Vários estudiosos do Direito Privado já tiveram suas atenções voltadas ao fascinante instituto da guarda compartilhada, o que alagou a literatura jurídica brasileira com belos textos.
Entretanto, os fundamentos dos festejados artigos e livros eram doutrina e/ou jurisprudência.
Ocorre que no dia 13 de junho de 2008 foi publicada no Diário Oficial da União a Lei 11.698, que alterou os artigos 1.583 e 1.584 do Novo Código Civil.
Frise-se que pela disciplina do art. 2º da Lei em comento a vacacio legis será de 60 (sessenta) dias.
O presente trabalho tem por objetivo analisar a Lei que positivou o instituto da guarda compartilhada no direito pátrio e apresentar sua aplicabilidade.
A guarda pode ser vista sob as seguintes modalidades: unilateral[1], compartilhada[2] e alternada.
A guarda unilateral é clássica e possibilita que o exercício da guarda fique concentrado nas mãos de uma única pessoa, qual seja, a que melhor traduzir os interesses do menor[3], denominada de guardião.
Frise-se que mesmo na guarda unilateral o poder familiar continua com ambos e que há necessidade de fixação da cláusula de visitação, consoante os ensinamentos do art. 1.121, II da Lei adjetiva civil.
Na guarda compartilhada tanto o poder familiar com o exercício da guarda estão com ambos, o que já foi objeto de estudo de alguns psicólogos, os quais concluíram pela ausência de uma referência física para o menor.
Insta relatar que o TJ/RJ já decidiu[4] que o estudo psicológico deve ser observado para fins de definição da guarda de menor.
Há também a guarda alternada, onde a criança fica num verdadeiro ioiô, uma vez que o poder familiar é mantido com ambos e o exercício da guarda desloca-se conforme a criança movimenta-se.
O art. 1º da Lei 11.698[5], o qual modificou o 1.583, CC, determina a responsabilização conjunta de pai e mãe, razão pela qual observamos a primeira pista do legislador no sentido de que o instituto ora positivado terá aplicabilidade quando os pais tiverem uma relação amistosa.
Assim, temos como resultado da imposição legislativa que os pais devem ter um contato, ao menos amistoso, posto que se cada um tiver a obstinação de querer decidir tudo acerca do menor unilateralmente haverá inúmeros conflitos chegando ao poder judiciário e a aplicabilidade do instituto ficará esvaziada.
O § 2º do art. 1.584[6], CC ratifica a nossa posição ao deixar claro que a guarda compartilhada será deferida sempre que possível, uma vez que ocorrerá nos leitos familiares onde a relação entre os pais for razoável e eles tiverem como única meta o desenvolvimento sadio do menor.
Imaginemos a hipótese de a mãe querer que o filho siga uma determinada religião e o pai outra, sendo que ambos não conseguem chegar a um acordo. E mais. Ambos querem que o filho siga exclusivamente sua religião.
Certamente a decisão do Juízo competente será à luz do art. 1.631, parágrafo único cumulado com o art. 1.612, ambos do Código Civil, uma vez que uma vez constatada divergência de opinião sobre interesse do menor a decisão deverá ficar por conta do judicante.
Revela-nos interessante chamar a atenção do leitor ao disposto no § 5º do art. 1.584[7], CC, pelo qual a guarda do menor será deferida sempre para quem melhor estiver coadunado com os interesses da criança (art. 1.612, CC).
O próprio dispositivo demonstra a preocupação do legislador em repetir incansavelmente que o julgador deverá ter como norte o prestígio ao interesse do menor.
Conforme Lucas[8] nos ensina o art. 5º, I, CRFB, traz a igualdade substancial e o art. 226, § 5º, estatui que direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher, razão pela qual não se pode dar preferência à mãe com base no art.10, § 1º, da Lei 6.515/77, a Lei do Divórcio, bem como no art. 16 do Decreto-Lei nº 3.200/44.
O tema guarda compartilhada é tão envolvente que a mídia tem divulgado notícias sobre o assunto com o apoio de assessoria especializada.
O site G1[9] definiu a guarda compartilhada com uma modalidade onde os pais e mães dividem a responsabilidade legal sobre os filhos ao mesmo tempo e compartilham as obrigações pelas decisões importantes relativas à criança.
Cumpre destacar que o instituto ora em análise é bem apropriado aos costumes sociais brasileiros, bem como muito moderno.
A Advogada Alessandra Abate[10] tem posição[11] no sentido, como nós, de que a guarda compartilhada será aproveitada se os pais tiverem condições de superarem os rancores conjugais e buscarem apenas o que for de melhor aos interesses do menor. Finaliza sua explanação dizendo que o instituto será de grande valia para ex-casais que mantiverem boa relação entre si.
A culta Desembargadora Maria Berenice Dias, quando questionada[12] sobre a novidade do instituto guarda compartilhada foi além e filiou-se ao nosso posicionamento, visto que defendeu que a utilização do instituto para pais separados com bom relacionamento.
Pensamento igual foi exposto pela Advogada Ana Carolina Silveira Akel[13], para a qual a guarda compartilhada favorece o desenvolvimento das crianças com menos traumas e ônus, propiciando a continuidade da relação dos filhos com seus dois genitores, retirando, assim, da guarda a idéia de posse e tendo como ponto importante o consenso entre os cônjuges separados.
A jurisprudência acerca do tema é fraca, já que se cuida de um instituto de pouca aplicabilidade prática em função da necessidade de boa relação entre os pais separados, o que é costume pouco corriqueiro em sociedades como a brasileira.
No STJ, por exemplo, colhemos apenas dois[14] conflitos de competência.
A Suprema Corte do Brasil, por não se tratar de uma Corte que analisa questões leais, mas sim constitucionais, tem apenas um julgado[15] tratando da guarda compartilhada e mesmo assim porque foi anterior à Emenda Constitucional nº 45, a qual transferiu para o STJ a competência para homologar sentença estrangeira.
O avançado Tribunal de Justiça Gaúcho não aceita modificação da guarda compartilhada sem que fique claramente provado ser este o melhor interesse do menor[16].
Ainda no TJ/RS localizamos outro julgado[17] envolvendo a guarda compartilhada deferida provisoriamente em função do melhor interesse da criança, apesar de se tratar de menor de apenas 18 (dezoito) meses.
Há quem entenda[18] que a guarda compartilhada não pode ser determinada liminarmente, posto que é primordial a análise, como por nós defendido, da relação entre os pais, a qual deverá ser harmônica[19] e pacífica[20].
A possibilidade de modificação da guarda deferida, mesmo que seja a compartilhada somente pode ser feita após robusta[21] análise probatória.
Pesquisando nos julgados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, observamos que o fundamento[22] continua o mesmo, ou seja, somente convém deferir a guarda compartilhada quando houver um contato, ao menos amistoso, entre os pais, visto que o principal interesse a ser observado é o do menor.
Nossa conclusão é a de que o instituto da guarda compartilhada consiste num bom avanço do legislador brasileiro com vistas a positivar algo que já vinha sendo aplicado pelos julgadores nacionais.
O instituto visa permitir que as relações familiares estejam miradas sempre no interesse do menor, o que já vem sendo consagrado por vários dispositivos legais, dentre os quais o art. 142, parágrafo único do ECA e o art. 1.612, CC.
Destarte, quando houver harmonia entre os pais e o interesse do menor assim indicar, teremos a guarda compartilhada como o instituto a ser prestigiado pelo julgador a fim de que a família seja o núcleo mais importante de todo ser humano, posto que foi esta a idéia do criador de todos nós.
Informações Sobre o Autor
Anderson Evangelista
Pós-graduado em Direito Privado pela Universidade Gama Filho/CEPAD
Bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá, Professor de Direito de Família, Palestrante sobre Direito de Família, Colunista do Jornal Mural, Colunista da revista jurídica Netlegis, Colunista da revista jurídica Jusvigilantibus, Colunista do escritório Nogueira & Lima Advogados