Flexibilização Das Leis Trabalhistas ou Reforma Por Jogo de Interesses?

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Danilo Fontanetti Christofoletti: Bacharel em Jornalismo pela PUC-Campinas; Mestre em Linguagens, Mídia e Arte pela PUC-Campinas e Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Uninter. Empresário.

 

RESUMO

O presente artigo busca responder uma pergunta básica: se a Reforma Trabalhista de 2017 (Lei 13.467/2017) promoveu a flexibilização das leis trabalhistas e das relações de trabalho no Brasil, ou se serviu apenas para satisfazer pequenos grupos de interesse econômico ou ainda angariar apoio político ao governo brasileiro do Presidente Michel Temer, alvo dos críticos após o impeachment sofrido pela ex-presidente Dilma Rousseff. Para responder essa pergunta foi feita uma revisão bibliográfica de autores estudiosos do tema, tais como Silva (2017) e Veiga (2017), entre outros autores renomados, bem como a análise textual dos artigos mais importantes alterados pela Reforma. Com a leitura e análise, foi possível comparar a antiga legislação com a nova e perceber os benefícios e malefícios das alterações. Depois de feita a comparação da antiga com a nova CLT, foi possível perceber as mudanças e inferir se de fato as leis e relações laborais foram flexibilizadas.

Palavras-chave: Reforma Trabalhista; Flexibilização; Lei 13.467/2017.

 

ABSTRACT

The present article seeks to answer a basic question: whether the Labor Reform of 2017 (Law 13467/2017) promoted the flexibilization of labor laws and labor relations in Brazil, or whether it served only to satisfy small economic interest groups or to garner support to the Brazilian government of President Michel Temer, target of the critics after the impeachment suffered by the ex- president Dilma Rousseff. In order to answer this question, a bibliographical review was made of scholars, such as Silva (2017) and Veiga (2017), among other renowned authors, as well as the textual analysis of the most important articles altered by the Reformation. With the reading and analysis, it was possible to compare the old legislation with the new one and to perceive the benefits and harms of the changes. After comparing the old with the new CLT, it was possible to perceive the changes and to infer if in fact the labor laws and relations were relaxed.

Keywords: Labor Reform; Flexibilization, Law 13.467/2017

 

Sumário: Introdução. 1 Análise da nova CLT, na visão dos especialistas. 2 Análise dos principais artigos alterados. Conclusões. Referências

 

Introdução

Desde 2014, de acordo com Flor (2018), o Brasil tem vivido uma de suas piores crises econômicas na história, sendo que, apesar de alguns avanços, o país permanece em 2018 com 13% de desempregados e um PIB equivalente a 50 % do PIB da Alemanha[1]. Nesse período, além da crise no poder de compra do brasileiro, o país assistiu ao impeachment de uma Presidente, bem como uma completa deterioração das relações de trabalho, o que levou milhões de nacionais a preferirem a informalidade ou se tornarem desempregados.

Diante deste cenário econômico, com o aumento do desemprego de forma bastante impressionante, o Governo Federal, em 2017, anunciou a polêmica Reforma Trabalhista, formalizada na Lei 13.467/2017, que visa flexibilizar as condições de trabalho a fim de desonerar o empregador, diminuir o desemprego e atenuar a crise.

As relações trabalhistas possuem dinâmica própria em que, ao mesmo tempo em que se adaptam às necessidades do mercado, criam oportunidades de novos empregos. A lei trabalhista nem sempre está adequada às transformações ocorridas nas relações de trabalho e também nas formas de prestação de serviços. Isso acontece, pois a evolução dos meios de comunicação e da própria dinâmica laboral adotam, na atualidade, diferentes formas de ser, de modo que as transformações, principalmente aquelas advindas das revoluções tecnológicas, se modificam tanto que o legislador do trabalho não consegue acompanhar os novos cenários.

Desde a origem da justiça trabalhista os fatos sempre impulsionaram o legislador para atender situações novas ou para acomodação de interesses de acordo com o trabalho a ser prestado. Uma das expressões mais utilizadas em tempos de crise econômica brasileira para adaptação da legislação é a flexibilização dos direitos.

No entanto, a flexibilização da legislação trabalhista sempre encontrou forte resistência por parte dos Tribunais Trabalhistas, que formaram uma jurisprudência de blindagem na proteção do trabalhador, primeiro na relação individual e, depois, na relação coletiva de trabalho, restringindo a autonomia individual da manifestação da vontade das partes na lide trabalhista. Por outro lado, também é importante perceber que não se pode admitir que para a desoneração dos empregadores, haja a exploração dos próprios trabalhadores, com ideias como as que foram ventiladas por alguns integrantes do governo em 2017, como o aumento da jornada máxima de 8 horas para 12 horas diárias, fato, aliás, que só poderia ser alterado por Emenda Constitucional, haja vista ser direito protegido pelo artigo 7º, inciso XIII da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 2017, p. 10).

A questão que se coloca neste artigo científico, portanto, é de saber até que ponto a Reforma Trabalhista teria avançado na transformação das relações de trabalho, finalmente trazendo a tão sonhada flexibilização na área trabalhista, ou se tal reforma simplesmente retirou direitos garantidos dos trabalhadores e passou poderes superiores aos empregadores, como afirmam os críticos da reforma.

A análise que se dará a seguir foi feita, primeiramente, com a revisão bibliográfica de autores estudiosos do tema, seguida pela análise dos principais itens alterados na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). A comparação entre as opiniões dos autores e entre os artigos de lei deverá demonstrar se a Lei 13.467/2017 foi apenas uma artimanha política para favorecer a classe empresarial ou se realmente promoveu a flexibilização das leis trabalhistas, possibilitando a retomada na criação de empregos e desenvolvimento econômico.

 

1 Análise da nova CLT, na visão dos especialistas

Silva (2017) diz que o Brasil “vive” em reforma legislativa desde o nascimento do país como nação independente. E que todas as reformas só trazem mais dúvidas e questionamentos do que as certezas e ajustes que, teoricamente, deveriam promover.

Reforma-se tudo, a todo instante, numa ansiedade que chega a oprimir a respiração de quem observa. […] Tome-se, como exemplo, o Código de Processo Civil. Não bastasse ter sido recriado do ponto zero em 1973, sofreu várias reformas anuais pequenas e médias, seguidas de grandes reformas em 1994 e 2006, para que, então, tudo fosse demolido sem dó e recomeçado em 2015. Ledo engano achar que o processo civil encontraria paz no renascimento: bateu talvez o recorde mundial de ser reformado durante a vacatio legis em fevereiro de 2016 e, depois, já sofreu novas emendas, sem que ainda tenha conhecido sua afirmação dogmática e jurisprudencial. (SILVA, p. 09, 2017)

Especificamente em relação à Reforma Trabalhista, Silva (2017) discorre sobre a Lei 13.467/2017 no sentido dá mesma ter sido criada não para flexibilizar as leis trabalhistas, mas sim para entrar em confronto com os posicionamentos do TST, contrariando frontalmente diversas súmulas historicamente consagradas na aplicação do direito. Para o autor, a Reforma acerta em pequenos pontos, como a necessidade de rever a gratuidade indiscriminada no processo trabalhista, mas, majoritariamente, revela ser feita para agradar a classe empresarial e suprimir diversos direitos da classe trabalhadora.

Veiga (2017), por outro lado, acredita que a Reforma trouxe a desejada flexibilização, principalmente no que diz respeito ao contrato de trabalho e a criação de novas figuras, como o contrato intermitente. O autor ressalta o papel econômico da nova CLT, acreditando que as novas normas trabalhistas tornam a relação de trabalho mais simples e eficaz, contribuindo para a retomada econômica do brasileiro. O autor louva de maneira mais específica e entusiasmada o novo tipo de contrato, chamado de intermitente, assim como a terceirização irrestrita, tanto das atividades meio, quanto das atividades fim e a segurança para contratar nesse novo modelo de trabalho temporário. Ele também destaca que, em sua opinião, não há supressão de direitos, mas sim liberdade de negociação.

Biasi (2017) traz um novo entendimento para os desdobramentos da Reforma Trabalhista, no que diz respeito, especificamente, à atuação dos sindicatos. O autor se atenta para a extinção da contribuição sindical obrigatória, que mantém economicamente a grande maioria dos sindicatos operantes no Brasil. Para o autor, a Reforma Trabalhista trará uma nova função social aos sindicatos e os mesmos terão que se reinventar e aprimorar seu funcionamento para continuar existindo, pois agora terão que demonstrar seu verdadeiro valor e atuação aos filiados.

Antunes (2017) discorre sobre um ponto deveras específico da nova lei Trabalhista: a proteção à criança e ao adolescente. Para o autor, a nova CLT, apesar de promover certa precarização nas leis trabalhistas, conserva os direitos da criança e adolescente nas relações laborais, bem como se mantém atualizada e combatente ao trabalho escravo. Para o autor, a nova CLT faz bem o seu papel na luta contra o trabalho escravo ou infantil, mas que, em tempos de crise financeira e econômica, todo cuidado deve ser tomado para que os empregadores não recorram, de maneira clandestina, a esse tipo de mão de obra barata e ilegal. Após as opiniões contrastantes dos estudiosos, parte-se então à análise dos principais artigos alterados na nova Consolidação das Leis Trabalhistas, editada ao final de 2017.

 

2 Análise dos principais artigos alterados

De acordo com João (2017), o primeiro item a ser estudado na comparação dos artigos entre as CLTs diz respeito sobre a proteção dos direitos básicos dos trabalhadores na formulação do contrato de trabalho. De acordo com o autor, tratamento dado pela antiga CLT, no que diz respeito à proteção dos direitos dos trabalhadores, é o existente nos artigos 9º, 444 e 468. O artigo 9º dispõe sobre a nulidade dos atos praticados com o objetivo de fraudar, desvirtuar ou impedir a aplicação das normas celetistas. Trata-se de norma de caráter geral que se sobrepõe a todo ordenamento jurídico trabalhista.

Depois, no artigo 444, o já referido autor sustenta que o legislador atribuiu às partes a plena liberdade de formulação do contrato, com restrição a que não sejam estabelecidas contrariamente aos direitos garantidos tanto pelas normas trabalhistas, quanto aquelas que forem ajustadas por meio de convenções ou acordos coletivos. E, por fim, na relação individual, o artigo 468 da CLT, reza pela imposição à intangibilidade do contrato de trabalho e a capacidade relativa do empregado quanto à manifestação da vontade.

Silva (2017), por sua vez, defende que a antiga redação do artigo 444 da CLT, ao tratar da livre estipulação de cláusulas e condições de trabalho com restrições de normas coletivas e legislação com cunho social, não possuía nenhum motivo para sua existência, por conferir um grau baixíssimo de liberdade contratual, razão pela qual nem deveria estar expresso na Consolidação das Leis Trabalhistas. No entanto, Silva (2017) concorda com João (2017) na afirmação de que a nova redação do artigo traz uma inovação, tornando válido o artigo em sua prática laboral. Mas o autor tem dúvidas quanto a constitucionalidade da nova redação, haja vista ser a relação de trabalho uma relação assimétrica de forças e a proteção constitucional dada ao trabalhador, por meio do princípio da proteção e da condição de hipossuficiente do trabalhador.

João (2017) ainda defende que a Reforma Trabalhista, por meio da Lei 13.467/2017, nesse ponto em específico, nada alterou e manteve os três pilares da proteção das garantias mínimas nas relações de trabalho, com algumas pequenas alterações no artigo 468, trazendo considerações que levam a mudanças contratuais e a possibilidade de se transformar a relação laboral e, por consequência, de sofrer alterações no contrato de trabalho em alguns casos específicos, como o retorno de função para casos de cargo de confiança.

Já o artigo 8º da CLT recebeu alteração substancial, com a inserção de parágrafos essenciais para a alteração na intepretação prevista no caput. A Reforma Trabalhista trouxe a aplicação subsidiária do direito civil na esfera trabalhista, excluindo a incompatibilidade com os seus princípios fundamentais e, principalmente, fixou parâmetros para a formulação e aplicação das jurisprudências dos Tribunais trabalhistas e TST, o que, na prática significa um grande limite ao poder de criar direitos trabalhistas por meio de súmulas. Silva (2017), por sua vez, entende que o legislador alterou a redação dos parágrafos desse artigo, unicamente e exclusivamente, para censurar o papel que o Tribunal Superior do Trabalho exercia na interpretação das normas trabalhistas. O autor entende que não é dever dos poderes executivos e legislativos criar interpretações e princípios, bem como o TST nunca legislou, apenas interpretava leis esparsas e com lacunas. Para Silva (2017), portanto, a nova redação fere a autonomia do órgão judiciário e deve ter sua inconstitucionalidade declarada.

Scalercio (2018), traz a inclusão do artigo 394-A na CLT como um dos pontos mais críticos na Reforma Trabalhista. Este artigo disciplina, em linhas gerais, que empregada gestante será afastada de local de trabalho insalubre para local salubre, manejo este feito a critério do empregador e dentro da própria empresa. Segundo o autor, a empregada gestante, na prática, somente será afastada de locais insalubres com a apresentação de atestado médico e, como já explicitado, sua remoção será a critério do empregador, podendo ser transferida para outro local na empresa considerado salubre. O problema para o autor é a aferição dessa salubridade, pois, talvez, o novo local de trabalho contenha os mesmos problemas que o antigo setor, apenas com uma exposição mais amenizada, mas ainda sim prejudicial à condição da mulher grávida.

Para o autor, a reprodução de ambientes insalubres existe pois é mais custoso tornar o ambiente seguro do que pagar um adicional de salário (o chamado adicional de insalubridade) e este fato reduz a qualidade de vida dos trabalhadores. Portanto, a proteção especial à mulher gestante seria de suma importância e não deveria ter sido modificada pela Lei 13.467/2017. Ainda dentro da discussão da condição feminina na CLT, Scalercio (2018) critica a extinção do intervalo de quinze minutos que as mulheres possuíam direito antes do início do cumprimento das horas extras. Segundo o autor, antes da Reforma Trabalhista, a CLT previa, em seu artigo 384, o direito para a mulher de gozar de quinze minutos de intervalo após o fim da jornada de trabalho normal e o início da hora extra, sendo que em novembro de 2014, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade do artigo. Entretanto, a reforma revogou o dispositivo, o que o autor considerou como outro atentado a condição feminina na reforma da Consolidação das Leis Trabalhistas.

De acordo com Cavalcante e Val (2018), a Reforma Trabalhista modificou substancialmente também o artigo 10 da CLT, acrescentando a letra “A” ao mesmo. Segundo os autores, o entendimento consolidado anteriormente sobre a questão da sucessão de empresas era que pouco importava a alteração que pudesse existir nos quadros societários empresariais, pois os direitos trabalhistas dos empregados estariam garantidos pela própria empresa, sendo indiferente a formação dos sócios. Ainda no pensamento dos autores, essa situação criava uma situação comum em que o antigo sócio da empresa continuava a ser chamado para responder por débitos trabalhistas, mesmo após longo tempo de desligamento. Tal situação gerava decisões diversas na Justiça do Trabalho, sendo algumas: que o ex-sócio só poderia ser chamado ao processo na fase de execução e quando contasse dois anos de saída; que o ex-sócio não possuía nenhuma responsabilidade ou ainda que possuía total responsabilidade, por ter se aproveitado da força de trabalho dos empregados durante o período em que figurou como sócio da empresa. De acordo com Cavalcante e Val (2018), a antiga redação dava insegurança jurídica a empregadores e empregados e a nova redação, que agora traz que o sócio retirante responde subsidiariamente, somente pelo período em que figurou como sócio e somente em ações ajuizadas em até dois anos de sua saída, traz mais segurança e clareza à rotina das empresas e seus funcionários.

De acordo com Sanchez (2017) a Lei 13.467/2017 adicionou à Consolidação das Leis Trabalhista mais uma maneira de dispensar o trabalhador por justa causa. O novo dispositivo legal trazido pelo artigo 482, diz que o empregador poderá dispensar por justa causa o empregado, se este perder um dos requisitos ou habilitação previsto em lei para o exercício de sua função, salientando que o empregado neste caso deve agir com dolo. A autora entende que tal situação já ocorria na Justiça do Trabalhos, por meio de aplicação jurisprudencial de alguns tribunais, porém não havia, ainda, previsão legal expressa.

Ainda de acordo com Sanchez (2017), com a nova CLT, passará a ser possível a extinção do contrato de trabalho por acordo entre empregado e empregador, sendo que as verbas relativas ao aviso prévio indenizado e a indenização sobre o FGTS serão devidas pela metade, e não dará direito ao seguro desemprego. É a figura da “demissão acordada”, trazida pelo artigo 484-A. Devido esta alteração o empregado que desejar pedir demissão, por exemplo, pode negociar com o seu empregador um acordo para extinção do contrato de trabalho, pois assim poderá sacar metade do FGTS, situação que não era possível antes da Reforma. Sobre esse tópico da “demissão acordada”, Silva (2017) discorda frontalmente sobre sua aplicabilidade e sua utilização com bom senso nos casos concretos e acredita que a criação de tal dispositivo afetará, negativamente, somente os trabalhadores, beneficiando assim as empresas e empregadores. Segundo o autor, tal dispositivo legal é retrocesso nas relações de trabalho e causa falta de proteção ao trabalhador, que poderá ter perdas significativas em sua relação de trabalho.

De acordo com João (2017), os artigos 611-A e B, por sua vez, trataram sobre a capacidade para negociação individual e coletiva, estipulando, para os empregados portadores de diploma de nível superior e que percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, a capacidade para negociar com a empresa, modificando assim o critério da hipossuficiência trabalhista, que antes se aplicavam a todos os trabalhadores indiscriminadamente. De acordo com Silva (2017), trata-se de profunda alteração na legislação anterior, pois modifica relações estabelecidas em todos os níveis: doutrina e jurisprudência, acordos individuais, acordos coletivos, empregados e empregadores. Para o autor, há muitas variáveis consideradas pela doutrina e jurisprudência, pois há acordos que são criados e logo de cara, são declarados inconstitucionais, ou por sabotarem tributos ou por retirar direitos constitucionalmente garantidos. Há ainda a questão dos sindicatos, trazidos novamente à pauta nesses artigos. Ao inserir a possibilidade de trabalhadores demandarem contra o próprio Sindicato, foi criada uma situação incomum, na qual o autor defende que se trata de uma estratégia política governamental para enfraquecer a atuação sindical.

Ainda em relação ao direito coletivo e aos sindicatos, a Lei 13.467/2017, trouxe algumas modificações profundas, como a nova redação ao artigo 620, por exemplo, que passou a dispor que “as condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho”. Deste modo, as negociações em ambiente de trabalho, se acordadas em ambos os lados da relação laboral, não mais poderá ser oposta por convenção coletiva da classe do trabalhador, acordo este firmado entre os Sindicatos patronais e profissionais. De acordo com João (2017), a reforma trabalhista ainda introduziu outra importante mudança no artigo 468 da CLT, inserindo um parágrafo, de modo contrário à Súmula 372 do TST, que incorporava ao salário as gratificações recebidas ao longo do contrato de trabalho, que gratificações pagas aos empregados, independentemente do tempo em que foi paga, não mais deverá ser incorporada ao contrato de trabalho obrigatoriamente.

Partindo para citações mais rápidas e apenas exemplificativas de mudanças substanciais, outra alteração deveras importante se dá logo no segundo artigo da CLT, que reconfigura o conceito de grupo econômico, que antes da Reforma era entendido pela jurisprudência majoritária dos tribunais e TST como sendo exigível a mera identidade de sócios. Agora, após a edição da nova lei, a mera identidade de sócios não configura mais a criação do grupo do grupo econômico. O artigo 4º também traz mudança substancial, ao retirar o trajeto do trabalhador entre sua casa e o local de trabalho como tempo a disposição do empregador, sendo que agora esse lapso temporal não é mais computado na jornada de trabalho.

Os artigos 75-A, 75-B, 75-C, 75-D e 75-E criam a modalidade de trabalho chamada de Teletrabalho, também chamado de “home office” ou “trabalho a distância”, caracterizado por ser a situação na qual o empregado não se depreende fisicamente ao local de trabalho e sim o realiza externamente, por meio das novas tecnologias de comunicação. No mesmo sentido de criação de novas figuras na relação trabalhista, os artigos 443 e 452-A criam um novo contrato de trabalho, o chamado contrato intermitente, no qual a subordinação não é contínua e o empregado altera períodos de trabalho com períodos ociosos.

Os artigos 545 e 579, entre alguns outros, trazem a troca da compulsoriedade pela facultatividade na questão da contribuição sindical, que agora, para ser descontada, precisa de autorização expressa do Trabalhador. O artigo 775 estabeleceu a contagem em dias úteis, de maneira muito similar ao Código de Processo Civil.

Scalercio (2018) volta a criticar a Reforma Trabalhista, mais precisamente se tratando da criação do artigo 452-A, que autoriza o trabalho variável, popularmente chamado de “bico” na linguagem popular. De acordo com o autor, a criação deste dispositivo legal transferiu ao empregado os riscos do negócio empresarial, tendo criado assim, na opinião do mesmo, uma confusão entre os direitos e deveres das figuras de empregado e empregador, pois ao empregado cabe dispor de sua força de trabalho, abrindo mão de seu tempo livre e recebendo contraprestações por isso, enquanto ao empregador, este sim, cabe arcar com os riscos da atividade empresarial e colher seus lucros quando a mesma corresponde ao objetivo inicial.

Cavalcante e Val (2018), por sua vez, traz as mudanças mais significativas nas questões estruturais do processo trabalhista, como os procedimentos que envolvem os recursos. De acordo com o autor, a Reforma Trabalhista deu nova redação ao artigo 789 da CLT, inserindo agora, além de um parâmetro mínimo, um parâmetro máximo para o pagamento das custas processuais, que antes não era previsto. Outro artigo alterado pela edição da Lei 13.467/2017 foi o artigo 899 da CLT. Que traz o depósito recursal vinculado ao juízo e corrigido com juros de poupança.

Ainda de acordo com os autores citados, outra mudança de impacto foi a modificação dos procedimentos para a Desconsideração da personalidade jurídica na Justiça do Trabalho. A Reforma inseriu o artigo 855-A, que trouxe do Código de Processo de Civil a aplicação, de maneira subsidiária, do instituto da desconsideração da personalidade jurídica para o processo trabalhista.

Por fim, nesta análise das mudanças legislativas de maior repercussão na CLT, a Reforma Trabalhista, nos artigos 790-B e 791-A, inseriu a figura dos honorários advocatícios devidos ao advogado, fixados entre 5 e 15%, bem como a cobrança dos honorários periciais para a parte sucumbente. Este ponto também foi considerado polêmico por alguns dos autores pesquisados neste artigo. Silva (2017) e Scalercio (2018) entendem que a criação deste dispositivo acabará por afugentar os trabalhadores da Justiça do Trabalho, pelo temor da possibilidade de serem condenados a pagar as verbas de sucumbência ao advogado contrário, dinheiro este, que nos casos concretos, os trabalhadores raramente possuem. Porém, Silva (2017) também a ressalva de que este dispositivo inibirá pedidos absurdos feitos ao longo dos anos na Justiça Trabalhista, servindo como uma espécie de filtro entre os fatos que realmente ensejam uma busca à lide trabalhista e os fatos que não passam de mero incômodo passageiro ou petições que buscavam tentar obter algum lucro em cima da rescisão contratual, mesmo sem razões para criação de uma lide trabalhista.

 

Conclusões

Este artigo se propôs a analisar, por meio da leitura comparativa de estudiosos sobre o tema e fazendo também a comparação da redação da nova CLT com a antiga, pré-reforma, se a Lei 13.467/2017, chamada popularmente de Reforma Trabalhista, atingiu seu objetivo anunciado de flexibilizar as relações de trabalho ou se apenas beneficiou um lado da história, no caso os empregadores, como dizem os críticos da Reforma.

Após fazer a leitura acima descrita, torna-se possível fazer uma análise de modo a responder a pergunta suscitada nessa pesquisa. A Reforma Trabalhista, com toda certeza, foi fruto de pressões econômicas e ideológicas de grupos de interesse que deram sustentação ao novo governo do Presidente Michel Temer, que se sucedeu ao impeachment. No entanto, mesmo com todas as ressalvas do contexto em que foi criada, a Reforma Trabalhista pode ser compreendida sim como um marco na flexibilização das normas trabalhistas no Brasil.

A leitura e análise correta precisam ser feitas de maneira separadas, ponto a ponto. Mudanças como a criação do contrato de trabalho intermitente e a revisão do tempo à disposição do empregador no caso de trajetos entre local de trabalho e residência do trabalhador se mostram acertadas na sociedade contemporânea e são bons exemplos de flexibilização de leis trabalhistas. A nova realidade das grandes cidades brasileiras não permite mais a ideia de tempo à disposição do empregador nos trajetos entre local de trabalho e residência. As metrópoles brasileiras, por problemas de superpopulação e planejamento urbano ineficiente, geram ao trabalhador um custo temporal elevado, pois, os deslocamentos entre os locais de trabalho e lazer podem gerar demoras de horas. Não é incomum ver um trabalhador que precisa sair de casa às 05:30h para chegar ao trabalho às 08:00h.

No entanto, esse custo e desgaste não pode mais ficar ao encargo do empregador, que não possui culpa nessa situação e, muitas vezes também, sofre do mesmo tipo de desgaste que seus empregados. Da mesma maneira, a criação do contrato de trabalho intermitente se adapta às novas relações de trabalho que surgem todos os dias nos grandes e médios centros urbanos. Há autores que entendem ser uma modalidade restritiva de direitos, mas, diferentemente destes respeitáveis estudiosos, este autor entende ser uma opção às profissões que antes viviam na informalidade, como garçons e trabalhadores de hotéis, estes sim vulneráveis por relações precárias de trabalho. No mesmo sentido, a criação do Teletrabalho também se encaixa na onda de modernização das relações laborais.

Outra importante mudança na CLT que vem no sentido de flexibilizar normas e dar igualdade na relação processual é a inclusão dos honorários sucumbenciais e periciais, bem como as restrições à condição de hipossuficiência do trabalhador, que agora deve demonstrar com clareza sua condição de pobreza. Estes dispositivos trarão mudanças benéficas e significativas para o bom andamento das lides trabalhistas, pois acabarão os “aventureiros”, que se aproveitavam de sua hipossuficiência para pedir valores absurdos nas reclamações trabalhistas, muitas vezes baseados em direitos escassos e obscuros, pois, na antiga CLT, nada “perderiam”, mesmo que os juízes julgassem o pedido improcedente.

A liberdade fornecida à formulação do contrato de trabalho de maneira individual, mediante negociação direta entre empregado e empregador, assim como o enfraquecimento dos sindicatos, é outra medida de suma importância para flexibilizar as condições de trabalho, pois é cada vez maior, no Brasil, o número de pequenos e microempreendedores, os quais não possuem todo o aparato que as grandes corporações possuem para lidar com as exigências de convenções coletivas de trabalho. A liberdade na hora de negociar o contrato de trabalho beneficia tanto o empregado, quanto o empregador, na hora da construção da relação laboral entre ambos, sendo que qualquer supressão de direitos promovidos pelo empregador será, oportunamente, combatida pelo empregado, por meio da utilização de seus direitos, que se mantiveram intactos.

Já a diminuição do poder dos sindicatos é outro ponto de extrema importância, pois, no Brasil, há milhares de sindicatos, de todos os tipos e para todas as categorias profissionais. Enquanto há sindicatos sérios, que fazem seu trabalho no sentido de orientar seus filiados e lutar pelos direitos coletivos da classe profissional, também há sindicatos que apenas se preocupam em angariar fundos, funcionando quase como empresas, que prestam de maneira ineficiente seus serviços, mas que possuíam uma fonte inesgotável de renda.

A Reforma Trabalhista, diferentemente do que dizem os críticos, não acabará com os sindicatos, apenas fará uma espécie de “seleção natural”, na qual apenas os bons profissionais (sindicatos) permanecerão na ativa para servir seus filiados e lutar pelos interesses da classe profissional a qual representam.

Obviamente, nem tudo é perfeito e a Lei 13.467/2017 também tem seus defeitos. A questão da modificação para reconhecimento de grupo econômico é daquelas mudanças que levam ao cidadão comum desconfiar que a Reforma Trabalhista fosse feita pura e simplesmente para agradar ao empresariado. Com a modificação jurídica e o surgimento da não aceitação da mera identidade societária para configurar grupos econômicos, ficou muito mais fácil para os empresários simular fraudes trabalhistas utilizando diversas empresas sem aparente conexão entre si, mas que pertencem ao mesmo dono ou grupo econômico. Essa modificação, de fato, precariza a identificação de fraudes trabalhistas e o combate à exploração do trabalhador, que se vê em dificuldades para buscar seus direitos contra quem de fato o empregou. A questão da condição feminina no mercado de trabalho também precisa ser revista e as modificações trazidas pela Reforma Trabalhista devem ser analisadas com muita cautela ao longo do tempo, pois a proteção à vida do feto, no caso da trabalhadora gestante, é um princípio muito maior do que qualquer relação de trabalho.

Outra modificação claramente prejudicial aos trabalhadores é a liberalização total da terceirização, mas que, no entanto, não será trabalhada neste artigo, pois apesar de haver clara e notória relação, a terceirização foi editada em lei própria e, portanto, não é tema da pesquisa promovida e pretendida por este artigo.

Por fim, respondendo à pergunta inicialmente formulada no começo deste artigo, é possível dizer sim que a reforma trabalhista promoveu a flexibilização das leis trabalhistas e das relações de trabalho no contexto brasileiro. É impossível negar que tal mudança legislativa foi empreendida por grupos de interesse que se aproximam do empresariado brasileiro e que algumas modificações realmente favorecem o lado patronal nas relações de trabalho. Porém, também é inegável que há maior flexibilidade na maneira de se contratar e ser contratado com a Reforma e que a economia brasileira precisava de um choque como esse para voltar a crescer. Os pontos vulneráveis da reforma ainda precisam ser pacificados pelo Supremo Tribunal Federal e, portanto, o STF dará a palavra final sobre esse dilema jurídico e moral criado junto com a edição da Lei 13.467/2017.

 

Referências

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[1] Disponível em: https://economia.estadao.com.br/blogs/causas-e-marcas/mais-brasil-menos-drama/. <Acesso em 17 de setembro de 2018>