Exclusão do ICMS da base de cálculo da CONFINS e do PIS – posições antagônicas do STJ e do STF.
A Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS, foi instituída pela Lei Complementar nº 70/91; e o Programa de Integração Social – PIS, pela Lei nº 7/70, ambos com fundamento no permissivo tributário, ou hipótese de incidência genérica tributária, existente no art. 195, I, “b”, da CRFB/88.
O E. STF, ao apreciar o RE 150.755-PE, considerou, para fins fiscais, os conceitos de “faturamento” e “receita bruta” como equivalentes, ou seja, a receita das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza, nos exatos termos do art. 2º, da LC nº 70/91:
“Art. 2° A contribuição de que trata o artigo anterior será de dois por cento e incidirá sobre o faturamento mensal, assim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza.”
No mesmo passo, a LC nº 7/70, em seu art. 3º, aduz que a segunda parcela do Fundo de Participação para o custeio do Programa de Integração Social, deve ser custeada pela empresa, com base em seu “faturamento”.
“Art. 3º – O Fundo de Participação será constituído por duas parcelas:
b) a segunda, com recursos próprios da empresa, calculados com base no faturamento, como segue:”
Ainda o E. STF, quando do julgamento da ADC 1-1/DF, relatada pelo Exmº Sr. Ministro Moreira Alves, firmou entendimento de que a base de cálculo da COFINS, definida no art. 2º, da LC nº 70/91, correspondia ao conceito de faturamento mencionado no inciso I, do art. 195 da CRFB/88. Desse julgado, destaca-se o seguinte texto:
“Note-se que a Lei Complementar nº 70/91, ao considerar o faturamento como a ‘receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza’ nada mais fez do que lhe dar a conceituação de faturamento para efeitos fiscais, como bem assinalou o eminente Ministro Ilmar Galvão, no voto que proferiu no RE 150.764, ao acentuar que o conceito de receita bruta das vendas de mercadorias e de mercadorias e serviços ‘coincide com o faturamento, que para efeitos fiscais, foi sempre entendido como o produto de todas as vendas, e não apenas das vendas acompanhadas de fatura, formalidade exigida tão-somente nas vendas mercantis a prazo (art. 1º da Lei nº 187/36).”[1]
Ressalte-se que a LC nº 70/91, a despeito da redação “receita bruta” de seu art. 2º, manteve a definição da base de cálculo da COFINS no conceito de faturamento, posto que restringiu a idéia de “receita bruta” à receitas advindas das vendas de mercadorias e da prestação de serviços.
Contudo, contrariando o conceito de “faturamento”, a Lei nº 9.718/98 alargou a base de cálculo da COFINS, ao redefinir o conceito de “receita bruta” como: “a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividades por ela exercida e a classificação contábil adotada para a receita” (art. 3º, § 1º, da Lei 9.718/98).
Suscitada a inconstitucionalidade do § 1º, do art. 3º, da Lei 9.718/98, esta foi acolhida pelo E. STF, nos autos do Recurso Extraordinário nº 357.950-9 RS, tendo o Exmº Sr. Ministro Marco Aurélio votado nos seguintes termos:
“Ou bem a lei surge no cenário jurídico em harmonia com a Constituição Federal, ou com ela conflita, e aí afigura-se írrita, não sendo possível o aproveitamento, considerado texto constitucional posterior e que, portanto, à época não existia. Está consagrado que o vício da constitucionalidade há de ser assinalado em face dos parâmetros maiores, dos parâmetros da Lei Fundamental existentes no momento em que aperfeiçoado o ato normativo. A constitucionalidade de certo diploma legal deve se fazer presente de acordo com a ordem jurídica em vigor, da jurisprudência, não cabendo reverter a ordem natural das coisas. Daí a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98. Nessa parte, provejo o recurso extraordinário e com isso acolho o pedido formulado na inicial, referente à base de cálculo da contribuição, ou seja, para que se entenda, como receita bruta, ou faturamento, o que decorra quer da venda de mercadorias, quer da venda de mercadorias e serviços, quer da venda de serviços, não se considerando receita bruta de natureza diversa.”
Decorrente de tal julgado, permaneceu inalterado o conceito de faturamento, como originalmente disposto no art. 2º, da LC nº 70/91, e definido pelo E. STF no RE 150.755-PE, ou seja, “a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza”, só vindo a ser alterado com a edição da Lei nº 10.833/03, que definiu em seu art. 1º, faturamento como: “o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil”.
Destaco que a leitura de qualquer instituto inserido na legislação tributária, ainda que oriundo do direito privado, mantém o conceito comum atribuído ao mesmo, por força do art. 110, do CTN, que assim assevera:
“Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”
Ou, utilizando-se as palavras do Min. Luiz Gallotti, em voto proferido no Recurso Extraordinário nº 71.758: “se a lei pudesse chamar de compra e venda o que não é compra, de exportação o que não é exportação, de renda o que não é renda, ruiria todo o sistema tributário inscrito na Constituição”[2]
A União Federal comumente defende a tese de que: “tudo quanto entra na empresa a título de preço pela venda de mercadorias faz parte da receita bruta, base de cálculo do FINSOCIAL, COFINS e do PIS, não tendo qualquer relevância, em termos jurídicos a parte que vai ser destinada ao pagamento de tributos”[3].
Tal discussão acerca da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS já foi pacificada no âmbito do E. STJ, tendo sido formulados os enunciados das Súmulas nº 68 e 94, in verbis:
“Súmula n.º 68-STJ:
A parcela relativa ao ICM inclui-se na base de cálculo do PIS“.
“Súmula n.º 94-STJ:
A parcela relativa ao ICMS inclui-se na base de cálculo do FINSOCIAL“.
Neste sentido, vale, ainda, a colação da ementa dos recentes arestos:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ICMS. INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS. SÚMULAS 68 E 94 DO STJ.
1. Inclui-se na base de cálculo da Contribuição ao PIS e da COFINS a parcela referente ao Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e sobre a Prestação de Serviços de Transporte, interestadual e intermunicipal, e de comunicação – ICMS.
2. Inteligência dos enunciados sumulares nºs 68 e 94 deste Superior Tribunal de Justiça.
3. Precedentes: REsp n.º 496.969⁄RS, Segunda Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 14⁄03⁄2005; REsp n.º 668.571⁄RS, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 13⁄12⁄2004; e REsp n.º 572.805⁄SC, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 10⁄05⁄2004.
4. Agravo de instrumento provido.” (Ag 666548⁄RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 14.12.2005)
“RECURSO ESPECIAL – ALÍNEA “A” – TRIBUTÁRIO – EXCLUSÃO DO ICMS DA BASE DE CÁLCULO DA COFINS E DO PIS – IMPOSSIBILIDADE – PRECEDENTES – SÚMULAS NS. 68 E 94 DO STJ.
É de notar que a matéria em discussão não comporta maiores controvérsias no âmbito deste Sodalício, uma vez que já se pacificou o entendimento de que parcela relativa ao ICMS inclui-se na base de cálculo do PIS e da COFINS.Aplica-se à espécie o disposto nos enunciados n. 68 e n. 94 das Súmulas deste Sodalício.
Precedentes: REsp 463.213⁄RS, Rel. Min. Castro Meira, DJ 06.09.2004; AGA 520.431⁄PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 24⁄05⁄2004; REsp 154.190⁄SP, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 22⁄05⁄2000.
Recurso improvido.” (REsp n.º 496.969⁄RS, Segunda Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 14⁄03⁄2005)
Assim, em sede infraconstitucional a tese acerca da exclusão do ICMS da base de cálculo da COFINS e do PIS já foi rechaçada.
Todavia, a despeito de incidir ICMS sobre o próprio valor do ICMS, nos termos do art. 13, § 1º, I, da LC 87/96 (“cálculo por dentro” – fator aplicado ao cálculo deste tributo de competência estadual, inadequado á questão posta em discussão), o conceito de faturamento não pode ser elastecido a ponto de abarcar o conceito de “ingresso”
Acerca da distinção entre “receita” e “ingresso”, a primeira é definida como “a quantia recebida, apurada ou arrecadada, que acresce ao conjunto de rendimentos da pessoa física, em decorrência direta ou indireta da atividade por ela exercida”, enquanto que “ingressos envolvem tanto as receitas como as somas pertencentes a terceiros (valores que integram o patrimônio de outrem). São aqueles valores que não importam em modificação no patrimônio de quem os recebe, para posterior entrega a quem pertencem”[4].
Desta forma, verifica-se que o ICMS para a empresa é mero ingresso, para posterior destinação ao Fisco, aqui entendido como terceiro titular de tais valores.
No mesmo sentido, encontra-se em fase decisória o Recurso Extraordinário nº 240785, tendo por relator o Exmº Sr. Ministro Marco Aurélio, segundo o qual, o conceito de faturamento “decorre de um negócio jurídico, de uma operação”, assim, “a base de cálculo da Cofins não pode extravasar, sob o ângulo do faturamento, o valor do negócio, ou seja, a parcela percebida com a operação mercantil ou similar”[5].
Ressaltando, ainda, o Min. Marco Aurélio que:
“Descabe assentar que os contribuintes da Cofins faturam, em si, o ICMS. O valor deste revela, isto sim, um desembolso a beneficiar a entidade de direito público que tem a competência para cobrá-lo. A conclusão a que chegou a Corte de origem, a partir de premissa errônea, importa na incidência do tributo que é a Cofins, não sobre o faturamento, mas sobre outro tributo já agora da competência de unidade da Federação. (…) Difícil é conceber a existência de tributo sem que se tenha uma vantagem, ainda que mediata, para o contribuinte, o que se dirá quanto a um ônus, como é o ônus fiscal atinente ao ICMS. O valor correspondente a este último não tem a natureza de faturamento. Não pode, então, servir à incidência da Cofins, pois não revela medida de riqueza apanhada pela expressão contida no preceito da alínea “b” do incido I do artigo 195 da Constituição Federal.[6]”
Acompanharam o voto do relator os Ministros Ricardo Lewandowski, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso, Sepúlveda Pertence e Carmem Lúcia; o Ministro Eros Grau negou provimento ao recurso, faltando votar os Senhores Ministros Gilmar Mendes , Ellen Gracie e Celso Mello.
Assim, o valor do ICMS não pode ser incluído na base de cálculo da COFINS e do PIS, por não ser incluído no conceito de “faturamento”, mas mero “ingresso” na escrituração contábil das empresas.
Destaque-se, por fim, que os contribuintes podem ingressar em juízo pleiteando a declaração de inexistência de relação jurídico-tributária acerca incidência do PIS e da COFINS sobre o ICMS, a compensação ou repetição de indébito dos valores já recolhidos, com a possibilidade de depósito dos valores controvertidos, nos termos do art. 151, II, do CTN, suspendendo-se a exigibilidade do crédito tributário.
Informações Sobre o Autor
Marcos José Milagre
Oficial de Gabinete da 1ª Vara Federal de Linhares/ES; Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas Norte Capixaba – FANORTE.