Resumo: O presente artigo aborda de forma objetiva a criação e o desenvolvimento histórico-jurídico do ICMS, substituindo o antigo IVC, este imposto cumulativo. Estuda-se, outrossim, o principal fator que gerou na instituição do ICMS era a antiga necessidade de um imposto não-cumulativo, (art. 155, § 2º, II, CF/88). Ante esta inerência da não-cumulatividade, faz-se estudo minucioso.
Palavras-chave: Tributário. História. Instituição. ICMS. Não-cumulatividade.
Sumário: 1. Introdução; 2. História do ICMS; 3. Não-cumulatividade; 4. Conclusão.
Epígrafe: “[…] embora de competência estadual/distrital, o ICMS reveste feição nacional, dada a uniformidade normativa que lhe impõe a Constituição […]” (COSTA, 2009, p. 373)
1. Introdução
Cumpre, preliminarmente, salientar que, far-se-á estudo aprofundado no tocante a origem, bem como evolução histórica do ICM, que posteriormente passou a se chamar ICMS, uma vez que obteve novas hipóteses de incidência sobre os serviços de transporte e comunicação. Além disso, será analisado o motivo fundante deste imposto que é conhecidamente não-cumulativo, incidindo apenas nos regimes plurifásicos. Salienta-se que durante todo o artigo faz menções ao confronto de vontades, sendo que de um lado o contribuinte almejando redução de encargos tributários, ao passo que o Fisco, por seu turno, logrando obter mais arrecadação. Finalmente, investigar-se-á o princípio da não-cumulatividade, esmiuçadamente, rezando sobre seu conceito, exceção de aplicação cumulativa e a compensação de créditos, além dos princípios pertinentes.
Acerca da metodologia de pesquisa empregada na execução deste mister, objetivou-se pesquisa observatória, bibliográfica, consulta de acórdãos, decisões judiciais, e doutrinas.
No presente trabalho, procurou-se explicitar informações concernentes ao tema, observando-se, sempre, a verossimilhança com sua respectiva presteza para o alcance do objetivo deste artigo acadêmico, contribuindo assim com o acervo jurídico.
2. História do ICMS
O ICMS está previsto no artigo 155, II da Carta Magna, estabelecendo competência aos Estados Membros e ao DF a instituição do ICMS, desta forma, o presente artigo pretende abordar a origem e evolução histórica quanto ao citado imposto, devido a necessidade mundial de instituição tributo não-cumulativo, conforme se verifica avante.
Inicialmente, Gilberto de Ulhôa Canto e Fábio de Sousa Coutinho (1991, p. 289), expõem sobre a primeira presença do princípio da legalidade no direito tributário, voltando até 1215 época dos barões feudais ingleses, que paulatinamente, desenvolveu-se no cenário jurídico mundial, anote-se:
“[…] princípio da legalidade remonta ao ano de 1215, quando, no conhecido episódio da confrontação com os barões feudais ingleses que o sustentavam, João Sem Terra aceitou, na Magna Charta, a regra política ‘no tation without representation’, regra esta que passou a prevalecer, em todos os países civilizados do mundo, quanto à instituição e à cobrança de tributos.”
Após esta primeira presença tributária, por meio do princípio da legalidade tributária, passaremos a aduzir sobre a evolução do ICMS tempestivamente até os dias hodiernos, procurando sempre observar os marcos históricos relevantes de nosso ordenamento em sintonia com a tributação mundial.
Aliomar Baleeiro (2010, p. 367), explicita sobre o antigo imposto sobre vendas mercantis (IVC) criado com a CF/1934, bem como o impacto econômico nas receitas dos Estados-Membros, devido sua cumulatividade, consoante se examina:
“A receita fundamental dos Estados-Membros, a partir de 1936, quando entrou em execução, no particular, a discriminação de rendas da CF de 1934, foi o imposto de vendas e consignações. A União criara em 1923 (Lei nº 4.625, de 31.12.1922), com o nome ‘imposto sobre vendas mercantis, um papel líquido e certo, com força cambial semelhante a das letras de câmbio e promissórias (Lei nº 2.044, de 1908), para facilidade de descontar nos bancos as faturas de vendas dos comerciantes e industriais, quando reconhecidos e assinados pelos compradores (art. 219 do Código Comercial). O Congresso as atendeu e foi instituída a emissão da duplicata da fatura para ser aceita pelos devedores, em troca do imposto de 0,3% (Rs 3$ por conto de réis), não só nas vendas a prazo, mas também nas vendas a vista, registradas em livros próprios. Na epóca, ficaram conhecidas como ‘contas assinadas’.[…]
Do ponto de vista econômico, o ICM é o mesmo IVC, que concorria com cerca de ¾ partes da receita tributária dos Estados-Membros. Arguia-se que só diferia do imposto de consumo e do imposto de indústrias e profissões sobre comerciantes e industriais, pelo nomem juris, pois os três sangravam a mesma realidade econômica: a introdução da mercadoria no circulo comercial.”
Salienta-se que, em 1922 o citado IVC foi aplicado como reprodução ao modelo Francês e Alemão no período de 1914-1918 Constituição Brasileira de 1934 estendeu a aplicação do IVC para os produtores em geral.
A CF/1946, em seu art. 202, estabeleceu “[…] que o legislador deveria isentar do imposto de consumo os artigos classificáveis como o mínimo indispensável à habitação, vestuário, alimentação e tratamento médico das pessoas de restritos recursos.” (BALEEIRO, 2010, p. 406)
Alcides Jorge Costa (1978, p. 6), explana acerca da primeira manifestação da regra não-cumulativa no Brasil, analise-se:
“[…] a primeira manifestação da regra da não cumulatividade se deu em 30 de dezembro de 1958, quando a Lei 3.520, que tratava do antigo imposto de consumo, incidente sobre o ciclo da produção industrial, dispôs que, do imposto devido em cada quinzena, fosse deduzido o valor do imposto que, no mesmo período, houvesse incidido sobre matérias-primas e outros produtos empregados na fabricação e acondicionamento dos produtos tributados.”
Eduardo Sabbag (2009, p. 939-940), faz breve síntese acerca do advento do ICMS, bem como a legislação reguladora, in litteris:
“O ICMS, imposto estadual, sucessor do antigo Imposto de Vendas e Consignações (IVC), foi instituído pela reforma tributária da Emenda Constitucional n. 18/65 e representa cerca de 80% da arrecadação dos Estados. […] Ademais, é imposto que recebeu um significativo tratamento constitucional – art. 155, § 2º, I ao XII, CF. O tratamento constitucional dado à exação em tela é robustecido pela Lei Complementar n. 87/96, que substituiu o Decreto-lei n. 406/68 e o Convênio ICMS n. 66/88, esmiuçando-lhe a compreensão, devendo tal norma ser observada relativamente aos preceitos que não contrariem a Constituição Federal.”
Aliomar Baleeiro (2010, p. 367), discorda do parecer acima sobre a criação do IVC, visto que a EC n. 18/65, na reforma tributária, apenas modificou o fato gerador do tributo, abaixo transcrito:
“A EC 18, pretendendo remediar essa contingência daquela realidade, inventou novas normas e formulou o fato gerador de modo diverso, confundindo quase o imposto de consumo e o IVC. Pela Constituição de 1946, o fato gerador do IVC era o contrato de compra e venda, o negócio jurídico no qual figuravam, como vendedores, os comerciantes e produtores, inclusive industriais, só eles.”
É arquissabido que todo o mundo almejava instituir um imposto não-cumulativo, posto que um imposto cumulativo numa operação plurifásica era prejudicial à evolução econômica e tributacional do país, desequilibrando assim a ordem econômica, bem como o desenvolvimento nacional, então o primeiro país a tomar esta medida de criar um imposto não-cumulativo foi a França.
Ademais, o “[…] princípio da não-cumulatividade, com as peculiaridades próprias de seus sistemas, batiza o tributo com a denominação de ‘valor agregado’, em clara alusão à oneração da parte adicionada e não daquela antecedente.” (MARTINS, 2001, p. 151)
Frisasse que, desde 1936 o país francês tentou por diversas vezes instituí-lo, logrando êxito, tão-somente, em 1954 “[…] se criou a taxe sur la valeur ajoutée, tributo retocado posteriormente, mas ainda vigente […]” (BALEEIRO, 2010, p. 368). Este tributo não-cumulativo francês é denominado como TVA.
Muito embora a França tenha instituído o TVA em 1954, a Comunidade Européia adotou o IVA em referência ao TVA francês em 1967, (apud, PAULSEN, 2011, p. 353), in litteris:
“A Comunidade Europeia adotou em sua primeira diretiva (1967) para harmonização geral do imposto de consumo o modelo IVA tal como resultou da longa experiência francesa, de pagamentos fracionados e dedução financeira dos investimentos (posteriormente desenvolvido sem sua sexta diretiva) […] Em todos esses países, a neutralidade é alcançada por meio da transferência do ônus financeiro do tributo para o adquirente pelo mecanismo dos preços, e acaba sendo suportado, em definitivo, pelo consumidor final. […] Enfim, todos os sistemas jurídicos procuram preservar e assimilar certos efeitos econômicos comuns tanto ao IVA da América Latina, como ao TVA europeu ou ao ICMS brasileiro […]”
Kiyoshi Harada (2006, p. 428), comenta sobre Rubens Gomes de Souza, (relator da comissão do projeto de reforma tributária) que brilhantemente, em 1967, expunha o conceito do fato gerador do ICM, bem como a diferença entre coisa e mercadoria, em versos:
“Rubens Gomes de Souza, que foi o Relator da Comissão elaboradora do Projeto de Reforma Tributária, sustenta que o fato gerador do imposto é a ‘saída física de mercadoria de estabelecimento mercantil, industrial ou produtor, sendo irrelevante o título jurídico de que tal saída decorra e bem assim o fato desse título envolver ou não uma transmissão de propriedade’. Acrescenta, ainda, que a saída física tributada é aquela que configura ‘uma etapa no processo de circulação da mercadoria, assim entendido o complexo das sucessivas transferências desta, desde o seu produtor, expressão que inclui o fabricante, e o importador, até o seu consumidor final’.
O importante é salientar que do ponto de vista material não há diferença entre coisa e mercadoria. A diferença que existe não é de substância, mas apenas de destinação. Uma coisa é denominada de mercadoria quando destinada à comercialização, segundo a doutrina tradicional.”
Esclarece que as Emendas Constitucionais. n. 18/65 e 01/69, criaram confusão jurídica, posto que concederam o mesmo fato gerador do IVC para o ICM, e com a previsão constante no art. 52, II, do CTN[1], onde o ICM incidiria no estabelecimento do importador nos casos de mercadoria estrangeira. Isto devido ao restabelecimento do citado artigo pelo Decreto-Lei n. 406/68, uma vez que houvera sido revogado pelo art 8º do Ac. Nº 36/67.
Sacha Calmon Navarro Coelho, (1994, p. 220-221), leciona sobre o momento histórico em que houve a alteração do IVC para o ICM em nosso ordenamento jurídico, bem como versa o motivo que se deveu ao fato da instituição de imposto não-cumulativo, consoante analisa-se abaixo:
“Desde a Emenda nº 18/65 à Constituição de 46, após o movimento militar de 1964, quando se intentou, simultaneamente, a racionalização do sistema tributário (Emenda nº 18) e a codificação do Direito Tributário (CTN), que o ICM, agora ICMS, vem se apresentando como imposto problemático, tomado de enfermidades descaracterizantes. À época do movimento militar de 1964, receptivo às críticas dos juristas e economistas que viam no imposto sobre vendas e consignações dos Estados (IVC) um tributo avelhantado, ’em cascata’, propiciador de inflação, verticalizador da atividade econômica, impeditivo do desenvolvimento da federação e tecnicamente incorreto, resolveu-se substituí-lo por imposto ‘não-cumulativo’, que tivesse como fatos jurígenos não mais ‘negócios jurídicos’, mas a realidade econômica das operações promotoras da circulação de mercadorias e serviços, no país, como um todo. Destarte, surge o ICM, não-cumulativo, em lugar do IVC cumulativo. A ideia era tomar como modelo os impostos europeus sobre valores agregados ou acrescidos, incidentes sobre bens e serviços de expressão econômica, os chamados IVAS.”
Urge expor lição de Aliomar Baleeiro, (2010, p. 368), quanto a introdução do ICM em nosso ordenamento jurídico, por meio da EC n. 18/65, (reforma tributária), após houve uma aceitação do tributo francês mundial, in versis:
“[…] o Brasil introduziu na Constituição o princípio da não-cumulatividade, com a Reforma Constitucional nº 18, de 1965, embora já o tivesse adotado, em legislação ordinária, no imposto de consumo; a Comunidade Econômica Européia adota o imposto sobre o valor adicionado como projeto de sua primeira diretriz, finalmente aprovada pelo Conselho em 1967, sendo paulatinamente implementada por seus membros; […] A partir do final dos anos 60, também esse tipo de tributo sobre vendas líquidas se difunde por toda a América Latina […]”
O ICM era transferido ao adquirente pelos preços, sendo o encargo tributacional transferido em sua totalidade ao destinatário final, como haviam ingressos em todas as etapas de circulação da mercadoria[2] foi então que surgiu a expressão valor adicionado. Ademais, com o “[…] Projeto de Reforma Tributária (Emenda 18/65), a expressão circulação de mercadorias deve ser tomada em sua acepção econômica.” (HARADA, 2006, p. 427)
Vittorio Cassone (2007, p. 325), didaticamente explicita como ocorre a não-cumulatividade do ICMS, o que ora se transcreve:
“[…] o ICMS será não-cumulativo. Distingue-se da cumulatividade, tendo em vista que nesse sistema o imposto incide, em cada etapa, sobre a totalidade do valor das mercadorias, sem nenhum abatimento. Em seguida, o inciso explica como se dará a não-cumulatividade. Pela redação posta, o ICMS incidirá sobre o valor total das mercadorias, dando a diretriz de como deverá ser emitido o documento fiscal. E a não cumulatividade se efetivará no momento do pagamento do imposto por D, em que, do devido na operação de saída de seu estabelecimento, se abaterá o montante do ICMS cobrado nas operações anteriores (de A para B, de B para C, de C para D). Na prática, esse montante cobrado consta do documento relativo à operação de venda, emitido por C contra D, considerando que no documento fiscal de C já vem embutido o valor das anteriores.”
“Observe-se que tanto o IPI quanto o ICMS são impostos não-cumulativos, razão pela qual deveriam ser excluídos da base de cálculo daquelas contribuições, que são plurifásicas e cumulativas.” (BALEEIRO, 2010, p. 414), contudo isto inocorre.
Ives Gandra Martins (apud, PAULSEN, 2011, p. 352), adverte que o regime monofásico é incompatível com a não-cumulatividade do ICMS, verifique-se:
“Tenho o entendimento de que o ICMS não pode deixar de ser ‘não cumulativo’ em hipótese alguma, por ser essa uma imposição constitucional. Assim, ressalvadas as exceções expressamente previstas na Constituição, não pode ser transformado em tributo monofásico, a não ser que a circulação se exaura numa única hipótese. Qualquer legislação que elimine o princípio da ‘não-cumulatividade’ no ICMS, apenas poderia ser considerada constitucional, se corresponder a uma opção do contribuinte, no exercício de seu direito de dispor de ‘direitos disponíveis’. Jamais por opção do Estado.”
Heinrich Rauser (1983, p. 32), àquela época expunha o conceito de valor adicionado: “dedução do imposto pago na operação anterior, alcançar apenas a circulação mercantil líquida de cada empresa, ou seja, tributar apenas o valor adicionado realizado por ela.” Era isto que almejavam a América Latina no IVA, a Europa no TVA, e o Brasil com o IPI e o ICM.
Fato relevante que merece alusão é que há três décadas o Poder Constituinte tenta unir o ICM, IPI e o ISS, em tributo único, objetivando extirpar de nosso ordenamento o efeito em cascata dos tributos, todavia nunca logrou êxito em virtude da necessidade do Estado Federativo na repartição destas receitas, mantendo-se a divisão tríplice, (BALEEIRO, 2010, p. 368-369)
Kiyoshi Harada (2006, p. 427), elucida sobre a ampliação do ICM com o advento da Carta Política de 1988, para ICMS, abarcando os serviços de transporte e comunicação, conforme se denota:
“O antigo ICM sofreu profundas modificações na Constituição de 1988, que o convolou em ICMS, incorporando os serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, antes de competência impositiva federal. Dessa forma, o seu fato gerador ficou bastante ampliado, não se limitando às hipóteses definidas no art. 1º do Decreto-Lei nº 406, de 31-12-1968, que não mais vigora. Agora abrange operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que essas operações e prestações se iniciem no exterior, atingindo, inclusive, importação de produtos destinados a consumo ou para integrar o ativo fixo.
Sacha Calmon Navarro Coelho (1994, 223-224), vai além, complementando que a Secretaria da Fazenda procura, sempre, obter mais arrecadação por meio da tributação, motivo pelo qual não houve a citada união dos tributos, analisa-se:
“[…] Sobre a nossa Constituinte – compromissória aqui e radical acolá – convergiram pressões altíssimas de todas as partes. Dentre os grupos de pressão há que destacar o dos Estados-Membros em matéria tributária, capitaneada pela tecnicoburocracia das Secretarias de Fazenda dos Estados, que atuavam com uma única e exclusiva preocupação: abocanhar o maior naco de recursos que fosse possível, custasse o que custasse.”
Desta feita se nos atesemos, unicamente, a evolução histórica do ICMS este estudo perderia sentido, uma vez que durante todo o interregno histórico houveram princípios, dentre eles o princípio da não-cumulatividade que deve objetivar a materialização dos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, (arts. 1º, IV; 170, IV c.c. 173, § 4º, da Carta Política); tentativas de unificação de tributos; entre outros fatos que demonstravam a vontade do legislador em desonerar a tributação imposta ao contribuinte, uma vez que há forte ligação entre a economia consumeirista, em todas as suas fases. Isto ocorreu em todo o mundo.
No entanto, muito embora houvesse este movimento de desoneração tributária o Fisco agia em sentido oposto, tendo em vista que almejava obter a maior arrecadação possível, o que, por certo, inviabilizou qualquer redução de encargo tributacional.
Seguindo nosso estudo, Ives Gandra Martins (1990 p. 396), preleciona sobre como eliminar o efeito cascata no ICMS em nosso ordenamento jurídico pátrio, bem como sobre o direito de crédito, in litteris:
“[…] a não–cumulatividade do ICMS corresponde à teoria do valor agregado com adaptação ao direito pátrio. Como já se viu, no concernente ao IPI, a eliminação do efeito ‘cascata’ dá–se por força da adoção de uma das três formas de compensação das incidências anteriores, a saber: a do sistema do imposto sobre imposto, a de base e aquele de apuração periódica. O Brasil optou peça apuração periódica, pela qual o imposto é compensado, com crédito na entrada, daquele imposto devido no momento da saída da mercadoria […]
A compensação não se dá por força do imposto cobrado na operação anterior, mas do imposto incidente. O imposto poderá nunca ser cobrado, mas gerará direito a crédito, posto que a incidência é aquela determinadora do crédito, como bem já decidiu o Supremo Tribunal Federal nas questões que lhe foram levadas ou como já demonstrei em parecer sobre a matéria. O aspecto novo do princípio da não–cumulatividade é o alargamento do espectro positivo do ICMS […]”
Avançando no tempo, observa-se que a LC nº 87/96 (Lei Kandir) foi criada com o fito de atender as disposições constitucionais previstas nos arts. 146 e 155, § 2º, XII, da Carta Magna, ao passo que o Convênio n. 66/88 foi editado em observância ao artigo 34, § 8º, do ADCT, possibilitando assim a instituição do ICMS.
Ademais, os artigos previstos no Decreto-Lei nº 406/68 “[…] eram insuficientes para abranger as novas hipóteses, incluídas no âmbito do imposto estadual pelo Texto Magno.” (BALEEIRO, 2010, p. 378)
Regina Helena Costa (2009, p. 373), elucida que o ICMS constitui uma exceção à competência tributária, haja vista que art. 155, § 2º, XII, da Carta Magna, dispõe que sua instituição é compulsória face o caráter nacional que lhe foi atribuído, em versos:
“[…] embora de competência estadual / distrital, o ICMS reveste feição nacional, dada a uniformidade normativa que lhe impõe a Constituição, secundada pela extensão temática conferida à disciplina veiculada por meio de lei complementar.
Observe–se, ainda, que, o disposto na alínea g, do § 2º, XII, do art. 155, consubstancia exceção à característica da competência tributária consistente na facultatividade de seu exercício, uma vez que os Estados–Membros e o Distrito Federal não poderão decidir a respeito senão mediante deliberação conjunta. Com efeito, a única exceção à facultatividade do exercício da competência tributária é o ICMS, pois não poderia um Estado–Membro deixar de instituí–lo por constituir imposto de caráter nacional, pondo a perder sua consistência e ensejando a chamada ‘guerra fiscal‘”
Kiyoshi Harada (2006, p. 435), aponta inconstitucionalidade na LC nº 87/96, senão vejamos:
“A Lei Complementar nº 87, de 13-09-1996, editada com fundamento no inciso XII, do § 2º, do art. 155 da CF, é lacunosa e contém inconstitucionalidades gritantes, algumas delas eliminadas ou agravadas por leis complementares posteriores, outras, ainda, superadas por Emendas Constitucionais supervenientes.[…]
Essa Lei Complementar nº 87/96 omitiu-se, também, na disciplinação da cobrança do ICMS sobre os serviços de transportes intermunicipais e interestaduais de passageiros, impossibilitando a aplicação de normas constitucionais concernentes aos princípios da não-cumulatividade e de repartição do produto de arrecadação entre os Estados-membros.”
Cumpre rezar, brevemente, que Eduardo Sabbag (2009, p. 946), traça comparação entre a seletividade antes e após a CF/88, ciente de que a seletividade não é alvo do presente artigo, deve-se versar sucintamente, in versis:
“Antes da Constituição Federal, o então ‘ICM’ (hoje, ICMS) tinha a mesma alíquota distinta para os produtos, admitindo-se, facultativamente ao ICMS, a própria seletividade, em razão da essencialidade das mercadorias e dos serviços (art. 155, § 2º, III, da CF). Quanto às alíquotas, consoante a Resolução do Senado Federal n. 22/89, há as internas – livremente estipuladas pelos Estados (usualmente 17% ou 18%) – e as interestaduais, para as quais há o seguinte critério: alíquota para todas as mercadorias.”
Kiyoshi Harada (2006, p. 439), leciona sobre a LC nº 102/2000, que alterou a LC nº 87/96, o que, por consequência, violou o princípio da não-cumulatividade, em letras:
“A Lei Complementar nº 102, de 11-7-2000, introduziu várias alterações na LC nº 87/96, entre as quais as que violam o princípio da não-cumulatividade do ICMS. A nova redação conferida ao § 5º do art. 20 parcelou em 48 meses o crédito do imposto a ser aproveitado, decorrente de aquisição de bens integrantes do ativo fixo. Para efeito de aproveitamento de um quarenta e oito avos por mês, adotou-se um complicado critério de apuração, que poderá implicar cancelamento do saldo remanescente do crédito, no final do quadragésimo oitavo mês. Outrossim, introduziram-se drásticas restrições ao direito de crédito do ICMS relativamente à aquisição de energia elétrica e recebimento do serviço de comunicação, por meio de nova redação conferida ao inciso II do art. 33 e introdução do inciso IV.”
Inerente se faz aduzir sobre a modificação do art. 7º, da LC nº 102/2000, especificamente quanto a inserção do § 5º, do art. 20, da Lei Kandir, bem como as inovações introduzidas no art. 33, II e IV, desta lei complementar, uma vez que o STF concedeu interpretação conforme à CF/88 sem redução de texto com o fito de afastar o efeito do art. 7º acima, após brilhante analise do princípio da anterioridade, conforme se denota na Ata nº 27/2003, DJ 04.10.2004.
Kiyoshi Harada (2006, p. 439), elucida sobre as LCs nº 114/2002 e 115/2002, que modificaram a LC nº 87/96, in versis:
“a Lei Complementar nº 114, de 16-12-2002, veio eliminar algumas das inconstitucionalidades apontadas, ao mesmo tempo em que buscou harmonizar aqueles textos daquela Lei Complementar nº 87/96 com os textos constitucionais supervenientes, decorrentes da EC nº 33/01. Outra Lei Complementar, a de nº 115, de 26-12-2002, introduziu na LC nº 87/96 normas de natureza financeira para compensar os Estados e os Municípios, que perderam suas receitas em decorrência de exonerações tributárias das operações e prestações destinadas ao exterior.”
A Carta Magna de 1988 “[…] garante o princípio da não-cumulatividade, não cabendo ao legislador colocar empecilhos a tal transferência, caso contrário, nitidamente, estaria o legislador infraconstitucional a transformar o tributo de não-cumulativo em cumulativo”, segundo leciona Ives Gandra Martins (2001, p. 162).
Nesta esteira, aponta-se jurisprudência do plenário do STF, leia-se:
“ICMS. PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE. MERCADORIA USADA. BASE DE INCIDÊNCIA MENOR. PROIBIÇÃO DE CRÉDITO. INCONSTITUCIONALIDADE. Conflita com o princípio da não-cumulatividade norma vedadora da compensação do valor recolhido na operação anterior. O fato de ter-se a diminuição valorativa da base de incidência não autoriza, sob o ângulo constitucional, tal proibição. Os preceitos das alíneas ‘a’ e ‘b’ do inciso II do § 2º do artigo 155 da Constituição Federal somente têm pertinência em caso de isenção ou não-incidência, no que voltadas à totalidade do tributo, institutos inconfundíveis com o benefício fiscal em questão.” (STF, Plenário, maioria, RE 161.031-0/MG, Min. Marco Aurélio, mar/97)
Portanto, o motivo essencial da criação do ICMS foi a necessidade premente de um imposto não-cumulativo sobre regime plurifásico, uma vez que a cumulatividade do IVC onerava demasiadamente o contribuinte, bem como o destinatário final, logo a não-cumulatividade sempre acompanhou a tributação sobre o consumo. Ante a importância da não-cumulatividade do ICMS se faz inerente estuda-la minuciosamente, com o fito do leitor compreender a razão da evolução jurídica do tributo acima em nosso ordenamento.
3. Não-cumulatividade
Este tópico aborda o princípio constitucional da não-cumulatividade que consiste o cerne do presente artigo, vez que a citada evolução tributária inocorreria sem este princípio que durante anos foi estudado. Assim sendo, a seguir abordar-se-á o seu conceito, questões controversas, eliminação do efeito em cascata, os princípios reflexos, a compensação de créditos, e a exceção do ICMS cumulativo.
A priori, Eduardo Sabbag, (2009, p. 950), delineia o conceito a não-cumulatividade do ICMS, de acordo com o trecho abaixo exortado:
“[…] O ICMS será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual ou intermunicipal e o de comunicação com o montante cobrado nas operações anteriores pelo mesmo ou por outro Estado. Podemos, ainda, entender a regra constitucional da não-cumulatividade como o postulado em que o imposto só recai sobre o valor acrescentado em cada fase de circulação do produto, evitando assim a ocorrência do chamado efeito ‘cascata’, decorrente da incidência do imposto sobre imposto, ou sobreposição de incidências.
poderá recair também sobre as comunicações intramunicipais, tendo em vista que a Constituição, no art. 156, III, assevera que compete aos Municípios instituir o ISS de qualquer natureza ‘não compreenderá no art. 155, II’”.
Na lição de Carlos Rocha Guimarães (1991 p. 136), o citado doutrinador afirma que a Carta Política ao versar sobre a não-cumulatividade foi além, uma vez que esmiuçou todas as informações possíveis, afastando, assim, dúvidas quanto a sua interpretação, conforme se analisa:
“[…] a Constituição, ao invés de delimitar o fato gerador do ICM, com uma simples inclusão da não-cumulatividade, em sua conceituação, foi além, esclarecendo como deveria ser entendida essa não-cumulatividade, escolhendo, como sua característica, a diferença entre os débitos e créditos tributários, afastando, em consequência, o critério do cálculo pelo valor acrescido. Assim, aquela espécie de não-cumulatividade é que compõe o fato gerador do ICM.”
“É de se lembrar que tal princípio não é programático, não dependendo, pois, de regulamentação. Tampouco é possível prorrogar sua implementação para melhor oportunidade […] visto que tal compensação é inerente à não-cumulatividade[3] […]” (MARTINS, 2001, p. 150)
A não-cumulatividade tem por escopo minorar o impacto tributário sobre a operação de circulação de bens e serviços, neste sentido lecionam Misabel de Abreu Machado Derzi e Sacha Calmon Navarro Coelho (1996, p. 154), em trechos:
“[…] por meio da dedução do imposto pago na operação anterior, alcançar apenas a circulação mercantil líquida de cada empresa, ou seja, tributar apenas o valor adicionado realizado por ela. Daí os conceitos de imposto sobre vendas líquidas ou imposto sobre o valor adicionado (Merhrwersteur)”
Nessa toada Kiyoshi Harada (2006, p. 429), explana sobre a discussão doutrinaria sobre a não cumulatividade, se este é técnica de tributação[4] ou clausula pétrea, in litteris:
“A Constituição prescreve a instituição de um imposto de incidência plurifásica. Nunca é demais lembrar que a expressão montante cobrado nas anteriores não significa imposto efetivamente exigido pelo fisco, mas aquele incidente em determinada operação em virtude da ocorrência do fato gerador.
Porém, resta saber se esse inciso expressa um princípio tributário, e como protegido pelas cláusulas pétreas, ou expressa apenas uma técnica de tributação. As opiniões divergem. Para alguns, a não-cumulatividade não chega a ser um princípio tributário, quando muito seria um subprincípio. Para outros, seria uma mera técnica de tributação para evitar o efeito cascata do imposto de todo o inconveniente. A Corte Suprema não se manifestou expressamente sobre essa questão, mas ao admitir a incidência monofásica, indiretamente, está a considerar a não-cumulatividade como uma técnica tributária própria do ICMS.”
Ives Gandra Martins (1990 p. 396), preleciona sobre como eliminar o efeito cascata no ICMS em nosso ordenamento jurídico pátrio, bem como sobre o direito de crédito, in litteris:
“[…] a não–cumulatividade do ICMS corresponde à teoria do valor agregado com adaptação ao direito pátrio. Como já se viu, no concernente ao IPI, a eliminação do efeito ‘cascata’ dá–se por força da adoção de uma das três formas de compensação das incidências anteriores, a saber: a do sistema do imposto sobre imposto, a de base e aquele de apuração periódica. O Brasil optou peça apuração periódica, pela qual o imposto é compensado, com crédito na entrada, daquele imposto devido no momento da saída da mercadoria […]
A compensação não se dá por força do imposto cobrado na operação anterior, mas do imposto incidente. O imposto poderá nunca ser cobrado, mas gerará direito a crédito, posto que a incidência é aquela determinadora do crédito, como bem já decidiu o Supremo Tribunal Federal nas questões que lhe foram levadas ou como já demonstrei em parecer sobre a matéria. O aspecto novo do princípio da não–cumulatividade é o alargamento do espectro positivo do ICMS […]”
Regina Helena Costa pontua (2009 p. 369), que a não-cumulatividade é reflexo do principio da capacidade contributiva, in litteris:
“A nosso ver, a não-cumulatividade é expressão do princípio da capacidade contributiva, cuja eficácia alcança, também, o contribuinte de fato, impedindo que o imposto se torne um gravame cada vez mais oneroso nas várias operações de circulação do produto ou mercadoria, ou de prestação de serviços, que chegariam ao consumidor final a preços proibitivos.”
O sistema não-cumulativo ele enseja numa compensação financeira, em que há compensação de créditos e débitos, seguindo o sistema Tax on Tax onde o débito gerado é abatido na saída com o crédito cobrado na entrada. “O cálculo dos impostos não-cumulativos pode ocorrer por meio de operações de adição ou subtração. Quando se compensam as incidências anteriores e atuais, utiliza-se o método da subtração” (SABBAG, 2009, p. 950)
Muito embora o ICMS seja não-cumulativo (art. 155, § 2º, I, da Carta Magna; art. 19, da LC n. 87/96), Regina Helena Costa, (2009, p. 369), aponta uma impropriedade sobre esta não-cumulatividade presente no citado imposto, conforme se verifica:
“Anote-se a impropriedade da dicção constitucional no que diz a expressão ‘montante cobrado’, uma vez que a cobrança é atividade administrativa, que não interfere no sistema de créditos pertinente a não-cumulatividade. O Correto é ‘montante devido’, este, sim, gerador de crédito na (s) operação (ões) subsequente (s).”
Já a previsão do art. 155, § 2º, II, da Carta Magna, traz uma exceção, tornando o ICMS um imposto cumulativo, uma vez que inexiste crédito a ser compensado; tal previsão adveio para o nosso ordenamento pátrio por meio da EC n. 03/93, ensejando, desta feita, discussão quanto à constitucionalidade formal, face ofensa a direito individual (art. 60, § 4º, IV, da CF/88). Corroborando o esposado, Kiyoshi Harada (2006, p. 429), comenta o citado inciso acima, em letras:
“[…] esse inciso deverá ser interpretado com restrição. A legislação ordinária, ao implementar esse dispositivo constitucional, não poderá ferir o princípio da não-cumulatividade, ou da técnica de tributação não cumulativa. Havendo isenção ou não-incidência legalmente qualificada, de per meio, na quarta etapa de circulação da mercadoria, por exemplo, poderá a lei exigir o estorno de créditos correspondentes à terceira etapa, bem como coibir o crédito na etapa imediatamente posterior, ou seja, na quinta etapa. Não poderá o estorno abranger todas as etapas anteriores à isenção, nem a vedação de crédito abarcar todas as etapas subsequentes à isenção ou não-incidência, sob pena de se provocar a cumulatividade do imposto por comportas e barragens, aumentando a arrecadação do imposto, pelo emprego do instituto da isenção, invertendo e pervertendo o efeito que lhe é próprio.”
Sacha Calmon Navarro Coelho, (1999, p. 333-334), detalha o efeito cumulativo nos casos de isenção concedidos na fase intermediária, senão vejamos:
“[…] em impostos como o ICMS, em razão da técnica não-cumulativa ou, por outro lado, em razão da conta-corrente fiscal, existe uma radical incompatibilidade entre a natureza da exação e as exonerações fiscais. Dar isenção numa fase intermediária do ciclo ou mesmo conceder imunidade significa ‘transferir’ para o elo seguinte o ônus do imposto… A imunidade ou a isenção só funcionam nos impostos não-cumulativos plurifásicos se foram integrais (envolvendo o processo inteiro de circulação) e assim mesmo num mesmo corredor de fases… Afora tais hipóteses, não há como fazer funcionar, sem gerar disfunções, as exonerações fiscais nos impostos plurifásicos não-cumulativos.”
Ives Gandra Martins (2001 p. 149), veda que a legislação infraconstitucional conceda cumulatividade ao imposto em exame, in litteris:
“[…] o ICMS. Este tributo também contém princípios próprios, destacando–se, por sua relevância, aquele da não–cumulatividade.
Todas as imposições circulatórias, reais ou indiretas podem ser não–cumulativas, não havendo impedimento constitucional para que legislação inferior adote tal técnica de tributação. Duas delas, todavia, ao necessariamente não–cumulativas (Imposto sobre Produto Industrializado – IPI e ICMS), em relação a estas sendo inadmissível que legislação infraconstitucional as torne cumulativas.”
Ademais, a citada exceção fere ainda ao principio da isonomia[5], isto porque onera indevidamente aquele que teria crédito a ser compensado, além disso a isenção é outorgada por razões de interesse público. Analisando o princípio da equivalência tributária, amplamente, nota-se que os desiguais devem ser tratados de forma igual, visto que esta igualdade existe de forma equiparada e nunca de forma absoluta.
Ives Gandra Martins em obra constitucional, (1990, p. 400-402), distingue a não-incidência com a isenção, observe-se:
“Causa-me espécie a manutenção do constituinte da equiparação entre isenção e não-incidência que, como já tive oportunidade de referir neste livro, não se assemelham em nada. A ‘não-incidência’, por ser uma não-utilização do poder de tributar, constitucionalmente outorgado ao ente com poderes para tanto, não permite o nascimento nem da obrigação tributária nem, por decorrência lógica, do crédito tributário, conforme é definido no Artigo 139 do Código Tributário Nacional. O crédito tributário exterioriza ingresso no universo administrativo da obrigação tributária por força do lançamento, este explicitado nos Artigos 142, 147, 149 e 150, do CTN.
Como na ‘não-incidência’ não há qualquer incidência, dar tratamento constitucional ao que não existe é algo pelo menos curioso, posto que não existe não pode gerar qualquer direito, a não ser por ‘ficção’ jurídica, proibida no direito tributário para impor tributos, cujos fatos geradores não estejam previstos em lei, saldo se a Constituição determinar em contrário. O que não é o caso.”
Ante o exposto, com base no esposado, percebeu-se que a não-cumulatividade em cotejo merece muita acuidade, posto que qualquer ato tendente a modificar o dispositivo constitucional será tido por inconstitucional por ferir ainda que, reflexamente, a Carta Magna. Ademais, os créditos gerados devem ser compensados, sob pena de configurar enriquecimento ilícito (art. 884, do CC).
4. Conclusão
Este mister tem por fito demonstrar ao leitor que o ICMS ao longo dos tempos sofreu inúmeras modificações, bem como foi alvo de discussões doutrinárias quanto sua aplicação e interpretação.
Isto porque foi criado, em 1922 por meio da Lei nº 4.625, sendo reproduzido na CF/1934, o IVC (Imposto sobre Vendas e Consginações) a fim de incidir sobre as mercadorias que circulassem comercialmente, todavia este imposto era cumulativo, logo onerava absurdamente o contribuinte, bem como o destinatário final.
A CF/1946, já expressava em seu texto a vontade de criar um imposto não-cumulativo que fosse incidente em todas as fases de circulação, onde ocorria o fato gerador do tributo, até que a reforma tributária, mediante edição de EC nº 18/65, introduziu no cenário jurídico pátrio o ICM em substituição do IVC, aquele distinguia-se por ser não-cumulativo, representando fiel modelo ao TVA francês criado em 1936.
Muito embora houvesse evolução jurídico-tributária ao substituir imposto cumulativo por não-cumulativo, ainda assim o direito tributário era marcado com aspectos político-econômicos que impossibilitavam a ampliação desta evolução, uma vez que o Fisco se contrapunha a vontade do contribuinte, pois objetivava apenas obter lucro proveniente de sua arrecadação.
Com o advento da Carta Magna, de 1988, o constituinte prezou e versou que a não-cumulatividade deveria ser aplicada conjuntamente com os princípios da livre iniciativa e livre concorrência, a fim de equilibrar e regular a ordem econômica, garantindo assim o desenvolvimento nacional.
Em 1996, criou-se a LC nº 87 (Lei Kandir) que regulamentava o ICMS, em inteligência ao disposto nos arts. 146, II, e 155, § 2º, X da CF, contudo alguns artigos foram declarados flagrantemente inconstitucionais, uma vez que inovavam o ICMS e outros casos se opunham ao disposto constitucional, o que alvo de inúmeras críticas doutrinárias.
Após esta e outras Leis Complementares, os doutrinadores passaram a verificar uma exceção a não-cumulatividade, bem como notaram que este princípio constitucional merecia obediência de certos princípios, dentre eles: da legalidade tributária, da isonomia, da capacidade contributiva, dentre outros.
Dessarte, foi o incessante interesse / necessidade em instituir imposto não-cumulativo que atendesse ao regime plurifásico, em referência ao TVA europeu e o IVA da América Latina, que desencadeou no atual ICMS pátrio, passando a ser alvo do presente estudo, uma vez que sua história é lastreada de fatos de suma importância, tais como: a substituição do IVC pelo ICMS como forma de reduzir a carga tributária do contribuinte.
Malheiros, 2000. p. 306;
Informações Sobre o Autor
Daniel Oliveira Matos
Advogado proprietário do escritório de advocacia Matos Advocacia www.matos-advocacia.adv.br especialista em direito tributário e bancário articulista em direito tributário bancário e ex-docente do Senac/SP