O conhecido anteprojeto da PGFN, que instituía a execução fiscal administrativa, foi amplamente debatido em audiência pública realizada pelo Conselho de Justiça Federal, coordenada pelo Min. Gilson Dipp.
Os debates aí travados serviram de base para apresentação de um novo anteprojeto sobre a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública.
A exposição de motivos faz referência ao nosso anteprojeto de lei de penhora administrativa, que apresentamos naquela audiência pública.
Cumpre esclarecemos que a nossa sugestão limitou-se a instituir a penhora administrativa como pré-requisito da execução fiscal. A petição inicial deveria ser instruída obrigatoriamente com a certidão de inscrição da dívida ativa e com o auto de penhora. Nada mais.
Por que? A resposta é simples: a) para forçar o poder público a reaparelhar os sucateados órgãos de administração tributária, dotando-os de infra-estrutura material e pessoal compatível com as exigências atuais, em obediência ao disposto no inciso XXII, do art. 37 da CF; b) para obrigar as Fazendas Públicas a adotarem um critério seletivo no ajuizamento das execuções fiscais, descartando os créditos tributários constituídos extemporaneamente (decadência); os atingidos pela prescrição; os referentes a devedores falidos ou insolventes; e os pertinentes a devedores em lugar incerto e não sabido.
Cumpridos esses itens, a execução fiscal ganhará celeridade nunca dantes vista.
O que importa para o executado é a observância dos princípios do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa, que a penhora administrativa em nada afeta. A única diferença é que o prazo de embargos, ao invés de fluir a partir da intimação da penhora, passará a fluir da citação.
A nossa proposta, todavia, exclui da constrição administrativa a penhora de dinheiro, a penhora de faturamento bruto e a penhora de estabelecimento empresarial, que somente poderiam ser efetivadas por ordem judicial, e com observância das regras próprias previstas no Código de Processo Civil (art. 655-A, § 3º do 655-A e art. 677).
Em que pese o louvável esforço feito pelos elaboradores do novo anteprojeto, bem melhor do que o anteriormente apresentado pela PGPN, ele continua contendo pontos polêmicos como a penhora on line que, por não distinguir dinheiro disponível do dinheiro simplesmente depositado em conta bancária (destinado ao pagamento de tributos, fornecedores, folha salarial etc.), poderá conduzir a empresa executada a uma situação de insolvência. O arbitramento do percentual do faturamento da empresa devedora pelo juiz, previsto no anteprojeto, também não resolve o perigo de quebra da empresa sob execução. Como o juiz poderia arbitrar um percentual adequado sem conhecer a realidade do dia a dia da empresa? Somente a nomeação de um depositário, na forma do § 3º do art. 655-A do CPC, resolveria o problema. Outrossim, o anteprojeto contém dispositivos estranhos ao processo de execução fiscal, como o protesto da certidão de dívida ativa, o alargamento das hipóteses de responsabilidade pessoal previstas no art. 135 do CTN, que é uma lei complementar, a proibição de empresas devedoras distribuir bonificações ou dividendos etc. Preocupou-se muito mais com a eficiência da execução, em detrimento dos direitos e garantias assegurados pela Constituição aos contribuintes. Daí a introdução de inúmeras medidas de coação indireta do devedor, que escamoteiam o princípio do contraditório e ampla defesa.
Nem a impugnação dos atos praticados pela Fazenda e nem os embargos do executado suspendem a execução a menos que, neste último caso, o juiz entenda que o “prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação”.
Enfim, o novo anteprojeto, apesar de representar um grande avanço em termos tecnológicos, deve merecer debates mais aprofundados para se ater exclusivamente ao processo de execução fiscal, mantendo sob o princípio da reserva de jurisdição o ato de expropriação de bens do executado. Não há dúvida de que a “constrição preparatória ou provisória” de dinheiro, como está prevista no anteprojeto, equivale a uma expropriação de bens. O STF declarou inconstitucionais os artigos 31 e 32 do Decreto Lei nº 70/66 que dispõem sobre o leilão extrajudicial de imóvel financiado pelo SFH exatamente porque ferem os princípios do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa (RE nº 304.464-SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 24-6-2003, p. 048).
Informações Sobre o Autor
Kiyoshi Harada
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.