A Lei das Franquias, Lei n.º 8.955/94, é clara, em ser artigo 2º. O franqueador cede ao franqueado, mediante remuneração direta ou indireta, licença de uso de marca, transferência de know how e serviços de apoio à atividade, desenvolvidos por ele, “sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício”. Apesar disso, surgem muitas dúvidas decorrentes do posicionamento dos Tribunais. É preciso observar, no entanto, que esses posicionamentos variam de acordo com o caráter da relação entre franqueadora e franqueada.
A ausência de responsabilidade do franqueador é reconhecida nos casos em que existe uma relação de franquia típica. São duas empresas distintas, com autonomia das pessoas jurídicas. O franqueado é livre para administrar seu negócio e contratar seus próprios funcionários, assumindo os riscos da sua operação, inclusive com relação à remuneração dos seus empregados. Por outro lado, o franqueador não interfere na direção dos negócios do franqueado, embora exista a fiscalização, que se limita à preservação do padrão da franquia, da marca e do próprio sistema.
Verifica-se na análise de recurso de revista pela 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, em abril de 2008: “(…) É de se reconhecer que o vínculo estabelecido entre as empresas, mediante o contrato de franquia, é regido, especificamente, pela lei supramencionada [Lei nº 8.955/94], o que logra afastar a possibilidade de ser reconhecida a terceirização típica de que trata a Súmula nº 331 do TST – obviamente, desde que não haja comprovação de realidade fática distinta, o que não restou configurado nos autos, conforme quadro delineado pelo eg. TRT. Recurso de revista conhecido e desprovido.” (TST-RR-1.141/2001-012-10-00.4)
Entretanto, o que será examinado não é apenas o nome dado ao contrato, mas a realidade verificada no exercício das atividades da franquia. De nada adianta firmar um contrato de franquia em papel, se no dia-a-dia é verificada a subordinação ou ingerência na relação franqueador-franqueado. Na Justiça do Trabalho, segundo o princípio da primazia da realidade, prevalece a relação que existe na prática, o chamado contrato-realidade.
Portanto, é possível existir a responsabilidade solidária do franqueador, sim, mas em casos nos quais o contrato de franquia é desvirtuado e se caracteriza um grupo econômico, quando ocorre ingerência e/ou administração direta do franqueador nos negócios do franqueado, preenchidos os requisitos do art. 2º, §2º da CLT – “Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas”.
Em outro julgado, de abril de 2008, da 4ª turma do TST: “Embora o contrato de franquia (…) não induza a responsabilidade do franqueador pelas dívidas trabalhistas do franqueado, a análise dos elementos dos autos aponta com clareza que entre as reclamadas houve um relacionamento empresarial que envolvia a efetiva ingerência do GRUPO (…), do qual, como já exposto, a recorrente é empresa componente, nas atividades da empresa (…). O que resulta na responsabilização solidária da reclamada.” (TST-AIRR-516/2004-076-15-40.8)
O caso de responsabilidade subsidiária do franqueador acontece pelo reconhecimento de terceirização quando há desvirtuamento do franchising. O franqueador se classifica como tomador de serviços quando é tido como intermediador de mão-de-obra alocada nas unidades franqueadas, ou como beneficiário desta, influenciando diretamente na relação de trabalho entre a franqueada e seus empregados. O item IV da Súmula 331, do TST, para a terceirização, estabelece que “o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços (…)”.
Em abril de 2008, a 7ª Turma do TST “Não reconheceu, contudo, a existência de contrato de franquia entre as reclamadas, visto que pronunciou-se claramente sobre a configuração da terceirização dos serviços realizados em favor da contratante, com a finalidade de atender ao objetivo social da tomadora.” Assim, a Turma “entendeu ser aplicável à hipótese o item IV da Súmula nº 331” no caso e negou provimento ao agravo de instrumento. (TST-AIRR-1256/2003-003-03-40.2).
O contrato típico de franquia não levará ao reconhecimento de grupo econômico ou de terceirização e à conseqüente responsabilização da franqueadora, a não ser quando houver prova de que o contrato foi firmado, mas a verdadeira relação jurídica existente entre as partes está desvirtuada ou oculta.
Uma relação típica de franchising deve atender aos requisitos da Lei 8.955/94. Em primeiro lugar, é preciso manter as empresas autônomas, independentes e distintas. Isso significa também evitar qualquer ingerência do franqueador na administração do negócio do franqueado. É preciso delimitar responsabilidades e definir as obrigações de cada uma das partes e ter em mente que os riscos do sucesso ou insucesso da unidade são exclusivos do franqueado.
A fiscalização por parte do franqueador sempre existirá, contanto que seja limitada à preservação do padrão da franquia e do próprio sistema, zelando pela imagem da marca. Qualquer ato que extrapole tal propósito poderá implicar a responsabilização do próprio franqueador por obrigações decorrentes do eventual insucesso do franqueado.
Informações Sobre o Autor
Fernando Tardioli
Advogado de Direito Empresarial e sócio do escritório Correia da Silva Advogados