Sumário: 1. Introdução – 2. Das diferenças entre Fraude de Execução e Fraude contra Credores – 3. Da Análise do Art. 593, I, do CPC e a Boa-Fé do Adquirente – 4. Conclusão – 5. Notas – 6. Bibliografia.
1. Introdução
O presente trabalho tem como finalidade principal a assimilação de conhecimentos a respeito de um dos institutos de maior importância existente no ordenamento jurídico processual brasileiro: a fraude de execução.
A fraude de execução é instituto de Direito Processual, um incidente do processo, que não depende de ação própria para ser declarada. Seu reconhecimento leva à ineficácia da alienação em relação ao credor prejudicado (exeqüente).
A fraude de execução tem sido considerada pela doutrina como ato contra a dignidade da justiça, na medida em que visa tornar ineficaz a ação judicial em curso. Com isso tem sido entendido como matéria de interesse e direito público.
É importante ressaltar que não se confunde com a fraude contra credores, prevista nos arts. 158 e ss., do Código Civil Brasileiro. Esta última também é uma forma de alienação fraudulenta, mas são essencialmente distintas, conforme veremos a seguir.
Analisaremos também, a questão da relevância da existência da boa-fé do adquirente, para efeito de tornar a alienação eficaz também em face do credor, matéria muito debatida atualmente, pela doutrina e, principalmente, pela jurisprudência.
Por fim, ressalta-se que a fraude de execução é uma das matérias que mais tem suscitado controvérsias nos tribunais, especialmente no que se refere à ciência e boa-fé do adquirente e ao ônus da prova.
2. Das Diferenças entre Fraude de Execução e Fraude contra Credores
É necessário, para um melhor entendimento, diferenciar as duas figuras de alienação fraudulenta: fraude de execução e fraude contra credores.
Ambas compreendem atos de disposição de bens ou direitos com o propósito de prejudicar o credor, desfalcando o patrimônio que lhe serviria de garantia.
A fraude contra credores tem como pressupostos o dano (eventus damni) e a fraude (consilium fraudis). O dano consiste no prejuízo da garantia dos credores, devido à situação de insolvência do devedor, enquanto a fraude vem a ser a consciência de que a alienação causaria dano aos credores (ou a possibilidade de previsão deste dano). Caracteriza-se por qualquer ato de disposição patrimonial praticado pelo devedor já insolvente, ou que por esse ato foi levado à insolvência. Ocorre antes da ação judicial contra o alienante.
A fraude de execução, por sua vez, só pode ocorrer quando a alienação se dá no curso da ação judicial contra o alienante, e não é necessário que o devedor seja insolvente. Ainda, conforme a doutrina tradicional, não é necessária a prova do consilium fraudis, que se presume. Porém, o entendimento jurisprudencial vem se manifestando de forma distinta a esse respeito, dando maior relevância ao elemento subjetivo também na fraude de execução, conforme veremos mais detalhadamente no próximo item do presente trabalho.
Observa-se ainda, que a fraude contra credores destina-se apenas a atingir os interesses dos credores em particular, ao passo que a fraude de execução é mais grave: além de prejudicar os credores, viola o próprio desenvolvimento da atividade jurisdicional do Estado. Por ser de interesse público, esta última é tratada de forma mais enérgica pelo ordenamento jurídico.
Com relação aos seus efeitos, ressalta-se a diferença básica entre as duas espécies de alienação fraudulenta: enquanto a fraude contra credores gera anulação do ato tido como prejudicial ao credor, assegurando-lhe a ação revocatória (ação pauliana), os atos praticados pelo devedor em fraude de execução não dependem de nenhuma ação para sua anulação. São considerados ineficazes contra o credor, ou seja, a execução segue normalmente, como se a alienação ou oneração não tivessem ocorrido. Não se fala em nulidade ou anulabilidade, mas sim em ineficácia em relação ao credor prejudicado, sendo que o ato continua válido e eficaz perante terceiros.
Ainda, em virtude de ser ato atentatório à dignidade da justiça (art. 600 do CPC), em caso de fraude de execução o devedor está sujeito à aplicação de multa prevista pelo art. 601 do Código de Processo Civil.[1]
3. Da Análise do Art. 593, I, do CPC e a Boa-Fé do Adquirente
Sobre fraude de execução, assim dispõe o art. 593 do CPC:
“Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens:
I – quando sobre eles pender ação fundada em direito real;
II – quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência;
III – nos demais casos expressos em lei.”
Para o nosso estudo, interessa a análise do inciso I: quando o bem é objeto de litígio.
Refere-se à possibilidade de existir uma ação reivindicatória, ou outra ação fundada em direito real. O direito real é um vínculo que liga uma coisa a uma pessoa. É um direito absoluto, por ser oponível a todos (erga omnes). O titular do direito real possui o chamado direito de seqüela, ou seja, tem o direito de reivindicar a coisa e retirá-la do poder de quem a detenha.
Observa-se que o inciso I alcança até mesmo a alienação ou oneração de bens efetuada antes do julgamento definitivo da causa, ou seja, quando estiver em curso ação fundada em direito real.
É importante ressaltar que, para configurar a fraude de execução prevista no inciso I, basta a simples transmissão de bem sobre o qual pende ação real. Não importa se o executado não foi reduzido à insolvência pela alienação, nem se ele possui outros bens.
É inadmissível fraude de execução antes da citação do réu, pois só a partir dela é que se pode falar em ação pendente. O que há, neste caso, é a fraude contra credores. A esse respeito, posiciona-se a jurisprudência: ”Fraude à execução – Configuração – Existência somente a partir do surgimento da litispendência – Necessidade de citação válida, não bastando o ajuizamento da ação.” [2]
Com relação à necessidade da inscrição, no Registro Imobiliário, da citação da ação real para configurar fraude de execução, há duas hipóteses a considerar:
1ª) se a citação estiver inscrita no Registro Imobiliário, a fraude independe de prova, porque se presume do fato do registro, pelo qual se tem registrado como do conhecimento de todos e, portanto, do adquirente dos bens ou daquele em favor de quem foi feita a sua oneração;
2ª) não tendo a citação sido levada àquele Registro, conquanto ainda aí exista a fraude, cumpre ao exeqüente […] provar que o terceiro adquirente ou beneficiário com a oneração dos bens tinha conhecimento da ação pendente contra o alienante ou instituidor de ônus real. [3]
Logo, conclui-se que não é obrigatório o registro da citação. Havendo esse registro, o adquirente não poderá alegar que desconhecia a existência da ação. No entanto, inexistindo o registro, ao credor cabe o ônus de provar a ciência, pelo terceiro, da existência da demanda pendente contra o alienante.
A esse respeito, observa-se a jurisprudência a seguir:
“Compra e venda de imóvel. Boa-fé. Fraude à execução. O embargante adquire imóvel, estando de boa-fé, em data em que o registro imobiliário do bem não indicava qualquer restrição à venda. O adquirente do imóvel não está obrigado a investigar toda a cadeia de transferência do veículo. Não basta o ajuizamento de ação contra o devedor. É indispensável a publicidade da penhora do bem, mediante o respectivo Registro de Imóveis. Sem tal providência, aquele que adquirir o bem presume-se não ter conhecimento da pendência de processo capaz de conduzir o executado em insolvência. […]” [4]
A boa fé do adquirente tem sido objeto de grande discussão da doutrina e, principalmente, da jurisprudência.
A questão não é pacífica, mas, conforme afirma THEODORO JÚNIOR, a jurisprudência […] passou a condicionar a alienação em fraude de execução ao conhecimento real ou presuntivo do terceiro adquirente acerca da existência da ação real pendente sobre o bem litigioso […]” [5]
Mais especificamente, o entendimento jurisprudencial, atualmente, considera necessário verificar se o adquirente tinha conhecimento da fraude de execução (consilium fraudis) ou pelo menos tinha condições de saber, através das informações colocadas ao seu alcance. Sobre o posicionamento da jurisprudência, destaca-se:
“Adquirente de boa-fé. A anulação de negócios jurídicos de compra e venda pela ocorrência de fraude à execução exige a prova do ‘consilium fraudis’ em todos os negócios celebrados dentro da cadeia contratual, inclusive do atual proprietário do bem. Proteção do subadquirente, como terceiro de boa-fé, que não tinha conhecimento de eventuais irregularidades que maculassem o bem ou o negócio anterior.” [6]
Finalmente, cumpre distinguir entre a hipótese de o terceiro adquirente ser prejudicado pela existência de uma ação que ele desconhecia por descuido seu, daquela situação em que ele é prejudicado pela existência de uma ação que não lhe era possível conhecer. Alguns doutrinadores consideram que só pode entender-se como de boa-fé, aquele indivíduo que toma o mínimo de cautelas necessárias para a sua segurança jurídica, ao adquirir um bem.
4.Conclusão
Diante do exposto, conclui-se que a fraude de execução é uma das figuras de alienação fraudulenta que mais causa prejuízos à boa fé e à segurança dos negócios jurídicos.
Exige a alienação ou oneração de um bem na pendência de um processo condenatório ou executório para a sua configuração. Vimos que é indispensável a citação do réu antes de considerar uma ação pendente, o que nos leva a deduzir que simples protestos não geram fraude de execução.
Ainda, ao contrário da fraude contra credores, que necessita da ação pauliana, a fraude de execução dispensa ação para desconstituir ou anular o ato de disposição fraudulenta, pois este não é nulo ou anulável, mas simplesmente ineficaz perante o credor prejudicado. Comprovou-se que ambas são modalidades de disposição fraudulenta, mas distintas uma da outra.
Com relação ao registro da citação, conclui-se que não é obrigatório. Porém, na inexistência deste, cabe ao credor comprovar que o terceiro adquirente agiu de má-fé, estando ciente da existência da demanda.
É mais grave do que a fraude contra credores, pois se dá no curso de um processo judicial, não agredindo somente o credor, mas a própria atividade jurisdicional do Estado. Nesse contexto, é atentatória à dignidade da justiça.
A questão da boa fé do terceiro adquirente é matéria de grande discussão atualmente. Constatou-se que a doutrina diverge da jurisprudência neste aspecto, uma vez que o entendimento doutrinário tradicional não considera relevante para a caracterização de fraude de execução, se o adquirente estava ou não de boa fé.
No entanto, a jurisprudência vem se posicionando de forma a condicionar a caracterização fraude de execução ao conhecimento real ou presuntivo da demanda em curso, por parte do terceiro adquirente. Este entendimento assegura que o comprador de boa fé sofra o menor prejuízo possível.
Por fim, o objetivo do instituto da fraude de execução é dar maior segurança às relações jurídicas. Mais especificamente, não permite que, no curso de um processo, o devedor aliene bens, frustrando a execução e impedindo a satisfação do credor mediante a expropriação de bens, que é a finalidade principal do processo de execução.
Informações Sobre o Autor
Carla Pires Tavares
Estudante do Curso de Direito da Universidade Federal de Rio Grande (FURG).
Pelotas/RS