Extrafiscalidade, riscos ambientais do trabalho e sanção premial

Resumo: Inicialmente, a pesquisa pretende uma análise do Estado Fiscal, contextualizado no âmbito dos direitos fundamentais e sob a ótica da passagem do Estado Liberal para o Estado Social. Por conseguinte, analisam-se as premissas e fundamentos do fenômeno da extrafiscalidade, como opção política de atividade financeira estatal e como exceção do dever fundamental de pagar tributos, no contexto da fiscalidade inerente ao atual Estado moderno. Adiante, perquire-se a existência de políticas públicas de natureza extrafiscal eficazes e capazes de concretizar os mandamentos constitucionais referentes aos direitos sociais e ao meio ambiente laboral sadio, salubre e seguro. Com efeito, destaca-se a instituição do Fator Acidentário de Prevenção (FAP), que possibilita redução da carga tributária, ou seja, alíquotas menores do Seguro contra Acidente de Trabalho (SAT), além de ressaltar a função promocional do Direito, estimulando condutas socialmente desejáveis. Por fim, o que indicaria, a priori, um distanciamento do Direito Tributário, dando espaço a normas de proteção social e previdenciária, revela, na verdade, a essência da tributação enquanto instrumento de concretização dos princípios constitucionais, conjugando-se de forma harmônica frente ao caráter de essencialidade dos tributos em um Estado Fiscal.

Palavras-chave: Extrafiscalidade; Gasto tributário; Seguro contra Acidente de Trabalho (SAT); Fator Acidentário de Prevenção (FAP); Sanção Premial.

Abstract: In this research, analysis of State Fiscal in Brazil, contextualized within the framework of fundamental rights and the perspective of the passage of Liberal State to Welfare State. Therefore, analyze the assumptions and foundations of the phenomenon of extrafiscalidade, as option policy financial of state and of exception of fundamental duty to pay taxes, in the context of taxation inherent in the modern state. Then, analyzes the existence of public policies extrafiscal effective and capable of realizing the constitutional commandments concerning social rights and the right to a healthy work environment. In this context, the institution of the Accident Prevention Factor (FAP), this allows reducing the tax burden (SAT), addition to highlighting the promotional function of law, encouraging socially desirable behaviors. Finally, what would indicate, a priori, a removal of the Tax Law, giving emphasis to standards of social protection and social security, reveals, in fact, the essence of taxation as an instrument for achieving the constitutional principles, conjugating harmoniously of the character of essentiality of taxes in a State Fiscal.

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Keywords: Extrafiscal function of tax; Tax expenditure; Accident Insurance of work; Accident Prevention Factor; Sanction Positive.

Sumário: Introdução. 1. Estado Fiscal, benefícios fiscais e direitos fundamentais. 2. Da extrafiscalidade sob a ótica do Estado Fiscal. 3. Da contribuição social enquanto espécie tributária: o seguro contra acidentes do trabalho (SAT) e sua importância socioambiental. 3.1. Da natureza jurídica do Seguro contra acidentes do trabalho (SAT). 3.2. Risco socioambiental e o seguro contra acidente de trabalho (SAT). 4. Do seguro contra acidentes do trabalho (SAT) e do fator acidentário de prevenção (FAP). 4.1. Do Fator Acidentário de Prevenção (FAP): a flexibilização das alíquotas do SAT. 4.2. A instituição do Fator Acidentário de Prevenção (FAP) e a sanção premial. 4.3. A cadeia positiva do seguro social sob a ótica da extrafiscalidade e do direito fundamental ao meio ambiente do trabalho. 5. Políticas públicas extrafiscais e riscos ambientais do trabalho. 5.1. Definição de políticas públicas extrafiscais. 5.2. A defesa e a promoção do meio ambiente do trabalho sob a ótica das políticas públicas extrafiscais. Considerações Finais.

INTRODUÇÃO

Inicialmente, verifica-se a relação do Estado Fiscal com os direitos fundamentais, sob a ótica da passagem do Estado Liberal para o Estado Social, situação em que culminou no aumento de tarefas estatais. Em virtude disto, o Estado necessita de maior receita tributária, e, portanto, eventual gasto tributário deve ocorrer em estrita observância aos mandamentos constitucionais, notadamente aos objetivos da República eleitos pelo constituinte originário.

Com efeito, o Estado moderno configura-se essencialmente em Estado Fiscal, na medida em que as necessidades financeiras estatais são primordialmente supridas por intermédio dos tributos, isto é, das transferências compulsórias patrimoniais do particular para o público, do individualizado para o coletivizado.

Por conseguinte, aprofunda-se na pesquisa a análise do fenômeno jurídico-tributário da extrafiscalidade, enquanto opção política da atividade financeira estatal, e na qualidade de instrumento estatal de intervenção nas relações econômicas e sociais.

Considera-se, ainda, que definir políticas públicas é, sobretudo, entender o processo de produção de bens e serviços que geram bem-estar à população de um país, sendo atividade interdisciplinar primordialmente estatal e de dimensão política onipresente, haja vista que são tomadas decisões negociadas socialmente.

Neste diapasão, no âmbito da seguridade social, verificam-se políticas públicas de natureza extrafiscal importantes para fins de concretização dos direitos fundamentais sociais, econômicos e culturais, quais sejam: os direitos previdenciários, o direito à assistência social, o direito à saúde do trabalhador, os direitos trabalhistas, dentre outros.

Por conseguinte, além de sofrimento e custos sociais incalculáveis, os acidentes de trabalho geram um prejuízo financeiro significativo para o Brasil. Neste cálculo, verificam-se benefícios pagos pela Previdência Social, os custos despendidos em saúde pública e a perda de produtividade do profissional acidentado.

No Brasil, destaca-se política pública de natureza extrafiscal para proteção e promoção do meio ambiente do trabalho, qual seja a instituição do Fator Acidentário de Prevenção (FAP) pelo Decreto 6.042/2007, que acrescentou o art.202-A ao Regulamento da Previdência Social, regulamentando o art.10 da Lei 10.666/2003, o que poderá implicar no aumento em até 100% ou na diminuição em até 50% da contribuição da empresa para o seguro contra acidentes de trabalho (SAT – art.7.º, inciso XXVIII, CF/88), de acordo com o desempenho das empresas em investimentos de prevenção de acidentes de trabalho, evidenciando-se, portanto, a ideia de sanção positiva ou premial do Estado.

Por fim, tais políticas públicas de natureza extrafiscal são exemplos significativos da função promocional do Direito, estimulando condutas socialmente desejáveis, além de instrumentos de defesa e de promoção do meio ambiente do trabalho em consonância com os valores sociais do trabalho e da dignidade da pessoa do trabalhador.

1. ESTADO FISCAL, BENEFÍCIOS FISCAIS E DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais surgem no plano jurídico, interno e externo, como ideia de limitação de poder e de promoção da dignidade da pessoa humana, inicialmente previstos em Declarações Universais e posteriormente positivados nas principais constituições do mundo civilizado.

No sistema jurídico brasileiro, a Constituição Federal de 1988 previu de forma expressa os direitos fundamentais de liberdade, de igualdade e de solidariedade, caracterizando, portanto, as várias gerações[1] de direitos fundamentais, dotados de força normativa potencializada, de natureza principiológica[2] e de aplicação direta e imediata.

Após as crises do liberalismo na década de 1930 e da queda dos regimes totalitaristas do nazismo e do fascismo depois de finda a segunda grande guerra mundial, há uma grande reformulação teórica do Estado e do Direito para além dos paradigmas iluministas da revolução francesa e das conquistas burguesas em busca de justiça social e do reencontro da ética com o Poder.

A igualdade do então Estado Liberal era uma igualdade meramente formal, que em sua abstração escondia a realidade das desigualdades de fato, consistindo, ao fim, “numa real liberdade de oprimir os fracos, restando a estes, afinal de contas, tão-somente a liberdade de morrer de fome” [3]

Por conseguinte, a transição do Estado Liberal para o Estado Social é marcada pela superação dos conceitos clássicos de liberdade e de igualdade da Revolução Francesa na busca por uma evolução social inclusiva, ideologia esta fortemente presente nas Constituições que surgiram na segunda metade do século XX. Sobre o tema disserta Paulo Bonavides:

“A socialização branda, cujo sopro vitaliza e regenere as Constituições modernas, sem, contudo, calcar aos pés a personalidade humana, é a máxima prova de que caminhamos aceleradamente para aquele ideal, onde aos pequenos e desprotegidos não se lhes dê apenas, de coração vazio e alma endurecida, a soturna liberdade que Goethe e Humboldt, duas penas do bom liberalismo – o liberalismo humano e cristão -, tantas vezes escalpelaram na intuição de sua genialidade, ao pratearem a triste condição social do Homem moderno, economicamente oprimido, espiritualmente escravo” [4].

No entanto, de acordo com José Casalta Nabais, “podemos afirmar que o Estado Fiscal tem sido (e é) a característica dominante e permanente do Estado (Moderno), não obstante a sua evolução traduzida na passagem do Estado Liberal para o Estado Social” [5], considerando, ainda, o Estado Fiscal como sendo o Estado cujas necessidades financeiras são essencialmente cobertas por impostos, entendidos estes como transferências (de propriedade) da economia (privada) para o Estado.

Desta forma, embora existam outras fontes capazes de fornecer dinheiro ao Estado[6], a principal receita pública na atualidade são os tributos, e, dentre estes, os impostos e as contribuições gerais são as mais relevantes para o Estado Fiscal, quer seja em termos quantitativos, quer seja em termos qualitativos.

Na perspectiva do sistema tributário nacional, existem diversos princípios constitucionais tributários[7], explícitos e implícitos, no texto constitucional, inclusive, alguns dotados do caráter jusfundamental, senão vejamos: 1) Princípio da estrita legalidade (art.5.º, II c/c art.150, I); 2) Princípio da Anterioridade (art.150, inciso III, alínea “b”); 3) Princípio da anterioridade Nonagesimal (art.150, inciso III, alínea “c”); 4) Princípio da anterioridade da lei tributária (art.5.º, inciso XXXVI c/c art.150, III); 5) Princípio da proibição de tributo com efeito de confisco (art.150, inciso IV); dentre outros.

Nesta esteira, no direito positivo pátrio, conforme art.3.º do Código Tributário Nacional, “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Assim, no cenário jurídico-constitucional, destacam-se: os impostos (art.145, I), as taxas (art.145, II), as contribuições de melhoria (art.145, III), os empréstimos compulsórios (art.148, I e II), as contribuições gerais (art.149; art.195; art.7.º, III; art.212, §5.º; art.239; art.240 e art.62 do ADCT)  [8].

Portanto, a importância dos tributos para o Estado Fiscal implica “na tentativa de conciliar a necessidade de manter um mínimo de justiça social com a não menos importante necessidade de manutenção dos incentivos particulares no conjunto da economia” [9].

Do ponto de vista doutrinário, a definição de benefício fiscal possui diversas conceituações, contudo, sendo elucidativa a ideia de conjugação simultânea de três sintomas, quais sejam: “(1) integram disciplina derrogatória da disciplina ordinária do imposto; (2) mais favorável para o contribuinte do que a consubstanciada no seu tratamento ordinário, e (3) com uma função promocional” [10].

Por conseguinte, a Constituição de 1988 insere-se neste contexto do constitucionalismo social do Século XX, através de seu modelo que busca não o recebimento da ordem econômica e social como esta é, mas pretende alterá-la positivando tarefas e políticas gerais a serem concretizadas. Surge, então, este modelo de Constituição Econômica ou Dirigente, que rejeita o dogma da autorregulamentação do mercado e almeja maneiras de atuação interventiva do Estado na economia que cumpra com objetivos de justiça social e de garantia do mínimo existencial aos indivíduos.[11] A opção constitucional fica clara na simples leitura do caput do artigo 170 da Carta Magna ao dispor que “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social […]”.

Assim, o dirigismo social apontado pela Constituição fará o Estado atuar também com formas indiretas de controle social e conceber o Direito como um desses instrumentos de controle na perspectiva de concretização dos objetivos maiores da nação. O direito assume, portanto, uma função não só sancionatória, mas promocional de condutas, despindo-se do estudo meramente estrutural e positivista do fenômeno jurídico para entrar num viés sociológico e funcional. Desta forma, ensina Norberto Bobbio:

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“Entendo por 'função promocional' a ação que o direito desenvolve pelo instrumento das 'sanções positivas', isto é, por mecanismos genericamente compreendidos pelo nome de 'incentivos', os quais visam não a impedir atos socialmente indesejáveis, fim precípuo das penas, multas, indenizações, reparações, restituições, ressarcimentos, etc., mas, sim, a 'promover' a realização de atos socialmente desejáveis. Essa função não é nova. Mas é nova a extensão que ela teve e continua a ter no Estado contemporâneo: uma extensão em contínua ampliação, e, de qualquer modo, lacunosa, uma teoria do direito que continue a considerar o ordenamento jurídico do ponto de vista de sua função tradicional puramente protetora (dos interesses considerados essenciais por aqueles que fazem as leis) e repressiva (das ações que a eles se opõem)” [12].

Na linha exposta acima, pode-se asseverar que os benefícios fiscais não se encontram na área do Direito Tributário propriamente dito, mas em uma área de direito econômico típica do Estado Fiscal, que não atua propriamente como ramo do direito no sentido clássico, mas fazendo parte de uma superestrutura que irradia por todos os outros ramos procurando o exercício da função promocional dos direitos, mobilizando o ordenamento jurídico à persecução de determinados fins [13].

Outrossim, extrai-se do §1.º, do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal [14] o conceito jurídico-formal de benefícios fiscais, sendo todas as normas que determinem um tratamento tributário benéfico “diferenciado” ou “discriminado”.

Ademais, da LC n.º 101/2000, depreende-se que o termo “benefícios fiscais” implica, por óbvio, em “renúncia de receita” por parte do Estado, conforme se segue:

“Esse efeito dos benefícios fiscais – o empobrecimento do Estado na exata proporção do enriquecimento do contribuinte – faz com que estes sejam relevantes para as finanças públicas e, consequentemente, para o direito financeiro, uma vez que possuem o mesmo efeito das despesas públicas, mais especificamente as subvenções” [15].

Do efeito acima mencionado quanto aos benefícios fiscais, verifica-se que a abdicação do Fisco em recolher o produto de tributos com o interesse de incentivar ou favorecer determinados setores, atividades, regiões do País ou agentes da economia, no atendimento de determinada política pública social ou econômica, também importará em “gasto tributário”, isto é, produzindo os mesmos resultados econômicos da despesa pública.

Tal fenômeno foi bem explicitado por Élcio Fiori Henriques, afirmando que “Por meio desta ficção jurídica, tornou-se possível ligar os conceitos de benefício fiscal e de despesa pública, criando uma figura financeira nova, que é o gasto tributário, a qual é apenas uma forma de se contabilizar e quantificar a receita perdida pela instituição de determinado benefício” [16].

Tem-se a ilação, portanto, da intrínseca relação dos benefícios fiscais com os direitos fundamentais, na medida em que a passagem do Estado Liberal para o Estado Social implicou num aumento de tarefas estatais para com o indivíduo e com a sociedade, cuja situação, por óbvio, necessitará de maior receita tributária, e, portanto, sendo imprescindível a análise criteriosa e proporcional de eventual perda de receita em virtude da instituição de benefícios fiscais, em estrita observância aos mandamentos ético-jurídicos esculpidos na Carta Política.

Igualmente, Marcelo Guerra Martins observou a transmudação do tributo no Estado Social, senão vejamos:

“O limitado papel desenvolvido pelo Estado Liberal, […], contribuiu para a eclosão das graves crises sociais no final do século XIX e início do XX, desaguando, destarte, na concepção do welfare state, o que também é acompanhado por uma alteração da concepção do papel da tributação na sociedade. Da simples forma de divisão das despesas comuns, passa-se a compreender o sistema exacional como uma ferramenta de intervenção econômica e de financiamento de políticas públicas com inúmeros desideratos. À regra da capacidade contributiva acrescentaram-se os princípios da progressividade e da solidariedade na tributação” [17].

Nesta perspectiva, propõe-se em seguida uma breve pesquisa no fenômeno da extrafiscalidade, notadamente como exceção do dever fundamental de pagar tributos, no contexto do Estado Fiscal brasileiro.

2. DA EXTRAFISCALIDADE SOB A ÓTICA DO ESTADO FISCAL

O benefício fiscal reveste-se, sobretudo, como instrumento utilizado pelo Estado para intervir nas relações econômicas e sociais buscando a promoção ou desencorajamento de situações gerais que se elegem interessantes a persecução dos fins constitucionalmente previstos.

Neste contexto, quando o mecanismo utilizado pelos Estados para atuação intervencionista na economia é o tributo, costuma-se denominar este fenômeno de extrafiscalidade, visto que nesta ocasião o tributo não exercerá sua função primordial arrecadatória de forma primária.

Sobre este conceito de extrafiscalidade, recorre-se novamente a José Casalta Nabais, senão vejamos:

“A extrafiscalidade traduz-se no conjunto de normas que, embora formalmente integrem o direito fiscal, tem por finalidade principal ou dominante a consecução de determinados resultados econômicos ou sociais através da utilização do instrumento fiscal e não a obtenção de receitas para fazer face às despesas públicas. Trata-se assim de normas (fiscais) que, ao preverem uma tributação, isto é, uma ablação ou amputação pecuniária (impostos), ou uma não tributação ou tributação menor à requerida pelo critério da capacidade contributiva, isto é, uma renúncia total ou parcial a essa ablação ou amputação (benefícios fiscais), estão dominadas pelo intuito de atuar diretamente sobre os comportamentos econômicos e sociais dos seus destinatários, desincentivando-os, neutralizando-os nos seus efeitos econômicos e sociais ou os fomentado, ou seja, de normas que contêm medidas de política econômica e social” [18].

Na doutrina nacional, representada por Hugo de Brito Machado, se assente que o emprego dos tributos com finalidade diversa da arrecadação é marca comum do mundo moderno, conforme se segue:

“O objetivo do tributo sempre foi o carrear recursos financeiros para o Estado, no mundo moderno, todavia, o tributo é largamente utilizado com o objetivo de interferir na economia privada, estimulando atividades, setores econômicos ou regiões, desestimulando o consumo de certos bens e produzindo, finalmente, os efeitos mais diversos na economia. A esta função moderna do tributo se denomina extrafiscal” [19].

Assim, concebem-se duas formas principais de conformação social pela via fiscal: a uma, dos tributos extrafiscais, como é o caso, p.ex., do IPTU progressivo para imóveis em desacordo com a política urbana local; a duas, os benefícios fiscais de forma a incentivar atividades determinadas socialmente ou economicamente relevantes.

Neste raciocínio, poder-se-ia cogitar que os benefícios fiscais malfeririam o princípio da isonomia. Contudo, em matéria tributária, há um relativo consenso acerca de que a isonomia faz-se com base no princípio da capacidade contributiva, em que todos os cidadãos pagam tributos de acordo com fatores de presunção previstos na lei.

Portanto, a extrafiscalidade não se constitui atentado ou exceção ao princípio da capacidade contributiva, pelo contrário, muitas vezes apresenta-se como um complemento a sua atuação na busca dos valores finais da colaboração dos indivíduos na construção do Estado Fiscal sob perspectiva da solidariedade, voltada aos fins de concretização dos valores constitucionais. Esta é a lição de Ernani Contipelli, conforme se segue:

“Ora, se as metas propugnadas pela função extrafiscal atendem aos interesses de toda a comunidade, manifestando o ideal de bem comum, ao guardar absoluto respeito aos objetivos constitucionais do modelo de Estado Democrático de Direito, a utilização deste mecanismo deve, logicamente, se ajustar ao mínimo vital, às condições econômicas básicas dos membros e dos grupos inseridos nas comunidades, servindo ao princípio da capacidade contributiva, para prevalecer relação de implicação reciprocidade entre valores nucleados pela invariante axiológica da solidariedade social e pelo valor fonte da pessoa humana” [20].

Desta forma, a análise da adequação do benefício fiscal ao princípio da igualdade deve levar em conta os efeitos concretos do referido benefício para fins de persecução dos objetivos estatais relevantes, fato que corrobora a necessidade de um viés de controle democrático dos benefícios fiscais. Neste sentido, este controle da adequação e da igualdade do tributo está a cargo do Poder Judiciário enquanto guardião da moralidade tributária, na perspectiva defendida por Klaus Tipke:

“Que el destino del impuesto está ligado a la igualdad. Por consiguiente, la principal tarea del Tribunal Constitucional debería estar em exigir al legislador la igualdad tributaria com arreglo a la capacidad econômica, otorgándole, no obstante, el margen de actuación suficiente para concretar las diversas soluciones admisibles que se deducen del princípio da capacidad económica como concepto jurídico indeterminado” [21].

A legitimidade da utilização do benefício fiscal enquanto fomentador de determinadas finalidades está claramente ligada à legitimidade dessas finalidades eleitas pelo Poder Público no momento da criação do aludido benefício, inadmitindo-se, portanto, a mera eleição discricionária de fins pelo administrador ante sua incompatibilidade com o Estado Democrático de Direito.

Nesta perspectiva, os benefícios fiscais devem almejar determinados fins constitucionalmente previstos, a exemplo daqueles elencados no art. 3.º de nossa Constituição Federal como objetivos fundamentais, quais sejam: erradicação da pobreza, redução das desigualdades sociais regionais, construção de uma sociedade livre, justa e solidária, dentre outros.

Ademais, o Estado Fiscal tem também o dever de utilização dos recursos disponíveis para fins de concretização dos direitos fundamentais e, portanto, quando utiliza o tributo como um instrumento de persecução de determinados fins de intervenção econômica, consubstancia o princípio da solidariedade segundo a capacidade contributiva, no intuito de promoção de uma sociedade livre, justa e solidária. Nesse sentido expõe Ernani Contipelli:

“Entendida a atividade tributária como dever de colaboração, que, no âmbito do Estado Democrático de Direito, por força da orientação axiológica dada pela solidariedade social, se vincula ao dever do Estado de redistribuição adequada das riquezas arrecadadas, a perspectiva de capacidade contributiva apresentada se ajusta perfeitamente à ideia de função extrafiscal do tributo, a qual tem por escopo se valer da imposição deste dever de colaboração para alcançar certas finalidades relacionadas ao bem comum, autorizando elevação ou diminuição da carga fiscal para concretização de objetivos” [22].

Assim, para concretização dos direitos fundamentais e das exaustivas finalidades do Estado, faz-se mister uma estrutura ampla e organizada de recursos materiais e humanos.

Outrora, o Estado buscava seus recursos na sua própria produção, na exploração de suas propriedades e na atividade empresarial, como ocorria no Estado Absolutista. Por conseguinte, também ocorreu tal fenômeno nos Estados Socialistas, que detinham os meios de produção e de redistribuição direta das riquezas.

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Atualmente, contudo, quase que a integralidade dos Estados modernos sobrevive exclusivamente dos tributos, tornando-se uma característica essencial dos Estados Fiscais, consoante já ressaltado nesta pesquisa. Por oportuno, recorre-se novamente a Klaus Tipke, asseverando que “Sin impuestos y contribuentes no puede construirse ningún Estado, ni el Estado de Derecho ni, desde luego, el Estado Social” [23].

Nesta perspectiva do Estado Fiscal, o mesmo pode atuar de duas formas, quais sejam: a) por intermédio de uma tributação mínima, decorrente da necessidade de manutenção da máquina administrativa, como se tem em um Estado Fiscal Liberal; b) por intermédio de uma tributação alargada, no caso do Estado Fiscal Social, movido por preocupações de funcionamento global da sociedade e da economia [24].

No Brasil, o Estado Democrático de Direito, que também se configura como um Estado Fiscal, vem perquirindo a forma de Estado Subsidiário [25], devendo, portanto, revestir a sua atividade financeira da maior clareza e abertura possíveis, tanto na legislação instituidora de tributos como na elaboração e no controle do orçamento público.

Adiante, após as considerações acerca do fenômeno jurídico-tributário da extrafiscalidade, a presente pesquisa desdobrar-se-á na espécie tributária referente às contribuições sociais, notadamente no gasto tributário que implique em melhorias do meio ambiente laboral e na proteção irrestrita da vida do trabalhador.

3. DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL ENQUANTO ESPÉCIE TRIBUTÁRIA: O SEGURO CONTRA ACIDENTES DO TRABALHO (SAT) E SUA IMPORTÂNCIA SOCIOAMBIENTAL

3.1. Da natureza jurídica do Seguro contra acidentes do trabalho (SAT)

No plano infraconstitucional, o seguro obrigatório de acidentes do trabalho (SAT) foi introduzido na legislação brasileira pela Lei n. 5.316, de 14.09.1967, acobertando os beneficiários da Previdência Social, inclusive os presidiários que exercessem atividade remunerada, cujo custeio seria de responsabilidade dos empregados [26].

Adiante, a própria Constituição Federal de 1988 (art.7.º, inciso XXVIII) previu expressamente o SAT, elencando o seguro entre os direitos fundamentais dos trabalhadores que visem à melhoria de sua condição social, sendo obrigação a cargo do empregador. 

Posteriormente, atendendo ao comando constitucional, e com a edição da Lei 8.212/91 (Lei de Custeio da Seguridade Social), previu-se expressamente o aludido seguro dentre as contribuições de responsabilidade da empresa [27].

Portanto, para o custeio das aposentadorias especiais (artigos 57 e 58 da Lei 8.213/91), que são aquelas devidas aos segurados que tiverem trabalhado sujeitos às condições especiais [28] que prejudiquem a saúde ou a integridade física, e para o financiamento dos demais benefícios previdenciários concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, o empregador contribuirá sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos, conforme alíquotas previstas em lei.

Desta forma, constrói-se a definição do SAT, como sendo uma espécie de contribuição patronal, ou seja, constitui-se do gênero “tributo” e da espécie “contribuição social”, previsto constitucionalmente e instituído por Lei [29], determinando uma contribuição adicional a cargo exclusivo da empresa (empregador contribuinte), com destinação assecuratória aos eventos resultantes de acidente de trabalho, além do custeio das aposentadorias especiais, difundindo, ainda, a concretização do direito fundamental ao meio ambiente do trabalho adequado e seguro.

3.2. Risco socioambiental e o seguro contra acidente de trabalho (SAT)

Na ocorrência de acidentes no ambiente laboral ou de doenças chamadas ocupacionais (doenças equiparadas a acidente de trabalho), tem o segurado acidentado ou seus dependentes, no caso de sua morte, direito às prestações e aos serviços previstos na legislação previdenciária vigente.

Outrossim, de acordo com a definição do artigo 19, da Lei 8.213, de 24.07.1991, o acidente de trabalho típico é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados especiais, “provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou a redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho”.

Por conseguinte, o artigo 20, da legislação supracitada, equiparou as doenças do trabalho a acidentes do trabalho[30], com as diversas consequências decorrentes, principalmente na seara do direito previdenciário para fins concessórios de benefícios.

Conforme destacado no tópico anterior, a natureza jurídico-tributária das contribuições para o SAT advém, sobretudo, de sua finalidade primordial de obtenção de recursos para a Previdência Social custear serviços e benefícios aos trabalhadores vitimados por acidentes de trabalho.

Verifica-se, portanto, a importância do SAT para o equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência Social[31], haja vista que se destina ao custeio dos possíveis eventos ou contingências decorrentes dos riscos socioambientais que acometem os trabalhadores brasileiros ou seus dependentes, se for o caso.

4. DO SEGURO CONTRA ACIDENTES DO TRABALHO (SAT) E DO FATOR ACIDENTÁRIO DE PREVENÇÃO (FAP)

4.1. Do Fator Acidentário de Prevenção (FAP): a flexibilização das alíquotas do SAT

A flexibilização das alíquotas do SAT iniciou-se com a edição da Medida Provisória n.º 83, de 12/12/2002, que posteriormente foi convertida na Lei 10.666, de 08/05/2003, possibilitando a redução, em até cinquenta por cento, ou aumento, em até cem por cento, das alíquotas previstas no art.22, II, da Lei 8.212/91 (1, 2 ou 3%). Ou seja, as novas alíquotas do SAT poderão variar de 0,5% a 6%, conforme o caso, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de frequência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social [32].

Ademais, a Lei n. 9.732, de 11/12/1998, deu nova redação ao art.57 e parágrafos, da Lei 8.213/91 (que trata da aposentadoria especial), elevando as alíquotas do SAT de contribuição das empresas que expõem o trabalhador à situação de risco de acidentes e doenças ocupacionais, prevendo o novo §6.º, do art.57, textualmente, “cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente” [33].

Por conseguinte, apesar de contextualizado legalmente pela edição da Lei 10.666 de 08/05/2003, o efetivo surgimento do FAP – Fator Acidentário de Prevenção – somente ocorreu por regulamentação do Decreto n. 6.042, do ano de 2007, consistindo num multiplicador variável num intervalo contínuo de cinquenta centésimos (0,50) a dois inteiros (2,00), a ser aplicado à respectiva alíquota do SAT, redundando, portanto, numa variação de alíquotas de 0,5% a 6%, conforme as alíneas do inciso II, do artigo 22, da Lei 8.212/91 [34].

Neste contexto, para correto enquadramento da empresa nas respectivas alíquotas do SAT, na forma das alíneas do inciso II, do art.22, da Lei 8.212/91, faz-se mister o reconhecimento de qual seja a atividade preponderante da empresa [35], além da explicitação dos correspondentes graus de risco (leve, médio e grave) [36], conforme o Anexo V, do Decreto 3.048/99, cuja elaboração ocorreu de acordo com a Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE.

4.2. A instituição do Fator Acidentário de Prevenção (FAP) e a sanção premial

O tema da sanção premial refere-se, umbilicalmente, à função promocional do Direito, que tem como função precípua a promoção, o encorajamento e o estímulo de condutas socialmente desejáveis, mediante a instituição de “prêmios”, recompensas ou sanções positivas [37].

Numa abordagem jurisprudencial, faz-se mister a citação de importante trecho de recente acórdão do ano de 2012 do Tribunal Regional Federal da 3ª Região acerca do tema em questão, consoante se segue:

“[…] Não há que se falar, contudo, especificamente na aplicação de um direito sancionador, o que invocaria, se o caso, o artigo 2º da Lei 9.784/99; deve-se enxergar a classificação das empresas face o FAP não como ‘pena’ em sentido estrito, mas como mecanismo de fomento contra a infortunística e amparado na extrafiscalidade que pode permear essa contribuição SAT na medida em que a finalidade extrafiscal da norma tributária passa a ser um arranjo institucional legítimo na formulação e viabilidade de uma política pública que busca salvaguardar a saúde dos trabalhadores e premiar as empresas que conseguem diminuir os riscos da atividade econômica a que se dedicam” [38].

Desta forma, a empresa poderá pagar menos ou mais tributo, qual seja a contribuição para o seguro de acidente de trabalho (SAT), de acordo com os índices de frequência, gravidade e custo, nos aspectos relativos aos acidentes de trabalho ocorridos no meio ambiente laboral e nos investimentos efetuados em prevenção acidentária, na forma da legislação pertinente.

Neste contexto, a instituição do Fator Acidentário de Prevenção (FAP) configura-se como importante política pública de conotação premial [39], incentivando, portanto, a proteção e a promoção de ambientes laborais salubres e adequados, para o presente e para as futuras gerações.

4.3. A cadeia positiva do seguro social sob a ótica da extrafiscalidade e do direito fundamental ao meio ambiente do trabalho

No que se refere à instituição do Fator Acidentário de Prevenção (FAP) na legislação previdenciária brasileira [40], verifica-se, inequivocamente, que empresas que investirem em prevenção dos acidentes de trabalho serão beneficiadas mediante redução de carga tributária, sendo, no caso específico, redução de alíquotas do Seguro de Acidente de Trabalho (SAT), conforme critérios objetivamente estabelecidos pela legislação previdenciária pertinente.

Desta feita, forma-se uma cadeia positiva do seguro social: as empresas pagarão menos tributos; por conseguinte, investirão mais recursos em prevenção de acidente de trabalho; consequentemente, menos segurados sofrerão acidentes de trabalho e, portanto, menos beneficiários da Previdência Social irão pleitear benefícios previdenciários junto ao INSS, o que acarretará diminuição dos gastos previdenciários, além da concretização dos direitos fundamentais sociais e trabalhistas.

Por conseguinte, esta cadeia positiva do seguro social, além do impacto socioeconômico para o empregador contribuinte e para os segurados da Previdência Social, também repercutirá no direito fundamental ao meio ambiente do trabalhado sadio e equilibrado, sendo exemplo significativo da interdependência, inter-relação e indivisibilidade dos direitos fundamentais, ou seja, a convivência harmônica dos direitos de liberdade (impondo prestações negativas ao Estado), dos direitos culturais, sociais e econômicos (impondo prestações positivas ao Estado – representativos da igualdade) e dos direitos de solidariedade (meio ambiente).

Assim, o direito fundamental ao meio ambiente do trabalho contempla esta nova categoria de direitos transindividuais, de natureza indivisível, que transcende a esfera do singular para a esfera do plural, tendo por objeto de preocupação a própria coletividade, quer seja cidadão-contribuinte, quer seja cidadão-destinatário, em equivalência de dignidade.

5. POLÍTICAS PÚBLICAS EXTRAFISCAIS E RISCOS AMBIENTAIS DO TRABALHO

5.1. Definição de políticas públicas extrafiscais

Na seara das políticas públicas, importante mencionar seu conceito evolutivo, senão vejamos:

“Política pública é o programa de ação governamental que resulta de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados – processo eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo judicial – visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Como tipo ideal, a política pública deve visar à realização de objetivos definidos, expressando a seleção de prioridades, a reserva de meios necessários à sua consecução e o intervalo de tempo em que se espera o atingimento dos resultados” [41].

Por conseguinte, ainda sob o prisma dos direitos fundamentais, a necessidade de compreensão das políticas públicas como categoria jurídica apresenta-se à medida que se buscam formas de concretização dos direitos humanos, inclusive dos direitos sociais e dos direitos de terceira dimensão ou direitos de solidariedade.

Ademais, entender a política pública como categoria normativa, seria tarefa das mais difíceis, haja vista que a lei, como categoria jurídica, caracteriza-se pela generalidade e pela abstração, não obstante tenha uma dimensão teleológica, isso não lhe confere, necessariamente, um “endereço determinado”.

Já as políticas públicas, diferentemente das leis, não são, em regra, genéricas e abstratas, pelo contrário, são normalmente firmadas para a realização de objetivos determinados [42].

Neste contexto, poder-se-ia asseverar que as políticas públicas possuem caráter de complementaridade, na media em que preenchem os espaços normativos, concretizando os princípios e regras, visando a objetivos determinados.

De acordo com o exposto acima, constrói-se a definição de políticas públicas de natureza extrafiscal como sendo programas de ação governamental, juridicamente regulados, resultantes de um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, não tendo como finalidade imediata a função arrecadatória, contudo, diante do uso de ferramentas que envolvam receitas e despesas públicas, a fim de alcançar determinado interesse público previamente determinado.

5.2. A defesa e a promoção do meio ambiente do trabalho sob a ótica das políticas públicas extrafiscais

A elaboração de políticas públicas extrafiscais a serem executadas pelo Estado deve ter como finalidade precípua a proteção e a promoção dos direitos humanos, primordialmente aqueles correlacionados ao seguro social, como os direitos fundamentais à saúde do trabalhador e ao meio ambiente do trabalho.

Nada obstante, o que indicaria, a priori, um distanciamento do Direito do Tributário, dando espaço a normas de proteção social (trabalhista e previdenciária), revela a essência da tributação enquanto instrumento de concretização dos princípios constitucionais.

Neste contexto, no momento em que o Estado abdica parcela da arrecadação em favor das empresas que obtiverem desempenho satisfatório na prevenção de acidentes de trabalho, dirige-se à alocação de recursos privados para a obtenção de resultados que desoneram a Previdência Social e, sobretudo, preservam a vida e a integridade dos trabalhadores.

Por conseguinte, ao impor ônus adicional às empresas que concretamente contribuíram para o aumento do risco acidentário, o Estado estimula os esforços individuais em prol da segurança ambiental e, simultaneamente, obtém mais recursos para financiar o Seguro contra Acidentes de Trabalho (SAT).

Desta feita, tem-se a ilação, inequivocamente, da importância das políticas públicas de natureza extrafiscal como políticas norteadoras do seguro social, para fins de concretização dos direitos humanos, sobretudo o direito fundamental de a pessoa humana ter assegurada sua vida (art.5.º, caput, da CF/88) e saúde (art.6.º, da CF/88) com dignidade, no meio em que desenvolve suas atividades laborais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O modelo atual de Constituição econômica ou dirigente rejeita o dogma da autorregulamentação do mercado, necessitando de medidas interventivas do Estado na economia que cumpra com os objetivos de justiça social, de solidariedade e de garantia do mínimo existencial aos indivíduos.

Nesta perspectiva, a principal receita pública do Estado Fiscal na atualidade são os tributos, que, também, são utilizados com natureza intervencionista no domínio econômico. Com efeito, se afigura o fenômeno da extrafiscalidade como exceção do dever fundamental de pagar tributos, haja vista que, nesta ocasião, o tributo não exercerá sua função primordial primária, ou seja, de natureza arrecadatória.

Por conseguinte, evidenciam-se a existência e a rearticulação de políticas públicas de natureza extrafiscal eficazes na proteção e na promoção do meio ambiente do trabalho, sobretudo a instituição do Fator Acidentário de Prevenção (FAP), que possibilita a redução de carga tributária, qual seja, a contribuição do Seguro de Acidente de Trabalho (SAT). Assim, ressalta-se a função promocional do Direito, que estimula o incremento de condutas socialmente desejáveis, além da noção de sanção premial, contribuindo para a formação da cadeia positiva do Seguro Social.

Por fim, longe de se exaurir o tema, esta pesquisa tentou investigar alguns aspectos do fenômeno jurídico-tributário da extrafiscalidade, notadamente na espécie tributária referente às contribuições sociais, contextualizada na dimensão do gasto tributário que implique em melhorias do meio ambiente laboral e na proteção irrestrita da vida e da saúde do trabalhador.

 

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Notas
 
[1] A expressão “geração de direitos” tem sofrido várias críticas da doutrina nacional e estrangeira, pois o uso do termo geração pode dar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, o que é um erro, já que o processo é de acumulação e não de sucessão. Em razão disto, a doutrina recente tem preferido o termo “dimensões”, pois uma geração não substitui ou derroga a antecedente. Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p.47.

[2] Cf. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8ed. São Paulo: Malheiros, 2009, passim.

[3] VIERKANDT, Alfred, 1921 Apud BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 9ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 61.

[4] BONAVIDES, Paulo. Op. Cit., p. 61-62.

[5] NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 1998, p.191-192.

[6] Cf. MARTINS, Marcelo Guerra. Tributação, propriedade e igualdade fiscal: sob elementos de direito e economia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, p. 107-115.

[7] Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 158-169.

[8] Classificação sugerida por MARQUES, Márcio Severo. Classificação constitucional dos tributos. São Paulo: Max Limonad, 2000.

[9] Ibidem, p.106.

[10] F, FICHEIRA, Le Agevolazioni Fiscali, pp. 56 e ss., Apud NABAIS, José Casalta. Op. Cit., p.635.

[11] BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e Desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005.

[12] BOBBIO, Norberto. Da Estrutura à Função. Barueri: Manole, 2007, p. XII.

[13] NABAIS, José Casalta. Op. Cit., p. 654.

[14] Art.14, §1.º, da Lei Complementar 101/2000: “A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado”.

[15] HENRIQUES, Élcio Fiori. Os benefícios fiscais no direito financeiro e orçamentário – O gasto tributário no direito brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p.29.

[16] Ibidem, p. 53-54.

[17] Cf. MARTINS, Marcelo Guerra. Op. Cit., p.105-106.

[18] NABAIS, José Casalta. Op. Cit., p.629.

[19] MACHADO, Hugo de Brito. Direito Tributário. 23ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.73.

[20] CONTIPELLI, Ernani de Paula. Solidariedade social tributária. Coimbra: Almedina, 2010, p.233.

[21] TIPKE, Klaus. Moral tributaria del Estado y de los contribuyentes. Tradução de Pedro M. Herrera Molina. Madrid: Marcial Pons, 2002, p.100-101.

[22] CONTIPELLI, Ernani de Paula. Op. Cit., p.231.

[23] TIPKE, Klaus. Op. Cit., p.27.

[24] NABAIS, José Casalta. Op. Cit., p. 194.

[25] “O Estado Subsidiário reflete um novo relacionamento entre Estado e Sociedade, no qual a Sociedade tem a primazia na solução dos seus problemas, só devendo recorrer ao Estado de forma subsidiária”. TORRES, Ricardo Lobo. Liberdade, Consentimento e Princípios de Legitimação do Direito Tributário, Revista Internacional de Direito Tributário (ABRADT), Belo Horizonte, v.5, p. 227, jan./jun. 2006.

[26] Cf. Artigos 12 e 13 da Lei n.º 5.316/1967.

[27] “Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: II – para o financiamento do benefício previsto nos artigos 57 e 58 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos: a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve; b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio; c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave” (destaque nosso). Cumpre-se observar que a Lei nº 9.317, de 5.12.96, dispôs sobre o tratamento diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte – SIMPLES.

[28] As condições especiais referem-se ao trabalho exercido sujeito à exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, conforme definidos por legislação própria pelo Poder Executivo.

[29] No campo da jurisprudência, a questão parece ter sido pacificada pelo Supremo Tribunal, como se colhe em trecho de decisão proferida pela Ministra Ellen Gracie, no julgamento do Agravo de Instrumento nº 537.658/SP:
“1. O Plenário desta Corte, no julgamento do RE 343.446/SC, rel. Min. Carlos Velloso, unânime, DJ de 04.04.2003, decidiu pela desnecessidade de lei complementar para a instituição da contribuição para o custeio do Seguro de Acidente de Trabalho – SAT, ante a previsão dos artigos 7º, XXVIII, e 195, I, da Carta Magna, que permitem a sua criação por meio de lei ordinária, afastando-se, dessa forma, a hipótese de violação aos artigos 154, I, e 195, § 4º, da Constituição Federal. Assentou-se, ainda, que o art. 22, II, da Lei 8.212/91, ao instituir alíquotas proporcionais ao grau de risco da atividade exercida pelo contribuinte, a serem definidas mediante decreto regulamentador, não ofendeu os princípios da isonomia e da legalidade tributária […]”. Disponível em: < http://www.stf.jus.br.> Acesso em: 02 ago. 2012.

[30] Enquanto as doenças profissionais são decorrentes de trabalho peculiar exercido, as doenças do trabalho decorrem de condições especiais de trabalho desempenhado.

[31] O comando constitucional previsto no artigo 201, caput, já determina tal situação de equilíbrio que deve nortear a Previdência Social, conforme se segue: “Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)”.

[32] Cf. Disponível em: < http:// www.mpas.gov.br/.> Acesso em: 02 ago. 2012.

[33] A Emenda Constitucional n. 20/98, acrescentando o §9.º ao artigo 195, da CF/88, autorizou expressamente o legislador infraconstitucional a instituir alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica ou da utilização intensiva de mão-de-obra.

[34] “Ocorre que não houve, até o final de 2007, a divulgação dos índices do FAP, tendo o MPS divulgado apenas os benefícios previdenciários deferidos pelo INSS e com base nos quais se está preparando o cálculo do FAP, para eventual impugnação pelas empresas, tendo a Resolução MPS n. 457, de 22.11.2007, estabelecido como prazo para divulgação das impugnações o mês de setembro de 2008 (http://www2.dataprev.gov.br/fap/fap.htm – acesso em 5.1.2008)”. Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista, Manual de Direito Previdenciário. 11ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009, p.265.

[35] “Considera-se preponderante a atividade econômica que ocupe, em cada estabelecimento da empresa, o maior número de segurados empregados e trabalhadores avulsos”. Ibidem.

[36] “O enquadramento no correspondente grau de risco é de responsabilidade da empresa, observada sua atividade econômica preponderante, e será feito mensalmente, cabendo ao INSS rever o auto enquadramento a qualquer tempo, pela atuação da fiscalização”. Ibidem.

[37] Cf. BOBBIO, Norberto. Da Estrutura à Função. Barueri: Manole, 2007.

[38] Agravo legal em apelação cível nº 0026823-10.2009.4.03.6100/SP. Relator Des. Johonsom Di Salvo, Jun.2012. Disponível em: < http://www.trf3.jus.br.> Acesso em: 02 ago. 2012.

[39] “A noção de sanção positiva deduz-se, a contrario sensu, daquela mais bem elaborada de sanção negativa. Enquanto o castigo é uma reação a uma ação má, o prêmio é uma reação a uma ação boa. No primeiro caso, a reação consiste em restituir o mal ao mal; no segundo, o bem ao bem. Em relação ao agente, diz-se, ainda que de modo um tanto forçado, que o castigo retribui, como uma dor, um prazer (o prazer do delito), enquanto o prêmio retribui, com um prazer, uma dor (o esforço pelo serviço prestado). Digo que é um tanto forçado porque não é verdade que o delito sempre traz prazer a quem o pratica nem que a obra meritória seja sempre realizada com sacrifício”. BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. São Paulo: Manole, 2007, p. 24.

[40] Instituído pelo Decreto 6.042, do ano de 2007.

[41] BUCCI, Maria Paula Dallari (organizadora). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006, p.39.

[42] “Princípios são proposições que descrevem direitos; políticas (policies) são proposições que descrevem objetivos”. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução Nelson Boeira, 3ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p.141.


Informações Sobre o Autor

Pedro Miron de Vasconcelos Dias Neto

Procurador Federal da Advocacia-Geral da União (AGU). Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Especialista em Direito Público com habilitação em Direito Previdenciário pela Universidade de Brasília (UnB).


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