Impossibilidade constitucional de implantação da pena de morte no Brasil para os crimes comuns

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Resumo: Não raras vezes volta à tona na nossa sociedade a discussão acerca da implantação da pena de morte no Brasil para os crimes mais horrendos. Esse anseio popular aflora com maior intensidade sempre que a mídia noticia algum crime que gere comoção nacional, como no famoso caso “Isabella”. Porém, no presente artigo ficará demonstrada a impossibilidade constitucional de instituição da pena de morte no Brasil, em que pese grande parte da sociedade ser a favor.

Sumário: 1. Introdução; 2. Cláusulas pétreas; 3. Conclusão.

1 – Introdução:

No Brasil a pena de morte para crimes civis foi abolida desde o fim do período imperial, mas precisamente a partir da Constituição Republicana de 1889. Manteve-se apenas a possibilidade de referida pena para os crimes militares cometidos em tempo de guerra.

Contudo, nos regimes totalitários nascedouros das Constituições de 1937 (Estado Novo) e 1969 (Ditadura Militar), a pena de morte novamente surgiu para certos crimes cometidos por civis, além dos militares.

No Brasil Imperial era legalmente permitida a aplicação da pena de morte para crimes comuns. Porém, a utilização dessa reprimenda foi perdendo força junto à sociedade devido às várias injustiças que eram cometidas, principalmente contra a população negra que acabara de ganhar a liberdade, mas continuava sendo amplamente marginalizada. Assim, mesmo estando prevista constitucionalmente, a aplicação da pena de morte passou a ser substituída por outras formas de pena, sendo usada apenas em casos excepcionais.

A nossa Carta Magna de 1988, em seu artigo 5º, inciso XLVII, alínea “a”, veda expressamente a aplicação da pena de morte para crimes civis, excepcionando sua aplicação apenas em alguns casos de crimes militares cometidos em período de guerra, ou seja, quando há guerra declarada, tudo nos termos do art. 84, XIX, da nossa constituição. Vejamos o que dispõem os dispositivos em comento:

Art. 5º – (…):

XLVII – não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

Art. 84 – Compete privativamente ao Presidente da República:

XIX – declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional; (grifos nossos)

Coube ao nosso Código Penal Militar a tarefa de prevê os crimes militares em que a pena capital poderá ser aplicada em tempos de guerra declarada contra Estado estrangeiro, sendo que entre eles estão os crimes militares de traição, favorecimento do inimigo, covardia qualificada, fuga em presença do inimigo, insubordinação, entre outros.

Entretanto, o foco do presente trabalho é a demonstração da impossibilidade constitucional da implantação no Brasil da pena de morte para os crimes comuns, mesmo através de emenda constitucional e da forte pressão social nesse sentido, tendo em vista a vedação da instituição de referida pena constante no art. 5º, inciso XLVII, supracitado, ser considerada cláusula pétrea.

2 – Cláusulas pétreas:

Como é cediço, o Poder Constituinte Originário fez constar na Constituição Federal de 1988 um núcleo imutável, impossível de supressão, uma verdadeira limitação material de alteração da referida Constituição pelo Poder Constituinte Derivado.

Esse núcleo imutável está previsto no parágrafo 4º do art. 60 da nossa Constituição, a seguir transcrito:

Art. 60 – A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:(…)

§ 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I – a forma federativa de Estado;

II – o voto direto, secreto, universal e periódico;

III – a separação dos Poderes;

IV – os direitos e garantias individuais.

Essas prescrições de imutabilidade do supracitado parágrafo 4º são as verdadeiras “cláusulas pétreas”.

Assim, cláusulas pétreas, como o próprio nome sugere, são aquelas cujas matérias o Constituinte Originário gravou como impossíveis de serem abolidas por meio de emenda constitucional, ou seja, por meio de deliberação do Constituinte Derivado. Vê-se que o Constituinte Originário tratou tais matérias com bastante zelo, considerando-as o espírito e a base da nossa Carta Política de 1988, por isso impossíveis de serem abolidas ou restringidas.

Os direitos e garantias individuais, conforme prevê o inciso IV acima, são expressamente considerados cláusulas pétreas, portanto, não podem ser restringidos através de emenda constitucional.

Pois bem, referidos direitos e garantias individuais estão elencados expressamente no artigo 5º e seus incisos da nossa Constituição Federal, sem prejuízo de disposições implícitas, sendo que entre eles encontra-se a vedação de imposição de pena de morte, exceto em caso de guerra declarada, proibição constante especificamente no inciso XLVII desse mencionado artigo 5º.

Nesse diapasão, sendo cláusula pétrea a vedação de instituição de pena de morte para os crimes comuns, além dos militares em época de paz, não há possibilidade de ser implantada no Brasil pelo nosso legislador constitucional derivado a tão aclamada pena de morte, mesmo para os crimes mais violentos e revoltantes. Qualquer emenda constitucional proposta com este fim não deve sequer ser levada a votação, pois eivada de inconstitucionalidade material desde a origem.

Dessa forma, qualquer clamor social, geralmente quando acontece algum crime hediondo, com o fito de pressionar nossos legisladores a instituírem a pena de morte no Brasil para crimes comuns, será inócuo, pois a vedação à aplicação de referida pena é uma cláusula pétrea, conforme demonstrado nesse artigo.

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3 – Conclusão:

A nossa história penal já demonstrou que a possibilidade de aplicação da pena de morte no Brasil só serviu para o cometimento de mais injustiças, principalmente contra as camadas mais desprotegidas da sociedade, como ocorreu com os negros durante o Brasil Império.

Infelizmente, nos tempos atuais a realidade é bem parecida, com algumas alterações contextuais. Não é demais mencionar o sucateamento da Polícia Judiciária em vários Estados, bem como do próprio Poder Judiciário, o que acaba por aumentar o risco de injustiças.

Além disso, não há nenhum ganho significativo em termos de diminuição da violência com a previsão de tal pena, bastando uma análise dos massacres ocorridos nos Estados Unidos mesmo com uma Justiça Criminal mais aparelhada e a previsão da pena capital.

Porém, qualquer discussão no sentido de instituir a pena capital para crimes civis no Brasil é inócua, servindo apenas por amor ao debate, pois está vedada na nossa Constituição Federal a aplicação da pena de morte para tais crimes no Brasil, sendo referida vedação uma garantia individual, prevista no art. 5º, inciso XLVII, e, portanto, uma cláusula pétrea, impossível de abolição por meio do Poder Constituinte Derivado.

Por fim, não se poderia deixar de mencionar que, no presente caso, estar-se diante de uma vedação absoluta, portanto, uma cláusula pétrea somente poderá ser abolida ou restringida através de uma revolução, pelo uso da força, ou seja, através de uma ruptura total do atual regime e surgimento de um novo Poder Constituinte Originário.

 

Referências:
ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado. 5ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Método, 2010.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2006.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28ª edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2007.

Informações Sobre o Autor

Arypson Silva Leite

Procurador Federal membro da Advocacia-Geral da União. Ex-analista processual do Ministério Público da União


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