Funrural. Inconstitucionalidade declarada pelo STF

O Funrural foi declarado inconstitucional pelo STF, por ter como base de cálculo a receita bruta ao invés do faturamento, na mesma linha do decidido em relação a Cofins.


Como se recorda, o STF declarou a inconstitucionalidade do § 1º, do art. 3º, da Lei nº 9.718/1998, que alterou a base de cálculo da Cofins de faturamento para receita bruta, porque o nosso sistema jurídico não reconhece a figura da constitucionalidade superveniente[1].


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A recepção é um princípio de continuação, ou seja, o direito não conflitante com a ordem constitucional antiga continua valendo sob nova ordem que o recepciona no que não lhe for contrário. Daí a impossibilidade jurídica de recepção de dispositivo inconstitucional, ou na dicção do STF, de constitucionalidade superveniente.


Antes do advento da EC nº 20/98 a contribuição social só podia incidir sobre o faturamento, consoante redação original do inciso I, do art. 195, da CF. Somente a partir da EC nº 20/98 a legislação ordinária pode utilizar como base de cálculo da contribuição social a receita bruta que, sem dúvida alguma, apresenta um conceito mais amplo que faturamento.


O STF declarou a inconstitucionalidade dos arts. 25, incisos I e II, e 30, inciso IV da Lei nº 8.212/91, nas redações conferidas pelo art. 1º, da Lei nº 8.540/92, com a redação atualizada até a Lei nº 9.528/97, até que legislação nova venha instituir a contribuição social arrimada na Ementa Constitucional nº 20/98.


A Corte Suprema deu provimento a Recurso Extraordinário para “desobrigar os recorrentes da retenção e do recolhimento da contribuição social ou do seu recolhimento por subrrogação sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural de empregadores, pessoas naturais, fornecedores de bovinos para abate”[2].


A modulação de efeitos requerida pela União foi rejeitada, por maioria de votos, de sorte que a decisão terá efeito ex tunc.


Os dispositivos declarados inconstitucionais têm a seguinte redação:


“Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de:


I – 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção


II – 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento das prestações por acidente do trabalho.”


“Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas: (…)


IV – a empresa adquirente, consumidora ou consignatária ou a cooperativa ficam sub-rogadas nas obrigações da pessoa física de que trata a alínea “a” do inciso V do art. 12 e do segurado especial pelo cumprimento das obrigações do art. 25 desta Lei, independentemente de as operações de venda ou consignação terem sido realizadas diretamente com o produtor ou com intermediário pessoa física, exceto no caso do inciso X deste artigo, na forma estabelecida em regulamento”.


A decisão do Plenário da Corte Suprema foi proferida no exercício do controle difuso de constitucionalidade, ou seja, nos autos do RE nº 363.852 em que figura como recorrente o Frigorífico Mataboi SA, de Araguari- MG, pelo que não tem efeito vinculante.


A suspensão da aplicação dos dispositivos fulminados depende da Resolução do Senado Federal. Contudo, seria uma temeridade a continuidade de cobrança do Funrural, pois, praticamente irreversível a jurisprudência firmada pela Corte Suprema.


Interessante notar que, no caso concreto, que a incidência da contribuição social sobre “receita bruta proveniente da comercialização da produção rural” coincide com o conceito de faturamento da produção rural. A receita bruta, sem o qualificativo “proveniente da comercialização da produção rural”, é um conceito mais abrangente que o de faturamento, pois abarca as receitas não operacionais. Contudo, com aquele qualificativo constante da decisão sob exame, que reproduz o que está nos incisos I e II, do art. 25 da Lei nº 8.212/91, os conceitos se equivalem. De fato, receita bruta decorrente proveniente de comercialização da produção rural, por implicar exclusão de outros tipos de receitas (juros, alugueres, ágio na venda de ativos financeiros etc.) coincide rigorosamente com o conceito de faturamento da produção rural.


Contudo, o STF decidiu na mesma linha da legislação da Cofins que alude à receita bruta em geral, sem se restringir àquela proveniente da venda de mercadorias e serviços.


A alteração da base de cálculo, um dos elementos integrativos do fato gerador da obrigação tributária, acarreta, sem dúvida alguma, a alteração da natureza jurídica do tributo.


Sob essa ótica foram declarados inconstitucionais os dispositivos legais apontados. Essa decisão, sem efeito modulatório, certamente, causará o ajuizamento de ações de repetição de indébito das contribuições sociais recolhidas e ainda não atingidas pela prescrição tributária.


A Corte Suprema, declarou, ainda, a inconstitucionalidade dos incisos V e VII, do art. 12, da Lei nº 8.212/91, referidos no art. 25 da mesma Lei. O inciso V inclui como contribuinte individual da Previdência Social as pessoas físicas enumeradas nas alíneas “a” a “h”. O inciso VII inclui como segurado especial da Previdência Social a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar desenvolva atividades nas condições enumeradas nas alíneas “a” a “c”.


O V. Acórdão ainda não foi publicado, pelo que não é possível o exame aprofundado quanto as razões da inconstitucionalidade. Contudo, ante o precedente da declaração de inconstitucionalidade da alínea “h”, do inciso I, do art. 12, da Lei nº 8.212/91, que havia incluído os parlamentares como segurados obrigatórios da Previdência Social implicando criação de nova fonte de receita daquela autarquia federal[3], pode-se concluir que a ausência da formalidade da lei complementar foi a causa da declaração de inconstitucionalidade.


Efetivamente, a inclusão de novos segurados obrigatórios, ora com a denominação de contribuinte individual (inciso V, do art. 12), ora com a denominação de segurado especial (inciso VII, do art. 12) implicou criação de nova fonte de receita da Seguridade Social a exigir a formalidade de lei complementar nos termos do § 4º, do art. 195, c.c art. 154, I, da CF.


 


Notas:

[1] RE nº 357.950-RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 6-2-2006.

[2] RE nº 363.852/MG, Rel. Min Marco Aurélio, j. em 3-2-2010.

[3] RE nº 351.717-PR, Rel. Min. Carlos Velloso, J. em 8-10-03;


Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


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