Grave crise da Lei de Improbidade Administrativa: Reclamação 2138-6 e Ação Direta de Inconstitucionalidade 2182-DF

1. Introdução

A Lei de Improbidade Administrativa, conhecida vulgarmente como lei do colarinho branco, nasceu com o clamor de moralizar a atuação na Administração Pública.

Quando de sua edição, muito se comemorou, pois entrava para o cenário jurídico, norma que dispunha sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na Administração Pública direta, indireta e fundacional¹.

Qualquer ato que importasse enriquecimento ilícito², dano ao erário³ ou violação de princípios da Administração Pública4, seria passível de punição, independentemente das sanções penais, civis e administrativas5.

Assim, aparentava ser uma norma implacável, apta a punir agentes públicos e/ou terceiros ímprobos.

2. Da Reclamação 2138-6

O conceito de agente público é amplo. Com efeito, faz menção a todo tipo de servidor que, direta ou indiretamente, pratique ato contra a Administração Pública.

Todavia, há o entendimento que os agentes políticos, Presidente da República, por exemplo, não respondem por ato de improbidade administrativa, uma vez que respondem apenas por crimes de responsabilidade.

Destarte, o entendimento acima sufragado ganhou vida com a Reclamação 2138-6, que esta em curso no Supremo Tribunal Federal.

Por esta Reclamação, argumenta-se que os agentes políticos não estão sujeitos à processo decorrente da prática de atos de improbidade administrativa.

Para alegria de alguns e tristeza de outros, cumpre ressaltar, que houve a concessão de medida liminar, acolhendo provisoriamente a tese sustentada pelo autor da Reclamação. Ademais, no Pretório Excelso, seis já são os ministros que defendem a não aplicabilidade da Lei 8.429/92 aos agentes políticos, quais sejam: Ministros Nelson Jobim, Relator, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Maurício Corrêa, Ilmar Galvão e Cezar Peluso.

Outrossim, em que pese a respeitável inteligência contrária, tem entendido o Superior Tribunal de Justiça, em razão da pendência do julgamento pelo STF da Reclamação 2138-6, que é questão prejudicial a justificar a suspensão do processo, até julgamento da Reclamação.

Nesse sentido:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.  IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EX-PREFEITO. SUSPENSÃO DO PROCESSO. PREJUDICIALIDADE EXTERNA. RECLAMAÇÃO EM TRÂMITE NO STF.

I – Trata-se de ação civil pública, na qual se busca a condenação do Município e de seu ex-prefeito por atos de improbidade administrativa praticados durante sua gestão, a teor do art. 11, caput, da Lei nº 8.429/92. II – Deve ser mantido o acórdão que determinou a suspensão do processo em apreço, a teor do art. 265, inciso IV, alínea “a”, do CPC, até o julgamento final da Reclamação nº 2.138-9, em curso perante o STF, em face da relevância de tal julgado ao presente pleito. III – A Reclamação nº 2.138-9 cuida da adequação dos agentes políticos ao regime previsto na Lei de Improbidade Administrativa, o que pode levar à extinção da presente ação civil pública, por estar fulcrada em dispositivo da citada norma. IV – Recurso especial improvido. Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.  Os Srs. Ministros LUIZ FUX, TEORI ALBINO ZAVASCKI, DENISE ARRUDA e JOSÉ DELGADO votaram com o Sr. Ministro Relator. DJ 04.04.2005 p. 216 (negrito nosso)

3. Da ADI 2182/DF

O Partido Trabalhista Nacional – PTN ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade 2182 contra a Lei 8.429/92, afirmando que seu texto é totalmente inconstitucional.

Argumenta que há vício formal na elaboração da Lei de Improbidade Administrativa, sendo que ela teria sido sancionada sem ser submetida ao processo legislativo bicameral, preconizado no art. 65 da Carta Constituinte, cuja redação é a seguinte, “in verbis”:

“Art. 65. O projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra, em um só turno de discussão e votação, e enviado à sanção ou promulgação, se a Casa revisora o aprovar, ou arquivado, se o rejeitar.

Parágrafo único. Sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora”.

Desta feita, o dispositivo acima determina que todo projeto aprovado em uma das Casas do Congresso Nacional deve ser revisto pela outra, ou seja, o projeto aprovado pela Câmara, deve ser revisto pelo Senado e, o projeto aprovado pelo Senado, deve ser revisto pela Câmara.

Como dispõe o art. 65 da CF/88, caso a Casa revisora aprove o projeto, este poderá se tornar lei; todavia, se a Casa revisora o rejeitar, o projeto deverá ser arquivado.

Na presente ADI, três ministros já se manifestaram sobre seu conteúdo. Porém, ainda não há entendimento pacífico quanto a inconstitucionalidade da Lei 8.429/92. Assim, cumpre apontar as teorias conflitantes.

Para o Ministro Relator da ação, Marco Aurélio, no caso em tela, o processo legislativo bicameral foi realmente violado. Destacou que:

“O projeto de lei foi encaminhado à Câmara dos Deputados pelo Executivo, onde foi aprovado. No Senado, ele teria sido totalmente modificado por meio de substitutivo. Ao voltar para a Câmara, o projeto teria sido mais uma vez modificado. Porém, em vez de ser arquivado ou voltar para o Senado (que atuaria como Casa revisora), o projeto foi encaminhado à sanção presidencial 6. (grifo nosso)

Convém obtemperar que, embora o PTN, autor da ADI, não tenha suscitado a analise da constitucionalidade material da Lei de Improbidade, o Ministro Marco Aurélio levantou questão de ordem para saber a posição do colegiado sobre esta analise.

A fim de elucidar a materialidade da norma, decidiu sabiamente o Plenário do STF, que concluirá a votação sobre a questão de ordem para, depois, votar o mérito da ação.

Entretanto, o Ministro Ricardo Lewandowski e a Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha não acompanham o relator, asseverando que a alteração realizada pelo Senado foi meramente formal, e não material.7

O Ministro Lewandowski expressa o seguinte posicionamento:

“Entendo que não há dúvida que o projeto enviado pelo Senado Federal à apreciação da Câmara dos Deputados, a que se denominou de substitutivo, é meramente uma emenda ao projeto de lei, e não é de forma nenhuma um novo projeto”.

Quanto ao andamento da ADI, compete destacar que o Ministro Eros Grau pediu vista dos autos, deste modo o julgamento do mérito foi suspenso.

4. Considerações finais

Ante as considerações expostas, fácil concluir que a Lei 8.429/92 sofre seu pior momento, posto que, se não bastasse a Reclamação 2138-6, que objetiva retirar da esfera ativa os agentes políticos, há ainda, a ADI 2182/DF, que nasceu para fulminar a Lei de Improbidade Administrativa do sistema jurídico.

Por fim, quanto a Reclamação 2138-6, provavelmente o resultado será positivo para os agentes políticos, pois dificilmente o curso até então traçado, será alterado. No que tange a ADI 2138/DF, mesmo com a manifestação favorável do Ministro Relator Marco Aurélio, certamente muito se discutirá, sendo que, além da alegação de inconstitucionalidade proposta pelo PTN, por afronta ao procedimento legislativo bicameral, o Pretório Excelso analisará a questão de ordem sobre a constitucionalidade material da norma.

 

Notas:
¹ Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992: Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências.
² Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, e notadamente:
³ Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, e notadamente:
4 Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidades, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
5 Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:
I – na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;
II – na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;
III – na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
6 in Boletim Informativo n.º 468, do Supremo Tribunal Federal, pág. 3. Sistema Bicameral e Vício Formal – 1.
O Tribunal iniciou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido Trabalhista Nacional – PTN contra a Lei 8.429/92, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. O Min. Marco Aurélio, relator, julgou procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade formal da lei impugnada por entender que o diploma legal foi aprovado sem a devida observância do sistema bicameral. Afirmou que o projeto que dera origem à Lei 8.429/92, aprovado pela Câmara dos Deputados e enviado ao Senado Federal para revisão, fora objeto de substitutivo nesta Casa Legislativa, que adotara, portanto, postura própria à Casa iniciadora. Assim, a Câmara dos Deputados, ao receber o substitutivo e rejeitá-lo quase que integralmente, emendando-o, deveria tê-lo remetido ao Senado Federal, por força do disposto no art. 65, parágrafo único, da CF, e não à sanção presidencial (“Art. 65. O projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra, em um só turno de discussão e votação, e enviado à sanção ou promulgação, se a Casa revisora o aprovar, ou arquivado, se o rejeitar. Parágrafo único. Sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora.”).
ADI 2182/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 23.5.2007.  (ADI-2182)
7 in Boletim Informativo n.º 468, do Supremo Tribunal Federal, pág. 3. Sistema Bicameral e Vício Formal – 2
Em divergência, a Min. Cármen Lúcia, considerando que, na espécie, a modificação do projeto iniciado na Câmara dos Deputados se dera, no Senado Federal, basicamente pela pormenorização, adoção de uma técnica legislativa, em que o conteúdo se alterara muito mais no sentido formal do que material, e, ainda, ressaltando a prevalência da Casa iniciadora do projeto, julgou improcedente o pleito, no que foi acompanhada pelo Min. Ricardo Lewandowski. Após, pediu vista dos autos o Min. Eros Grau. Em seguida, o Min. Marco Aurélio, relator, suscitando questão de ordem, rejeitou a possibilidade de o Tribunal, superada a questão pertinente à inconstitucionalidade formal da lei, apreciar os aspectos conducentes ou não da inconstitucionalidade material, tendo em conta a petição inicial abordar somente o vício formal, não atendendo à exigência, feita pela Corte, de análise mínima quanto a vício material. Acompanharam o relator os Ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Carlos Britto. Após os votos dos Ministros Eros Grau, Cezar Peluso e Celso de Mello, que divergiam do relator, ao fundamento de que a função da Corte é examinar a inconstitucionalidade da norma impugnada em face de toda a Constituição, pediu vista dos autos, quanto a esse ponto, o Min. Gilmar Mendes.
ADI 2182/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 23.5.2007.  (ADI-2182)

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Franklin Prado Socorro Fernandes

 

Procurador Jurídico Municipal, especialista em Direito Administrativo pelo Centro Universitário do Noroeste Paulista – Unorp

 


 

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