Imóvel cultivado em zona urbana


Há algum tempo escrevemos um artigo sobre o assunto em epígrafe, dirimindo o conflito de competência tributária entre a União e o Município (ITR e IPTU) pela aplicação do conceito geográfico de zona urbana, que se extrai do § 1º, do art. 32 do CTN.


Esclarecemos naquele artigo que o STF declarou a inconstitucionalidade do art. 6º e parágrafo único da Lei Federal nº 5.868/72 que, para efeito de tributação pelo ITR, considerava como imóvel rural, independentemente de sua localização, aquele destinado à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal ou agroindustrial (RE nº 93.850-MG, T. Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, STF, Lex 46, p.91).


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Ponderamos, também que, na prática, surgem situações peculiares em que há necessidade de sopesar os interesses do proprietário que cultiva na zona urbana, com os interesses urbanísticos do Município.


É que o fenômeno da crescente urbanização dos municípios componentes de Regiões Metropolitanas vem suprimindo as zonas rurais. Na região do ABCD, por exemplo, praticamente, todo o território municipal situa-se legalmente em área urbana, embora, permitindo as atividades dos proprietários que estavam cultivando nas áreas antes não urbanizadas, por razões de conveniência das cidades com vistas ao abastecimento das cidades com os produtos horti-fruti-granjeiros.


Só que esses proprietários rurais, agora, transformados em proprietários de áreas urbanas, não conseguem arcar com os pesados ônus da  imposição tributária pelo IPTU. Como se sabe, o fato gerador do IPTU, em seu aspecto qualitativo, leva em conta a área do imóvel mensurada em ms2, tornando inviável economicamente a manutenção da propriedade. Daí a inadimplência. O ITR, ao contrário, é um tributo de natureza regulatória, que permite a redução do imposto em até 90%, dependendo de grau de utilização da terra  e do grau de eficiência na produção.


Para resolver esse conflito de interesses deveria os Municípios envolvidos isentar esses proprietários, que cultivam em área definida por lei como sendo urbana, ou excluir do perímetro urbano essas áreas.


Como nenhuma das providencias vem sendo adotadas, a questão está sendo dirimida, caso a caso na Justiça.


Em recente julgado o STJ posicionou-se, aliás, na esteira de julgados anteriores, no sentido de não incidência do IPTU em área cultivada, independentemente de sua localização.[1]


Fundamentou essa decisão no art. 15 do Decreto- lei nº 57, de 18-11-1966, que exclui da definição de área urbana, prevista no art. 32 do CTN, o imóvel que, “comprovadamente, seja utilizado em exploração vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial, incidindo assim, sobre o mesmo, o ITR e demais tributos com o mesmo cobrador”. Esse art. 15 havia sido revogado pelo art. 12 da Lei nº 5.868, de 12-12-1972, porém, o STF declarou a sua inconstitucionalidade[2] resultando na suspensão de sua eficácia pela Resolução nº 9, de 7-6-2005 do Senado Federal.


Interessante notar que a Corte Suprema declarou, também, a inconstitucionalidade do art. 6º e parágrafo único da mesma lei de nº 5.868/72 que, para efeito de tributação pelo imposto territorial rural, consideravam como imóvel rural, independentemente de sua localização, aquele destinado à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal ou agroindustrial[3].


Há contradição entre esses dois acórdãos?


Entendemos que não há contradição. O art. 12 insere-se no campo de normas gerais de direito tributário, ao passo que o art. 6º e seu parágrafo único insere-se no campo de interesse exclusivo da União. Nada impede de um único instrumento normativo conter normas de naturezas diversas.


No caso sob exame, embora o Decreto-lei nº 57, de 18-11-1966, cuide aparentemente de matéria que se insere no âmbito de interesse exclusivo da União (altera dispositivos sobre lançamento e cobrança do ITR), deu-se a interpretação no sentido de que aquele art. 12 foi recepcionado pela Carta Política como norma de lei complementar, por dirimir o conflito de competência tributária (art. 146, I da CF) ao excluir do conceito de zona urbana, definido no art. 32 do CTN, o imóvel  cultivado. Dessa forma, o Decreto-lei nº 57/66 sendo posterior à Lei de nº 5.172, de 25-10-1966, que instituiu o Código Tributário Nacional, acarretou a alteração do conceito de zona urbana definido no art. 32 deste último diploma legal (lei materialmente complementar).


Trata-se de uma interpretação que concilia os interesses do proprietário, que cultiva na zona urbana, com o interesse urbanístico do Município. Esse posicionamento tem pleno apoio na moderna doutrina do direito urbanístico, que incorpora, em seu conceito, a relação cidade-campo.






[1] Resp nº 1.112.646/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, DJ de 28-8-2009.




[2]  RE nº 140.773-SP, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 4-6-1999, p. 017.




[3] RE nº 93.850-MG, Rel. Min. Moreira Alves, JSTF, Lex 46, p. 91.




Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


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