Habeas corpus

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Resumo: De acordo com o art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal de 1988, “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. Do disposto pelo referido artigo, conclui-se que o habeas corpus é ação constitucional para a tutela da liberdade de locomoção.  Consubstancia-se em uma ordem dada pelo Juiz ou Tribunal para que o coator (Poder Público ou particular) cesse tal constrangimento. É o meio jurídico mais eficaz e célere para fazer cessar uma prisão ilegal, embora não seja o único. O habeas corpus possui natureza jurídica de ação constitucional, porque prevista na Constituição, embora tenha sido incluído no Código de Processo Penal no capítulo dos recursos. Salienta-se que não é recurso, mas, sim, ação autônoma. Possui procedimento sumário e gratuito, conforme art. 5º, LXXVII da CF/88. As regras de competência jurisdicional originária e recursal para apreciação da ação de habeas corpus são reguladas pela Constituição Federal de acordo com o cargo ocupado pela autoridade apontada como coatora ou paciente.

Palavras-chave: Remédios Constitucionais. Constituição Federal. Habeas Corpus. Direito de Locomoção.

Abstract: According to art. 5, LXVIII, the Federal Constitution of 1988 "award shall be habeas corpus whenever someone suffers or is in danger of suffering violence or coercion against his freedom of movement, for illegality or abuse of power." The provisions of the said Article, it is concluded that habeas corpus is constitutional action for the protection of freedom of movement. Embodied in an order given by the judge or court that the constraining party (government or private) cease such embarrassment. It is the most effective and expeditious legal means to stop an illegal prison, though not the only one. Habeas corpus has legal constitutional action, as provided for in the Constitution, although it was included in the Criminal Procedure Code Chapter of resources. Please note that it is not feature, but rather autonomous action. It has summary and free procedure as art. 5, LXXVII of CF / 88. The rules of jurisdiction and original appeal for consideration of habeas corpus action are governed by the Constitution according to the position held by the authority identified as constraining or patient.

Keywords: Constitutional Remedies. Federal Constitution. Habeas Corpus. Law Locomotion.

Sumário: 1.  Introdução. 2. Conceito. 3. Histórico. 4. Natureza Jurídica. 5. Procedimento e Partes. 5.1. Impetrante. 5.2. Impetrado. 6. Competência. 7. Hipóteses e Espécies. 7.1. Habeas Corpus Preventivo. 7.2. Habeas Corpus Liberatório. 7.3. Liminar em Habeas Corpus 8. Casos Especiais. 8.1. Habeas Corpus Impetrado Contra Turma do STF. 8.2. Habeas Corpus Contra Ato Ilegal Imputado a Promotor de Justiça. 8.3. Habeas Corpus Contra Ato de Turma Recursal de Juizados Especiais Criminais. 8.4. Habeas Corpus Contra Ato do Juiz Especial nos Juizados Especiais Criminais. 8.5. Punições Disciplinares Militares. 8.6. Empate no Habeas Corpus. 9. Considerações Finais. 10. Referências Bibliográficas.

INTRODUÇÃO

Remédios de direito constitucional são os meios colocados à disposição dos indivíduos pela Constituição Federal para a proteção de seus direitos fundamentais e devem ser utilizados quando o simples enunciado desses direitos não é suficiente para assegurá-los. Esses remédios, quando visam provocar a atividade jurisdicional do Estado, são denominados “ações constitucionais”, porque previstas na própria Constituição.

O presente artigo terá como linha de pesquisa doutrinária e jurisprudencial o estudo de uma dessas ações constitucionais, o habeas corpus (art. 5º, LXVIII, CF/88).

CONCEITO

De acordo com o art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal de 1988, “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. Do disposto pelo referido artigo, conclui-se que o habeas corpus é ação constitucional para a tutela da liberdade de locomoção.  Consubstancia-se em uma ordem dada pelo Juiz ou Tribunal para que o coator (Poder Público ou particular) cesse tal constrangimento. É o meio jurídico mais eficaz e célere para fazer cessar uma prisão ilegal, embora não seja o único.

HISTÓRICO

A origem mais apontada pelos doutrinadores é a Magna Carta, outorgada pelo Rei João Sem Terra, em 1215, na Inglaterra, cedendo à pressão dos barões. Citam, também, a edição da Petition of Rights, que culminou com o Habeas Corpus Act, de 1697, no reinado de Carlos II.

No Brasil, embora introduzido com o Alvará de Dom Pedro I, de 23/05/1821, que proibia prisões arbitrárias, implícito na Constituição Imperial de 1824, que tutelou a liberdade de locomoção (art. 179, VII, VIII e IX), o habeas corpus surgiu expressamente com o Código de Processo Criminal de 1832 (Lei n. 127, de 29/11/1932, arts. 183-188) e elevou-se a regra constitucional na Carta de 1891, após proclamação da República. Pela primeira vez tivemos a constitucionalização do habeas corpus: “art. 77, §22. Dar-se-á o habeas corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder”.

Formou-se, dessa forma, a denominada “doutrina brasileira do habeas corpus”, que permitia a utilização desse recurso não somente para a tutela da liberdade de locomoção, mas para os demais direitos que tinham como pressuposto básico a locomoção.

A propósito, observam Ada Pellegrini, Gomes Filho e Scarance Fernandes:

“Na verdade, três posições firmaram-se com o advento da Constituição republicana: alguns, como Rui Barbosa, sustentavam que a garantia deveria ser aplicada em todos os casos em que um direito estivesse ameaçado, manietado, impossibilitado no seu exercício por abuso de poder ou ilegalidade; em sentido oposto, afirmava-se que o habeas corpus, por sua natureza e origem histórica, era remédio destinado exclusivamente à proteção da liberdade de locomoção; e finalmente, uma terceira corrente, vencedora no seio do Supremo Tribunal Federal, propugnava incluir na proteção do habeas corpus não só os casos de restrição da liberdade de locomoção, como também as situações em que a ofensa a essa liberdade fosse meio de ofender outro direito. Assim, exemplificava Pedro Lessa: quando se ofende a liberdade religiosa, obstando que alguém penetre no templo, tem cabimento o habeas corpus, pois foi embaraçando a liberdade de locomoção que se feriu a liberdade religiosa; quando se ofende a liberdade religiosa, porque se arrasam as igrejas, ou se destroem os objetos do culto, não é possível requerer o remédio, porque ai não está em jogo a liberdade de locomoção das pessoas.”(GRINOVER, GOMES FILHO, FERNANDES, 2004, pags. 347 e 348).

A “teoria brasileira do habeas corpus” perdurou até o advento da Reforma Constitucional de 1926, quando foi imposto o exercício da garantia somente para os casos de lesão ou ameaça de lesão à liberdade de ir e vir. O art. 72, §22, da CF/1891, passou a vigorar com a seguinte redação: “Dar-se-á o habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência por meio de prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção”. Para a defesa dos outros direitos violados por atos ilegais de autoridades públicas, a Constituição de 1934 veio a criar o mandado de segurança.

Todas as demais Constituições brasileiras, sem qualquer exceção, incorporaram a garantia do habeas corpus, que somente foi suspensa pelo Ato Institucional n. 5, de 1968, no que concerne aos crimes políticos, contra a segurança nacional, contra a ordem econômica e social e contra a economia popular.

NATUREZA JURÍDICA

O habeas corpus possui natureza jurídica de ação constitucional, porque prevista na Constituição, embora tenha sido incluído no Código de Processo Penal no capítulo dos recursos. Salienta-se que não é recurso, mas, sim, ação autônoma. Possui procedimento sumário e gratuito, conforme art. 5º, LXXVII da CF/88: “são gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania”.  Pode ser utilizado como ação cautelar, declaratória ou constitutiva (CPP, art. 648, I a V) ou como ação rescisória constitutiva negativa (CPP, art. 648, VI e VII). Abrange tanto a esfera penal como a civil, desde que haja constrangimento ilegal efetivo ou potencial a liberdade de ir e vir. Cita-se como exemplos de sua utilização na esfera civil as questões referentes à prisão civil por débitos alimentares ou de depositários infiéis e a internação irregular em hospital psiquiátrico.

PROCEDIMENTO E PARTES

Num primeiro momento, cabe esclarecer a nomenclatura dada às partes na ação de habeas corpus. O autor da ação recebe o nome de impetrante; o indivíduo em favor do qual se impetra, paciente (podendo ser o próprio impetrante), que necessariamente será pessoa física, e a autoridade que pratica a ilegalidade ou abuso de poder, autoridade coatora ou impetrado. A partir daí, analisaremos cada uma delas separadamente.

Impetrante (legitimidade ativa)

É a pessoa que ingressa com a ação de habeas corpus. Qualquer do povo, nacional ou estrangeiro, independentemente de idade ou estado mental pode fazer uso do habeas corpus, em nome próprio ou de terceiros. Quando em nome de terceiros, exige a jurisprudência da Corte Constitucional, que o paciente seja ouvido, a fim de que esclareça sobre o seu interesse pessoal na impetração. É o que preceitua o art. 192, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RI/STF): “não se conhecerá de pedido desautorizado pelo paciente”.

Para estrangeiros, exige-se que a petição esteja redigida em português, sob pena de não- conhecimento do writ constitucional[1].

Os menores e deficientes mentais não precisam estar assistidos por outrem.

A legitimidade é reconhecida inclusive ao membro do Ministério Público, como defensor da ordem jurídica e dos direitos individuais indisponíveis (Lei 8.625/93, art. 32, I)[2].

Também não se exige a capacidade postulatória, para a propositura da ação, de acordo com o estatuto da OAB (Lei 8.960/94), em seu art. 1º, § 1º: “não se inclui na atividade privativa de advocacia a impetração de habeas corpus em qualquer instância ou tribunal”. Dessa forma, dispensa-se a juntada de procuração em nome próprio ou de terceiro.

Tratando-se de analfabeto, admite-se a assinatura a rogo (CPP, art. 654, §1º, c).

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É inadmissível a impetração apócrifa. A desistência da ação, por outro lado, é plenamente aceita pela jurisprudência do STF e STJ, salvo se maléfica ao paciente.

O magistrado, quando no exercício da atividade jurisdicional, pode concedê-lo de ofício, como exceção ao princípio da inércia do órgão jurisdicional (CPP, art. 654, § 2º)[3]. Observa-se, contudo, que se não estiver exercendo a atividade jurisdicional, impetrará o habeas corpus, já que atuará como pessoa comum.

O Supremo Tribunal Federal admite-a via fax, condicionando seu conhecimento a que seja ele ratificado pelo impetrante no prazo estipulado pelo ministro relator[4].

Por fim, se aceita a impetração do remédio heróico (denominação dada ao habeas corpus) por pessoa jurídica, embora nunca possa ser beneficiária, pois ela deve usufruir de todos os direitos e garantias individuais compatíveis com sua condição, como preceitua o art. 5º da CF/88. Nesse sentido, se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:

“não há dúvida de que a pessoa jurídica pode impetrar o habeas corpus, mas aquele que a representa legalmente deve, de plano ou no prazo assinado, comprovar isso. Se o signatário da inicial não comprova a condição invocada, de rigor o não reconhecimento do writ”[5]

Impetrado (legitimidade passiva)

O habeas corpus deverá ser interposto contra atos de autoridades públicas sob a ordem de quem se encontra preso o paciente, por ilegalidade ou abuso de poder, normalmente delegados de polícia, promotores, juízes e tribunais.

As hipóteses de habeas corpus estão elencadas no art. 648 do Código de Processo Penal, embora não sejam taxativas. São elas:

“I – quando não houver justa causa;”

Ocorre quando não estão previstos os requisitos legais para a prisão. Por exemplo, se o fato narrado não constituir crime (art. 43, I do CPP), se o crime já estiver prescrito (art. 43, II do CPP), se for manifesta a ilegitimidade de parte ou se faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal (art. 43, II do CPP).

 “II – quando alguém estiver preso por mais tempo que a lei determina;”

Casos e que os presos são constrangidos em sua liberdade de locomoção além do fixado na sua condenação ou quando não são liberados depois de preenchidos os requisitos para a concessão da liberdade condicional. Isso normalmente ocorre por negligência do Cartório, que deixa de expedir o Alvará de Soltura com antecedência necessária.

“III – quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo;”

Excluída a hipótese de flagrante delito ou crimes e transgressões militares, toda e qualquer prisão só poderá ser determinada pela autoridade judicial competente (CF/88, art. 5º, LXI). Dessa forma, se a autoridade policial decretar prisão fora da exceção do flagrante delito incorrerá em constrangimento ilegal, porque lhe falta competência para tanto.

“IV – quando houver cessado o motivo que autorizou a coação;”

Ou seja, quando o fato deixar de ser considerado crime pelo diploma legal repressivo, como no caso do crime de adultério, revogado pela Lei 11.106 de 2005.

“V – quando não for alguém admitido a prestar fiança nos casos em que a lei a autoriza;”

Nos crimes afiançáveis, a autoridade policial ou judicial (conforme o tipo de pena restritiva de direito – reclusão ou detenção, respectivamente) deve permitir que o indiciado pague a fiança para responder o inquérito em liberdade. Não sendo essa concedida, caberá a ação de habeas corpus.

À luz do art. 323 do CPP, todos os crimes cuja pena mínima não exceda dois anos de reclusão poderão ser admitidos a prestar fiança, com exceção de alguns que causam grande clamor público, como os hediondos, tráfico de entorpecentes, terrorismo e racismo ou quando reincidente em crime doloso.

 “VI – quando o processo for manifestamente nulo;”

O processo é nulo quando eivado de vício que nunca poderá ser reparado, como nos casos de cerceamento de defesa, de falta de fundamentação na fixação da pena.

“VII – quando extinta a punibilidade;”

Extingue-se a punibilidade nos termos do art. 107 do Código penal: I – pela morte do agente; II – pela anistia, graça ou indulto; III – pela retroatividade da lei que não considera mais o fato como criminoso; IV – pela prescrição, decadência ou perempção; V – pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada; VI – pela retratação do agente nos casos em que a lei admite; VII – pelo casamento do agente com a vítima, nos crimes contra os costumes, se cometidos sem violência real ou grave ameaça e desde que a ofendida não requeira o prosseguimento do inquérito policial ou da ação penal no prazo de sessenta dias a contar da celebração; IX – pelo perdão judicial, nos termos previstos em lei.

Também é possível que o impetrado seja particular que, de alguma forma, esteja coagindo ou na iminência de coagir o direito de ir e vir do paciente, por ilegalidade (particulares não praticam abuso de poder). Por óbvio que, na maior parte das vezes, sua ação constituirá crime previsto na legislação penal, bastando a intervenção policial para fazê-la cessar. Há casos, porém, que será difícil a atuação da polícia, como nas internações irregulares em clínicas psiquiátricas e hospitais, que, por exemplo, negam alta a seus pacientes em virtude do não pagamento de despesas. Nesses casos, é plenamente viável a utilização do remédio heróico. Vejamos algumas jurisprudências sobre o assunto:

“Habeas corpus – cabimento contra ato de particular: ’ Desde que a Constituição da República não faz distinção entre coação exercida por autoridade pública e por particular, não será lícito fazê-lo jurisprudencialmente, sob pena de restrição indevida a direito e garantia fundamental do cidadão.[6] ’”

O Tribunal de Justiça de São Paulo, unanimemente, entendeu que: “o particular pode, em casos especiais, praticar ato ilegal, sanável pelo remédio heróico do habeas corpus. É o caso de constrangimento ilegal (art. 146) e do cárcere privado (art. 148), ambos do CP” [7].

Para finalizar, salientamos que, o Ordenamento Jurídico brasileiro possibilita que o prejudicado recorra aos meios judiciais para garantir justa indenização em caso de cerceamento de sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder, realizado pelo poder público ou pelos particulares.

Em relação ao Poder Público, observemos o que preceitua a Magna Carta, em seu art. 5°, LXXV: “O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”.

Contra particulares, a indenização tem fulcro nos arts. 186 e 927 ambos do Código Civil Brasileiro de 2002.

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

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“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

COMPETÊNCIA

As regras de competência jurisdicional originária e recursal para apreciação da ação de habeas corpus são reguladas pela Constituição Federal de acordo com o cargo ocupado pela autoridade apontada como coatora ou paciente. Os casos de competência originária do STF estão mencionados no art. 102, I, “d” e “i” e, em sede de recurso ordinário, no art. 102, II, “a” da Constituição. Merece destaque a letra “i” do art. 102, I, da Lei Maior, in verbis:

“art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I – processar e julgar, originariamente:(…)

i)      o habeas corpus, quando o coator for Tribunal Superior  ou quando coator ou paciente for funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância[8];(…)”.

Da análise da referida letra, observa-se que ao STF compete julgar originariamente ações de habeas corpus quando a autoridade coatora for Tribunal Superior, vale dizer, Superior Tribunal de Justiça, Superior Tribunal Militar, Tribunal Superior Eleitoral e Tribunal Superior do Trabalho.

Observe-se, porém, que até a promulgação da Emenda Constitucional 22/99 o STF detinha competência para conhecer o habeas corpus impetrado contra qualquer Tribunal, ou seja, além daqueles, contra os Tribunais Regionais Federais, Tribunais de Justiça, Tribunais Militares dos Estados e Tribunais de Alçada.

Nesse contexto citaremos as lições de Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes:

"Até a edição da Emenda Constitucional n.º 22/99, a competência do STF para julgar o habeas corpus abrangia todos os casos que a coação fosse atribuída a um tribunal, incluindo-se nessa expressão tanto os Tribunais Superiores como os Tribunais Regionais Federais, Tribunais de Justiça dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, bem como os Tribunais Militares Estaduais (STF, DJU 21.08.1992, p. 12.781). Depois da referida Emenda, a competência, nos últimos casos, passou a ser do Superior Tribunal de Justiça, restando a competência do STF apenas as hipóteses de coação atribuída aos Tribunais Superiores". (GRINOVER, GOMES FILHO, FERNANDES, 2001, p. 342).

Portanto, o STF não tem mais competência para processar e julgar originariamente os habeas corpus dirigidos contra os colegiados dos Tribunais Regionais Federais, Tribunais de Justiça estaduais ou Tribunais Militares estaduais. Essa passou a ser do Superior Tribunal de Justiça, com possibilidade de recurso ordinário constitucional dirigido ao Pretório Excelso, desde que a decisão seja denegatória, conforme artigos 105, I, c e 102, II, a da CF/88[9].

As hipóteses de competência originária do Superior Tribunal de Justiça estão elencadas no art. 105, I, c, enquanto as de competência originária dos Tribunais Regionais Federais estão mencionadas no art. 108, I, d, da Magna Carta. As Constituições Estaduais estabelecem casos de competência originária perante os Tribunais de Justiça.

HIPÓTESES E ESPÉCIES

1. HABEAS CORPUS PREVENTIVO (SALVO-CONDUTO)

Quando alguém se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção[10], por ilegalidade ou abuso de poder, poderá obter um salvo-conduto, documento emitido pela autoridade competente, impedindo sua prisão ou detenção pelo motivo que ensejou o habeas corpus.

2. HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO OU REPRESSIVO

Quando alguém estiver sofrendo a violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder, poderá ser concedido o writ para fazer cessar o constrangimento existente.

3. LIMINAR EM HABEAS CORPUS

A liminar em habeas corpus será expedida para repelir possível constrangimento à liberdade de locomoção, em ambas as espécies (preventiva e repressiva), exigindo-se, para tanto, os pressupostos do periculum in mora – probabilidade de dado irreparávele fumus boni juris – ilegalidade no constrangimento. Nesse sentido, Mirabete lembra que,

“embora desconhecida na legislação referente ao habeas corpus, foi introduzida nesse remédio jurídico, pela jurisprudência, a figura da ‘liminar’, que visa atender casos em que a cassação da coação ilegal exige pronta intervenção do Judiciário. Passou, assim, a ser mencionada nos regimentos internos dos tribunais a possibilidade de concessão de liminar pelo relator, ou seja, a expedição do salvo conduto ou a ordem liberatória provisória antes do processamento do pedido, em caso de urgência”,

Concluindo que

“como medida cautelar excepcional, a liminar em habeas corpus exige requisitos: o periculum in mora (probabilidade de dano irreparável) e o fumus boni juris (elementos da interpretação que indiquem a existência de ilegalidade no constrangimento)”. (MIRABETE, 1996, pag. 765).

CASOS ESPECIAIS

1. HABEAS CORPUS IMPETRADO CONTRA TURMA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

As decisões de qualquer das Turmas do STF são inatacáveis por habeas corpus, uma vez que a Turma, quando profere julgamento em matéria de sua competência representa a própria Corte Constitucional[11].

2. HABEAS CORPUS CONTRA ATO ILEGAL IMPUTADO A PROMOTOR DE JUSTIÇA

Compete ao Tribunal de Justiça, em razão da pessoa e em face dos arts. 96, III, e 125, § 1º da Magna Carta, processar e julgar o habeas corpus contra ato ilegal imputado a promotor de justiça, conforme entendimento pacífico do Pretório Excelso. Se a coação for de membro do Ministério Público Federal que atua perante a 1ª instância da Justiça Federal, a competência será do Tribunal Regional Federal[12].

3. HABEAS CORPUS CONTRA ATO DE TURMA RECURSAL DE JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS

Em se tratando de Juizados Especiais, cabe lembrar que o segundo grau de jurisdição é exercido pelas Turmas Recursais, compostas por três juízes togados, em exercício no primeiro grau de jurisdição, ou seja, são órgãos colegiados de primeiro grau, conforme arts. 41,§ 1º e 82 da Lei 9099/95.

Com a edição da EC nº 22/99, a competência para julgamento dos habeas corpus contra atos das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Criminais passaria, em tese, para o Superior Tribunal de Justiça, tendo em vista que ao Supremo só competiria o conhecimento dos habeas corpus impetrados contra Tribunais Superiores, conforme visto anteriormente. Contudo, não foi esse o entendimento inicial da Suprema Corte, que editou a Súmula 690, para pacificar o assunto: “Compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal o julgamento dos habeas corpus contra decisão de Turma Recursal dos Juizados Especiais Criminais”. O STF “considerou que, mesmo com a nova redação da EC nº 22/99, permaneceu o silêncio da CF a respeito do habeas corpus contra ato das turmas recursais, subsistindo, portanto, o entendimento proferido pelo STF no julgamento do HC 71.713 – PB (julgado em 26-10-94, acórdão pendente de publicação), em que se decidiu que a brevidade dos juizados especiais não dispensa o controle de constitucionalidade de normas, estando as decisões de turmas recursais exclusivamente sujeitas à jurisdição do STF”.[13]

Porém, o Supremo reavaliou seu ponto de vista, concluindo que a competência seria do Tribunal de Justiça local, e não sua, entendendo superada a Súmula 690, conforme firmado no julgamento do HC 86.834/SP (rel. Min. Marco Aurélio, j. 23.08.2006, inf. 437/STF). As Turmas Recursais, por serem órgãos de primeiro grau, são subordinadas aos Tribunais de Justiça, o que não justificaria o julgamento do remédio heróico pelo STF, suprimindo a hierarquia dos órgãos jurisdicionais.

4. HABEAS CORPUS CONTRA ATO DO JUIZ ESPECIAL NOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS

Compete aos Tribunais de Justiça processar e julgar as ações de habeas corpus contra atos dos juízes especiais nos Juizados Especiais Criminais, uma vez que o art. 98, I, da Constituição Federal prevê a possibilidade de julgamento de recursos pelas turmas de juízes de primeiro grau, o que exclui de sua competência a ação autônoma do habeas corpus.

Da mesma forma, os Tribunais Regionais Federais serão competentes para conhecer e julgar os habeas corpus impetrados contra atos dos Juízes Federais que atuem nos Juizados Especiais Federais, nos termos do art. 108, I, d, da Magna Carta[14].

5. PUNIÇÕES DISCIPLINARES MILITARES

Prescreve o art. 142, §2º da CF/88 que não caberá habeas corpus em relação às punições disciplinares militares fulcro nos pressupostos da hierarquia e disciplina inerentes às instituições militares. Tal regra, contudo, não pode ser interpretada de forma literal. A jurisprudência e a doutrina já firmaram a muito entendimento pacífico no sentido de que o remédio heróico só não será possível para análise do mérito das referidas punições, não abrangendo, contudo, os pressupostos de legalidade, quais sejam, hierarquia, poder disciplinar, ato ligado à função e pena suscetível de ser aplicada disciplinarmente[15].

Essa regra também se aplica aos militares dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, por força do art. 42, § 1º, com redação dada pela EC n. 18/98.

6. EMPATE NO HABEAS CORPUS

Ocorrendo empate na decisão em sede de habeas corpus, prevalecerá a decisão mais favorável ao paciente, independentemente de tratar-se de ação originária, recurso ordinário constitucional, recurso especial ou recurso extraordinário[16].

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para concluir o presente estudo, analisaremos algumas das incoerências entre o que prevê a Constituição Federal e o que realmente ocorre no quotidiano das pessoas que necessitam utilizar o habeas corpus. Sabe-se que é a ação constitucional para a tutela da liberdade de locomoção, utilizada sempre que alguém estiver sofrendo, ou na iminência de sofrer, constrangimento ilegal em seu direito de ir e vir. Contudo, pergunta-se: todos sabem fazer valer esse direito? Ou apenas uma minoria privilegiada utiliza-o com frequência, pela simples ameaça de sofrer prisão. Privilegiados econômico e politicamente descobrem, normalmente por métodos escusos, que contra eles correm inquéritos policiais que, provavelmente, ensejarão suas prisões provisórias. Inexplicavelmente, conseguem com imensa rapidez o habeas corpus preventivo, livrando-se da cadeia. Por outro lado, vemos diuturnamente centenas de pessoas que permanecem encarceradas ilegalmente, sem saber a quem recorrer para resguardar seu direito de ir e vir, “gratuito”, e que a “Constituição Cidadã” garante a “todos”, indistintamente.

 

Referências
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Notas
[1] STF – HC nº 72.391 – 8, Plenário, Rel. Min. Celso de Mello, v.u., DJU, 17 mar. 1995, p. 5.791.

[2] Lei nº 8.625/93 – art. 32 – Além de outras funções cometidas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e demais leis, compete aos Promotores de Justiça, dentro de suas esferas de atribuições: I – impetrar habeas corpus e mandado de segurança e requerer correição parcial, inclusive perante os Tribunais locais competentes.

[3] CPP – art. 654, § 2º. Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal.

[4] Informativo STF nº 45: STF – Habeas Corpus nº 74.221 – AL, Rel. Min. Ilmar Galvão, 17-9-96. Precedente citado: HC 71084-RS (DJ, de 10-6-94).

[5] STJ – 5ª T. – RHC nº 3.716 – 41PR – Rel. Min. Jesus da Costa Lima, Ementário, 10/680; RT 598/322; RJTJSP 126/519.

[6] TJSP, 3ª Câm. Crim. RHC 137.873/Votuporanga, Rel. Des. Luiz Pantaleão, decisão de 1º-3-1993, /T/ (SP), Lex, 142:375)

[7] TJSP, RT, 548:339.

[8] Redação determinada pela EC n. 22, de 18.03.1999.

[9] Observe-se, porém, conforme decidiu a 1ª Turma do STF, que, “tratando-se de pedido de extensão de habeas corpus concedido pelo STF antes da promulgação da EC 22/99, esta Corte continua competente para julgar tal pedido” (STF – 1ª T. – HC nº 77.760 – SP – questão de ordem – Rel. Min. Octávio Gallotti, decisão 23.3.99 – informativo STF nº 143, 7 de abril de 1999).

[10] STJ – 6ª T. – HC nº 1.288-3 PB – Rel. Min. José Cândido – v.u. – Diário de Justiça, Seção I, 16-11-92 – p. 21.163.

[11] STF – Habeas Corpus n° 74.507-5 /MG – Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 14 out. 1996, p. 38.881.

[12] STJ – 5ª T. – HC nº 71.713-6 – Rel. Min. Sepulveda Pertence, Plenário, v.m., Diário de Justiça, 4 nov. 1994, p. 29.827; STF – HC 72.582-1, 1ª T., relatado pelo Ministro Ilmar Galvão, Diário da Justiça, 20 out. 1995, p. 35.258.

[13] STF – 1ª T. – HC nº 78.317/RJ – Rel. Min. Octávio Gallotti, decisão: 21-5-99 – Informativo STF n° 149.

[14] CF, art. 108, I, d: “Compete aos Tribunais Regionais Federais processar e julgar originariamente os habeas corpus quando a autoridade coatora for juiz federal”.

[15] STF – Habeas Corpus nº 70.648-7/RJ – Diário da Justiça, Seção I, 21 jun. 1996, p. 22.293.

[16] STF – 1ª T. – Habeas Corpus n° 72.445-1/DF – Rel. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção I, 22 set. 1995, p. 30.592. STF – 2º T. – HC nº 74.750-7/PB – Rel. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção I, 26 nov. 1999. P. 84.


Informações Sobre o Autor

Anderson Nunes dos Santos

Bacharel em Direito FURG especialista em Direito Constitucional Aplicado Faculdade Damásio de Jesus pós-graduando em Direito Previdenciário UNOPAR graduando em História Licenciatura. Policial Rodoviário Federal


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