pelos positivistas.


A Escola Clássica era formada por um conjunto de escritores, pensadores, filósofos e doutrinadores que adotaram as teses ideológicas básicas do iluminismo, que foram expostas magistralmente por Beccaria.


Há, no entanto três grandes jurisconsultos, os quais podem ser considerados os iniciadores da Escola Clássica: Gian Domenico Romagnosi (na Itália), Jeremias Bentham (na Inglaterra) e Anselmo Von Feuerbach (na Alemanha).


Romagnosi percebe o Direito Penal como um direito natural, imutável e anterior às convenções humanas, que deve ser exercido mediante a punição dos delitos passados para impedir o perigo de novos crimes.


Jeremias Bentham considerava que a pena se justificava por sua utilidade, que era impedir o réu de cometer novos delitos, emendá-lo, intimidá-lo, protegendo, assim a sociedade.


Anselmo Von Feuerbach afirmava que o fim do Estado é a convivência dos homens conforme as leis jurídicas. A pena, segundo ele, coagiria o indivíduo física e psicologicamente para punir e evitar um novo crime.


No que tange à finalmente da pena, havia no âmago da Escola Clássica, três teorias:


· Absoluta (que percebia a pena como uma exigência de justiça);


· Relativa (que assinalava a ela um fim prático, de prevenção geral e especial); e


· Mista (a qual, resultava da fusão de ambas as outras, onde visava-a como uma utilidade e ao mesmo tempo uma exigência de justiça).


Na Escola Clássica, dois grandes períodos se distinguiram:


· O filosófico ou teórico; e


· O jurídico ou prático.


Neste, aparecia o mestre de Pisa, Francisco Carrara, que se tornou o maior vulto da Escola Clássica e naquele destacava-se a incontestável figura de Beccaria.


Carrara ampara-se na concepção de que o delito é um ente jurídico, constituído por duas forças:


· A física (movimento corpóreo e dano causado pelo crime a sociedade); e


· A moral (vontade livre e consciente do delinqüente em praticar ou fazer parte do delito).


Definindo o crime como sendo “a infração da lei do Estado, promulgada para proteger a segurança dos cidadãos, resultante de um ato externo do homem positivo ou negativo, moralmente imputável e politicamente danoso” (Carrara).


 5. Período Científico


Ou, período criminológico, como também era denominado na época. Esta fase caracterizou-se por um notável entusiasmo científico. Teve seu despertar no século XIX, por volta do ano de 1.850 e propaga-se até os dias de hoje.


Neste período, teve início a preocupação com o homem que delinqüía e a razão pela qual delinqüía.


Puig Peña dirige-se a esse período, afirmando que “caracterizou-se pela irrupção das ciências penais no âmbito do Direito punitivo, e graças a ele se abandona o velho ponto de vista de considerar o delinqüente como um tipo abstrato imaginando sua personalidade”.


César Lombroso, um notável médico italiano, revolucionou o campo penal da época. Ferri e Garofalo, por sua vez, também merecem destaque, além do determinismo e da Escola Positivista que tiveram sua devida influência no período criminológico.


5.1 Funções e Influência do Período Cientifico ou Criminológico


“A justiça deve conhecer o homem”, esta expressão foi muito utilizada nas obras deste período.


5.1.1 O Determinismo


Durante o denominado período cientifico surgiram doutrinas que nortearam o pensamento da época, repercutindo, inclusive no âmbito criminal: a filosofia determinista.


Segundo esta, todos os fenômenos do universo, abrangendo a natureza, a sociedade e a história eram subordinadas as leis e causas necessárias.


Ficou a critério de La Place a formulação conceitual mais ampla do determinismo, corrente esta que, conforme a visão “Laplaciana”, corresponde ao “caráter de uma ordem de fatos na qual cada elemento depende de outros, de tal modo que se pode prevê-lo, provocá-lo ou controlá-lo segundo se conhece, provoque ou controle a ocorrência desses outros”.


Assim, tanto o delito, quanto o fato jurídico, deveria também obedecer esta correlação determinista, já que por trás do crime haveria sempre razões suficientes que o determinavam.


Para algumas correntes filosóficas, a noção de determinismo é central na conceituação do conhecimento científico, tanto na esfera das ciências físico-naturais, como na esfera das ciências do homem; já para outras, o determinismo é incompatível com a idéia da ação deliberada e responsável, ou seja, o determinismo nega o livre arbítrio do indivíduo. O que foi aprovado por Ferri, que afirmava ser o homem responsável, por viver ele em sociedade.


5.1.2 Os Evangelistas e a Escola Positiva


Foi César Lombroso, autor do livro L’uomo Delinquente, quem determinou os novos rumos do Direito Penal após o período humanitário, através do estudo do delinqüente e a explicação causal do delito.


O ponto central das compilações de Lombroso é a admissão do delito como fenômeno biológico e o uso do método experimental para estudá-lo. Foi ele, o criador da “Antropologia Criminal”. A seu lado surgem Ferri, com sua obra a “Sociologia Criminal”, e Garofalo, no campo jurídico, com a obra “Criminologia”, podendo os três serem considerados os fundadores da Escola Positiva.


Lombroso defendia a existência de um criminoso nato, caracterizado por determinados estigmas somato-psíquicos e cujo destino indeclinável era delinqüir, sempre que determinadas condições ambientais se apresentassem de forma favorável.


Discípulo dissidente de Lombroso, Henrique Ferri, ressaltou a importância de um trinômio causal do delito: os fatores antropológicos, físicos e sociais. Dividindo os criminosos em cinco categorias:


· criminoso o nato,


· louco,


· criminoso habitual,


· criminoso ocasional; e


· criminoso passional. Subdividindo ainda, esta categoria em paixões de cunho: social (amor, piedade, nacionalismo, etc.) e anti-social (ódio, inveja, avareza, etc.).


Outro vulto da tríade é Rafael Garofalo, o primeiro a usar a denominação “Criminologia” para as Ciências Penais, o qual realizou estudos sobre o delito, o delinqüente e a pena.


Concluindo essa tríade de vigorosos pensadores que a pena não tem um fim puramente retributivo, mas também uma finalidade de proteção social que se realizava através dos meios de correção, intimidação ou eliminação.


5.1.3 O Movimento Positivista no Direito Penal


O movimento naturalista do século XVIII, que se alicerçava a supremacia da investigação experimental em oposição à indagação puramente racional, influenciou o Direito Penal. Em um peíodo de franco domínio do pensamento positivista no campo da filosofia (Augusto Comte) e das teorias evolucionistas de Darwin e Lamark, das idéias de John Stuart e Spencer, surgindo assim a denominada Escola Positiva.


A nova Escola divulgava outra concepção do Direito. Enquanto para a Clássica o Direito preexistia ao Homem (era transcendental, visto que lhe fora dado pelo criador, para poder cumprir seus destinos), para os positivistas, ele era o resultado da vida em sociedade e estava sujeito a variações decorrente do tempo e do espaço, consoante a lei da evolução.


A escola positivista teve como pioneiro o médico psiquiatra César Lombroso, segundo o qual a criminalidade apresenta, fundamentalmente, causas biológicas.


Mas é de Lombroso a descrição do criminoso nato, onde aduzia que o criminoso nato possuiria as seguintes características físicas e psicológicas:


· Assimetria craniana;


· Fronte fugida;


· Zigomas salientes;


· Face ampla e larga;


· Cabelos abundantes;


· Barba escassa;


· É insensível fisicamente;


· Resistente ao traumatismo;


· Canhoto ou ambidestro;


· Moralmente impulsivo,


· Insensível;


· Vaidoso; e


· Preguiçoso.


Embora tenha cometido alguns exageros na definição dos criminosos natos, a idéia de uma tendência para o crime não foi sepultada com Lombroso. Estudiosos geneticistas vêm pesquisando e têm dados que levam à conclusão de que elementos recebidos por herança-biológica, embora possam não condicionar um “modus vivendi” no sentido de tornar o homem predestinado em qualquer direção, influem no modo ser e agir do indivíduo.


6. O Direito Penal no Brasil.


No Brasil Colonial, por muitos anos vigoraram as ordenações Afonsinas (até 1.512) e Manuelinas (até 1.569), as quais foram substituídas pelo código de D. Sebastião (até 1.603). Posteriormente passou-se, então, para as Ordenações Filipinas, que refletiam o Direito Penal dos tempos medievais.


Foi, então, publicado o Livro V das Ordenações do Rei Filipe II (compiladas, por Filipe I, e que aquele, em 11 de janeiro de 1.603, mandava que fossem observadas). Assim sendo, pode-se afirmar que o primeiro Código Penal do Brasil, foi o Código Filipino.


Fundamentavam-se especificamente nos preceitos religiosos. Onde os crimes era confundidos com o pecado e com a ofensa moral, punindo-se severamente os hereges, apóstatas, feiticeiros e benzedores.


As penas eram severas e cruéis (tais como: açoites, degredo, mutilação, queimaduras, etc.), e visavam difundir o temor pelo castigo. Além da larga cominação da pena de morte, executada pela força, com torturas, pelo fogo, etc., eram comuns as penas infamantes, o confisco e os galés. Aplicavam-se, até mesmo, a denominada “morte para sempre”, em que o corpo do condenado ficava suspenso e, putrefava-se vagarosamente, vindo ao solo, ficando ali exposto, até que o ossamento fosse recolhido pela Confraria da Misericórdia, o que se dava uma vez ao ano.


Todavia, as penas eram desproporcionais à falta praticada, não eram previamente fixadas. Eram desiguais e aplicadas com extrema perversidade.


Proclamada a independência do Brasil, previa o texto constitucional de 1.824, que se elaborasse uma nova legislação penal e, em 16 de dezembro de 1.830, D. Pedro I, sancionou o Código Criminal do Império.


De índole liberal, guiava-se pela doutrina de Betham, bem como no Código francês de 1.810 e no Napolitano de 1.819. Fixava-se na nova lei um esboço de individualização da pena, previa-se a existência de situações atenuantes e agravantes, e estabelecia-se um julgamento especial para os menores de 14 anos. A pena de morte, a ser executada pela força, só foi aceita depois de acalorados debates entre liberais e conservadores no congresso e visava coibir a prática de crimes pelos escravos.


Porém, sem a ruptura dos elos entre a Igreja e o Estado, o Código Criminal o Império continha diversas figuras delituosas, representando ofensas à religião estatal.


Apesar de suas inegáveis qualidades, tais como, indeterminação relativa e individualização da pena, previsão da menoridade como atenuante, a indenização do dano “ex delicto“, apresentava defeitos que eram comuns à época: não definira a culpa, fazendo alusão apenas ao dolo, havia desigualdade no tratamento das pessoas, mormente os escravos.


Com a República foi editado, em 11 de outubro de 1.890, o Código Criminal da República, logo alvo de duras críticas pelas falhas que apresentava, as quais decorriam, evidentemente, da pressa com que o texto constitucional fora elaborado.


Em virtude desta Constituição de 1.891, houve a abolição da pena de morte, a de galés e a de banimento judicial, o Código Republicano de 1.890 deferiu as seguintes sanções:


· Prisão;


· Banimento (sendo que, o que a Magna Carta punia era o banimento judicial que consistia em pena perpétua, diversa, portanto, desse, que implicava apenas em privação temporária);


· Interdição (suspensão dos direitos políticos, etc.); e


· Suspensão e perda de emprego público e multa.


O Código era de orientação clássica, muito embora admitisse postulados positivistas, o que gerou inúmeras críticas, da mesma forma.


Apesar de não ter sido bem sistematizado, dentre outros defeitos, o Código Criminal da República, constituiu um grande avanço na legislação penal da época, uma vez que, além de abolir a pena de morte, instalou o regime penitenciário de caráter correcional.


Costuma-se dizer que com o Código de 1.890 nasceu e de imediato trouxe consigo a necessidade de modificá-lo. Uma vez que não poder-se-ia transformá-lo logo após sua publicação, surgiram, assim, várias leis para alterá-lo, que pelo grande número, acabaram gerando uma imensa confusão e incerteza na aplicação.


Coube então, ao desembargador Vicente Piragibe o encargo de consolidar essas leis extravagantes. Surgindo, então, o Decreto nº 22.213, de 14 de dezembro de 1.932, a denominada Consolidação das Leis Penais de Piragibe, que vigorou até 1.940.


A Consolidação das Leis Penais realizada pelo Desembargador Vicente Piragibe, era composta de quatro livros e quatrocentos e dez artigos, que passaram a ser o modo mais precário, de Estatuto Penal Brasileiro.


Mesmo promulgado em dezembro de 1.940, o novo Código Penal passou a vigorar em 1º de Janeiro de 1.942, não só para que se pudesse melhor conhecê-lo, como também para coincidir sua vigência com a do Código de Processo Penal.


Assim sendo, nossa legislação penal fundamental, o Código de 1.940 teve origem no projeto de Alcântara Machado, submetido ao trabalho de uma comissão revisora composta de Nelson Hungria, Vieira Braga, Marcélio de Queiroz e Roberto Lira.


É uma legislação eclética que não vinculou-se a nenhuma das escolas ou correntes que disputavam o acerto na solução dos problemas penais. Fez-se então, uma conciliação entre os postulados das Escolas Clássica e Positiva, aproveitando o que de melhor havia nas legislações modernas de orientação liberal, em especial nos códigos italiano e suíço.


Magalhães Noronha comenta que “é o Código uma obra harmônica: soube valer-se das mais modernas idéias doutrinárias e aproveitar o que de aconselhável indicavam as legislações dos últimos anos”.


Apesar de suas imperfeições, ou “pecados” (como assinala o autor supra citado), o Congresso de Santiago do Chile, em 1.941, declarou que ele representa “um notável progresso jurídico, tanto por sua estrutura, quanto por sua técnica e avançadas instituições que o compõem”.


Posteriormente, várias foram as tentativas de mudança da nossa legislação penal. Em 1.963, por incumbência do governo federal, o professor e ministro Nelson Hungria, elaborou e apresentou um anteprojeto de sua autoria, o qual depois de submetido a várias comissões revisoras, foi finalmente convertido em lei pelo Decreto-Lei nº 1004, de 21 de outubro de 1.969.


A vigência do código de 1.969 foi, porém, adiada. Pois críticas acerbadas se fizeram constantes, tanto que foi modificado substancialmente pela Lei nº 6.016, de 31 de Dezembro de 1.973. Mesmo assim, após vários adiamento da data em que deveria entrar em vigor, foi ele totalmente revogado pela Lei nº 6.5778, de 11 de outubro de 1.978.


No ano 1.980, o Ministro da Justiça incumbiu o professor Francisco de Assis Toledo, da Universidade de Brasília, de fazer a reforma do Código, até então vigente. A exemplo da Alemanha, primeiro alterou-se a parte geral.


Isto ocorreu em 1.981, quando foi publicado o anteprojeto, para receber sugestões. Depois de discutido no Congresso, o projeto foi aprovado, sancionado e promulgado, através da Lei nº 7.209 de 11de julho de 1984, que modificou substancialmente a parte geral, principalmente no tocante à adoção do sistema vicariante (pena ou medida de segurança).


Com a nova Parte Geral, foi promulgada a nova Lei de Execução Penal – nº 7.210 em 11 de julho de 1984 -. Era uma lei especifica para regular a execução das penas e as medidas de segurança, o que era uma súplica geral, tanto que já se fala na criação de um novo ramo jurídico, o qual denominar-se-ia Direito de Execução Penal.


Recentemente, foi o Estatuto Repressivo pátrio que sofreu alguns alterações através da Lei nº 9.714/98 no concernente as penas restritivas de direitos. Foram incluídos mais dois tipos de penas:


· A prestação pecuniária; e


· A perda de bens e valores.


Ademais, no que tange à substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, poderá ela ocorrer quando, preenchidos os requisitos específicos – não reincidência, culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos e circunstâncias do crime favoráveis – a pena aplicada não for superior a quatro anos. Vale salientar que, nos casos em que o crime for de natureza culposa, haverá a substituição, qualquer que se seja a pena aplicada.


Destarte, é de se vislumbrar que, cada vez mais, o aprisionamento deixa de ser regra para se transformar em uma exceção. Pois o cárcere, comprovado está, ao invés de proporcionar a ressocialização, não raro tem se transformado em um verdadeira “Universidade da delinqüência”, ou como comumente ouve-se entre a população “a escola crime”.


Considerações finais


Através desta verdadeira jornada pela História, observou-se a evolução do Direito Penal, desde os primórdios da humanidade. Ficando nitidamente demonstrado as épocas de pouca evolução, bem como aquelas em que determinadas circunstâncias impulsionaram o Direito Penal, que por sua vez deu amplos saltos rumo à modernidade.


Porém é necessário ressaltar que, por mais evoluído que seja o ser humano, seu comportamento será sempre controlado pelo Estado, no exercício do “jus puniendi“. É que, na sociedade, o homem continuará expressando sua “spinta criminosa“, havendo a necessidade da pena, como “controspinta“.


Portanto, não cessará aqui a evolução do Direito Penal: ela acompanhará o homem enquanto o mesmo existir. Ficando, assim, as reticências que marcam o tempo…




Bibliogarfia

JORGE, Willian Wanderley. Curso de Direto Penal. Editora Saraiva.

NORONHA, E. Magalhoões. Direito Penal – Volume 1 (Introdução e Parte Geral). Editora Saraiva.

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Informações Sobre o Autor

Eliana Descovi Pacheco

Graduada em Direito pela Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ), Especializanda em Direito Constitucional pela Universidade Comum do Sul de Santa Catarina (UNISUL) em parceria com a Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes.


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