Fundamentos da efetividade do Direito

1. Teorias sobre a efetividade do
Direito

Uma das mais destacadas funções do
Direito é o exercício do controle social, através da criação de normas que
regularão as condutas dos indivíduos no contexto da sociedade.

O professor Machado Neto1 vai mais além, ao sustentar que a
função do Direito é: “… a de socializador em
última instância, pois sua presença e sua atuação só se faz
necessária quando já as anteriores barreiras que a sociedade ergue contra a
conduta anti-social foram ultrapassadas…”.

Com esse objetivo regulador das
atividades desenvolvidas no seio da comunidade, será criado um elemento
cultural, pois, oriundo do desempenho intelectual dos seres humanos, o Direito.

Entretanto, a pura e simples criação do
Direito não garante sua obediência. É preciso descobrir quais são os atributos
que permitem a sua realização efetiva.

Não se duvida que o Ordenamento
Jurídico de um Estado, mesmo que não  conhecido totalmente pelos
indivíduos que vivem em seu território, é respeitado voluntariamente pela grande
maioria da população.

Tal fenômeno sociológico é muito
intrigante e tem sido objeto das pesquisas de inúmeros sociólogos e filósofos
do Direito. Indagam a respeito das circunstâncias que levariam a essa
realidade, ou seja, quais seriam os verdadeiros fundamentos da efetividade do
Direito?

Para alguns, os contratualistas,
a efetividade se daria a partir da matriz criadora do Direito, vindo o homem a
abrir mão de parcela de sua autonomia para viver harmoniosamente em sociedade,
delegando essa parte de sua liberdade a um ente superior e aparelhado para
exercer o controle social: o Estado.

Esse parece ser o posicionamento de
Jean Jacques Rosseau2,
quando afirma: “Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder
sob a suprema direção da vontade geral; e recebemos, coletivamente, cada membro
como parte indivisível do todo… Essa pessoa pública, assim formada pela união
de todas as demais, tomava outrora o nome de Cidade, e hoje o de República ou
de corpo político, o qual é chamado por seus membros de Estado…”.

Outros acreditam que somente a coação é
capaz de fazer com que os indivíduos respeitem as normas emanadas do Estado,
pois, viveriam em permanente receio de que sobre eles recaísse o aparelho
repressor do ente estatal, trata-se da corrente clássica ou durkheiminiana.

Conforme a lição de  Jean
Carbonnier3 a efetividade do Direito repousa na
idéia de que: “… a norma, sendo feita para se aplicar, requer uma coação
que assegure a sua aplicação. A sociedade que produz as normas produz também uma
coação que se exerce sobre o que se desvia de sua observância…a
coação do direito, dir-se-á então, é a que tem a sua origem num órgão
diferenciado, especializado. O órgão que tem o nome de Estado nas sociedades
modernas é constituído pelos governantes, pelos chefes, pelos detentores do
poder.”.

A argumentação acima descrita talvez
servisse para justificar a efetividade do Direito Penal, habitat natural das
normas coativas e da repressão estatal, mas como fazer para explicar a coação
em normas de âmbito privado ou as chamadas normas promocionais, que ao invés de
punir o indivíduo o premiam quando executam certas atividades?

Ademais, mesmo que o staff jurídico,
responsável pela  aplicação  do aparato judicial, utilize-se
indiscriminadamente da coação, não poderá garantir o cumprimento voluntário do
Direito, como bem demonstra Manfred Rehbinder4: “Los medios coactivos conducen, por lo general, sólo a la imposición
de la norma, pero no a su acatamiento. Si el Derecho normativamente
válido debe transformarse también en eficaz, entonces no es suficiente para eso
la protección de retaguardia del staff jurídico, la possibilidad de la imposición de la norma en caso de necessidad.”.

Existe, ainda, uma vertente sociológica
encabeçada por NiKlas
Luhmann5, um estruturalista para quem o Direito
se efetiva e se torna legítimo através da utilização do procedimento, que
formalmente iguala a todos os indivíduos, dando-lhes possibilidades idênticas
de se submeter às formas de resolução de conflitos estipuladas pelo Estado.

O grande problema da teoria de Luhmann é o fato da despreocupação com os aspectos
materiais envolvidos nos conflitos de interesses contidos no meio social,
despreza, portanto, as desigualdades materiais existentes entre os membros da
coletividade, além de partir da premissa errônea de que eles aceitarão as
decisões do aparelho estatal somente porque tiveram acesso ao procedimento.

Finalmente, há de mencionar a teoria da
racionalidade progressiva, de autoria de Max Weber6, que embasa sua teoria sobre a efetividade
do Direito numa implementação gradativa da  compreensão dos fatos
jurídicos pelos indivíduos, envolvidos em um processo de evolução tendente a
levá-los de um estágio de irracionalidade, onde aceitariam as normas jurídicas
sem qualquer questionamento, a um outro patamar de ampla racionalidade, onde
suas condutas se amoldariam às normas por escolhas conscientes.

Entendemos ser essa a teoria que mais
se adapta aos modernos contornos das Ciências Jurídicas, mas será preciso
complementá-la com outros elementos que ajudarão a
análise do problema, bem como não desconsiderar que o contrato social, a coação
e o procedimento são meios auxiliares para garantir a efetividade do Direito.

2.
A
racionalidade como fundamento da efetividade do direito

Concordamos com a alegação de Weber que
é a crescente racionalidade que poderá efetivar a realização do Direito, mesmo
que não se abra mão dos demais métodos de garanti-la.

Pressuposto do Estado moderno é seu
caráter democrático, porque não haveria espaço, nos dias atuais, para um modelo
totalitário, a serviço da vontade de uma minoria de tiranos ou déspotas.

Dentro dessa estrutura estatal, deve-se
presumir que os detentores do poder sejam escolhidos por mecanismos
formalmente democráticos e regulares, portanto portadores do mandato popular
para a criação e aplicação do Direito, que refletirá as concepções reinantes na
sociedade.

A autoridade estabelecida dessa forma
deve apoiar suas ações na racionalidade, como acentua Carl Friedrich7: “autoridade e razão estão
intimamente ligadas e, na realidade, desenvolvem a proposição de que grande
parte da autoridade repousa sobre a capacidade para emitir comunicações que são
capazes de elaboração racional e de que a autoridade que não se apóia assim é
débil e de vida curta.”.

Terá, pois, que espelhar a carga
axiológica, o núcleo de valores essenciais que dominam o âmbito social naquele
determinado momento histórico. Quanto maior for essa aproximação da norma
estatal posta com os valores superiores conformadores
da coletividade, maior será a legitimidade do Direito, e, por conseqüência,
maior a aceitação racional e efetividade do Direito neste Estado.

Ainda no magistério de Carl Friedrich8: “O detentor do poder compartilha
com seus seguidores, total ou parcialmente, esses valores e crenças, podendo,
assim, o que faz muitas vezes, explicar a seus seguidores as razões de ter
agido de um certo modo. Trata-se de uma situação
comum, que se repete em toda a política.”.

Porém, não se pode ouvidar
o fato de que o indivíduo somente aumentará sua participação e integração nos
desígnios da sociedade a partir do instante em que se inteirar sobre quais são
as normas que regulamentam a sua conduta social, ou ao menos exercitar uma
consciência jurídica geral a respeito da ordem jurídica.

Dentro do caminho aberto por Weber,
devemos destacar que ao ampliar o seu conhecimento jurídico o homem deixa seu
estágio de irracionalidade e busca a transição para um estado de participação
racional na coletividade.

Abandona o seu papel de mero destinatário
das normas ou espectador nos processos de decisão e passa a ser atuante na sua
confecção e aplicação, uma vez que, atinge o nível de plenitude de cidadania.

Todavia, ao homem comum não é dado o
conhecimento pleno do Direito, talvez nem mesmo ao jurista, por isso, podemos
nos contentar quando o indivíduo consegue adquirir um aprofundamento suficiente
na cognição das normas contidas em seu ordenamento jurídico.

A aquisição será bastante quando,
segundo Manfred Rehbinder9
o cidadão puder dispor de:”1. De informaciones fundamentales (conocimiento de las líneas fundamentales de la Constitución
del Estado, orientación
general sobre los fundamentos de los
m´s importantes ámbitos del Derecho y conocimiento
de la possibilidad de alcanzar conocimientos más detallados.

2.   De informaciones
que son indispensables teniendo en cuenta
las esigencias de
determinados roles sociales.

3.   De informaciones
que son necessarias para cuando se há de tomar una decisión
( conocimientos a los que se acude en caso de necessidad).”.

Destaca o grande sociólogo alemão que
existiria uma convicção de lealdade ao direito, um sentimento de justiça, uma
obrigação moral de acatamento ao direito legítimo formal e materialmente
constituído, sentimento ao qual dá o nome de ethos
jurídico,
um núcleo de valores mínimos intrínsecos ao próprio ser humano.

Aquele que opera com o Direito terá de
apurar sua compreensão do ordenamento jurídico, sendo sua missão na sociedade é
democratizar e universalizar tal conhecimento, visando fazer crescer a parcela
de indivíduos atuantes na sociedade.

Assegurarão, então, que os conflitos
sociais sejam minorados e que, os que restarem possam ser compostos
racionalmente pelo Direito com o menor sacrifício de interesses em
choque.

Dessa forma, também, imprescindível
será a atribuição  do sociólogo jurídico que deverá ser sempre capaz
de captar e fornecer aos criadores e aplicadores do  Direito o melhor
retrato da realidade valorativa existente na sociedade, para que a criação das
leis ou as tomadas de decisões sejam revestidas da maior legitimidade e
atualidade possível, conseguindo a efetividade do Direito como garantidor do
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana..

Portanto, no sentir de Renato Trevis10: “La Sociología del Derecho sigue, en efecto
, la vía de la experiencia y tiene como objeto de estudio un Derecho realativo
y variable, indissolublemente
ligado al contexto social.”,
não pode pois, furtar-se de exercer esse
desiderato.

Conclusão

O melhor critério para fundamentar a
efetividade do Direito é o da racionalidade porque:

· impede que seja a coação desmedida
por parte dos detentores do poder, em virtude da ligação estreita entre o
direito racional e a legitimidade;

· a legitimidade do direito estreitada
pela racionalidade é o substrato para a aceitação voluntária e pacífica dos
preceitos contidos na norma;

· estimula o interesse do cidadão pelo
processo de confecção e aplicação do direito;

· facilita a compreensão dos direitos e
deveres de que os indivíduos são titulares;

· responsabiliza os operadores do
direito pela difusão dos preceitos contidos no ordenamento jurídico;

· acentua a importância das pesquisas
sociológicas na orientação dos legisladores e demais aplicadores do
direito.

 

Bibliografia

CARBONNIER, Jean, Sociologia Jurídica. Trad. Diogo Leite de Campos. Coimbra. Livraria Almedina. 1979.

FRIEDRICH, Carl, Tradição e Autoridade em Ciência
Política. Trad. Fernando de Castro
Ferro. Rio de Janeiro, Zahar Editores. 1974.

LAKATOS, Eva Maria, Sociologia Geral.
São Paulo. Editora Atlas. 5ª Ed. 1987.

LUHMANN, Niklas,
Legitimação pelo Processo. Trad. Maria da conceição
Corte Real. Brasília. Editora da Universidade de Brasília. 1980.

MACHADO NETO, Sociologia Jurídica. São
Paulo, Editora Saraiva. 1973. 2ª Ed. Revista e Ampliada.

REHBINDER, Manfred, Sociología del Derecho. Trad. Gregorio Robles Morchón.
Madrid. Ediciones Pirámide S/A . 1981.

ROUSSEAU, Jean Jacques, O Contrato
Social. Trad. Antônio de Pádua Denasi.
São Paulo. Martins Fontes. 1989.

TREVIS, Renato, La Sociología del Derecho: Orígenes, investigaciones, problimas.
Barcelona. Editorial Ariel S/A . 1988.

WEBER, Max, Economía
y Sociedad.  México, Fondo
de Cultura Económica. 2ª Ed. 1974.

Notas

1. Vide Machado Neto, Sociologia Jurídica.
São Paulo, Editora Saraiva, 1973. 2ª Ed.  Revista
e ampliada. Pág. 166.

2. Vide Jean Jacques Rousseau, O
Contrato Social. Trad. Antônio de Pádua Danesi. São Paulo. Martins Fontes. 1989. Págs. 20 e
21.

3.  Vide Jean Carbonnier,
Sociologia Jurídica. Trad. Diogo Leite de Campos.
Coimbra, Livraria Almedina. 1979, pág. 192.

4.  Vide Manfred Rehbinder, Sociología del Derecho.
Trad. Gregorio Robles Morchón. Madrid. Ediciones Pirámide. 1981, pág.
176.

5.  Vide Niklas
Luhmann, Legitimidade pelo Procedimento. Trad. Maria da Conceição Corte Real. Brasília, Editora da
Unb. 1980.

6.  Vide Max Weber, Economía y  Sociedad,
México, Fondo de Cultura Económica.
2ª Ed. 1974.

7.  Vide Carl Friedrich,
Tradição e Autoridade em Ciência Política. Trad.
Fernando de Castro Ferro. Rio de Janeiro. Zahar
Editores. 1974. Pág. 50.

8.  Vide Carl Friedrich, Ob. Cit. Pág. 59.

9.  Vide
Manfred Rehbinder. Ob. Cit. Pág. 59.

10.Vide Renato Trevis, La Sociología
del Derecho: Orígenes, Investigaciones e problemas. Barcelona, Editorial Ariel S/ª
1988. Pág. 20.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Fábio da Silva Porto

 

Professor de Direito Comercial e Administrativo na FURG/RS Advogado da União no Rio Grande/RS

 


 

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