Resumo: O conteúdo do texto a seguir se alicerça não somente numa visão da prática da advocacia pública fazendária na matéria específica de que trata. Também se baseia nisso. Mas principalmente se funda numa visão de Direito como suporte de realização da fraternidade e numa concepção de processo como instrumento de construção de resultados mais nítidos e tempestivos. A propósito sob a luz da teoria dos princípios precisamos descobrir e explorar o que pode nos acrescentar de valor o princípio da fraternidade
Palavras-chave: falência, recuperação judicial, execução fiscal, fazenda pública, PGFN, inovação, nova abordagem, efetividade, resultados, arrecadação, simplificação, parcerias estratégicas, gestão horizontal, modelagem organizacional.
NOTA INTRODUTÓRIA
Este trabalho é resultado da observação, da reflexão, do aprendizado, da experimentação e das ousadias de cada dia em que foi possível vencer a barreira da burocracia que se basta em si, para olhar para frente e vislumbrar que no fim do túnel existe uma luz. Existe uma razão e algo bom a se realizar.
É fruto, principalmente, do desejo de lançar um pouco de luz no caminho para aqueles que começam hoje a percorrê-lo, e também para aqueles que como nós começaram a trilhá-lo na escuridão da complexidade, da falta de sistematização e consolidação, dos tabus, dos conceitos e preconceitos que assombram os gabinetes abarrotados das fazendas públicas e dos compartimentos judiciários.
O conteúdo do texto a seguir se alicerça não somente numa visão da prática da advocacia pública fazendária, na matéria específica de que trata. Também se baseia nisso. Mas, principalmente, se funda numa visão de Direito como suporte de realização da fraternidade, e numa concepção de processo como instrumento de construção de resultados mais nítidos e tempestivos. A propósito, sob a luz da teoria dos princípios, precisamos descobrir e explorar o que pode nos acrescentar de valor o princípio da “fraternidade”.
Iniciamos relatando os desafios que nos foram apresentados pela necessidade prática diária, assim como esclarecendo as formas e estratégias jurídicas práticas, que utilizamos para modificar a abordagem dos problemas de maneira a construir um meio mais objetivo, simples e efetivo de alcançar o resultado proposto, que era a recuperação dos créditos públicos emaranhados nos processos falimentares e execuções fiscais em face de falências e recuperações judiciais.
FLUXO PADRÃO BÁSICO DOS PROCESSOS DE FALÊNCIA
O processo falimentar é regido atualmente pela Lei Federal nº 11.101 de 9 de fevereiro de 2005. Entretanto, ainda é muito comum encontrar tramitando processos judiciais falimentares que se orientam pela lei revogada, Decreto-Lei nº 7.661 de 21 de junho de 1945. O fluxograma do atual processo falimentar nos permite identificar três momentos muito importantes para a intervenção da fazenda Pública:
1 – Eventual deferimento de pedido de RECUPERAÇÃO JUDICIAL
2 – Decretação da Falência
3 – Período prévio de atividades do Administrador Judicial (art. 22 da LFRJ)
Com base no fluxograma resumido, podemos tecer algumas observações e sugestões no que toca especialmente à atuação da Fazenda Pública, nos momentos destacados com números na figura.
1 DEFERIDA A RECUPERAÇÃO JUDICIAL, é momento em que se mostra altamente recomendada a realização de pesquisas a fim de se verificar a existência e a dimensão dos créditos públicos em jogo e comprovar, em sendo o caso, a presença de circunstâncias que possam atrair a responsabilidade pessoal dos sócios-gerentes ou administradores da empresa (art. 135 do CTN). Havendo créditos dignos de ação, presente ou não a responsabilidade solidária, pode ser caso de manejo de ação cautelar fiscal da Lei 8.397/92.
Importante atentar para o fato de que o deferimento da recuperação judicial não suspende as execuções fiscais em curso nem impede novos ajuizamentos. Pelo contrário, deve-se atentar para o prazo prescricional das ações fiscais.
Também, é recomendável a comunicação ao Juízo da Recuperação sobre o montante dos créditos públicos apurados, pois se trata de informação relevante ao plano de administração da empresa e pode dar evidência a uma eventual inviabilidade da recuperação, que poderá se convolar em falência.
No processo de recuperação judicial é dever do requerente juntar a comprovação de seu conjunto econômico, de maneira a demonstrar a plausibilidade da recuperação da empresa. Tal formalidade serve à Fazenda Pública como demonstrativo claro do conjunto de bens disponíveis da empresa e de seus sócios administradores para futuras, ou atuais, penhoras ou arrestos.
2 DECRETADA A FALÊNCIA, a Fazenda Pública precisará definir, de acordo com seu ponto de vista e conforme seu estado logístico e estrutural, qual a melhor estratégia para lidar com a nova Massa Falida. Uma estratégia que é usual, podemos identificar como “padrão”, se trata da providência de movimentar as ações executivas e outras possíveis, até a fase de penhora no rosto dos autos da falência, aguardando-se, daí, o deslinde do falimentar. Outra, que temos desenvolvido, opta pela juntada aos autos falimentares do rol dos créditos públicos para inscrição pelo síndico no quadro de credores (já ajustados aos parâmetros legais e jurisprudenciais pacíficos, como separação dos valores em rubricas diferentes para multa, juros até e após a data da quebra, encargos legais, restituições, etc.), requerendo-se em paralelo que sejam sobrestados os executivos fiscais.
Seja qual for o manejo, algumas providências são obrigatórias para uma atuação diligente, a começar pela realização de pesquisas que informem o montante e a natureza dos créditos públicos que têm a falida como sujeito passivo, assim como das ações já ajuizadas e ainda não ajuizadas em face da empresa agora inativa.
Se a providência de preservação cautelar de bens não foi instrumentalizada antes, este momento pode ser oportuno, especialmente com respeito aos bens dos sócios administradores.
Na sentença que decreta a quebra e fixa o termo da falência, o Juízo cumprirá algumas providências fundamentais. Dentre elas:
a) Nomeará o Administrador Judicial (síndico);
b) Determinará a expedição de ofícios às Fazendas Públicas;
c) Fará expedir ofício à Junta Comercial para que anote a circunstância;
d) Ordenará outras providências úteis, como a arrecadação dos bens e documentos da massa falida e a avaliação dos seus ativos, etc;
3 AS ATIVIDADES DO ADMINISTRADOR JUDICIAL são elencadas principalmente pelo art. 22 da Lei de Recuperação Judicial e Falências. O que interessa à Fazenda Pública, no início dos trabalhos, é garantir que os créditos públicos sejam diligentemente inscritos no quadro de credores, obedecendo a ordem devida.
Também, deve a Fazenda atentar para o resultado de eventuais perícias contábeis e para os termos do relatório de causas da quebra (art. 22, III, a da LFRJ), documentos de onde se extrairão, em sendo o caso, os fundamentos de fato para alicerçar um pedido de redirecionamento das execuções fiscais no rumo do patrimônio dos administradores da empresa falida, os empresários falidos que geriram a empresa quebrada.
A aproximação entre o serviço jurídico do órgão fazendário e o administrador judicial (síndico), com colaborativa troca de informações, se mostra uma estratégia inteligente para lubrificar todo o trabalho que, em muitos momentos, terá um rumo comum a ambos. Traz vantagens à Fazenda e ao Síndico, e indiretamente, a todos os credores concursados e ao Juízo Falimentar.
É comum diferenciarmos a execução fiscal em face de empresa ativa e de empresa falida, sob a ótica de que o trabalho da Fazenda é mais proficiente quando realizado no âmbito da massa falida, porquanto neste caso se tem no outro polo um agente que deseja efetuar os pagamentos devidos por lei e na forma da lei (o síndico), cujo trabalho é exatamente o de liquidar e pagar; enquanto que no caso das empresas em atividade e com alto grau de endividamento, esta mesma vontade (do empresário) de honrar o crédito público pode não se fazer presente. Em regra não se faz presente, por razões óbvias.
RECUPERAÇÃO JUDICIAL E CRÉDITOS PÚBLICOS
Um dos últimos desafios enfrentados nesta área de atuação foi o embate travado em face de uma decisão importante de um também importante Juízo especializado da comarca de Novo Hamburgo – RS. Tratou-se de decisão que desobrigava a empresa requerente de recuperação judicial, de apresentar certidões de regularidade fiscal (CND ou CPEN) para a aprovação e execução do plano de recuperação.
Na prática, estava-se invertendo a ordem de preferência entre os credores, pois, num caso assim, certamente os credores privados todos seriam pagos integralmente, para somente depois, se restasse algum recurso, destiná-los aos créditos públicos.
Neste caso em particular, mesmo estando arrestados cautelarmente pela Fazenda Pública, mediante cautelar fiscal, todos os bens da empresa, de seus sócios, de empresa do grupo econômico e de seus “sócios-laranjas”, o Juízo Estadual da recuperação mantinha a decisão e a atuação no sentido de alienar bens imóveis para o pagamento dos credores outros, desconsiderando por completo o crédito público, sua precedência e suas garantias.
Tal decisão somente foi obstada através de agravo de instrumento junto ao Tribunal de Justiça do Estado, interposto incidentalmente ao processo de recuperação, onde a União não era parte mas ostenta legítimo interesse jurídico. No caso o relator do recurso concedeu efeito suspensivo ativo, de maneiras a proibir alienações de bens, enquanto pendente de decisão matéria correlata em julgamento no Superior Tribunal de Justiça. Bloqueados os planos do Juízo e do Administrador Judicial, criou-se um ambiente onde a Fazenda Pública passou a ter relevância nas negociações e acordos necessários ao andamento de uma situação assim tão complexa, de maneira que passou de “espectadora” a “stakeholder”.
A ideia base é no sentido de que o processo de recuperação judicial é um concurso estabelecido entre os credores privados quando a empresa se mostra com viabilidade de salvamento. Não afeta, pois, os direitos da União ou dos demais entes públicos quanto a seus créditos. Logo, se a Fazenda Pública logrou arresto ou penhora de bens para garantir seus créditos, não pode o Juízo da recuperação frustra-los a fim de satisfazer credores privados, seja qual for o argumento.
IMPORTÂNCIA E OPORTUNIDADE DE NOVAS ABORDAGENS NA GESTÃO
Exemplos de modificação radical na abordagem de processos de trabalho, como este dado pelo trabalho especializado em falências e outros tantos que se pode identificar por todo o Brasil, servem para demonstrar de forma cada vez mais cristalina que tarda já uma modificação profunda na estrutura de gestão das procuradorias de Fazendas Públicas, que precisam rapidamente se encaminhar para um foco em processos de trabalho, de forma mais horizontal e visando o pleno atendimento das demandas da sociedade.
Na forma como se organizam hoje, ao menos na fração que conhecemos, têm-se estruturas altamente verticalizadas, personalizadas em figuras-chave, num ambiente muito centrado nos meios e sem nenhuma forma estruturada de gestão de projetos. O contrapeso politico-burocrático é ainda hegemonizado pelos atores políticos.
O ambiente, pois, é bastante favorável à ineficiência e a instabilidade, situações que hoje somente são superadas pelos valores pessoais que são gigantescos em todas as procuradorias deste Brasil.
Portanto, dada a sua vocação ao desenvolvimento de políticas de Estado, entendemos que a tais instituições merecem a oportunidade de uma reformulação bastante significativa nas suas estruturas.
Estabelecendo a gestão baseada em processos de trabalho, tirando as lideranças dos cargos hierarquizados e as colocando a frente de gerenciamento de processos, horizontalizando as responsabilidades e estruturando fluxos que melhorem a eficácia das realizações, é possível sim ganhar mais eficiência, transparência e estabilidade, independentemente da diretriz política dada pelos governos. A propósito, a função dos governos é dar direcionamento às estruturas públicas, a fim de que realizem, com mais ou menos intensidade, umas ou outras das políticas públicas legitimadas pelo voto popular. Jamais deve ser função dos governos gerir politicamente as instituições burocráticas que servem ao Estado.
No micro caso, a rotina implantada para a atuação na recuperação dos créditos submetidos ao concurso de credores ou cuja empresa seja objeto de recuperação judicial, se presta com muita propriedade a um sistema horizontal de processo de trabalho, na medida em que percorre um caminho objetivo com distinção dos valores agregados em cada etapa de sua realização, supridos eventualmente por serviços auxiliares da Organização, como tecnologia da informação, manutenção dos registros de entrada e saída de processos judiciais, suprimento de pesquisas com informações primordiais (bens, endereços, etc), registros de transações nos sistemas da Dívida Ativa, formação e manutenção de dossiês, Acompanhamento Especial, etc.
CONCLUSÕES
Pudemos vislumbrar do trabalho desenvolvido que são viáveis e eficazes mudanças na abordagem das rotinas de trabalho a que estamos todos expostos, exercitando o desapego, a ousadia e a crença de que é possível fazer mais e melhor com o que se tem.
Percebemos que a simples inversão da forma como se tratam os processos de recuperação de créditos em falências, com maior objetividade, agregando-se um maior uso de ferramentas já existentes e exercitando o relacionamento com os demais atores envolvidos nas causas, é possível aumentar a eficiência do trabalho, com resultados perceptíveis a ”olho nu”.
Entendemos que o exemplo, além de servir de sugestão de atuação para outras esferas das Procuradorias da Fazenda Pública, se presta como exemplo também de como é possível horizontalizar os processos de trabalho visando obter melhores resultados. Acreditamos que a modelagem da gestão é inevitavelmente condicionada à adoção da horizontalização, da gestão por processos e do estabelecimento de núcleos de implementação e gerenciamento de projetos.
Cremos que o modelo de fluxo, aplicado de forma regional a todas as ações falimentares, pode render resultados incríveis!
Informações Sobre o Autor
Flavio Machado Vitoria
Procurador da Fazenda Nacional na 4ª Região, Especialista em Direito Público pela Faculdade Projeção do DF, Acadêmico do curso de MBA em Gestão Empresarial da Escola da Administração da UFRGS e Pós-graduado em Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas – Rio de Janeiro