1. Introdução
A Lei de Improbidade Administrativa, conhecida vulgarmente como lei do colarinho branco, nasceu com o clamor de moralizar a atuação na Administração Pública.
Quando de sua edição, muito se comemorou, pois entrava para o cenário jurídico, norma que dispunha sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na Administração Pública direta, indireta e fundacional¹.
Qualquer ato que importasse enriquecimento ilícito², dano ao erário³ ou violação de princípios da Administração Pública4, seria passível de punição, independentemente das sanções penais, civis e administrativas5.
Assim, aparentava ser uma norma implacável, apta a punir agentes públicos e/ou terceiros ímprobos.
2. Da Reclamação 2138-6
O conceito de agente público é amplo. Com efeito, faz menção a todo tipo de servidor que, direta ou indiretamente, pratique ato contra a Administração Pública.
Todavia, há o entendimento que os agentes políticos, Presidente da República, por exemplo, não respondem por ato de improbidade administrativa, uma vez que respondem apenas por crimes de responsabilidade.
Destarte, o entendimento acima sufragado ganhou vida com a Reclamação 2138-6, que esta em curso no Supremo Tribunal Federal.
Por esta Reclamação, argumenta-se que os agentes políticos não estão sujeitos à processo decorrente da prática de atos de improbidade administrativa.
Para alegria de alguns e tristeza de outros, cumpre ressaltar, que houve a concessão de medida liminar, acolhendo provisoriamente a tese sustentada pelo autor da Reclamação. Ademais, no Pretório Excelso, seis já são os ministros que defendem a não aplicabilidade da Lei 8.429/92 aos agentes políticos, quais sejam: Ministros Nelson Jobim, Relator, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Maurício Corrêa, Ilmar Galvão e Cezar Peluso.
Outrossim, em que pese a respeitável inteligência contrária, tem entendido o Superior Tribunal de Justiça, em razão da pendência do julgamento pelo STF da Reclamação 2138-6, que é questão prejudicial a justificar a suspensão do processo, até julgamento da Reclamação.
Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EX-PREFEITO. SUSPENSÃO DO PROCESSO. PREJUDICIALIDADE EXTERNA. RECLAMAÇÃO EM TRÂMITE NO STF.
I – Trata-se de ação civil pública, na qual se busca a condenação do Município e de seu ex-prefeito por atos de improbidade administrativa praticados durante sua gestão, a teor do art. 11, caput, da Lei nº 8.429/92. II – Deve ser mantido o acórdão que determinou a suspensão do processo em apreço, a teor do art. 265, inciso IV, alínea “a”, do CPC, até o julgamento final da Reclamação nº 2.138-9, em curso perante o STF, em face da relevância de tal julgado ao presente pleito. III – A Reclamação nº 2.138-9 cuida da adequação dos agentes políticos ao regime previsto na Lei de Improbidade Administrativa, o que pode levar à extinção da presente ação civil pública, por estar fulcrada em dispositivo da citada norma. IV – Recurso especial improvido. Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Os Srs. Ministros LUIZ FUX, TEORI ALBINO ZAVASCKI, DENISE ARRUDA e JOSÉ DELGADO votaram com o Sr. Ministro Relator. DJ 04.04.2005 p. 216 (negrito nosso)
3. Da ADI 2182/DF
O Partido Trabalhista Nacional – PTN ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade 2182 contra a Lei 8.429/92, afirmando que seu texto é totalmente inconstitucional.
Argumenta que há vício formal na elaboração da Lei de Improbidade Administrativa, sendo que ela teria sido sancionada sem ser submetida ao processo legislativo bicameral, preconizado no art. 65 da Carta Constituinte, cuja redação é a seguinte, “in verbis”:
“Art. 65. O projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra, em um só turno de discussão e votação, e enviado à sanção ou promulgação, se a Casa revisora o aprovar, ou arquivado, se o rejeitar.
Parágrafo único. Sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora”.
Desta feita, o dispositivo acima determina que todo projeto aprovado em uma das Casas do Congresso Nacional deve ser revisto pela outra, ou seja, o projeto aprovado pela Câmara, deve ser revisto pelo Senado e, o projeto aprovado pelo Senado, deve ser revisto pela Câmara.
Como dispõe o art. 65 da CF/88, caso a Casa revisora aprove o projeto, este poderá se tornar lei; todavia, se a Casa revisora o rejeitar, o projeto deverá ser arquivado.
Na presente ADI, três ministros já se manifestaram sobre seu conteúdo. Porém, ainda não há entendimento pacífico quanto a inconstitucionalidade da Lei 8.429/92. Assim, cumpre apontar as teorias conflitantes.
Para o Ministro Relator da ação, Marco Aurélio, no caso em tela, o processo legislativo bicameral foi realmente violado. Destacou que:
“O projeto de lei foi encaminhado à Câmara dos Deputados pelo Executivo, onde foi aprovado. No Senado, ele teria sido totalmente modificado por meio de substitutivo. Ao voltar para a Câmara, o projeto teria sido mais uma vez modificado. Porém, em vez de ser arquivado ou voltar para o Senado (que atuaria como Casa revisora), o projeto foi encaminhado à sanção presidencial” 6. (grifo nosso)
Convém obtemperar que, embora o PTN, autor da ADI, não tenha suscitado a analise da constitucionalidade material da Lei de Improbidade, o Ministro Marco Aurélio levantou questão de ordem para saber a posição do colegiado sobre esta analise.
A fim de elucidar a materialidade da norma, decidiu sabiamente o Plenário do STF, que concluirá a votação sobre a questão de ordem para, depois, votar o mérito da ação.
Entretanto, o Ministro Ricardo Lewandowski e a Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha não acompanham o relator, asseverando que a alteração realizada pelo Senado foi meramente formal, e não material.7
O Ministro Lewandowski expressa o seguinte posicionamento:
“Entendo que não há dúvida que o projeto enviado pelo Senado Federal à apreciação da Câmara dos Deputados, a que se denominou de substitutivo, é meramente uma emenda ao projeto de lei, e não é de forma nenhuma um novo projeto”.
Quanto ao andamento da ADI, compete destacar que o Ministro Eros Grau pediu vista dos autos, deste modo o julgamento do mérito foi suspenso.
4. Considerações finais
Ante as considerações expostas, fácil concluir que a Lei 8.429/92 sofre seu pior momento, posto que, se não bastasse a Reclamação 2138-6, que objetiva retirar da esfera ativa os agentes políticos, há ainda, a ADI 2182/DF, que nasceu para fulminar a Lei de Improbidade Administrativa do sistema jurídico.
Por fim, quanto a Reclamação 2138-6, provavelmente o resultado será positivo para os agentes políticos, pois dificilmente o curso até então traçado, será alterado. No que tange a ADI 2138/DF, mesmo com a manifestação favorável do Ministro Relator Marco Aurélio, certamente muito se discutirá, sendo que, além da alegação de inconstitucionalidade proposta pelo PTN, por afronta ao procedimento legislativo bicameral, o Pretório Excelso analisará a questão de ordem sobre a constitucionalidade material da norma.
Informações Sobre o Autor
Franklin Prado Socorro Fernandes
Procurador Jurídico Municipal, especialista em Direito Administrativo pelo Centro Universitário do Noroeste Paulista – Unorp