ICMS. Tributação de lubrificantes em operação interestadual

Abordaremos neste artigo o regime de substituição tributária do ICMS na saída de lubrificantes para outros Estados, enfocando especificamente a peculiar legislação do Estado de Minas Gerais.

Nos termos da letra b, do inciso X, do § 2º, do art. 155, da CF não incide o ICMS sob operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica.

Normalmente, a doutrina considera como caso de imunidade a figura da não incidência constitucionalmente qualificada. Mas,  no caso sob exame não se trata de imunidade, porém, de não incidência tributária para favorecer o Estado destinatário, onde se dará o consumo, conforme já escrevemos com apoio da decisão plenária do Supremo Tribunal Federal, dos autos do RE nº 358956-3/RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 27-6-2008.[1]

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Por isso, a lei de regência nacional do ICMS, Lei Complementar nº 87/96, prescreveu:

Art. 2º. O imposto incide sobre:

§ 1º – O imposto incide também:

III – Sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente.”

Em outras palavras, o ICMS incide nas operações interestaduais de lubrificantes destinados ao consumidor final, isto é, não destinados à industrialização, nem à comercialização.

Porém, indubitável que não há incidência do ICMS na saída interestadual de lubrificantes, quando não destinados ao consumidor final.

Outrossim, o art. 9º dessa Lei Complementar nº 87/96 prescreveu a adoção do regime de substituição tributária, por meio de Convênio, relativamente às operações interestaduais de combustíveis, a fim de atribuir a responsabilidade pelo pagamento do imposto ao contribuinte que realizar a operação interestadual com lubrificante destinado ao consumidor final, como expresso está no § 2º, do art. 9º, in verbis:

§ 2º Nas operações interestaduais com as mercadorias de que tratam os incisos I[2] e II[3] do parágrafo anterior, que tenham como destinatário consumidor final, o imposto incidente na operação será devido ao Estado onde estiver localizado o adquirente e será pagão pelo remetente”.

E nos termos do Convênio ICMS nº 3, de 26-4-1999 que rege a matéria só se submetem ao aludido regime de substituição tributária às operações com lubrificantes não destinados à industrialização ou à comercialização. Senão vejamos:

Cláusula primeira – Ficam os Estados e o Distrito Federal, quando destinatários, autorizados a atribuir aos remetentes de combustíveis e lubrificantes, derivados ou não de petróleo, situados em outras unidades da Federação, a condição de contribuintes ou de sujeitos passivos por substituição, relativamente ao ICMS incidente sobre as operações com esses produtos, a partir da operação que os remetentes estiverem realizando, até a última, assegurando o seu recolhimento à unidade federada onde estiver localizado o destinatário:

§ 1º – O disposto nesta cláusula também se aplica:

III – Na entrada de combustíveis e lubrificantes derivados de petróleo, quando não destinados à industrialização, ou à comercialização pelo destinatário.”

Logo, quer em face a Lei Complementar nº 87/96, quer em decorrência do Convênio nº 3/99 a saída de lubrificantes para outro Estado que não seja destinado ao consumidor final não há incidência do ICMS com ou sem regime de substituição tributária. E lubrificante destinado à industrialização ou à comercialização não configura produto destinado ao consumidor final, sob pena de violação do significado etimológico da expressão. Lubrificante destinado a consumidor final é aquele utilizado pelo adquirente para consumo próprio. Exemplos: lubrificantes adquiridos para lubrificar fechaduras de portas, peças, máquinas, equipamentos etc.

O Convênio 81/93, por sua vez, que prescreve normas gerais a serem aplicadas a regimes de substituição tributária instituídos por convênios ou protocolos firmados entre os Estados, dispõe em sua cláusula oitava:

“Cláusula oitava – o sujeito passivo por substituição observará as normas da legislação da unidade da federação de destino da mercadoria.”

Essa cláusula está a significar que o substituto tributário deverá recolher o imposto, quando devido nos termos da Lei Complementar nº 87/96 e do Convênio nº 3/99,  segundo a legislação tributária do Estado destinatário, o que nos parece lógico e até  óbvio, pois a forma de recolhimento de imposto, bem como os prazos de recolhimento são definidos pela legislação de cada Estado membro da Federação.

Entretanto, essa cláusula oitava não tem o condão de conferir à legislação interna de cada Estado a faculdade de ampliar ou restringir os casos de substituição tributária em operação interestadual com lubrificantes,  muito menos de tributar aqueles lubrificantes destinados à industrialização mediante o artifício legislativo de restringir o conceito de produtos destinados à industrialização, como fez a Lei Estadual de Minas Gerais.

Realmente, disciplinando o disposto na Lei Complementar nº 87/96 e no Convênio ICMS nº 3/99 a Lei do Estado de Minas Gerais de nº 6.773/75 prescreveu:

"Art. 5º O Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS – tem como fato gerador as operações relativas à circulação de mercadorias e às prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

§ 1º O imposto incide sobre:

4. a entrada, em território mineiro, decorrente de operação interestadual, de petróleo, de lubrificantes e combustível líquido ou gasoso dele derivados e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização do próprio produto;"

Conforme se verifica da expressão final constante do inciso 4, do § 1º, do art. 5º há referência, “à industrialização do próprio produto”.

Ora, a norma legal de regência da matéria em âmbito nacional, a Lei Complementar nº 87/96, só permite a tributação de operação interestadual de lubrificante quando destinado a consumidor final, como se depreende do § 2º, do art. 9º retrotranscrito.

Daí porque o inciso III, do § 1º, da cláusula primeira do Convênio nº 3/99 somente submete à tributação a entrada de lubrificantes derivados de petróleo quando não destinados “à industrialização ou à comercialização pelo destinatário.”

 Há uma diferença sutil entre destinados “à própria industrialização” de que fala a Lei de Minas Gerais e destinados “à industrialização” de que tratam a Lei Complementar nº 87/96 e Convênio nº 3/99.  Se o Convênio quisesse atribuir o sentido da primeira expressão deveria referir-se “à sua industrialização” e não simplesmente destinados “à industrialização” que, à toda evidência,  significa produtos empregados no processo de industrialização, portanto, não destinados a consumidor final.

Por isso, essa expressão final da Lei de Minas Gerais não pode ser interpretada em sua literalidade, pois, não é lógico,  nem racional falar-se em industrialização do próprio lubrificante. Não é crível que algum industrial adquira lubrificante em outro Estado para fabricar outro lubrificante.

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Mas, o Decreto Mineiro de nº 43.080/2002, ao regulamentar esse art. 5º da Lei, deu interpretação coerente e harmoniosa com as disposições da Lei Complementar nº  87/96 e do Convênio nº 3/99, prescrevendo no inciso IV, do art. 18 de seu Anexo 15 que o regime de substituição tributária, pertinente à responsabilidade do alienante ou remetente da mercadoria pelo imposto devido nas operações subsequentes ou na entrada de mercadoria em operação interestadual NÃO SE APLICA “às operações que destinem mercadorias a estabelecimento industrial para emprego em processo de industrialização como matéria prima, produto intermediário ou material de embalagem.”

O Decreto nº 43.080/2002 bem distinguiu o lubrificante destinado à sua própria industrialização, do lubrificante destinado ao processo de industrialização que é objeto de regulamentação pelo Convênio 3/99, aplicável no âmbito nacional para todos os Estados signatários em seus estritos termos.

O conceito de industrialização compreende, não só, os produtos consumidos durante o processo industrial (insumos), como aqueles que compõem o produto final (produto secundário ou intermediário). Esses conceitos estão expressos na decisão normativa CAT nº 2/82 da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. Na lição do saudoso Aliomar Baleeiro, tanto os produtos intermediários, como os produtos secundários são considerados insumos como se depreende do seguinte texto:

“…é uma algaravia de origem espanhola, inexistente em português, empregada por alguns economistas para traduzir a expressão inglesa ‘input’, isto é, o conjunto dos fatores produtivos, como matérias primas, energia, trabalho, amortização do capital etc., empregados pelo empresário para produzir o ‘output’ ou o produto final. (…). ‘Insumos são os ingredientes da produção, mas há quem limite a palavra aos ‘produtos intermediários’ que, não sendo matérias-primas são empregados ou se consomem no processo de produção.” (Direito tributário brasileiro. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 214)

O fisco de Minas Gerais, ignorando a própria disposição regulamentar que editou explicitando corretamente o sentido da expressão legal, vem procedendo a autuações de fabricantes de lubrificantes que destinam seus produtos  àquele Estado de Minas para serem empregados no processo de industrialização, sem o recolhimento do ICMS.

Apegando-se à interpretação literal da expressão contida no final do item 4, do § 1º, do art. 5º, da Lei nº 6.773/75, o fisco mineiro vem desqualificando a operação interestadual de lubrificante destinado à industrialização equiparando-a a uma operação destinada a consumidor final, alargando o campo de incidência do ICMS delimitado e fixado pela Lei Complementar nº 87/96 e pelo Convênio nº 3/99 de que é signatário o Estado de Minas Gerais.

Esse procedimento envolve afronta ao princípio da vinculação da administração a seus próprios atos, atentando contra os princípios da legalidade e da moralidade (art. 37, da CF), como também, contraria as disposições expressas da Lei Complementar nº 87/96 e do Convênio ICMS nº 3/99.

Os autos de infrações lavrados contra os industriais paulistas são ilegais e nulos de pleno direito porque resultados, não só da violação da legislação que o próprio Estado de Minas editou, como também, por contrariar normas que regem nacionalmente o ICMS, nos limites da competência constitucionalmente atribuída à lei complementar e aos Convênios (art. 146, III, a e art. 155, § 2º, XII, g, da CF).  

 

Notas:
[1] Cf. nosso Direito financeiro e tributário. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 438.

[2]  Operação interestadual com petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados.

[3] Operações praticadas pelas empresas geradoras ou distribuidoras de energia elétrica.


Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


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