Resumo: O positivismo surgiu como resposta à abstração do Direito Natural e trouxe consigo forma rígidas de interepretação . A escola da Exegese, junto ao Código de Napoleão, é o ápice dessa forma de enxergar o Direito, de forma literal, racional e gramatical. Ao juiz cabia apenas a aplicação da lei, de forma superficial, sua vontade era a vontade do legislador.[1]
O positivismo surgiu como uma forma prática e realista à abstração e ao idealismo do Direito Natural (supostamente imutável e eterno), expressando-se por meio das normas válidas de um determinado espaço e tempo. Para uma revisão conceitual, é relevante a perspectiva histórica, daí o desmembramento em três períodos principais.
A Escola da Exegese surgiu como uma das consequências da criação do Código de Napoleão (1804), forma de interpretação que ocorria mediante privilégio dos aspectos gramaticais e lógicos. Com ela, tem-se o ápice do positivismo jurídico.
Com o declínio do pensamento Jusnaturalista e sua aparente compreensão acerca da justiça, houve a ascensão do positivismo, que também foi criticado, posteriormente, por seu apelo excessivo à subsunção (fato-norma) sem observação dos valores.
Para um melhor entendimento do tema principal, é importante ressaltar algumas considerações a respeito do Direito Natural. O Jusnaturalismo, de modo geral, divide-se nos períodos: Cosmológico (séc.VI – Pitágoras) – cuja essência vem do universo – ; Teológico (séc.XI e XII – Tomás de Aquino) – lei estabelecida pela vontade de Deus – , e Antropológico (séc.XVII e XIII – Rousseau) – provem do homem e da razão.
O Direito Natural, de outra banda, embasava-se na lei divina, na verdade revelada, em que não há predeterminação. Essa forma de pensar o Direito reflete características como a imutabilidade e a eternidade.
Em Antígona, obra de Sófocles, é claro o clamor ao Direito dos deuses feito por Antígona, ao enterrar seu irmão, que foi condenado a torna-se insepulto por um decreto de Creonte. Quando Creonte descobre que Antígona desobedeceu a o decreto e enterrou seu irmão (a pena para quem transgredisse sua lei era o apedrejamento dentro da cidade), Creonte fala a ela: “Mesmo assim ousaste transgredir minhas leis?” e Antígona responde:
“Não foi, com certeza, Zeus que as proclamou nem a Justiça com trono entre os deuses dos mortos as estabeleceu entre os homens. Nem eu supunha que tuas ordens tivessem o poder de superar as leis não-escritas, perenes, dos deuses, visto que és mortal. Pois elas não são nem de ontem, nem de hoje, mas são sempre vivas, nem se sabe quando surgiram”.[2]
Não há, entretanto, antagonismo real entre o Juspositivismo e o Direito Natural, porém acreditava-se que o Jusnaturalismo se sobrepunha ao Positivismo Jurídico, pois havia algo superior às leis postas pelo Estado, e esse espaço inerente ao Homem, de liberdade e justiça, deveria ser respeitado pelo Estado.
No período Antropológico, o Direito Natural se incorporou aos ordenamentos positivos ao lado do Iluminismo por sua nova forma racional e não mais submissa à Teologia. Porém, o Direito Natural foi marginalizado com a ascensão do positivismo e a apologia à cientificidade.
Após a Revolução Francesa, a França ansiava por um Direito Nacional, o que ocorreu com o nascimento do Código Civil francês sob ênfase do racionalismo. Logo, surgiu a Escola da Exegese, que tinha como escopo interpretar o Código Civil francês também de uma maneira nacional.
A Escola da Exegese consistia na reunião de vários juristas franceses que orientaram o processo de criação e de aplicação do Código de Napoleão, especialmente no que se refere à exegese do texto legal. O Código Civil napoleônico buscava unificar e positivar o Direito como ferramenta de controle social e político.
O Codicismo surgiu como fruto do Iluminismo, atualmente é comum pensar o Direito codificado, porém a codificação não se estende a todo o mundo, como nos países anglo-saxões, onde se aplica o “common law”, por exemplo. Os dois códigos mais importantes para evolução da codificação foram o Código de Justiano e o Código de Napoleão.
Norberto Bobbio diferencia essas duas codificações, afirmando que apenas o de Napoleão é um Código propriamente dito, ou seja, “um corpo de normas sistematicamente organizadas e expressamente elaboradas” [3]. Segundo Bobbio, o Corpus Iuris Civilis de Justiniano é uma compilação de leis prévias e não exatamente um código.
Segundo a Escola da Exegese, deveria haver uma interpretação nacional e racional do Direito, sendo exegeta aquele que esclarece algo considerado difícil e obscuro. No sentido normativo, é aquele que esclarece a real acepção da norma.
O Código Civil eliminou aspectos religiosos e morais, que antes havia no Corpus Iuris Civilis. Segundo Maria Helena Diniz, “O racionalismo buscava a simetria, construção lógica perfeita, o que o levou à utopia. Foi essa mesma simetria que conduziu os franceses à idolatria do Código de Napoleão” [4].
O modo de interpretação da Escola da Exegese era reduzido e superficial. A idéia desse corpo de normas era suprimir o máximo possível a obscuridade e a ambiguidade. O juiz não cabia nenhuma outra função que não fosse aplicar a lei pautado na suposta neutralidade e objetividade, a vontade do intérprete e do legislador era a mesma. Direito e Lei, nessa abordagem teórica, eram considerados sinônimos para a Escola da Exegese.
Durante a Revolução Francesa, alguns juízes se eximiam de julgar quando a lei era omissa, pois havia um estímulo máximo à separação dos poderes. Buscando evitar essa situação, o art. 4° do Código Civil impunha o juiz a decidir no silêncio, na obscuridade ou insuficiência da lei. Apesar de obrigar o juiz a proferir sua sentença, ele deveria encontrar a solução para a omissão, a obscuridade ou a insuficiência dentro da própria lei.
Apesar de o juiz ser obrigado a julgar, o princípio da separação dos poderes não seria ferido, ao juiz não era conferido o poder de produzir o Direito, mas apenas de aplicá-lo de acordo com o que estava predefinido no Código. Os operadores do Direito apenas se submetiam a autoridade do legislador (princípio da onipotência do legislador). Havia o apego à interpretação literal da lei sem distorcer a verdadeira vontade do legislador, a lei era certa, não havia espaço para interpretações feitas pelo juiz.
Para os codicistas, o ordenamento era considerado perfeito, bastando-se em si mesmo, não havia lacunas de Direito nem antinomias (dogma da completude) e todas as soluções se encontravam no Código, uma vez que o ordenamento (ou sistema) era considerado fechado e deveria achar soluções e justificativas dentro de si mesmo (autonomia).
Norberto Bobbio denomina a forma aguda desse fenômeno de “fetichismo da lei” [5], dessa forma, havia uma tendência a ater-se escrupulosamente aos códigos. Segundo um dos exegetas Mourlon, “Dura lex, sed lex[6]; um bom magistrado humilha sua razão diante da razão da lei” [7].
Havia, também, certa pressão do governo Napoleônico para que seu Código fosse ensinado nos cursos superiores de Direito e não mais os ideais jusnaturalistas, enfatizando o caráter identitário que era resguardado. Afinal, o Direito e o Código Civil eram uma das formas de dominação de que Napoleão dispunha.
Os principais representantes da Escola da Exegese são “Proudhon, Melville, Blondeau, Delvincourt, Huc, Aubry e Rau, Laurent, Marcadé, Demolombe, Troplong, Pothier, Baudry-Lacantinerie, Duraton, etc.” [8]. Os três principais períodos da Escola da Exegese são de 1804 a 1830 – Formação; de 1830 a 1880 – Apogeu, e 1880 em diante – Declínio (primeiras alterações no Código Civil francês).
O declínio da Escola da Exegese ocorreu pela ineficiência de seu processo interpretativo, a letra da lei, apenas, não era mais suficiente. Havia a necessidade de se recorrer a outras fontes e “conhecer não só a letra da lei, mas também o seu espírito” [9].
A escola da Exegese foi criticada por vários autores, entre eles: François Gény, Rudolf von Ihering, Eugen Ehrlich, etc. Em geral, as críticas se fundamentavam em torno do fetichismo da lei e da forma literal como se interpretava o Direito.
Esse momento, porém, não durou para sempre, e a complexidade social não mais comportou o modo de interpretação da Escola da Exegese. Para Recaséns Siches, “Uma lei indeformável somente existe numa sociedade imóvel” e, segundo Gaston Morand, o que ocorreu foi “a revolta dos fatos contra os códigos” [10].
A deficiência na dinamicidade da Escola da Exegese vinha não só da interpretação, mas também da forma como era considerado o sistema: fechado e estrito ao Código Civil. Por essas razões, o sistema era engessado e estático.
A escola da Exegese não acompanhou a dinâmica da sociedade, tomando a lei como única fonte do Direito. Havia uma inviabilização do ingresso, permanência e expulsão das leis, uma vez que o sistema era fechado e estrito ao Código Civil francês, o que o tornava engessado.
Os mitos da neutralidade e da completude também não acompanharam a dinamicidade da sociedade, uma vez que limitava a visão do intérprete e do legislador, hoje ambos os mitos são cada vez mais considerados ultrapassados. Tanto o juiz quanto o legislador reconhecem a existência de lacunas no ordenamento, utilizando, para isso, o princípio de freios e contrapesos, que busca harmonizar os três “poderes” e a interpretação principiológica.
O Código de Napoleão foi um grande avanço para a época e satisfez o que os franceses ansiavam, mas, depois de certo tempo, não foi mais suficiente devido a dinâmica e às críticas que advieram dos seus opositores, notadamente dos doutrinadores da Sociologia jurídica. Ocorreram, então, mudanças no Código Civil francês e, com elas, o início do declínio da Escola da Exegese.
Atualmente, a interpretação gramatical é considerada uma das mais falhas, exatamente por não levar em consideração fatores essenciais em uma sociedade dinâmica. O intérprete deve operar lucidamente de forma a considerar os valores sociais compreendendo que a lei e os códigos não são um fim em si mesmo, mas sim um meio para concretizar o Estado Democrático de Direito no qual estamos inseridos e, sobretudo, contribuindo para a desmistificação dos mitos que outrora estavam ínsitos à prática judiciária e doutrinária.
Informações Sobre o Autor
Liana Holanda de Melo
Advogada. Pós Graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Unichristus e Pós Graduanda em Direito Constitucional pela Universidade Estácio de Sá