Guarda Compartilhada em Tempos de Pandemia: A Impossibilidade de Convivência pode caracterizar Alienação Parental?

Jéssyca Larissa Freitas Sousa Campos: Acadêmica de Direito da Universidade de Gurupi – UnirG, e-mail: [email protected]

Wellson Rosário Santos Dantas: Orientador do Curso de Direito da Universidade de Gurupi – UnirG, e-mail: [email protected]

Resumo: Dentre as formas de guarda previstas pelo Código Civil, em razão da entrada em vigor da Lei 13.058, de 22 de dezembro de 2014, a guarda compartilhada passou a ser uma regra nas dissoluções de casamentos e uniões estáveis, uma vez que, permite o convívio semelhante do infante para com os genitores. Na forma compartilhada, há a divisão igualitária das responsabilidades e períodos de convivência com os menores. Quando há o descumprimento do pactuado, o genitor causador do rompimento das regras pode ser responsabilizado. Nas hipóteses legais, pode se constatar a alienação parental, regulamentada pela Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010. Em tese, o impedimento de convívio com outro genitor seria caso de alienação, contudo, em tempos de pandemia, em que a locomoção dos indivíduos é limitada, em decorrência de lei e normas sanitárias, o contexto mudou, trazendo o questionamento acerca da possibilidade de configuração de alienação parental em razão da impossibilidade de convívio entre pais e filhos causada pelo período de pandemia. Através de pesquisa bibliográfica, o resultado do estudo se apresenta no método dedutivo, respaldado em citações doutrinárias e jurisprudenciais que demonstram a aplicação dos dispositivos legais durante a pandemia da Covid-19 no Brasil.

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Palavras-chave: Guarda compartilhada. Pandemia. Convivência. Alienação Parental. Configuração.

 

Abstract: Among the forms of custody provided for by the Civil Code, due to the entry into force of Law 13.058, of December 22, 2014, shared custody has become a rule in the dissolution of marriages and stable unions, since it allows coexistence similar to that of the infant towards the parents. In the shared form, there is an equal division of responsibilities and periods of contact with minors. When there is a breach of the agreement, the parent causing the breach of the rules can be held responsible. In legal cases, parental alienation, regulated by Law No. 12,318, of August 26, 2010, can be verified. In theory, the impediment of living with another parent would be a case of alienation, however, in times of pandemic, when mobility of individuals is limited, due to law and sanitary rules, the context has changed, raising the question about the possibility of setting up parental alienation due to the impossibility of coexistence between parents and children caused by the pandemic period. Through bibliographic research, the result of the study is presented in the deductive method, supported by doctrinal and jurisprudential citations that demonstrate the application of legal provisions during the Covid-19 pandemic in Brazil.

Keywords: Shared guard. Pandemic. Coexistence. Parental Alienation. Settings.

 

Sumário: Introdução. Material e Métodos. 1. A guarda compartilhada no Código Civil. 1.1 Deveres e vantagens dos pais e filhos. 2. A prática de alienação parental. 2.1 Hipóteses legais. 2.2 Consequências. 3. A aplicação das responsabilidades dos guardiões em caso de pandemia. 3.1 A mudança do convívio em razão da pandemia e a caracterização de alienação parental. Conclusão. Referências.

 

Introdução

A separação entre genitores e a dissolução de uniões afetivas leva à necessidade de fixação de regras de convivência dos filhos para com seus pais. Neste contexto, a guarda compartilhada se mantém como regra aplicável a tais situações.

Ocorre que, com o advento de uma significativa modificação na vida das pessoas, em decorrência da pandemia causada pela Covid-19, surge o questionamento sobre a manutenção das regras fixadas em momento anterior já que a pandemia que se instalou no mundo acabou por influenciar o cotidiano das pessoas, motivo pelo qual a legislação passou a ser aplicada de modo diverso, diante dos casos concretos, notadamente no que diz respeito a guarda compartilhada dos filhos menores.

O instituto da guarda compartilhada foi uma das situações jurídicas que sofreram alteração em razão da pandemia. Isto porque, conforme se sabe, há nesses casos a divisão de responsabilidade e de período de convivência dos menores entre os genitores.

Neste ponto, a situação vivenciada pelas famílias em que há a fixação da guarda compartilhada merece ser analisada, uma vez que, em caso de isolamento, há a redução do convívio do menor para com um dos genitores. Com isso, poderia haver a facilitação da conduta de alienação parental.

Diante dessa possibilidade, a pesquisa científica apresenta um estudo acerca da guarda compartilhada em tempos de pandemia, com enfoque na impossibilidade de convivência entre o guardião e o infante e a possibilidade de caracterização de alienação parental.

 

Material e métodos

Desenvolvida em Gurupi, Tocantins, a pesquisa se apresenta à Universidade de Gurupi (UnirG) e tem como foco o estudo sobre a aplicação das regras de compartilhamento de guarda em tempos de pandemia, cuja pesquisa está classificada como bibliográfica, porque considerou a busca por determinações legais, doutrinárias e jurisprudenciais que auxiliem os envolvidos em eventuais descumprimentos de regras da guarda compartilhada em razão da Covid-19.

Por destinar-se à exposição completa das normas que regulam a guarda no Brasil e as condutas que caracterizam a alienação parental, quanto aos objetivos, a pesquisa é exploratória.

 

  1. A guarda compartilhada no Código Civil

Um dos mais importantes institutos do direito de família, a guarda compartilhada foi inserida no ordenamento jurídico brasileiro através da sanção da Lei nº. 11.698, de 13 de junho de 2008, que instituiu e disciplinou essa espécie de guarda alterando os artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil (BRASIL, 2008).

Anos depois, houve uma mudança legislativa na matéria trazida pela Lei nº.  13.058, de 22 de dezembro de 2014, o instituto sofreu uma significativa modificação; posto que, mesmo já existindo anteriormente; até então, a forma como a guarda compartilhada era tratada era diversa, já que a predisposição era pela responsabilização unilateral (MANSUR, 2016).

De fato, após a nova lei, a guarda compartilhada passou a ser a regra na fixação de responsabilidades após a dissolução de casamentos e uniões estáveis.

Logo no primeiro dispositivo o legislador determina as espécies admitidas e conceitua a guarda compartilhada nos seguintes termos:

 

“Art. 1.583.  A guarda será unilateral ou compartilhada. […]

  • Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos.
  • 3º Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos. (BRASIL, 2002)” 

 

A professora Maria Berenice Dias comenta essa forma de convivência familiar e defende se tratar da espécie que melhor preserva os interesses dos menores e também dos genitores.

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“Os fundamentos da guarda compartilhada são de ordem constitucional e psicológica, visando basicamente garantir o interesse da prole. Significa mais prerrogativas aos pais, fazendo com que estejam presentes de forma mais intensa na vida dos filhos. A participação no processo de desenvolvimento integral leva à pluralização das responsabilidades, estabelecendo verdadeira democratização de sentimentos. Indispensável manter os laços de afetividade, minorando os efeitos que a separação sempre acarreta nos filhos, conferindo aos pais o exercício da função parental de forma igualitária. A finalidade é consagrar o direito da criança e de seus dois genitores, colocando um freio na irresponsabilidade provocada pela guarda individual. Para isso, é necessária a mudança de alguns paradigmas, levando-se em conta a necessidade de compartilhamento entre os genitores da responsabilidade parental e das atividades cotidianas de cuidado, afeto e normas que ela implica (DIAS, 2016, p. 257)”.

 

Com a entrada em vigor da nova Lei de Guarda Compartilhada, a grande modificação observada consiste na possibilidade de ser instaurada no caso concreto de forma prioritária. Isto porque o parágrafo 2º do artigo 1.584 aponta para a sua opção diante do caso concreto, caso não haja acordo entre pai e mãe.

 

“§ 2 Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor. (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014) (BRASIL, 2014)”.

 

Apesar da prioridade para o compartilhamento da guarda, a lei também determina que se um dos genitores declarar seu desinteresse ou se o julgador verificar que o filho não deve estar sob a guarda de um deles, irá concedê-la unilateralmente àquela pessoa que revele compatibilidade com a medida (BRASIL. 2014).

Certo é que nessa modalidade de guarda o compartilhamento entre os pais e os filhos não se limita aos direitos, mas também compreende uma série de deveres.

 

1.1. Deveres e vantagens dos pais e filhos

É comum os genitores reclamarem seus direitos de convivência perante seus filhos em caso de separação de residências. Contudo, não se pode deixar de mencionar que os deveres também são compartilhados pelos guardiões.

As vantagens, que aqui compreendem os direitos de pais e filhos em situação de dissolução de entidades familiares, se relacionam diretamente com a manutenção da convivência entre os indivíduos, com a manutenção da afetividade tal qual antes da separação.

 

“A adoção da guarda compartilhada traz consigo grandes vantagens para os filhos e para os pais separados, especialmente com relação à convivência daqueles com os dois genitores evitando que os filhos percam o contato que tinham com o pai e a mãe antes da separação destes (RESENDE, 2017, p.1)”.

 

O aumento de convívio pode reduzir os conflitos entre os envolvidos na relação familiar, assim os filhos se sentirão parte da vida dos genitores e vice e versa. A cooperação entre os guardiões significa bastante nesse sentido.

 

“Maior cooperação entre os pais leva a um decréscimo significativo dos conflitos, tendo por consequência o benefício dos filhos. É induvidoso, revela o cotidiano social, que os filhos de pais separados têm mais problemas que os de família intacta. Como é induvidoso que os filhos mais desajustados são os de pais que os envolvem em seus conflitos permanentes. (GRISARD FILHO, 2014, p. 211)”. 

 

Os deveres, por sua vez, são os mesmos dispostos no artigo 229 da Constituição Federal de 1988, quais sejam o de “assistir, criar e educar os filhos menores”, contudo com variações em decorrência da moradia e alimentação (BRASIL, 1988).

Isto porque, na guarda compartilhada há a fixação de uma moradia de referência, não estando o genitor eximido de realizar o pagamento dos alimentos e também de estabelecer as regras de visitação, posto que não se pode invadir e alterar a rotina da criança sob o pretexto de convivência.

 

“Na guarda compartilhada, a criança tem o referencial de uma casa principal, na qual vive com um dos genitores, ficando a critério dos pais planejar a convivência em suas rotinas quotidianas e, obviamente, facultando-se as visitas a qualquer tempo. Defere-se o dever de guarda de fato a ambos os genitores, importando numa relação ativa e permanente entre eles e seus filhos (GONÇALVES, 2017, p. 370)”.

 

Deste modo, tem-se que o funcionamento do compartilhamento de direitos e deveres exige um relacionamento constante entre os genitores em regime de constante cooperação. Todavia, se não houver essa atuação conjunta, é possível que se caracterize a ocorrência de alienação parental.

 

2 A prática de alienação parental

Tal qual apresentado neste estudo, no compartilhamento da guarda, os genitores possuem direitos e responsabilidades iguais, de modo que nenhum deles pode ser privado do convívio com o menor, a menos que a situação se apresente como de seu melhor interesse (DIAS, 2016).

Ocorre que não são raras as situações em que os genitores, movidos por desavenças do casal, acabam por transferir aos filhos sentimentos negativos em relação ao outro, atingindo de sobremaneira a relação entre eles.

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A constatação dessas práticas levou à necessidade de conceituação jurídica desse instituto chamado alienação parental.

 

“Uma das mais importantes e recentes evoluções do Direito de Família foi o estabelecimento de um conceito para a criação de um instituto jurídico para um velho problema, que tem-se denominado como Alienação Parental, expressão cunhada pelo psiquiatra norte-americano Richard Gardner, em meados da década de 1980, como Síndrome da Alienação Parental – SAP. Na verdade, a síndrome pode ser a consequência da alienação parental, quando atingida em um grau mais elevado.

A partir do momento que se pôde nomear, isto é, dar nome a uma sutil maldade humana praticada pelos pais que não se entendem mais, e usam os filhos como vingança de suas frustrações, disfarçada de amor e cuidado, tornou-se possível protegê-los da desavença dos pais. Trata-se de implantar na psiqué e memória do filho uma imagem negativa do outro genitor, de forma tal que ele seja alijado e alienado da vida daquele pai ou mãe. Alienação Parental é uma forma de abuso que põe em risco a saúde emocional e psíquica de uma criança/adolescente (PEREIRA, 2021, p. 710)”.

 

A fim de dar resposta aos casos levados à apreciação do Poder Judiciário, o Legislativo aprovou no ano de 2010 a edição de uma Lei
que dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990.

Segundo Bruna Barbieri, “a Lei nº 12.318/2010 foi editada no Brasil para socorrer as crianças e adolescentes vítimas de uma violência familiar muito particular: uma violência invisível, decorrente das disputas de forças, muitas vezes até inconscientes, entre os adultos.” (2020, p.1).

 

“O alienador, assim como todo abusador, é um usurpador da infância, que se utiliza da ingenuidade e inocência das crianças e adolescentes, para aplicar o seu golpe, às vezes mais sutil, mais requintado, às vezes mais explícito e mais visível, e o filho acaba por apagar as memórias de convivência e de boa vivência que teve com o genitor alienado. Embora o alvo da vingança e rancor seja o outro genitor, a vítima maior é sempre a criança ou o adolescente, programado para odiar o pai ou a mãe, ou qualquer pessoa que possa influir na manutenção de seu bem-estar, o que significa violação também dos princípios constitucionais da dignidade humana (Art. 1º, CF), do melhor interesse da criança e do adolescente (Art. 227, caput, CF) e da paternidade responsável (Art. 226, § 7º, CF (PEREIRA, 2021, p. 711)”.

 

Deste modo, para esclarecer o que se considera alienação parental no ordenamento jurídico brasileiro, o caput do artigo 2º da Lei n°. 12.318, de 26 de agosto de 2010 apresenta o conceito legal:

 

“Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este (BRASIL, 2010)”. 

 

Além da definição legal, o legislador ainda indicou no mencionado dispositivo, algumas situações exemplificativas de alienação parental, que merecem análise.

 

2.1 Hipóteses legais

A Lei 12.318/2010, além de apresentar a conceituação da alienação parental, em seu artigo 2°, parágrafo único apresenta uma série de formas exemplificativas de caracterização desta prática.

Assim, no Brasil, poderá caracterizar a alienação parental se houver o descumprimento das medidas fixadas pelo juízo ou pelas partes genitoras, tal qual especificamente os incisos II, III, IV, do artigo 2º da Lei 12.318, de 26 de agosto de 2010 destacam.

 

“Art. 2o […]

Parágrafo único.  São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:  

I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; 

II – dificultar o exercício da autoridade parental; 

III – dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; 

IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; 

V – omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; 

VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; 

VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós (BRASIL, 2010)”.

 

Como dito, o rol é exemplificativo, de modo que o julgador do caso poderá considerar outras situações como caracterizadoras da alienação parental. A partir disso a dificuldade de convivência em razão da pandemia poderá ser objeto de análise judicial.

Certo é que a alienação parental, em síntese, consiste no outro lado da moeda do abandono afetivo, que se refere à irresponsabilidade daquele que possui dever de cuidado. “Na alienação parental, a convivência se vê obstaculizada por ação/omissão/negligência do alienador, com implantação de falsas memórias, repudiando e afastando do convívio familiar o outro genitor não detentor de guarda” (PEREIRA, 2021, p. 710).

Em decorrência da gravidade dessas condutas, é que a alienação parental possui consequências ao alienador.

 

2.2 Consequências

A gravidade da conduta de alienação parental é notável, uma vez que atinge diretamente o desenvolvimento da criança e do adolescente e prejudica o seu convívio com o genitor vitimado. “Na alienação parental, o filho é deslocado do lugar de sujeito de direito e desejo, e passa a ser objeto de desejo e satisfação do desejo de vingança do outro genitor” (PEREIRA, 2021, p. 710 – 711).

Estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 4º, que é dever da família assegurar a efetivação dos direitos à vida, saúde, alimentação, educação, esporte, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade e a convivência familiar e comunitária (BRASIL, 1990).

Deste modo, a prática da alienação parental é repudiada e deve desencadear em consequências jurídicas para o genitor alienador. Sendo assim, a Lei da Alienação Parental prevê os efeitos da caracterização de alienação, bem como as sanções impostas aos casos concretos.

O artigo 6º da Lei n°. 12.318/2010 estabelece:

 

“Art. 6o  Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso: 

I – declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; 

II – ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; 

III – estipular multa ao alienador; 

IV – determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; 

V – determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão; 

VI – determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente; 

VII – declarar a suspensão da autoridade parental. 

Parágrafo único.  Caracterizado mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar (BRASIL, 2010)”. 

 

Contudo, para que se fixe alguma dessas medidas de responsabilização, é preciso que o julgador tenha se baseado em provas idôneas, caso contrário, poderá sofrer reforma, conforme o exemplo a seguir:

 

“APELAÇÃO – GUARDA – SENTENÇA QUE DETERMINOU A GUARDA COMPARTILHADA COM APLICAÇÃO DE SANÇÃO POR ALIENAÇÃO PARENTAL – INSURGÊNCIA DA GENITORA – ACOLHIMENTO – AUSÊNCIA DE PROVAS IDÔNEAS – ESTUDO PSICOSSOCIAL QUE, EMBORA CONSTATE CONDUTAS INADEQUADAS NÃO EVIDENCIA PRÁTICA DE ALIENAÇÃO PARENTAL – A pretexto de proteger um menor de suposta alienação parental, a Justiça não pode abrir mão de provas inequívocas da prática alegada antes e adotar as graves consequências previstas em lei – Sentença reformada em parte – DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. (TJ-SP – AC: 10366782620158260002 SP 1036782-61.2015.8.26.0002, Relator: Alexandre Coelho, Data de Julgamento: 11/09/2020, 8ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/09/2020)”.

 

Portanto, a proteção à criança e ao adolescente sujeito à alienação parental poderá levar à modificação das regras de guarda fixada para os genitores, de modo a reduzir a prática. Entretanto, para que isso ocorra, reduzindo o direito de convivência entre pais e filhos, a decisão deverá estar respaldada por elementos probatórios suficientes.

 

3 A aplicação das responsabilidades dos guardiões em caso de pandemia

No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou o estado de pandemia causada pela Covid-19, também denominado novo coronavírus (UMA/SUS, 2020).

 

“A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o Covid-19, causado pelo novo coronavírus, já é uma pandemia. Segundo a Organização, pandemia é a disseminação mundial de uma nova doença e o termo passa a ser usado quando uma epidemia, surto que afeta uma região, se espalha por diferentes continentes com transmissão sustentada de pessoa para pessoa.

“A OMS tem tratado da disseminação em uma escala de tempo muito curta, e estamos muito preocupados com os níveis alarmantes de contaminação. Por essa razão, consideramos que o Covid-19 pode ser caracterizado como uma pandemia”, afirmou o diretor-geral da entidade, Tedros Adhanom (SHUELER, 2020, p.1)”.

 

Via de regra, as obrigações estabelecidas entre os guardiões em regime de guarda compartilhada não poderiam ser alteradas sem a concordância dos genitores. Contudo, o próprio Código Civil, em seu artigo 1.583, §2º já determinava que a divisão do tempo de convívio sempre leva em consideração as condições fáticas e interesses dos filhos (BRASIL, 2002).

Com a constatação de uma pandemia causada pelo Covid-19, doença com alto nível de contaminação e disseminação, as autoridades nacionais e mundiais passaram a adotar protocolos sanitários que envolvem, principalmente, o distanciamento social. Pessoas que convivem em uma mesma casa foram orientadas a manter restrito o convívio externo.

Deste modo, quando da divulgação de informações, pais que estavam com seus filhos foram orientados a permanecer dentro de casa. Por outro lado, o genitor que não estava com o menor se viu impossibilitado de buscar a criança para ficar sob seus cuidados.

            Diante deste novo cenário, surgiram os questionamentos sobre a possibilidade de caracterização de alienação parental em razão da mudança das regras de convívio entre pais e filhos.

 

3.1 A mudança do convívio em razão da pandemia e a caracterização de alienação parental

Em razão dessa situação pandêmica, houveram recomendações de autoridades locais para que todos se isolassem o máximo possível. A partir disso, muitas mães resolveram que esse fato seria suficiente para suspender o convívio com outro genitor, uma vez que estariam seus filhos expostos ao contágio (GIMENEZ, 2020).

Com base nas situações apresentadas, nos últimos meses, em razão da pandemia causada pela Covid-19, muitas relações parentais sofreram alteração. Com o rompimento do convívio, houveram demandas interpostas em desfavor dos genitores sob o argumento de alienação parental. “Por serem, muitas vezes, decisões unilaterais, os pais passaram a buscar o Poder Judiciário para garantir seu direito de convivência com os filhos, resguardadas as orientações da saúde pública” (GIMENEZ, 2020, p.1).

Em um primeiro momento, o entendimento jurisprudencial era no sentido de preservação da integridade do menor, mantendo-se o afastamento social. Contudo, com o passar do tempo, essa visão sofreu alterações.

 

“Nos primeiros dias, notaram-se decisões liminares que mantiveram o status quo da criança, fazendo com que ela permanecesse, por tempo indeterminado, com quem ela estivesse no momento em que a pandemia se instalou.

Um outro argumento utilizado, na ocasião, foi a necessidade de preservação dos avós, já que se alertava para o fato de as crianças poderem ser hospedeiras do vírus, de maneira assintomática, colocando em risco a população idosa, que se apresenta como mais vulnerável à gravidade da doença.

No entanto, com o passar dos dias, reconheceu-se que a permanência indiscriminada das crianças com apenas um guardião, por longo tempo, não se afinava com o princípio da proteção integral devida à população infanto-juvenil e que o trabalho a ser feito era o de análise particular de cada caso, com o objetivo de se apurar as melhores condições de proteção e cuidado dos filhos em cada família.

Os juízes passaram, então, a apreciar cada pedido de convívio sob a ótica do modelo legal vigente, que é o compartilhamento do tempo dos filhos com seus dois genitores e, não havendo diferenciação das condições entre pais e mães, tais como a ausência de comorbidades, a custódia física de ambos restou garantida, sempre com a adoção dos cuidados de higiene e de prevenção recomendados pela OMS e as autoridades nacionais (GIMENEZ, 2020, p.1)”.

 

Ao julgar caso concreto, o Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu o descumprimento do pactuado pela genitora, que se mudou sem o consentimento do pai do menor; todavia, negou a tutela de urgência por ser inadequada a visitação em razão da pandemia. No caso em apreço, a caracterização da alienação parental restou adiada para a fase instrutória, podendo vir a ser reconhecida. Eis a ementa em questão:

 

“GUARDA E REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. Insurgência do autor. Pedido de tutela de urgência para retorno imediato da filha para São Paulo/SP. Não acolhimento. Situação de fato criada pela genitora que, sem autorização judicial e consentimento do genitor, mudou-se provisoriamente para Cuiabá/MT com a filha. Ausência de razoabilidade, porém, quanto ao retorno da criança, em virtude da pandemia de Covid-19. Visitas ao genitor no Rio de Janeiro/RJ que se mostram inadequadas, na atual conjuntura. Determinação apenas de existência de contato telefônico diário (de preferência por vídeo-chamada) entre o genitor e a filha, sem interferências da agravada. Alienação parental praticada pela genitora que depende de instrução probatória na origem, com a presença dos genitores e da filha. Compensação de férias que deve ser pleiteada futuramente, quando se vislumbrar o retorno normal da rotina da criança. Agravo provido em parte. (TJ-SP – AI: 20712489420208260000 SP 2071248-94.2020.8.26.0000, Relator: Carlos Alberto de Salles, Data de Julgamento: 18/08/2020, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 20/08/2020)”.

 

Em outra situação, o mesmo Tribunal de São Paulo que determinou a suspensão das visitas aos infantes, uma vez que o domicilio do genitor apresentava risco de contaminação aos menores, por ser o epicentro da pandemia.

 

“REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS – DETERMINAÇÃO PARA SUSPENSÃO DAS VISITAS PATERNAS ATÉ A CASSAÇÃO DAS MEDIDAS DE ISOLAMENTO SOCIAL RECOMENDADAS PELO PODER EXECUTIVO – REGIME PROVISÓRIO DE GUARDA COMPARTILHADA, COM FIXAÇÃO DO DOMICÍLIO NO LAR MATERNO – AS CRIANÇAS, DE SEIS E QUATRO ANOS DE IDADE, ESTÃO PASSANDO A QUARENTENA NA CASA DOS AVÓS MATERNOS NA CIDADE DE CAMPINAS – GENITOR QUE RESIDE NA CAPITAL, EPICENTRO DA PANDEMIA NO BRASIL – CAUTELA QUE RECOMENDA, POR ORAM, A SUSPENSÃO DAS VISITAS ATÉ 10 DE MAIO DE 2020, DE ACORDO COM OS DECRETOS DO GOVERNADOR DE SÃO PAULO, QUANDO ENTAO A SITUAÇÃO PODERÁ SER REAVALIADA DE ACORDO COM AS NOVAS ORIENTAÇÕES, SEM PREJUÍZO DO CONSENSO ENTRE OS PAIS – CONTATO DO PAI COM A PROLE QUE DEVE SER GARANTIDO MEDIANTE A UTILIZAÇÃO DE LIGAÇÕES TELEFÔNICAS, VIDEOCHAMADAS OU OUTROS MEIOS SEMELHANTES – SITUAÇÃO ATÍPICA QUE EXIGE ADAPTAÇÕES – DECISÃO MANTIDA – AGRAVO DESPROVIDO. (TJ-SP – AI: 20742689320208260000 SP 2074268-93.2020.8.26.0000, Relator: Theo Dureto Camargo, Data de Julgamento: 30/06/2020, 8ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 30/06/2020)”.

 

Por outro lado, em muitos casos, a suspensão do convívio fora revista pelo Judiciário com o passar dos dias, uma vez não poder perdurar por período indeterminado. No Mato Grosso, por exemplo, o convívio foi restabelecido.

 

“A Justiça de Mato Grosso restabeleceu a convivência entre pai e filha que foram afastados após viagem da mãe levando a menina para o interior do estado. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a juíza Angela Gimenez, da 1ª Vara de Família e Sucessões de Cuiabá, determinou que a genitora retorne com a menina para a capital. Em seu entendimento, a pandemia do coronavírus e os demais argumentos apresentados pela requerida não justificam a transgressão da guarda compartilhada.

A mãe havia pleiteado a suspensão temporária do direito de convivência do pai ante à situação de distanciamento social por conta da proliferação da COVID-19. Com a suspensão das aulas da filha, a genitora optou por ficar em uma cidade menor, onde a doença não se alastrou, visando o bem-estar da criança.

A magistrada indeferiu o pleito e deu o prazo de cinco dias para retorno da mãe com a filha, sob pena de busca e apreensão da criança. Até a chegada à cidade, o pai deverá ter informações e contato com a filha por meio de recursos digitais, como WhatsApp. Em sua decisão, a juíza destacou que o momento de pandemia exige condutas excepcionais, mas não pode colocar em risco os direitos das crianças, como o convívio com os dois genitores, o que comprometeria seu pleno desenvolvimento (ASCOM IBDFAM, 2020, p.1)”.

 

Deste modo, os casos práticos indicam o crescimento de alegações de alienação parental e descumprimento das normas da guarda compartilhada em razão da suspensão de convivência.

Assim, há uma tendência pela prevalência das normas fixadas pela guarda compartilhada (GIMENEZ, 2020), mas nem por isso, desconsidera-se o risco de contaminação causado pela Covid-19. Desta feita, por ser situação excepcional, as análises judiciais tendem a considerar as características fáticas, a realidade local, com entendimentos que podem influenciar casos futuros.

 

Conclusão

A decretação de estado de pandemia causada pela disseminação do vírus da Covid-19, ou novo Corona vírus, causou impacto da vida de toda a população mundial. Em razão do alto grau de contaminação, as pessoas tiveram que se readaptar a nova realidade, reduzindo a convivência e o contato entre si.

A orientação de isolamento social desencadeou mudança nas relações entre os indivíduos, não apenas no âmbito profissional, cultural, etc., mas principalmente nos relacionamentos familiares, com o afastamento de entes queridos. Para os infantes, o impacto também é grande.

Assim, mesmo com a fixação de regras anteriores em razão da guarda compartilhada, com a Covid, muitos genitores, por conta própria, interromperam o período de convivência das crianças e dos adolescentes para com o outro genitor. Ocorre que a situação pandêmica não se resolveu em poucos dias; ao contrário, já se passou mais de um ano e até hoje persiste o risco à saúde de todos os indivíduos.

Em um primeiro momento, a situação de calamidade pública justificou a interrupção de convívio de várias pessoas. Mas tal vedação de contato não pode se prolongar indefinidamente.

Neste contexto, é possível que se caracterize a alienação parental em razão da proibição de convívio entre pais e filhos, à medida que, a jurisprudência já passou a entender que deve se considerar o caso concreto e não apenas suspender indeterminadamente o contato com o genitor.

Deste modo, o melhor interesse do menor deve ser atendido caso a caso, haja vista que, existem situações em que o risco de contágio não se sobrepõe ao direito de convivência, uma vez que, as orientações sanitárias se aplicam a todas as situações.

 

Referências

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