Fato gerador da obrigação tributária acessória

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Dispõe o art. 115 do Código Tributário Nacional:


“Art. 115. Fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal”.


O propósito deste artigo é o de verificar se a obrigação acessória pode ou não nascer de um instrumento normativo que não seja lei em sentido estrito.


Como se verifica do § 2º, do art. 113 a obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações positivas ou negativas, nelas previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. Se a obrigação acessória decorre da “legislação tributária” que, nos termos do art. 96, compreende não apenas as leis, como também, os decretos e normas complementares segue-se que ela não precisa, necessariamente, nascer diretamente da lei em sentido estrito.


Todavia, a maioria dos doutrinadores, tendo em vista o princípio da legalidade genérica (art. 5°, II, da CF), sustentam que “principal ou acessória, a obrigação tributária é sempre uma obligatio ex lege. Nasce da lei e só dela[1]. No mesmo sentido Paulo Caliendo[2] e Sacha Calmon Navarro Coelho[3].


Entendemos com fundamento no art. 96, do CTN que as obrigações acessórias podem decorrer de atos do Executivo fundados em delegação legislativa, sem ofensa ao princípio genérico da legalidade, segundo o qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei.  É que a gama de obrigações acessórias é tão variada quanto extensa, não cabendo na previsibilidade do legislador, principalmente, após o advento do sistema informatizado, onde inúmeras alterações são introduzidas à luz de novas conquistas tecnológicas. A Jurisprudência do STJ respalda esse nosso entendimento[4].


Contribui para essa imprecisão a omissão dos doutrinadores em geral na abordagem do fato gerador da obrigação tributária. Todos os estudiosos escrevem abundantemente sobre o fato gerador da obrigação principal, assim mesmo, relacionado apenas com o tributo, como se a penalidade pecuniária, também, não constituísse obrigação principal (§ 1°, do art. 113). Assim, a expressão “fato gerador da obrigação principal” acabou por se transformar, na prática, sinônimo de fato gerador de um tributo.


Tamanho é o desinteresse na abordagem do tema que Sacha Calmon Navarro Coelho chega a sustentar que “as chamadas obrigações acessórias não possuem “fato gerador”; decorrem de prescrições legislativas imperativas; emita notas fiscais, declare rendas e bens etc[5].


Hugo de Brito Machado, depois de reconhecer a omissão doutrinária nesse particular, sustenta que “o que nos importa constatar em face do art. 115 do Código e da realidade de toda a legislação tributária é que o fato gerador da obrigação acessória é geralmente uma situação que não está definida em uma norma específica, mas resulta de um conjunto de normas. Uma situação às vezes muito simples mas, na maioria das vezes, bastante complexa, na qual se inter-relacionam diversas obrigações tributárias principais e acessórias, sendo certo que geralmente não existe uma descrição precisa e individualizada dessa situação. Mesmo assim uma situação que se pode identificar, em seus aspectos objetivos e subjetivos, embora não se disponha de uma descrição normativa específica de um tipo por ela caracterizado.”[6] Mais adiante prossegue o eminente jurista: “Diferentemente do que ocorre com o fato gerador da obrigação principal, seja esta consubstanciada no tributo ou na penalidade pecuniária, o fato gerador da obrigação tributária acessória não há de ser necessariamente um tipo fechado. Não se exige que a legislação tributária descreva, em cada caso, a situação cuja ocorrência faz nascer o dever de fazer, de não fazer, ou de tolerar, objeto da obrigação tributária acessória. Tal situação decorre de um ou vários dispositivos da legislação, pode ser uma situação específica ou não, duradoura ou instantânea, sem que se encontre na norma descritora da hipótese cuja concretização faz nascer a obrigação acessória uma descrição precisa de todos os seus elementos, muitos dos quais podem resultar implícitos ou determinados por intuição”[7].


Decorre da lição do eminente jurista, como de resto da própria redação do art. 115 sob comento que não há definição de fato gerador para cada obrigação acessória. Essas obrigações acessórias decorrem de um, de   vários dispositivos da legislação, ou do conjunto de normas que compõem a legislação tributária. Por isso, é defensável, ao teor do art. 96 do CTN, que as obrigações acessórias podem decorrer de atos do Poder Executivo na medida das delegações legislativas.


Discute-se muito, por exemplo, se um decreto pode alterar o prazo de recolhimento de tributo. Há quem sustente, com certo exagero, que o encurtamento do prazo de pagamento do tributo implica aumento da carga tributária a exigir a formalidade de lei em sentido estrito. Nesse caso, se houver autorização legislativa, o Poder Executivo pode validamente alterar os prazos de recolhimento do tributo. É preciso examinar com cuidado cada caso concreto, não se podendo firmar tese em abstrato pela validade ou não de alteração de prazo por decreto.


Uma outra questão bastante controvertida é a de saber se uma entidade política pode validamente  impor obrigações acessórias em relação a outra entidade política. Alguns autores invocam a imunidade recíproca para negar esse direito. Entendemos que a entidade política, competente para instituir determinado tributo, tem a competência, também, para estabelecer normas impondo, a terceiros relacionados com o contribuinte, inclusive entidades imunes, a prática ou a abstenção de ato ou fato no interesse da arrecadação ou da fiscalização desse tributo.[8]


 


Notas:

[1] Aliomar Baleeiro, Direto tributário brasileiro. 1ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1970, p. 400.

[2]  Comentários ao Código Tributário Nacional, obra coletiva, coord. Marcelo Magalhães Peixoto, p. 930.

[3] Comentários ao Código Tributário Nacional, obra coletiva, coord. Carlos Valder do Nascimento, p. 260.

[4]  Resp nº 32.739/SP, Resp nº 46.478/SP, Resp nº 84.984/SP, Resp nº 86.331/SP e Resp nº 111.125/SP.

[5] Comentários ao Código Tributário Nacional, obra coletiva, coordenação Carlos Valder do Nascimento, p. 268.

[6] Comentários ao código tributário nacional, vol. II, 2ª edição. São Paulo: Atlas, 2008,  p. 331.

[7] Ob. cit., p. 333.

[8] Muitos autores acoimam de inconstitucional, por exemplo, o art. 50 da Lei no 8.212/91, que obriga as Prefeituras Municipais a exigir do interessado a comprovação de matrícula no INSS, quando do fornecimento de alvará para edificação, e a prova de inexistência de débito para com a Seguridade Social, quando da concessão de “habite-se”. Já em relação à legislação municipal do ITBI, que proíbe os notários e os oficiais de Registro de Imóveis de lavrar escrituras e de registrá-las sem a prévia comprovação do pagamento do imposto sobre transmissão de bens imóveis, não tem havido qualquer contestação dos interessados ou da doutrina em geral. A exigência de transcrição, no título, da guia de “sisa” vem sendo cumprida, tradicionalmente, sem qualquer questionamento, apesar de o fato gerador do ITBI somente ocorrer por ocasião do registro do título de transferência do bem imóvel.

 


Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


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