Resumo: O presente trabalho demonstra o resultado de uma pesquisa bibliográfica, desenvolvida a partir do método dedutivo, para fins de abordagem, e monográfico, a título procedimental, acerca da exploração sexual de crianças e adolescentes e a internet como instrumento a serviço do turismo sexual, tendo por objetivo principal aferir sobre a realidade atual do turismo sexual no Brasil, o tratamento jurídico dado ao crime de exploração sexual infantojuvenil e a posição doutrinária de autores que tratam sobre o tema. No decorrer do trabalho, visou-se o esclarecimento de pontos relevantes que permeiam a matéria, como o seguinte problema: que medidas o Brasil adota para combater essas práticas violadoras dos direitos de crianças e adolescentes? Há evidências que comprovem a utilização de tecnologias da informação e comunicação para a prática de exploração sexual de adolescentes? Para tanto, foram examinados temas essenciais à compreensão do assunto e dentre os resultados encontrados, verificou-se que mesmo com medidas para a inibição da prática desse crime, fundamentados em tratados internacionais e na legislação nacional, ainda há um grande número de vulneráveis, pois o turismo sexual é viabilizado pelas tecnologias da informação e comunicação, que servem como um poderoso instrumento dessa prática. Entendeu-se, ainda, que essas realidades devem ser combatidas com universalidade social, competindo à família, à sociedade e ao Estado, a responsabilidade pela promoção do melhor interesse da criança.[1]
Palavras-chaves: Exploração sexual de crianças e adolescentes. Turismo sexual. Internet.
Abstract: The present work demonstrates the results of a bibliographic research, developed from the deductive method, for purposes of approach, and monographic, procedural, on the sexual exploitation of children and adolescents and the Internet as an instrument in the service of sexual tourism, having by main objective to assess the current reality of sexual tourism in Brazil, the legal treatment given to the crime of sexual exploitation of children and the doctrinal position of authors who deal with the subject. In the course of the study, the aim was to clarify relevant points that permeate the matter, such as the following problem: what measures does Brazil adopt to combat these practices that violate the rights of children and adolescents? Is there evidence to prove the use of information and communication technologies for the practice of sexual exploitation of adolescents? In order to do so, it was examined essential subjects to understand the subject and among the results found, it was verified that even with measures to inhibit the practice of this crime, based on international treaties and national legislation, there are still a large number of vulnerable, because sex tourism is made possible by information and communication technologies, which serve as a powerful instrument of this practice. It was also understood that these realities must be combated with social universality, with responsibility for promoting the best interest of the child by the family, society and the State.
Keywords: Sexual exploitation of children and adolescents. Sexual tourism. Internet.
INTRODUÇÃO
Segundo os dados estatísticos do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e a realidade noticiada pela mídia (televisão, jornal, rádio, etc), mostram que a cada dia aumentam os casos de exploração sexual de crianças e adolescentes. Chega-se ao extremo de alguns países, tais como o Brasil, notabilizarem-se pelo turismo sexual, havendo ainda toda uma estratégia que envolve as famílias, os serviços de hotéis, os taxistas e os guias turísticos, que integram uma cadeia imbuída de explorar economicamente esses sujeitos de direito.
Por turismo sexual entende-se o ato em que o turista, em troca das vantagens pecuniárias em dinheiro que oferece, obtém serviços sexuais a sua disposição, tanto de mulheres e homens quanto de crianças e adolescentes.
No entanto, essas práticas são rechaçadas pelas convenções internacionais tais como a Convenção Internacional de Criança e Adolescente e o Protocolo Facultativo contra Abuso e Exploração Sexual. Nesses documentos, fica claro que o país tem que lançar mão de todos os instrumentos de combate ao referido crime, bem como é responsabilidade das famílias e de toda sociedade evitar a exploração das crianças e adolescentes, conforme a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227.
Nessa mesma linha, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seus artigos 5º, 240 e 241, explicitou que não pode haver e, inclusive, estabeleceu como crime a exploração sexual de crianças e adolescentes, conforme consta na parte penal do referido Estatuto. Apesar da proteção normativa, essas práticas existem e se ampliam com o uso das tecnologias da informação e comunicação, em especial a Internet que, além de oferecer meios de contato rápido entre os interessados e os agenciadores, permite ainda abrigar sites destinados a promover esses serviços.
A Internet permite rápido acesso às mais variadas informações, o que possibilita a sua utilização para atividades positivas e promoção dos direitos humanos. Essa mesma tecnologia, no entanto, também pode ser empregada para aumentar a violência contra sujeitos vulneráveis, como ocorre quando é usada para divulgar e incentivar a exploração sexual contra crianças e adolescentes, o que é muito usual no caso do turismo sexual, em que turistas de várias partes do mundo vêm ao Brasil atraídos pelos belos cenários praianos e pelo sexo pago, muitas vezes, realizado com crianças e adolescentes.
Partindo dessa realidade, questiona-se: que medidas o Brasil adota para combater essas práticas violadoras dos direitos de crianças e adolescentes? Há evidências que comprovem a utilização de tecnologias da informação e comunicação para a prática de exploração sexual de adolescentes?
Para responder a essas indagações de pesquisa utilizou-se uma combinação de métodos de abordagem e procedimento, pois o estudo partirá da análise geral do tema referente à proteção integral de crianças e adolescentes, o que terá como elemento de estudo desde os tratados internacionais que versam sobre o tema até a legislação interna. Feito esse delineamento normativo e teórico, o estudo analisará as formas de violência sexual realizadas com o auxilio da internet, notadamente o turismo sexual.
O estudo também adotará o método de procedimento monográfico, pois elegeu um grupo específico para análise, qual seja, crianças e adolescentes violentados sexualmente em decorrência do turismo sexual, realidade que tem se ampliado no Brasil com o auxílio das tecnologias da informação e comunicação.
Desse aporte metodológico resultou o trabalho dividido em três partes: Na primeira parte é abordado a exploração sexual, turismo sexual infanto-juvenil brasileiro, na segunda é abordado a internet a serviço da exploração e da divulgação do turismo sexual com infantes e por fim, na terceira parte, discute-se a proteção da criança e do adolescente à luz da legislação brasileira vigente.
1 Exploração sexual, Turismo sexual infanto-juvenil brasileiro.
Segundo dados colhidos sobre o combate da exploração sexual infantil pelo fórum catarinense pelo fim da violência e da exploração sexual infanto-juvenil (2001), o governo brasileiro tem intensificado, nos últimos anos, as iniciativas para combater a exploração sexual infanto-juvenil. Entretanto, segundo o gerente da organização não governamental Childhood Brasil, Itamar Gonçalves (2017, p. 01) o número de crianças em estado de vulnerabilidade no Brasil cresce a cada dia, fato que as deixa a mercê da exploração sexual.
Para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a ocorrência de tal violência se mostra preocupante, uma vez que ela ocorre de várias formas e tem distintas definições, causando danos severos e na maioria das vezes irreversíveis no infante. De acordo com Ferrari (2002, p. 93) o uso do termo violência implica na perda de autonomia de uma pessoa, a deixando vulnerável ao poder daquele que lhe impõe tal ato, perdendo assim a pessoa violentada sua autonomia diante do ato.
Christian H. Kristensen (1998, p. 33) define violência sexual como “todo ato ou jogo sexual entre um ou mais adultos e uma criança ou adolescente, tendo por finalidade obter uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa. Para Campos(2002), a violência sexual contra o infante pode dividir-se em dois tipos, sendo elas com contato e sem contato.
Segundo Campos (2002), o primeiro tipo de violência não é menos cruel do que aquela que ocorre com contato físico, pois esta forma de violência se dá através de um dos comportamentos a seguir descritos: a) Assedio sexual, onde o infante recebe propostas de relações sexuais, e geralmente quem faz estas propostas tem um certo poder em relação a pessoa que recebe, passando sua vitima de modo que ela não possa recusar suas investidas; b) Abuso sexual verbal, é o modo que o violentador usa para estimular o interesse do infante em relação as atividades sexuais com conversas abertas sobre sexo; c) Exibicionismo, neste modo de violência o abusador exibe suas genitais ao infante ou se masturba diante dele; d) Voyeurismo: diferente do exibicionismo, aqui o violentador ao invés de mostrar suas genitais observa os órgãos sexuais de sua vitima; e) Pornografia: essa talvez seja a forma mais usada para divulgar e estimular a violência sexual, uma vez que a pornografia é um meio de divulgação de imagens da vitima em situação de exposição sexual a qual na maioria das vezes é feita com intenção de obter lucros financeiros (CAMPOS, 2002, p. 29).
Para Campos (2002), além dessas formas de abuso, a violência pode ocorrer mediante contato físico, como ocorre quando o abusador atua sobre o corpo de sua vitima, estão inclusas nesse tipo de violência, tentativas de relações sexuais, penetração vaginal, sexo oral, masturbação, carícias nos órgãos genitais, penetração vaginal e anal. E ainda podem ser tipificados em: atentado violento ao pudor, corrupção de menores, sedução e estupro.
Segundo Ribeiro (2010), as consequências podem dar-se em curto e longo prazo e podem evidenciar-se de diferentes tipos, tais como: a) físicas: o infante passa a ter pesadelos e problemas com o sono, mudanças de hábitos alimentares além da perda de controle; b) comportamentais: o infante começa a consumir drogas e álcool, muitas vezes foge do convívio do seu violentador , e tem condutas suicidas ou passa a mutilar-se além disso é possível notar a diminuição do rendimento acadêmico; c) emocionais: o infante tem medo generalizado, passa a ser agressivo, sente culpa e vergonha, se isola, quase sempre é ansioso e apresenta sinais de depressão e baixa autoestima, passando a rejeitar seu próprio corpo; d) sexuais: o conhecimento sexual do infante é acima do que se espera em sua idade e totalmente imprópria, sendo que sua saúde, além disso, pode desenvolver um quadro de masturbação compulsiva e problemas com sua identidade sexual. Ribeiro (2010, p. 121).
Como se pode verificar, tais condutas são graves e importam em sérios problemas para o regular desenvolvimento da criança e do adolescente abusados sexualmente. Para Faleiros (2000), que estuda o tema, apesar disso e de haver expressa previsão legal, conforme será verificado a seguir, a fiscalização, o combate à exploração e ao turismo sexual, mesmo tendo sido intensificada, ainda é precária e precisa melhorar muito para poder combater plenamente essas práticas contra crianças e adolescentes. Ainda que a exploração sexual de crianças e adolescentes seja considerada um crime sexual praticado contra vulnerável, esse fato, no entanto, não impede a ação daqueles que deviam proteger as crianças e muitas vezes, na intenção de obter benefícios, acabam por aliciá-las para a exploração com promessas de ganho de dinheiro fácil para o seu sustento e de sua família que, na maioria dos casos, vive em situação de miséria. Portanto, como descrito por Faleiros (2000, p. 46), ocorre:
“[…] uma violação dos direitos da pessoa humana e da pessoa em processo de desenvolvimento; direitos à integridade física e psicológica, ao respeito, à dignidade, ao processo de desenvolvimento físico, psicológico, moral e sexual sadios. A violência sexual na família é uma violação ao direito à convivência familiar protetora” (FALEIROS, 2000, p. 46).
Segundo Lima (2013) outras vezes o aliciamento é feito com ameaças físicas e emocionais à família e à própria criança que está sendo explorada. Tais comportamentos ocorrem com um único objetivo, que é satisfazer sexualmente o turista ou até mesmo o conterrâneo que procura esses serviços criminosos e paga ao intermediário uma determinada quantia para que ele, o consumidor final, não precise envolver-se absolutamente em nada, podendo praticar o crime com a esperança de que não será punido.
2 A internet a serviço da exploração e da divulgação do turismo sexual com infantes.
No Brasil, antes da era digital, já havia turismo em suas várias cidades, especialmente em praias, e, junto com esse turismo formal, sempre se desenvolveu um turismo de “fachada”, mais conhecido como ‘Turismo Sexual”, tanto com pessoas adultas como com crianças e adolescentes, constituindo-se um crime que choca a sociedade e deixa sequelas irreparáveis em suas vítimas.
“O avanço da tecnologia, ao par de que muito tem auxiliado a humanidade, é instrumento por vezes utilizado de modo perverso. Muito há de se fazer para o combate deste mal, mas algumas diretrizes parecem básicas e olhando sob a ótica jurídica necessitam serem normatizadas. É o exemplo da Internet. Há necessidade das atividades em rede internacional de informações serem disciplinadas”. (VILLELA, 2016, p. 03)
Ao ler o trecho citado e fazer uma analogia entre os dias passados e os atuais pode-se constatar que com o advento do acesso facilitado à Internet o turismo nas cidades brasileiras banhadas pelo mar cresceu consideravelmente, junto com ele também aumentou o turismo sexual, sobretudo aquele praticado com crianças e adolescentes.
Nesse sentido Lima (2013, p. 13-14) enfatiza que o turismo sexual teve um grande crescimento no Brasil devido às más estruturas oferecidas aos turistas, principalmente nas cidades praias, onde os turistas passaram a procurar informações junto a moradores e trabalhadores locais, e junto com suas informações as pessoas consultadas acabavam vendendo encontros sexuais aos turistas, que muitas vezes já vem ao Brasil com a imagem do país erotizada em sua cabeça. Tal situação ocorre porque a maioria das imagens divulgadoras dos pontos turísticos praianos acabam sempre trazendo imagens da mulher brasileira em trajes mínimos, que expõe seu corpo de forma que chame a atenção do turista.
Atualmente a situação ficou ainda mais facilitada ao turista e demais abusadores, pois é possível usar a Internet para comunicar-se com o mundo inteiro, fazer propaganda de produtos, divulgar imagens e muito mais, mantendo a sua identidade oculta, dando uma maior sensação de proteção ao criminoso que pode cometer os seus crimes virtualmente.
Com esses dispositivos foi possível os criminosos, agenciadores e tomadores de serviços sexuais com crianças e adolescentes expandirem a sua área de atuação, uma vez que a Internet permite-lhes pensar que estão protegidos com o anonimato por trás das telas de computadores, utilizando sistemas desenvolvidos especificamente para proteger as suas identidades, como é o caso da Deep Web, um sistema que trabalha com redes anônimas, ficando mais fácil para os criminosos anunciarem o turismo sexual no Brasil. Segundo Silva (2015, p. 02):
“Partindo de uma análise perfunctória da relação estabelecida entre o meio eletrônico com o homem, é possível a previsibilidade de chances maiores no cometimento de delitos no cyber espaço, tendo em vista que o usuário de tal meio se sente inatingível pela punição decorrente de um delito praticado por meio eletrônico, face à insegurança jurídica e a falta de preparação por parte do Estado, em dar continuidade às investigações, ou até mesmo de como proceder à investigação de delitos desta classe. Percebe-se de forma indutiva que muitos indivíduos que não seriam capazes de cometer delitos nas relações concretas (indivíduo x indivíduo), encontram no meio virtual segurança para o cometimento de delitos, seja tendo o virtual como meio (tráfico de drogas), seja como forma direta de prática de crime” (estelionato).
Atualmente, com um simples teclar de dedos no computador, eles podem divulgar ao mundo inteiro os serviços sexuais nas cidades praias brasileiras, chamando a atenção de pedófilos e criminosos de várias partes do planeta que, pela facilidade na exploração dos menores de idade, são atraídos ao Brasil.
Não é de hoje que o anonimato existe no mundo para ser usado para o crime. Pelo contrário, ele foi criado bem antes da era digital, como se pode observar a necessidade de manter-se anônimo já vem dos primórdios da humanidade, para que homens e mulheres pudessem assim agir sem serem reconhecidos na sociedade ou apontados em festas e bailes que não tinham permissão social para frequentar.
“Pietro Barbo, o Papa Paulo II, contribuiu para a evolução do Carnaval romano, imprimindo uma relevante mudança estética ao evento: a introdução das máscaras à indumentária dos participantes, em meados do século XV.
Ao longo dos séculos XV e XVI, as máscaras ganharam ainda mais notoriedade por influência da Comedia dell'Arte8 , que eternizou personagens como o Pierrot, a Colombina, a Pulcinella e o Arlequim. O movimento inspirou o Carnaval de Veneza com seu famoso Ball Masquê. Nessa época, a nobreza valia-se das máscaras para sair e, disfarçadamente, misturar-se ao povo. As damas elegantes utilizavam-na, também, como instrumento de sedução. O mascarado, coberto por chapéus e casacos, tornava-se, de fato, um anônimo, e, sob tal condição, deslocava-se incognitamente aos cassinos, reuniões secretas, encontros com amores ilícitos e toda sorte de extravagâncias que não seriam possíveis se estivesse à paisana. Curiosamente, até a palavra pessoa tem raízes no termo latino persona, como eram chamadas as máscaras usadas no teatro” (ABREU; NICOLAU, 2014, p. 23 e 24)
Ainda que nos primórdios a ideia de anonimato não fosse utilizada para a prática de crimes, especialmente aqueles que são tratados nesse trabalho, a evolução desse anonimato veio crescendo continuamente com o passar do tempo. Atualmente se chega à era do anonimato digital, em que criminosos se valem da Rede Mundial de Computadores para cometer vários tipos de crimes, entre eles, os crimes sexuais contra crianças e adolescentes, em especial, o crime de exploração sexual infanto-juvenil no turismo das cidades litorâneas brasileiras.
Essa prática é possível visto que encontra uma série de criminosos dispostos a colaborar com a organização e a execução dele, começando pelo agenciador, que pode ser qualquer conhecido ou amigo e até mesmo um membro da família do infante que, na maioria dos casos, vive em situação de miséria extrema.
O agenciador procura o infante, induzindo-o a acreditar que ele precisa fazer aquilo para sobreviver ou, muitas vezes, para sustentar a família que vive na miséria ou até melhorar as suas condições de vida, podendo chantageá-lo, ameaçando contar algo para a família ou ameaçando a família do infante, forçando-o a ser explorado em troca do seu silêncio ou da ameaça de fazer algum mal a sua família. Tais práticas, que são atuais e se revestem de sofisticação quando realizadas por meio da internet, podem ser verificadas na narrativa de Eufrásio (2014, p. 02)
“A Operação Arcanjo, realizada na cidade de Boa Vista (Roraima), foi uma operação policial de repressão ao tráfico de entorpecentes, crimes de pedofilia, abuso e exploração sexual de menores, prostituição e outros crimes. Durante a operação foram presas 08 pessoas, dentre elas o procurador-geral do Estado de Roraima, Luciano Alves Queiroz, o major da Polícia Militar Raimundo Ferreira Gomes, o funcionário do Tribunal de Regional Eleitoral (TRE-RR) Hebron Silva Vilhena, Givanildo dos Santos Castro e Lidiane do Nascimento. As investigações revelaram que menores, com idade entre 6 e 14 anos, eram aliciadas para fins de exploração sexual por Givanildo e Lidiane. O esquema de pedofilia, abuso sexual de menores e prostituição foi revelado a partir de uma investigação de tráfico de drogas, coordenada pela Delegacia de Combate ao Crime Organizado e em conjunto com Polícia Federal, Ministério Público Estadual e a Justiça Estadual. Durante as investigações foram feitos grampos telefônicos e registradas imagens, algumas delas bastantes fortes. As gravações colhidas mostravam inclusive os ardis usados pelos aliciadores e clientes para levar às crianças e adolescentes aos locais onde seriam cometidos os abusos. Além do aliciamento, as menores eram induzidas a usarem substâncias entorpecentes o que as levou à dependência química”. ( EUFRÁSIO, 2014, p. 02)
Eufrásio (2014, p. 02) ainda salienta os promotores que cuidavam do caso constataram que a situação das vítimas era de pobreza e membros de famílias humildes, deixando claro que devido ao tamanho da quadrilha ser gigantesco seria impossível determinar o número de crianças alcançadas.
No entanto, há casos em que a própria família do infante sabe o que está acontecendo e concorda para obter alguma vantagem sobre a criança ou o adolescente. Em casos mais graves a própria família negocia o encontro do infante com o seu abusador, obrigando-o a deixar-se ser explorado sexualmente para ajudar no sustento da casa ou de algum vício do seu responsável legal.
Nesse sentido Oliveira (2006, p. 02) deixa claro ao leitor que essa exploração ocorre porque além da família, há ainda toda uma rede envolvida no ato:
“A exploração de meninos, meninas e adolescentes por visitantes, em geral, procedentes de países desenvolvidos ou mesmo turistas do próprio país, envolvendo a cumplicidade por ação direta ou omissão de agências de viagem e guias turísticos, hotéis, bares, lanchonetes, restaurantes e barracas de praia, garçons e porteiros, postos de gasolina, caminhoneiros e taxistas, prostíbulos e casas de massagem, além da tradicional cafetinagem”.
Ao entrevistar Ivone Salucci, (2014, p. 03) autora das denúncias que, em 2008, levaram à Operação Arcanjo, da Polícia Federal, a desarticular uma rede de exploração sexual envolvendo ao menos 19 crianças e adolescentes em Boa Vista (RR), Eufrásio (2014, p. 03) ouviu que depois da operação as coisas pareciam que iam melhorar, entretanto, a exploração jamais deixou de existir, apenas os exploradores que ficaram mais cautelosos, mas que ainda há meninas se prostituindo por apenas um prato de comida, alegando que se não assim fizer, não poderá alimentar sua família, que morrerá de fome.
Neste sentido, para Dantas (2009, p. 134) a família, como principal responsável em zelar pelo bem-estar do infante, tem a obrigação de dar a ele o que necessita para viver com dignidade, devendo a família ser a primeira a rechaçar qualquer prática que atente contra a dignidade do infante. Entretanto, para o autor a situação de miserabilidade que algumas famílias enfrentam devido à falta de politicas públicas para acalentar tal situação, acaba por levar a família a valer-se do infante como uma fonte de renda para não morrer de fome, invertendo os papeis de protegido e protetor, tornando o infante o único responsável pelo sustento de sua família.
Para garantir algum ganho financeiro, o explorador entrega a criança ou o adolescente ao agenciador ou resolve agenciar por si mesmo encontros sexuais remunerados, usando, para isso, todos os artifícios possíveis para não ser punido, uma vez que os agenciadores sabem o crime que estão cometendo e as suas consequências, caso cheguem a ser presos ao explorar sexualmente infantes vulneráveis protegidos pela Constituição cidadã de 1988, pelo ECA e por outras diversas leis e convenções tratados e acordos.
Entretanto, tais crimes nas cidades praias brasileiras não se reduzem ou extinguem pelo fato de haver previsão legal, pois segundo Eufrásio (2014, p. 04) segue explicando, é possível negociar uma criança por R$ 2,00 (dois reais).
Eufrásio (2014, p. 04) em certo trecho de seu artigo, relata uma informação do promotor de justiça responsável pelo caso, em que informou que ainda existem denúncias das quais informam que agora depois da operação crianças estão agindo como aliciadoras e que, além disso, estaria acontecendo até mesmo à compra de virgindade.
O que a autora relata, apesar de ser cruel, é a mais pura realidade brasileira, onde o fato repete-se na maioria das cidades praias brasileiras usadas como rota turística. Neste sentido, Eufrásio (2014, p. 05) assinala:
“Quem não se lembra da CPI da Exploração sexual que ocorreu em 2006 e que revelou esquemas de exploração por todo país. Em Santos, cidade turística e praiana; Crianças eram abordadas na rua por pessoas que, do interior de um automóvel, oferecem 50 reais por uma ‘transa’, 10 ou 20 reais por sexo oral. É assim que elas começam a ser exploradas sexualmente. As meninas maiores contam que vários ‘clientes’ pedem que tragam uma coleguinha de 9 ou 10 anos”.
Apesar de ser uma matéria de 2006 parece que foi redigida ontem. Revela a realidade cruel a que são submetidas as nossas meninas, que continuam sendo exploradas. Em agosto desse ano uma moção de repúdio foi divulgada durante encontro de promotores em Brasília por promotores de Justiça de todo o país alegando o "aumento significativo" no número de casos de exploração sexual de crianças no Brasil. No texto eles destacaram que as denúncias de crimes dessa natureza, recebidas pelo Disque 100, aumentaram significativamente durante o período da Copa do Mundo (12 de junho a 13 de julho). O número saltou de 524, de 12 de junho a 13 de julho do ano passado para 740 no mesmo período deste ano. Também foi informado sobre os pontos de maior vulnerabilidade infanto-juvenil, detectados pela Rede de Proteção, que seriam as praias do Nordeste, Porto de Manaus, rodovias federais e grandes capitais, como São Paulo, Rio de Janeiro Natal. Além disso, foi alertado que o país está longe do fim da erradicação da prática do crime de estupro de vulnerável, o favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável.” (EUFRÁSIO, 2014, p. 05).
Assim, em busca de proteção para cometer o crime, agenciadores procuram o anonimato na rede mundial de computadores, uma das formas mais seguras, atualmente, de exercer tal crime. Esses agenciadores sentem-se seguros para cometer o crime, uma vez que utilizam pseudônimos falsos na rede mundial de computadores e, por ali, eles conseguem fazer o esquema criminoso acontecer, divulgam fotos e vídeos das crianças aos clientes que, no conforto e segurança de suas casas, escolhem a criança a ser explorada como se fosse um cardápio em um restaurante de luxo, onde eles pagam altos valores aos agenciadores que, muitas vezes, não repassam o dinheiro ao infante ou repassam uma quantia insignificante do valor recebido por eles.
Ao tratar do tema, Azevedo (1995, p. 16), leciona que:
“[…] a negligência no cuidado de crianças, assim como maus tratos a elas infligidos, e a exploração sexual que dela s faz, são fenômenos que o adulto tende a ocultar, seja porque seriam passíveis de punição criminal, seja porque a descoberta do agressor provocaria o desmoronamento de instituições cuja gigantesca força deriva, como no caso da família, de seu caráter sagrado.”
Assim como o anonimato é importante para manter as boas aparências dos abusadores, os clientes já não precisam mais sair de seus aposentos para obter tais serviços, pois esse crime já está tão bem organizado que, na Internet, eles conseguem fazer com que tudo venha a eles sem preocuparem-se com a segurança. Em se tratando do turismo sexual é bem provável que o abusador já saía de seu país de origem, após breve pesquisa na rede, sabendo como chegar ao local de destino e pedir pelos serviços sexuais dos menores de idade. Tais comportamentos ferem diretamente o Estatuto da Criança e do Adolescente, conforme se verá na sequência.
3 A proteção da criança e do adolescente à luz da legislação brasileira vigente.
Nos dias de hoje pode-se afirmar que as crianças e os adolescentes são titulares de direitos humanos como qualquer outra pessoa, entretanto, em razão do seu desenvolvimento, é correta também a afirmação que elas são merecedoras e devem ser destinatárias de mais direitos e cuidados que os adultos, assim tendo um tratamento diferenciado, com maior proteção devido à vulnerabilidade apresentada por eles.
É mister lembrar que nem sempre foi assim, a criança já foi vista como um bem que os pais possuíam e podiam dar-lhes o tratamento e o destino que melhor lhes aprouvesse.
Este cenário começou a mudar com a compreensão e a proteção internacional sobre direitos humanos para crianças e adolescentes, mudança que começa a surgir comprovadamente ao longo do século XX, através de declarações e convenções tais como a Declaração de Genebra e a Declaração Universal de Direitos da Criança (1959) e, especialmente, pela posterior Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, de 1989, em vigor..
Atualmente, o Brasil é parte presente no Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à venda de crianças, prostituição e pornografia infantis, criado pela Organização das Nações Unidas (ONU 2000). Ao tornar-se parte do referido protocolo, o Brasil concordou com o que foi acordado entre os países para o combate aos crimes contra vulneráveis, sendo que, dentre esses crimes, inclui-se o de exploração sexual, como já vem explicitado no artigo primeiro do protocolo, segundo o qual “ Os Estados Partes deverão proibir a venda de crianças, a prostituição infantil e a pornografia infantil, conforme disposto no presente Protocolo” (ONU, ano 2000, p. 02).
Na sequência, tem-se o artigo segundo, que, detalhadamente, explica o significado de prostituição infantil, para que não reste dúvidas se há ou não um crime de exploração sexual. De acordo com o teor do artigo 2.º, “Para os fins do presente Protocolo […] b) Prostituição infantil significa a utilização de uma criança em atividades sexuais contra remuneração ou qualquer outra retribuição”.
Destaque-se que o Artigo 34 do referido documento dispõe sobre o compromisso dos Estados Partes com a proteção de crianças e adolescentes da exploração sexual, impedindo atividades tais como “O incentivo ou a coação para que uma criança se dedique a qualquer atividade sexual ilegal; A exploração de crianças na prostituição ou outras práticas sexuais ilegais; Exploração da criança em espetáculos ou materiais pornográficos”
Esse protocolo, que o Brasil aderiu, é mais uma arma de combate à exploração da vulnerabilidade infanto-juvenil servindo, inclusive, como base no combate a crimes cometidos internacionalmente e compondo mais um reforço às leis brasileiras contra a exploração sexual.
Assim, com a revolução nos direitos da criança e do adolescente, elas passaram a ter uma atenção diferenciada e mais cuidadosa em situações específicas, o que se justifica devido à gravidade de ofensas físicas e psicológicas que elas podem vir a sofrer.
Desde os primórdios, as crianças e os adolescentes estão expostos a todo tipo de perigo social. Segundo Teixeira (2016) o Estado, em síntese, nunca conseguiu protegê-los como deveria, embora leis, estatutos e declarações tenham sido criados com o interesse de proteção. Muitas vezes as violações partem da família, núcleo afetivo que deveria protegê-la; outras a violência decorre da atuação de membros da sociedade, que também deveriam desempenhar esse papel de proteção e acabam por explorar essa vulnerabilidade de uma maneira mais cruel, forçando crianças e adolescentes a venderem o próprio corpo para poder sobreviver. Dessa forma, elas abandonam a infância e com isso comprometem a perspectiva de ter um futuro bem sucedido socialmente e psicologicamente.
Devem-se utilizar todas as legislações cabíveis e possíveis ao combate à exploração sexual dos infantes. Neste sentido, deve-se começar pela Constituição Federal de 1988, cujo artigo 227 refere ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a esses seres, com absoluta prioridade, a proteção integral a todos os direitos fundamentais, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).
Além disso, o parágrafo quarto do mesmo instrumento legal cita que haverá punição legal de qualquer espécie de abuso, violência e exploração sexual contra criança e o adolescente ao prever que “A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente” (BRASIL, 1988).
São, pois, apenas alguns exemplos da proteção empregada a essa população vulnerável. Neste sentido, pode-se observar que não é só o Estado que tem a obrigação de proteger a população infanto-juvenil, considerando-se que a família e a sociedade também têm essa obrigação em relação a eles, ou seja, esse papel de defesa deve, sim, ser desempenhado por todos, independentemente do grau de parentesco com a criança, uma vez que a lei impõe o dever social com eles.
“Há que se considerar que a sociedade deve cobrar do poder público uma maior fiscalização em hotéis, motéis, e congêneres e, inclusive parece oportuno o estabelecimento de medidas administrativas que resultem na imposição de multas significativas, podendo resultar até na interdição do estabelecimento nos quais fossem flagrados o uso sexual de crianças e adolescentes, sem detrimento, evidentemente da responsabilidade penal”. (CUSTODIO, 1994, p. 8-9)
Para auxiliar na defesa desses interesses, existem leis, normas e estatutos que tipificam e definem penas para cada ato nocivo praticado contra os infantes vulneráveis, como prevê a Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente – que, voltado inteiramente à proteção de crianças e adolescentes, ancora-se na teoria da proteção integral e no melhor interesse da criança, previstos na Convenção Internacional de 1988, por meio dos quais visa ao resguardo da integridade física e psicológica de crianças e adolescentes, valendo-se de dispositivos voltados totalmente à proteção desses sujeitos. Neste sentido, o Estatuto da criança e adolescente prevê, em seu Art. 5º, que “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”. (BRASIL, 1990)
Assim, este instrumento jurídico, a exemplo da Constituição Cidadã, ratifica o disposto no caput do Art. 227 da Carta Magna ao prever a total proteção às crianças e a adolescentes, comprometendo o Estado, a sociedade e a família, sob a forma da lei, mas também como direito moral, social, psicológico que os infantes fazem jus.
Para dar esse caráter protetivo o texto do Estatuto da Criança e do Adolescente foi alterado, pois as condutas inicialmente previstas para os crimes sexuais não foram suficientes frente à expansão dessa criminalidade, algo em parte devido ao desenvolvimento e crescente uso das Tecnologias da Informação e Comunicação. Assim, o texto legal inicialmente previsto foi ajustado às necessidades, o que resultou na sua ampliação pela Lei n. 11.829/2008.
Ademais, segundo Silva e Veronese:
“A análise do texto da Lei 11.829/2008 revela que sua produção foi fortemente influenciada pelos trabalhos da CPI da Pedofilia Infantil, vez que muitas das lacunas existentes na legislação que dificultavam o trabalho das autoridades policiais brasileiras foram contornadas. Uma das soluções foi a ampliação dos tipos descritos no artigo 240, pois antes, as condutas consideradas típicas eram produzir ou dirigir representação utilizando-se de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou vexatória. Coma nova redação, incorre no crime de pornografia infantil quem produz, reproduz, dirige, fotografa, filma ou registra por qualquer modo cena de sexo explícito envolvendo menores de idade. Além disso, incorre nas mesmas penas a pessoa que contracena, agencia, facilita, recruta, coage ou de qualquer modo intermedeia a participação de crianças e adolescentes em tais cenas. Como se nota, a nova redação abrange situações bastante comuns no ambiente virtual, como intermediar a participação de crianças e adolescentes em cenas dessa natureza. As mudanças mais significativas, no entanto, relacionam-se ao artigo 241, que trata da venda ou exposição à venda de fotografia, vídeo ou qualquer registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfico envolvendo criança ou adolescente. No caso deste dispositivo, além de responsabilizar penalmente quem pratica a conduta ou intermedeia a participação de menores de idade, ainda alcança quem assegura os meios ou serviços para que as fotos e imagens sejam armazenadas e quem assegura o acesso na rede mundial de computadores, do material abrangido pelo artigo”. (SILVA E VERONESE, ANO, 2009, p. 02)
Segundo os ensinamentos de Tavares (2014) em seu livro Comentários ao Estatuto da Criança e Adolescente pode-se perceber que há, no caput deste artigo, seis condutas tipificadas e elencadas pelo legislador como crimes. Tal situação fez-se necessária devido ao grande aumento desses crimes na sociedade atual. Tentando coibir esses avanços deletérios que o mau uso da tecnologia vem provocando no psicológico e moral das crianças e adolescentes afetadas por essas condutas, o legislador pune rigorosamente tais condutas sórdidas de produtores, reprodutores, fotógrafos e filmadores de cenas de sexo com crianças e adolescentes, reforçando a proteção aos infantes.
Segue ainda Tavares (2014, p. 196), deixando claro que o legislador inclui, nessa mesma pena, como é possível observar os agenciadores, facilitadores, recrutadores e coatores, que possam vir a ter colaboração para a participação do infante nas cenas previstas no caput de tal artigo, prevenindo e alertando o possível criminoso das consequências que ele pode sofrer caso participe do crime, mesmo que indiretamente.
Assevera ainda o autor que no artigo em questão a lei pune com mais rigor do que o já mencionado no caput, aumentando a pena em 1/3 quando o crime é cometido por funcionários públicos ou parentes até 3° grau ou adotivo, mesmo com consentimento da vítima.
O autor chama a atenção do leitor para perceber que se toma um cuidado maior de proteção nesse terceiro momento, pois a criança que fica em poder daqueles que devem cuidá-las precisa ter a sua integridade física e psicológica preservada pelos cuidadores. É inconcebível que aqueles que têm o dever de cuidado com crianças e adolescentes abusem do poder que têm, explorando sexualmente ou de qualquer outra forma os infantes e os adolescentes que têm sobre o seu poder, por isso a legislação é bem mais severa para com eles, uma vez que começa por eles o dever de zelar pela integridade em todos os aspectos daqueles sob sua responsabilidade.
Segundo Oliveira (2011, p. 02), o ECA, no art. 241, previa apenas a divulgação e publicação, pela Internet, de imagens e fotografias de crianças e adolescentes em atos pornográficos e cenas de sexo explícito. Para Oliveira, a lei 11.829/25.11.2008, expandiu consideravelmente os núcleos do tipo penal, para abranger, entre outros, as condutas de armazenar, disponibilizar, expor à venda e transmitir. Pode-se perceber que neste artigo é declarado crime o comércio que exiba material pornográfico ou cenas de sexo com crianças e adolescentes.
Entretanto, mesmo sendo tal crime severamente punido, o advindo das redes de computadores e o acesso cada dia mais facilitado, devido à inclusão digital, todos os dias novos crimes desse tipo são praticados contra infantes, por isso é muito importante a sequência da lei redigida pelo legislador, na busca de proteção da população infanto juvenil.
Por isso, Oliveira (2011, p. 02) explica que o crime exposto pelo artigo 241-A do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), de divulgar cena de sexo explícito ou pornográfica infanto juvenil, pela Internet, estará consumado no instante e no local a partir do qual é permitido o acesso ao público que “navega” na Internet, ou seja, no endereço do responsável pelo site (endereço real, lugar da publicação).
Para Tavares (2014, p. 195), tem-se no referido artigo, sete ações associadas à difusão de imagens, entretanto a que mais se destaca no artigo e chama atenção nos dias de hoje por ser talvez o maior meio de difusão e o mais usado no mundo é o sistema de informática. Esse meio é, atualmente, o mais utilizado para disponibilizar, trocar, oferecer, transmitir e fornecer o material pornográfico já produzido.
Para Lima (2013, p. 31), no artigo 241-B do referido Estatuto (ECA), a lei coloca a salvo aqueles que adquirem o material pornográfico envolvendo crianças e adolescentes, para comunicação a autoridades sobre o crime a fim de denunciá-lo, entretanto sai um pouco do foco a lei ao aceitar que a pena pode ser diminuída de um a dois terços se o material adquirido for de pequena quantidade.
Tal critério não parece muito adequado, pois ao prever genericamente, sem especificar o que seria uma pequena quantidade o legislador permite uma incerteza incompatível com o Direito Penal, pois deixa que o juiz, de maneira isolada, decida o que é pequena quantidade. Ademais, não importa a quantidade, pois se há uma imagem sequer significa que há infantes submetidos àquela exploração sexual, física e psicológica e os danos foram causados. Mesmo que o material feito com essas cenas seja pouco, os danos são muitos e a pena deveria não ter alterações de acordo com a quantidade, pois quem foi submetido à tamanha crueldade não terá o seu sofrimento medido de acordo com a quantia de material que foi produzido através daquele sofrimento. São danos que ficarão marcados para sempre nos pequenos, seria como se o legislador estivesse dizendo que adquirir uma única imagem pornográfica dos infantes não é tão grave quanto adquirir duas imagens. Nota-se, nesse ponto, que o legislador não levou em conta que adquirir essas imagens, mesmo que em uma quantia ínfima, causa um incentivo a quem produz para continuar a cometer o crime contra os infantes. Observe-se que, para satisfação daquela pessoa que adquiriu o material, a criança sofreu os mesmos danos que sofreria se tivessem sido produzidos centenas de materiais, pois ela foi exposta do mesmo jeito, por isso, deixa o legislador a desejar nesse ponto.
O artigo 241-C, não menos importante, fala sobre a manipulação de imagens, para Silva e Veronese, (2009, p. 02) a redação deste artigo mostra-se conveniente uma vez que combate algo que acontece com bastante frequência virtualmente, a adulteração de imagens e vídeos, a fim de retratar cenas de sexo explícito ou pornografia com infantes.
Percebe-se que a pena, neste artigo, vem a ser mais severo em relação à pena no artigo anterior, entretanto, aqui, o ato é simulado, ou seja, não há participação da criança ou adolescente, o que há é uma simulação da participação deles. Pune-se porque há a banalização do sentimento de infância, com claro incentivo à objetificação do sujeito.
Tavares (2014, p. 198) entende que correta foi a pena aplicada pelo legislador, pois simular a participação também é um ato de incentivo ao abuso dos pequenos, mas, ainda assim, esse é um crime um pouco mais brando, pois não envolve os protegidos por tal artigo diretamente como no artigo anterior, em que as crianças tinham o seu corpo e a imagem violados diretamente, carecendo tal crime de uma pena maior e sem possibilidades de redução dela.
Para Oliveira (2011, p. 06) o artigo 241-D prevê que condutas como “Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso”.
Esse artigo visa resguardar a criança de ofensas que possam sofrer através de rádio, TV, vídeos e outros meios tecnológicos. Nota-se que, no parágrafo único, há uma proteção específica para que a criança não seja precocemente estimulada sexualmente.
Conclui a lei explicando o significado das expressões vedadas. Diante do exposto anteriormente, não resta dúvida que a criança e o adolescente devem ser protegidos dos perigos que os rodam constantemente. Fica evidente também que se tem o dever de proteger esses indivíduos vulneráveis que necessitam de uma maior atenção para garantir um desenvolvimento sadio e livre de qualquer ameaça que possa interferir no seu desenvolvimento social e psicológico, cabendo tal proteção ao Estado, à família e à sociedade. Para isso, eles têm toda uma legislação disponível, a fim de coibir e punir, de forma severa, quem comete esses crimes, uma vez que a criança não escolhe para si ser explorada, pelo contrário, essa prática é-lhe imposta por quem deveria protegê-la da exploração. Deve-se ficar atento, portanto, para não incorrer no erro de culpar a vítima. Ela. Na condição de criança ou adolescente nunca é culpada de ter sido abusada sexualmente.
Conforme a Cartilha sobre Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes (2015, p. 02):
“A criança ou adolescente sexualmente explorado não é resultado de promiscuidade ou de seu próprio desejo. É uma relação de poder na qual prevalece o domínio econômico e a mercantilização do corpo da vítima. Sua ocorrência deve-se a causas múltiplas, tais como a vitimização da criança no próprio contexto familiar, a precariedade das condições socioeconômicas e/ou das relações familiares, a situação de rua, a falta de oportunidades na promoção do desenvolvimento pessoal e social da vítima, um contexto social que não valoriza o corpo, as necessidades, a sexualidade e os sentimentos da criança ou adolescente, em especial da criança em situação de risco social.”
Custódio e Moreira (2015, p. 117) afirmam que a conduta de exploração sexual infanto-juvenil vem sendo muito combatida, mas ainda é pouco à medida que a prática de tais crimes diariamente cresce no Brasil. Para os autores é preciso intensificar o combate à exploração sexual com medidas públicas e sociais que sigam, além de uma lei escrita em um pedaço de papel, a dignidade humana infanto-juvenil que deve ser protegida. Logo, as ações e medidas previstas na lei precisam ser efetivadas para que crianças, adolescentes e suas famílias tenham meios de vida dignos para o desenvolvimento social, uma vez que é um dever do Estado garantir a dignidade da pessoa humana como um dos princípios fundamentais da Constituição da República Federativa do Brasil.
Segundo Sarlet, a definição de dignidade da pessoa humana é:
“[…] a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos”. ( SARLET, 2001, p. 60)
Então, forjar condições dignas de vida às crianças e aos adolescentes é uma obrigação do Estado e da sociedade, embora a sociedade considere, muitas vezes, ao agir, fornecendo condições dignas a esse público vulnerável, estar fazendo um favor para essa parte tão sensível e menos favorecida da população. O Estado, por sua vez, omite-se de suas responsabilidades, em alguns casos, por falta de pessoas qualificadas e até mesmo falta de verbas para o melhor funcionamento da fiscalização e combate à exploração sexual infanto-juvenil. Ademais, é obrigação deles vigiar e punir, vigiar para que não se cometa o crime de exploração sexual contra crianças e punir aqueles que, por ventura, ousarem cometer tão bárbaro crime.
Com o advento da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, o estupro e o atentado violento ao pudor passaram a serem considerados crimes hediondos pela lei penal e tiveram as penas aumentadas. Desse modo, a pena ficou mais rígida, pois os autores de crimes hediondos não têm direito à fiança, ao indulto ou à diminuição de pena por bom comportamento. Neste sentido, cumpre lembrar que crimes hediondos são sempre os de gravidade exacerbada, que mostram insensibilidade ao sofrimento físico ou moral da vítima ou a condições especiais dela.
Para Lima (2013, p. 14), o crime de exploração sexual facilmente é um crime hediondo tendo em vista o sofrimento da vítima em condição especial e vulnerável, que é indescritível.
Observando as leis e os artigos anteriormente citados, pode-se perceber que não há uma falta de legislação e nem de rigor nas penas impostas ao referido crime nessa cruzada anti-exploração sexual. O que há é a falta de efetividade das leis, medidas, métodos e outros modos de combate e punição que o Brasil adotou para o combate ao referido crime e aplicar a punição com todo o seu rigor.
Considerações finais
O desenvolvimento do presente estudo possibilitou a análise clara de que com a expansão tecnológica e popularização dos meios de comunicação, o turismo sexual de infantes tornou-se mais frenético. Nesse sentido, a utilização de recursos digitais expande os meios de atuação de agenciadores e tomadores de serviços sexuais e, também, enseja à exploração sexual de crianças e adolescentes, sendo um meio característico usual no turismo sexual. Relata-se ainda, que turistas de variados segmentos do mundo vem ao Brasil pelas belezas do país, e não menos que isso, pelo sexo remunerado, demasiadas vezes, com infantes.
Outrossim, cabe salientar que tal prática só existe pois há criminosos que corroboram com a execução e organização do ato ilícito. À vista disso, tem-se que os agenciadores são desde amigos até mesmo pessoas da própria família, que fomentam a tese de que se a criança ou adolescente não praticar tal ato não conseguirá sobreviver, ou sustentar a sua família, ou acreditam que assim conseguirá melhorar suas condições de vida.
Essas condutas ferem diretamente o Estatuto da Criança e do Adolescente, legislação que se baseia na teoria da proteção integral e no melhor interesse da criança, positivados na Convenção Internacional de 1988, que primam pela reserva do resguardo da integridade física e psicológica de crianças e adolescentes. Neste segmento, a Constituição Federal de 1988 prevê em seu artigo 227 que a integral proteção das crianças e adolescentes deve dar-se pela ação do Estado, da sociedade e da família, encarregados de promover o integral desenvolvimento, com respeito aos aspectos físicos, sexuais, morais, sociológicos e psicológicos que envolvem essa formação.
Ainda que esses princípios sejam claros em tratados internacionais e na legislação nacional e que sejam empreendidas iniciativas para combater a violência e exploração sexual, ainda há um grande número de vulneráveis, sobretudo, nas cidades praianas, onde há o maior índice de turismo sexual com crianças e adolescentes no país.
A ocorrência dessa tipologia de violência mostra-se preocupante, uma vez que causa danos graves e, até mesmo, irreversíveis no infante. Além disso, ocorre de várias maneiras e possuem definições distintas, sendo dividida entre violência com e sem contato.
Conforme verificado, tais condutas são severas para o desenvolvimento da criança e adolescente abusados sexualmente. As consequências dão-se em curto ou longo prazo e são notabilizadas por meio de danos físicos, comportamentais, emocionais e sexuais, com reflexos na vida presente e futura da vítima.
Mesmo que reforçadas as medidas para a inibição da prática, ainda há lacunas que devem ser sanadas para combater plenamente o feito. Cumpre aqui dizer que há criminosos que corroboram com a execução e organização do ato ilícito, viabilizando o aliciamento e que sociedade e Estado devem se unir para combater esses crimes: a primeira deve fazer as denúncias sempre que perceber a atuação de intermediários dos crimes sexuais, que essa pessoa esteja postando informações em sites, aliciando de outras formas, conduzindo crianças ou adolescentes em carros e táxis para fins dessas práticas, quer esteja hospedando menores de idade desacompanhados de seus responsáveis. A sociedade não pode manter-se inerte e conivente com essas práticas. De igual forma o Estado deve agir com mais rigor, sobretudo em cidades litorâneas que são conhecidas pelo turismo sexual com menores de idade.
É preciso que a atuação da sociedade e, sobretudo do Estado leve em conta todas as facilidades trazidas pelas tecnologias da informação e comunicação, que servem como um poderoso instrumento. É sabido que tais delitos já eram praticados no Brasil antes da era digital, porém com a expansão tecnológica e popularização dos meios de comunicação, o turismo sexual com infantes tornou-se mais frenético.
Esse modus operandis do turismo sexual de infantes fere diretamente tratados internacionais sobre o tema, afronta preceitos da Constituição da República Federativa do Brasil, bem como o Estatuto da Criança e do Adolescente, diploma que se baseia na teoria da proteção integral e no melhor interesse da criança. Portanto, entende-se que essas práticas precisam ser combatidas de maneira veemente e que essa tarefa compete à família, à sociedade e ao Estado, todos responsáveis pela promoção do melhor interesse da criança. Esse melhor interesse não combina com exploração sexual, que deve ser terminantemente repudiado por todos os atores encarregados da proteção integral.
Referências
ABREU, G.; NICOLAU, M. A estética do anonimato na Deep Web: a metáfora das máscaras e do homem invisível aplicada ao “submundo” da internet. In: Revista do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal da Paraíba. Ano VII, n. 12, p. 119-134, jan./jun. 2014.
ARAÚJO, M. F. Violência e abuso sexual na família. Psicologia em Estudo, v. 7, n 2, p. 3-11, 2002.
Informações Sobre o Autor
Carlas Verediane Cezar Alves
Advogada, formada pela Faculdade Antonio Meneghetti