Imunidade tributária recíproca e impostos indiretos

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Resumo: A divergência doutrinária quanto à imunidade tributária recíproca e os impostos indiretos centra-se na questão da repercussão tributária dos referidos tributos. Conforme o método interpretativo utilizado, se substancial ou formal, haverá a aplicação ou não da imunidade mútua, a depender da posição do ente federativo como contribuinte de direito ou contribuinte de fato na relação jurídico-tributária. A discussão se concentra, portanto, na relevância que deve ser atribuída à translação tributária, se jurídica, em que prestigia a relação jurídico-formal, ou se econômica, na qual há uma valorização da interpretação econômica, haja vista que leva em consideração quem assumirá o encargo financeiro do tributo. Através do método dialético, serão analisados inicialmente todos os aspectos envolvidos acerca do tema para depois discorrer sobre os métodos interpretativos mencionados. Ainda que plausíveis os fundamentos da corrente doutrinária, e do próprio Supremo Tribunal Federal, que sustentam a interpretação formal quanto à aplicação da imunidade recíproca nos impostos indiretos, é possível concluir que prestigiar uma interpretação formal em detrimento da material é desprezar o real intuito da norma imunizante, considerando estar fundamentada nos princípios federativo, da isonomia e da capacidade contributiva das pessoas políticas.

Palavras-chaves: imunidade tributária recíproca; impostos indiretos; interpretação substancial e formal; interpretação econômica;

Abstract: The doctrine discrepancy between reciprocal tax immunity and indirect taxes involves the tax repercussions on those taxes. According to the interpretation method used, whether substantial or formal, the mutual immunity will be applied or not, depending on the position of the federative entity in the legal-tax relationship: as taxpayer in law or taxpayer in fact. The discussion concentrates, therefore, on the relevance that must be given to the tax translation. If legal, the formal-legal relationship is preferred, and if economic, the focus is on the economic interpretation, considering the importance of the person who assumes the financial charge of the tax. By the dialectical method, firstly, all the aspects concerning the theme will be analyzed, and then those interpretative methods will be discussed. Although the foundations of the doctrinal current and of the Supreme Court – which sustain the formal interpretation of the reciprocal immunity on the indirect taxes – are strong, it is possible to conclude that preferring the formal interpretation rather than the material one means despising the real intent of the immunity norm. Said that, it needs to be considered that the immunity norm is founded on the federative, isonomy and contributive capacity of the political entities principles.

Key-words: reciprocal tax immunity; indirect taxes; substantial and formal interpretation; economic interpretation;

Sumário: 1. Introdução. 2. Imunidade Tributária. 2.1 Imunidade Tributária Recíproca. 2.1.1 Alcance da Imunidade Tributária Recíproca. 3. Impostos Indiretos. 4. Imunidade Tributária Recíproca e Impostos Indiretos. 4.1 Métodos Interpretativos. 4.2 Posicionamento do STF. 4.3 Sob a Ótica da Finalidade da Norma Imunizante. 5 Conclusão. Referências Bibliográficas.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo visa discorrer sobre a aplicação da imunidade tributária recíproca, disposta no art. 150, VI, ‘a’, da Constituição Federal de 1988, nos impostos indiretos.

Segundo o dispositivo mencionado, aplicável às pessoas jurídicas de direito público – entes federativos e suas autarquias e fundações – e às empresas públicas e às sociedades de economia mista quando prestadoras de serviços públicos, tais entidades ficam proibidas de instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços uns dos outros.

O dilema acerca da imunidade recíproca refere-se ao seu alcance quanto aos impostos indiretos, considerando que neles existe uma diferenciação, feita pela doutrina, entre o contribuinte de direito e o contribuinte de fato, diante do fenômeno da repercussão ou translação tributária.

Ainda que o tema, nos últimos anos, tenha se pacificado no Supremo Tribunal Federal, a doutrina continua divergente a respeito da questão, debatendo acerca da relevância jurídica ou econômica que deve ser dada à translação econômica dos impostos indiretos. Dessa forma, objetiva-se demonstrar a importância do tema ao Direito Tributário, a partir da análise dos entendimentos doutrinários quanto à matéria, tendo-se em consideração o uso do método dialético para a pesquisa.

No início serão feitas considerações acerca da imunidade tributária, distinguindo-a de outros institutos como a não incidência e a isenção, para em seguida discorrer sobre a imunidade tributária recíproca, analisando-a quanto ao rol de sua abrangência, além dos fundamentos que a sustentam.

Posteriormente far-se-ão algumas observações quanto aos impostos indiretos, examinando-os quanto à sua repercussão tributária e os conceitos de contribuinte de direito e contribuinte de fato, no intuito de analisar a incidência da imunidade tributária recíproca nos aludidos tributos. O estudo será feito à luz dos posicionamentos doutrinários, trazendo os diversos métodos interpretativos quanto à matéria, inclusive sob à ótica da finalidade da norma imunizante, e à luz da jurisprudência, em especial do Supremo Tribunal Federal. Ante a demonstração dos argumentos utilizados por cada corrente doutrinária e de tudo o que será ao longo do artigo apreciado, serão expostas, ao final, as conclusões a respeito do tema.

2 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

O poder de tributar decorre de uma relação jurídica entre o Estado e seus cidadãos contribuintes, cujo exercício depende de previsão expressa na Constituição Federal. Trata-se da outorga de poder concedido pela Lex Fundamentalis aos entes federativos – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – para criação, instituição e majoração de tributos. Ou seja, o texto constitucional atribui ao Estado, em caráter de exclusividade, a competência para criar, extinguir, aumentar e diminuir tributos, a fim de arrecadar recursos para a consecução de suas finalidades pautadas no interesse público.

Ocorre que o poder de tributar não é irrestrito. Existem limites que devem ser observados quando do exercício da competência tributária, esta entendida como a repartição do poder de tributar. Referidos limites podem ser genéricos, traduzidos na observação da Constituição Federal de 1988 e do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, ou específicos, que correspondem aos princípios e imunidades tributárias dispostos no texto constitucional.

As limitações constitucionais ao poder de tributar configuram autênticas garantias individuais do cidadão contribuinte contra a impetuosa arrecadação fiscal pelo Estado, considerando que o contribuinte é o elo mais fraco da relação jurídico-tributária. Dessa forma, tratando-se de garantias individuais, são consideradas cláusulas pétreas, nos termos do art. 60, § 4°, IV, da Carta Constitucional, não podendo ser suprimidas ou diminuídas por propostas de emendas constitucionais. Frise-se que tal assertiva – as limitações constitucionais ao poder de tributar são cláusulas pétreas – é reconhecida não só pela doutrina, como também pela jurisprudência pátria, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal. (SABBAG, 2015)

Dentre os limites constitucionais, destacam-se as imunidades tributárias, definidas por Ricardo Alexandre como as “limitações constitucionais ao poder de tributar consistentes na delimitação da competência tributária constitucionalmente conferida aos entes políticos” (ALEXANDRE, 2012, p. 145).

Eduardo Sabbag, por sua vez, conceitua a imunidade como:

“A norma constitucional de desoneração tributária, que, justificada no conjunto de caros valores proclamados na Carta magna, inibe negativamente a atribuição de competência impositiva e credita ao beneficiário o direito público subjetivo de ‘não incomodação’ perante o ente tributante”. (SABBAG, 2015, p. 290)

Já Hugo de Brito Machado qualifica a imunidade tributária como uma forma qualificada de não incidência, descrevendo-a como um “obstáculo criado por uma norma da Constituição que impede a incidência de lei ordinária de tributação sobre determinado fato, ou em detrimento de determinada pessoa, ou categoria de pessoas” (MACHADO, 2010, p. 244).

Referido autor traz à tona uma importante diferenciação conceitual digna de nota. Eis que, apesar de assemelhados, os institutos jurídicos da imunidade, da isenção e da não incidência não se confundem.

A princípio, recapitulemos que “o fenômeno da incidência está ligado à ocorrência na realidade fática da hipótese abstratamente prevista na lei tributária como necessária e suficiente para o surgimento da obrigação tributária” (ALEXANDRE, 2012, p.143). Numa interpretação a contrario sensu, a não incidência referir-se-á às hipóteses em que uma situação não é alcançada pela regra da tributação.

A doutrina aponta que a não incidência pode ser pura e simples ou juridicamente qualificada (ALEXANDRE, 2012, p.144). A não incidência pura e simples abarca as seguintes hipóteses: quando o ente tributante não possui competência para tributar determinada situação ou quando o ente tributante detém a competência, mas não a exerce. Em suma, quando não se realiza a hipótese de incidência. Já o instituto da não incidência juridicamente qualificada é o próprio fenômeno da imunidade. Esta, conforme magistério dos doutrinadores supracitados, ocorre quando a Constituição impede o ente federativo de determinar certo fato como hipótese de incidência de tributos.

A isenção, por sua vez, configura hipótese de exclusão do crédito tributário, em que há a dispensa legal do dever de pagar o tributo. Nas palavras de Ricardo Alexandre (2012, p.144), “o ente político tem competência para instituir o tributo e, ao fazê-lo, opta por dispensar o pagamento em determinadas situações.”

Há de se assinalar que a distinção entre aludidos institutos é bastante sucinta. A imunidade e a isenção, por exemplo, diferenciam-se, em essência, quanto à posição hierárquica da norma imunizante no ordenamento jurídico. Enquanto na imunidade há uma norma constitucional que impede a incidência da regra de tributação, na isenção há uma norma legal que dispensa o pagamento do tributo. Ricardo Alexandre realiza o seguinte raciocínio: a isenção ocorre na esfera do exercício da competência; já a imunidade opera na esfera da própria delimitação de competência. Tratando-se de uma delimitação de competência constitucionalmente atribuída, a imunidade será, então, sempre prevista na Constituição. Já a isenção será prevista em lei, considerando sua atuação no exercício legal da competência. Ressalte-se, por fim, que em todas referências constitucionais que determinam que certa situação é isenção, concernem, na verdade, a hipóteses de imunidade (ALEXANDRE, 2012).

Outrossim, relevante também é a diferença entre as imunidades e os princípios constitucionais tributários. Estes dispõem sobre os balizamentos do sistema jurídico tributário. Além de delimitarem o poder de tributar, orientam a interpretação e aplicação das normas tributárias, tendo-se em vista que são normas de maior grau de abstração. As imunidades, por seu turno, são regras determinadas a certos fatos e pessoas. Conforme Eduardo Sabbag (2015, p. 287), “a imunidade para tributos representa uma delimitação negativa da competência tributária”, haja vista operar na determinação dos contornos da competência.

A Constituição Federal de 1988 prevê diversas imunidades tributárias. Tendo em vista o objeto de estudo do presente artigo, segue-se à análise da imunidade pertinente ao tema: a imunidade tributária recíproca.

2.1 Imunidade Tributária Recíproca

Também conhecida como imunidade das entidades políticas ou imunidade mútua, a imunidade intergovernamental recíproca está prevista no art. 150, VI, ‘a’, da Constituição Federal.

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […]

VI – instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;”

Aludida imunidade surgiu na Constituição de 1891 e foi preservada nas demais constituições brasileiras. Segundo tal norma, os entes políticos ficam proibidos de instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços uns dos outros.

Dentre a classificação[1] doutrinária das imunidades, a imunidade intergovernamental recíproca pode ser categorizada como uma imunidade genérica, subjetiva, explícita, incondicionada e ontológica. É genérica quanto ao seu alcance, considerando que se trata de uma vedação a todos os entes políticos, abrangendo diversos impostos. Quanto ao modo de incidência, é subjetiva ou pessoal, haja vista cuidar-se de uma imunidade que recai sobre os sujeitos da relação jurídico-tributária, em razão da sua natureza jurídica ou do dever que possui para com a sociedade. É uma imunidade expressa no texto constitucional, sendo, portanto, uma imunidade explícita quanto à forma de previsão. No tocante à necessidade de regulamentação, é classificada como uma imunidade incondicionada, haja vista que se trata de uma norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata. Por fim, quanto à origem, é uma imunidade ontológica, em virtude de decorrer de princípios constitucionais, como o princípio da isonomia, da capacidade contributiva e do pacto federativo, conforme ensinamentos de Ricardo Alexandre (2012). Sendo consequência de princípios constitucionais, referida imunidade existiria ainda que não houvesse previsão expressa na Constituição, não podendo, portanto, ser eliminada do texto constitucional (ALEXANDRE, 2012).

Sobre a finalidade das imunidades, Bruno Pereira Santos afirma que “ao atuarem como elemento de contenção do poderio do Estado, as imunidades não devem ser analisadas como um fim em si mesmas, mas como instrumento para garantir a efetividade dos principais valores eleitos pelo constituinte” (SANTOS, 2008).

Regina Helena Costa também ressalta a instrumentalidade das imunidades, ao assinalar que “a imunidade é a concessão de exoneração tributária prescrita na Constituição, que o Estado deseja para alcançar certos fins através de incentivo a atividades consideradas de interesse público” (COSTA apud ARRUDA, 2008).

Denota-se que, por detrás de cada imunidade, existem os fundamentos que sustentam a prescrição da norma imunizante na Constituição Federal. Assim, importa perquirir quais os fundamentos da imunidade tributária recíproca.

Como dito alhures, a imunidade do art. 150, VI, a, da CF/88, é uma imunidade ontológica, haja vista ser uma consequência de princípios constitucionais. A imunidade mútua, consistente na vedação aos entes federativos de cobrarem impostos sobre patrimônio, renda ou serviços uns dos outros, tem seus fundamentos nos princípios federativo, da isonomia e da capacidade contributiva das pessoas políticas.

Decorre do federalismo[2], pois, se um ente federativo pudesse cobrar impostos de outro ente, estaria interferindo na autonomia do outro ente político, lesando, assim, o pacto federativo. Imagine-se a situação de um estado cobrar da União determinado imposto. A União estaria então à mercê das pretensões tributárias do estado, subordinando-se a este também quanto a outras questões políticas e sociais, considerando que a instituição de impostos, por independer de uma contraprestação estatal, pressupõe uma supremacia do ente tributante sobre o tributado.

 Frise-se que a tributação se relaciona intrinsecamente ao poderio econômico de cada ente federativo e sua consequente capacidade contributiva, considerando que arrecadam recursos para a realização de ações políticas e sociais, em especial na prestação de serviços públicos, pautados no interesse público. A cobrança de impostos de um ente político pelo outro significa uma interferência na esfera de competência e autonomia desse outro ente através da exação (SANTOS, 2008).

Há de ser ressaltado que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não podem estar sujeitos uns aos outros, em virtude do princípio da isonomia, que preza pela igualdade dos entes federados. Incabível, assim, a sujeição de um ente político a outro.

Tendo-se em vista que o federalismo é constituído pela autonomia e igualdade dos entes federativos, a imunidade recíproca é um instituto fundamental à sua concretização, assegurando, dessarte, o equilíbrio federativo entre os entes e o desenvolvimento harmônico das políticas públicas. Só dessa maneira estaria garantido o federalismo de cooperação ou de equilíbrio, em que se visa repartir de forma equitativa e equilibrada os poderes entre os entes federativos, possibilitando a cada um deles desempenhar sua função atribuída pela Constituição em prol do interesse público.

2.1.1 Alcance da Imunidade Tributária Recíproca

A imunidade das entidades políticas alcança apenas os tributos não vinculados a uma contraprestação estatal, quais sejam os impostos. Estes são ditos como não vinculados, “uma vez que seus fatos geradores são manifestações de riqueza dos contribuintes (renda, patrimônio, consumo) independentes de atividade estatal” (ALEXANDRE, 2012, p. 69).

Não é possível a aplicação da aludida imunidade aos demais tributos, como taxas e contribuições de melhoria, posto que estes são tributos vinculados, cuja cobrança depende de uma atividade estatal específica quanto ao contribuinte, “não havendo manifestação de poder de império de um ente político sobre o outro” (SANTOS, 2008). Caso a imunidade abrangesse tais tributos, haveria um verdadeiro locupletamento por parte do ente beneficiado com a atuação estatal, pois estaria sendo favorecido com a prestação estatal, sem contribuir para sua realização.

Consoante o disposto no art. 150, VI, a, da CF/88, há proibição de instituição de impostos, entre os entes federativos, que onerem o patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros. Numa interpretação literal da norma, Ricardo Alexandre (2012) aponta que a imunidade abrangeria os seguintes impostos: imposto sobre grandes fortunas, imposto sobre a propriedade territorial rural, imposto sobre a transmissão causa mortis e doação, imposto sobre a propriedade de veículos automotores, imposto sobre a propriedade territorial urbana, imposto sobre a transmissão de bens imóveis, imposto de renda e imposto sobre serviços de qualquer natureza. Estariam excluídos, via de consequência, os impostos de importação e exportação, o imposto sobre produtos industrializados, o imposto sobre operações financeiras e o imposto sobre a circulação de mercadorias e prestação de serviços.

Esta não foi a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal, que ampliou o rol de abrangência da norma imunizante, “afastando quaisquer impostos que possam onerar economicamente as finanças da entidade impositora” (ALEXANDRE, 2012, p. 301). Logo, para o STF, o ente federativo não paga nenhum imposto, mas sim outras espécies tributárias.

Outro aspecto a ser analisado quanto ao alcance da imunidade intergovernamental é a respeito das pessoas jurídicas abrangidas pela norma imunizante. Eis que o art. 150, § 2°, da CF/88, determina a extensão da imunidade recíproca às autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no tocante ao patrimônio, à renda e aos serviços vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. Insista-se que, para gozar da imunidade mútua, as entidades autárquicas e fundacionais devem cumprir suas finalidades essenciais ou as que delas decorram. Ou seja, é uma imunidade condicionada para tais entidades.

 Importa frisar que a imunidade mútua não alcança todos as pessoas jurídicas da administração pública indireta, não englobando as entidades exploradoras de atividade econômica. Dessa forma, as empresas públicas e as sociedades de economia mista só fruirão de tal imunidade quando prestadoras de serviços públicos, desempenhando atividades exclusivas do Estado. Na hipótese de atuarem como instrumento do Estado na economia, exercendo atividade econômica, não serão agraciadas pela imunidade recíproca.

3 IMPOSTOS INDIRETOS

Na classificação dos tributos, há aquela que leva em conta a possibilidade de repercussão do encargo econômico-financeiro. Assim, os tributos podem ser separados em duas categorias: diretos e indiretos.

Os tributos diretos são aqueles que oneram diretamente a pessoa definida em lei como sujeito passivo, não permitindo a translação econômica do tributo. Os tributos indiretos, por sua vez, são os que permitem que haja repercussão do encargo econômico-financeiro para uma pessoa diferente daquela definida em lei como sujeito passivo. Destarte, o contribuinte de direito não será o que arcará com o impacto da exação tributária, mas sim o contribuinte de fato.

Sabe-se que o sujeito passivo da obrigação tributária principal é a pessoa obrigada a pagar o tributo e a penalidade pecuniária, enquanto na obrigação tributária acessória é a pessoa obrigada às prestações de fazer ou não fazer que constituam objeto da relação. Ocorre que na relação jurídico tributária, cujo objeto seja uma obrigação principal, há duas modalidades de sujeito passivo: o responsável e o contribuinte.

O responsável, ou o sujeito passivo indireto, é aquele que tem relação indireta com a situação que constitua o fato gerador. Apesar de não ter sido a pessoa que realizou o fato gerador, foi a pessoa escolhida por lei para pagar o tributo. A responsabilidade somente decorre de lei, não podendo, portanto, ser modificada por convenção particular, salvo disposição contrária em lei.

O contribuinte, também denominado de sujeito passivo direto, é aquele que tem relação direta e pessoal com a situação que constitua o fato gerador. O contribuinte pode ser dividido em contribuinte de direito e contribuinte de fato. O contribuinte de jure é a pessoa que praticou o fato gerador, nos termos da legislação tributária. Já o contribuinte de facto é quem suportou o encargo financeiro ocasionado pela exação. Em outras palavras, é quem sofre a incidência econômica do tributo, ainda que, formalmente, não faça parte da relação jurídico-tributária, conforme definido em lei.

Dentre os impostos indiretos destacam-se o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços, o imposto sobre serviços de qualquer natureza, o imposto sobre produtos industrializados e o imposto sobre operações financeira.

Utilizemos o caso do ICMS como exemplo para ilustrar a situação. O ICMS é um tributo indireto, no qual é possível vislumbrar a presença dos contribuintes de direito e de fato. A lei determina que o comerciante, escolhido como o sujeito passivo da relação, é quem deverá recolher os valores do imposto aos cofres públicos, porém autoriza que repasse o respectivo encargo financeiro para o consumidor. Nota-se que o comerciante figura como o contribuinte de direito, já que dessa maneira foi definido em lei, enquanto o consumidor apresenta-se como o contribuinte de fato, tendo em vista que será a pessoa que suportará o encargo financeiro.

4 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA E IMPOSTOS INDIRETOS

Há consenso doutrinário e jurisprudencial de que os impostos diretos, como o imposto sobre a propriedade territorial urbana ou o imposto de renda, não devem incidir sobre os entes federativos, por força da imunidade intergovernamental recíproca. A discussão centra-se, contudo, no alcance da aludida imunidade nos impostos indiretos, caracterizados pelo fenômeno da translação tributária.

O desenlace da questão irá depender, consequentemente, de “como se observa o fenômeno da repercussão tributária nos ditos impostos indiretos, atribuindo-se lhe relevância jurídica ou relevância econômica” (SABBAG, 2012, p 316), além da própria interpretação segundo a finalidade da norma imunizante. Nos tópicos seguintes serão delineadas as ponderações feitas pela doutrina e pela jurisprudência, em especial o entendimento do STF acerca da matéria.

4.1 Métodos Interpretativos

Sob a perspectiva doutrinária, destacam-se dois métodos interpretativos a respeito do assunto: uma interpretação de cunho substancial e outra de cunho formal.

Consoante a interpretação de cunho substancial, o que interessa na análise da incidência da imunidade recíproca nos impostos indiretos é a relevância econômica da repercussão tributária. Eduardo Sabbag explica que “esta interpretação privilegia o fenômeno da repercussão tributária na dimensão econômica, havendo a incidência tributária de acordo com a localização do ente político, como contribuinte de direito ou como contribuinte de fato” (SABBAG, 2015, p. 316).

Denota-se, por este viés interpretativo, que o importante é o efeito econômico da exação tributária, ou seja, se o tributo irá desfalcar o patrimônio do ente federativo ou não. Consoante essa corrente, não se deve desconsiderar o contribuinte de fato na relação jurídico-tributária. Nesse sentido, se o ente político assumir a posição de contribuinte de fato, em que suportaria o encargo financeiro da tributação, não haverá a incidência do imposto, aplicando-se, consequentemente, a imunidade mútua. Contudo, se o ente político figurar como contribuinte de direito, ou seja, como a pessoa que praticou o fato gerador, incidirá o imposto, posto que não arcará com nenhum ônus financeiro, descaracterizando hipótese de aplicação da imunidade recíproca.

Os defensores dessa corrente, destacando-se Aliomar Baleeiro e Geraldo Ataliba, dentre outros (SABBAG, 2015, p. 316), fundamentam seu posicionamento na doutrina da interpretação econômica. Criada e desenvolvida na Alemanha, a tese da interpretação econômica sugere que as normas tributárias sejam interpretadas segundo sua realidade e seus efeitos econômicos. O que interessa para essa teoria é o substrato econômico do fato ocorrido, e não a forma jurídica utilizada. Baseada no princípio da igualdade e da capacidade contributiva, a doutrina em comento busca alcançar o significado econômico das normas. Logo, situações econômicas iguais devem ser tratadas de formas iguais, independentemente da forma jurídica adotada na operação, no intuito de obter uma distribuição mais uniforme dos encargos sociais (ESTRELLA, s.d.).

 Referida teoria, contudo, é repelida por alguns estudiosos do Direito Tributário, ao argumento de que o uso da interpretação econômica para tributar é inconstitucional, dado o princípio da legalidade, a vedação ao emprego da analogia para instituição de tributos e a impossibilidade de, na interpretação da norma jurídica, buscar seu sentido levando em consideração apenas seus efeitos econômicos. Ademais, acentuam que tal matéria – análise do impacto econômico – concerne à Ciência das Finanças, não devendo ser objeto de estudo do direito. (GUTIERREZ, 2006)

Quanto à utilização da teoria da interpretação econômica, malgrado posições contrárias à referida doutrina, como acima mencionado, é esta essencial a uma prudente interpretação do Direito Tributário. Como exemplo, destaque-se a norma antielusiva[3] prevista no parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional. Tal dispositivo permite à autoridade administrativa desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária. Ressalte-se que tais atos ou negócios jurídicos são lícitos, porém praticados com abuso da forma jurídica, fazendo uso de outros atos ou negócios que não os idealizados pelo ordenamento jurídico. Um dos grandes fundamentos da constitucionalidade da norma antielusiva é justamente a interpretação econômica, baseada nos princípios da igualdade e da capacidade contributiva. Permite-se a desconsideração de negócios lícitos, mas que violaram normas jurídicas indiretamente, para possibilitar a tributação, prezando proteger a receita arrecadada pelo Fisco e evitando as condutas dos particulares que intentam fugir do pagamento de tributos. (ALEXANDRE, 2012) Em suma, a norma antielusiva respalda-se na prevalência do substancial em detrimento do formal, o que também se objetiva na corrente defendida por Aliomar Baleeiro.

Em contraposição à interpretação material, há a interpretação de cunho formal, segundo a qual não importa o fenômeno da repercussão tributária na perspectiva econômica. O que é relevante é a sua consideração na dimensão jurídica. “A figura do contribuinte de fato é estranha à relação jurídico tributária”, conforme ensina Sabbag (2015, p. 316). Nessa acepção, se o ente federativo se apresenta como contribuinte de fato, trata-se de hipótese de incidência tributária. No entanto, se o ente político figurar como contribuinte de direito, cuida-se de hipótese acolhida pela norma imunizante, já que estará participando da relação jurídica.

Para os simpatizantes desse método interpretativo, Paulo de Barros Carvalho, Hugo de Brito Machado e Bilac Pinto, dentre outros, a repercussão tributária deve ser analisada exclusivamente sob o prisma jurídico, despido de qualquer conteúdo econômico.

Sobre o tema, explana Hugo de Brito Machado:

“O argumento de que o imposto sobre produtos industrializados (IPI) assim como o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias (ICMS) não incidem na saída de mercadorias que o particular (industrial, comerciante ou produtor) vende ao Poder Público, porque o ônus financeiro respectivo recai sobre este, não tem qualquer fundamento jurídico. Pode ser válido no âmbito da Ciência das Finanças. Não no Direito Tributário. A relação tributária instaura-se entre o industrial, ou comerciante, que vende, e por isto assume a condição de contribuinte, e a Fazenda Pública, ou fisco, credor do tributo. Entre o Estado comprador da mercadoria e o industrial, ou comerciante, que a fornece, instaura-se uma relação jurídica inteiramente diversa, de natureza contratual. O Estado comprador paga simplesmente o preço da mercadoria adquirida. Não o tributo. Este pode estar incluído no preço, mas neste também está incluído o salário dos empregados do industrial, ou comerciante, e nem por isto se pode dizer que há no caso pagamento de salários. Tal inclusão pode ocorrer, ou não. É circunstancial e independe de qualquer norma jurídica. Em última análise, no preço de um produto poderão estar incluídos todos os seus custos, mas isto não tem relevância para o Direito, no pertinente à questão de saber quem paga tais custos”. (MACHADO, 2010, p. 303)

4.2 Posicionamento do STF

Em que pese as considerações feitas acima, após muita discussão acerca do alcance da imunidade intergovernamental nos impostos indiretos, o Supremo Tribunal Federal tem adotado a interpretação de cunho formal. Dessa forma, estando o ente federativo na posição de contribuinte de direito, permanece a imunidade. Porém, quando o ente político figurar como contribuinte de fato, não gozará do manto da imunidade mútua. Recentemente o STF fixou a seguinte tese sob a sistemática da repercussão geral, divulgado no seu informativo de número 855:

“A imunidade tributária subjetiva aplica-se a seus beneficiários na posição de contribuinte de direito, mas não na de simples contribuinte de fato, sendo irrelevante, para a verificação da existência do beneplácito constitucional, a repercussão econômica do tributo envolvido. STF. Plenário. RE 608872/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 22 e 23/2/2017 (repercussão geral)” (Info 855, STF).

Vale ressaltar que o Supremo já adotou a interpretação de cunho material, reconhecendo a imunidade tributária mútua quando os entes federativos atuassem na posição de contribuintes de fato. Tal entendimento era o que prevalecia até a década de 70. (SANTOS, 2008)

 Aludida teoria retornou a ser prestigiada por alguns tribunais brasileiros, conforme algumas ementas abaixo transcritas que privilegiam o entendimento outrora adotado por Aliomar Baleeiro.

“TRIBUTÁRIO.ICMS. IMPOSTO INDIRETO. CONTRIBUINTE DE FATO. LEGITIMIDADE ATIVA. 1. O ÔNUS DO PAGAMENTO DO ICMS INCIDENTE SOBRE OS SERVIÇOS DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA E DE TELEFONIA É TRANSFERIDO PARA O CONSUMIDOR, QUE SE TORNA O CONTRIBUINTE DE FATO DESTE IMPOSTO. 2. COMO CONTRIBUINTEINDIRETO, TEM O CONSUMIDOR – IN CASU, UMA AUTARQUIA FEDERAL – LEGITIMIDADE PARA PLEITEAR O RECONHECIMENTO DE SUA IMUNIDADE EM JUÍZO. 3. APELAÇÃO PROVIDA”. (TRF 5 – Apelação Cível AC 209209 RN 0012654-43.2000.4.05.0000, Relator: Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima. Data de Julgamento: 28/08/2001. Segunda Turma. Data de publicação: DJ 23/10/2002. Página 906)

“DIREITO TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RECÍPROCA. ICMS INCIDENTE SOBRE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. – Reconhecida a imunidade contra a incidência do ICMS no fornecimento de energia elétrica do ente imune. A sistemática das regras imunizantes induz pela aplicação também quando há relação jurídica com contribuinte de fato, visto que uma vinculação jurídica não pode se sobrepôr a dados da realidade. Inteligência do artigo 166 do CTN. (TRF-4 – AMS: 6504 SC 2001.72.00.006504-2, Relator: Álvaro Eduardo Junqueira, Data de Julgamento: 18/10/2006, Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 22/11/2006 Página: 360)

4.3 Sob a Ótica da Finalidade da Norma Imunizante

A melhor interpretação quanto à imunidade recíproca e os impostos indiretos é aquela pautada conforme os ditames constitucionais. Há de ser perquirida a finalidade da norma imunizante, a fim de que seja possível interpretá-la à luz da Constituição Federal.

A hermenêutica é a ciência da interpretação jurídica, enquanto a interpretação é a atividade prática que permite desvelar o sentido e o alcance das normas jurídicas. Recordar-se que existe uma distinção entre o texto normativo e a norma jurídica. Explica Dirley da Cunha:

“Cumpre à interpretação construir a norma, pois não há norma senão norma interpretada. Vale dizer, a norma não é o pressuposto, mas o resultado da interpretação. Não se interpreta a norma, mas sim o texto normativo, pois é dele, através da interpretação, que se extrai a norma. Contudo, não se interpreta apenas o texto normativo senão confrontando-o com sua realidade histórico-social do momento em que ocorre a interpretação. Da interpretação do texto e da realidade obtém-se a norma. A norma, portanto, é o significado da conjugação que o intérprete faz entre o texto normativo e a realidade. Ainda com base em Müller, podemos sustentar que na interpretação a norma é produzida não a partir exclusivamente dos elementos colhidos no texto (mundo do dever ser), mas também dos dados do caso ao qual ela (a norma) deve ser aplicada, quer dizer, a partir dos elementos da realidade (mundo do ser)”. (CUNHA JÚNIOR, 2016, p. 175)

 

Nota-se que a interpretação da norma não pode ser literal, alheia aos fatos aos quais será aplicada. Deve existir uma correlação entre o texto normativo e a realidade fática, a fim de produzir uma norma cuja aplicação possa ser efetivada no mundo do ser. Almeja-se, com a interpretação jurídica, “construir o sentido do texto da norma em relação à sua realidade” (CUNHA JÚNIOR, 2016, p. 176).

A interpretação dada à norma jurídica, conforme classificação de Savigny, deve ser, preferencialmente teleológica e sistemática, e não meramente literal. Afinal, a norma deve ser entendida dentro do contexto do ordenamento jurídico (interpretação sistemática), na busca de sua real finalidade e alcance, indo além do texto literal da norma (interpretação teleológica).

Nessa toada, cumpre ressaltar que, na interpretação sistemática, prevalece no ordenamento jurídico brasileiro a interpretação material sobre a formal, o que condiz com o raciocínio de Dirley da Cunha acima exposto, de que o sentido interpretado do texto da norma deve corresponder à sua realidade. Exemplo disso é a importância que a doutrina e a jurisprudência dão ao princípio da instrumentalidade das formas, princípio este que rege o tema das nulidades no direito processual brasileiro e determina que o ato processual viciado não terá declarada sua nulidade, caso ele tenha alcançado sua finalidade sem causar prejuízos às formas. Ou seja, a forma é um mero instrumento utilizado para que se atinja a finalidade desejada pela norma.

Com base nessas ponderações, também deve ser interpretada a norma imunizante. Buscar seu real sentido e alcance é interpretá-la consoante sua finalidade no mundo fático, sem enjeitar sua interpretação substancial.

5 CONCLUSÃO

A imunidade intergovernamental, prevista no art. 150, VI, ‘a’, da Lex Fundamentalis, estabelece a vedação aos entes federativos – estendida também às suas autarquias e fundações, além das empresas públicas e sociedades de economia mista que prestem serviço público – de instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços uns dos outros.

Na análise do alcance da norma imunizante, o cerne da questão envolve se deveria a imunidade mútua ser aplicada aos impostos indiretos, quando o ente federativo figurar na posição de contribuinte de fato. Os fundamentos da imunidade debatida rogam por uma interpretação extensiva da norma, e não restritiva, como vem adotando a Corte Suprema. Ademais, tratando-se de uma norma constitucional, deve ser interpretada segundo os valores proclamados na Constituição Federal, na busca pela finalidade da norma imunizante, a fim de efetivá-la ao máximo possível.

Quando analisados os fundamentos da imunidade tributária recíproca, constatou-se que o principal objetivo da norma foi o de proteger a pessoa jurídica de direito público de ter o seu patrimônio desfalcado, impossibilitando-a de realizar suas políticas públicas no interesse da coletividade. O fim almejado é, por conseguinte, a garantia de meios e instrumentos aos entes federativos na prestação de serviços, assegurando a consecução de finalidades públicas.

Atribuir a imunidade recíproca aos entes federativos quando figurarem na posição de contribuinte de fato na relação jurídico-tributária é cumprir a finalidade do insculpido no art. 150, VI, ‘a’, da CF/88. Consoante já mencionado, a imunidade mútua é uma imunidade ontológica, decorrente dos seguintes princípios constitucionais: princípio federativo, princípio da isonomia e princípio da capacidade contributiva dos entes políticos. Não estender a imunidade intergovernamental aos tributos indiretos é subverter o objetivo da norma, que é proteger os entes federativos de exações tributárias entre eles mesmos; afinal seria uma interferência no âmbito da autonomia e da competência do ente político. Ainda que o ente federativo não seja o sujeito da relação jurídico-tributária, haja vista ser o contribuinte de fato, é ele quem irá suportar todo o ônus financeiro do tributo.

Frise-se que garantir tal imunidade é assegurar a realização do federalismo, preservando o equilíbrio federativo entre os entes e asseverando a autonomia de cada um deles, além de possibilitar o desenvolvimento das políticas públicas. Tal só será possível se a imunidade recíproca for estendida também aos impostos indiretos, quando o ente político for apenas o contribuinte de fato, e não o de direito.

No tocante ao fenômeno da repercussão tributária nos impostos indiretos, preza-se pela interpretação de cunho material em detrimento da formal. Eis que a vinculação jurídica conferida ao contribuinte de direito não pode se justapor aos dados da realidade. Considerando que a imunidade deve proteger de forma mais ampla possível o patrimônio do ente federativo contra exações tributárias de outras entidades, em obediência ao princípio federativo, inexiste razão que justifique a não aplicação da imunidade ao ente político quando contribuinte de fato. Afinal, ainda que nesta hipótese não figure como sujeito da relação jurídico-tributária, é quem irá suportar o ônus tributário. Caso a imunidade não lhe seja estendida, o patrimônio do ente sofrerá com o encargo, contradizendo a finalidade perseguida pela norma imunizante.

Destaca-se ainda que a relevância econômica é inerente a diversas normas tributárias, a exemplo da norma antielusiva. Desconsiderá-la, ao argumento de que apenas o vínculo jurídico da relação tributária importa, implica em profundo desapreço pelo que ocorre no âmbito fático, o que não é o almejado pelo legislador constitucional. Não se revela, dessarte, razoável desconsiderar a relevância econômica dos impostos indiretos, enfatizando apenas o aspecto formal. Assim, conclui-se que o ente federativo também deve gozar da imunidade recíproca nas situações dos impostos indiretos em que ocupar a posição de contribuinte de fato.

 

Referências
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GUTIERREZ, Miguel Delgado. Planejamento Tributário – Elisão e Evasão Fiscal. São Paulo: Quartier Latin, 2006.
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SANTOS, Bruno Pereira. Alcance da imunidade tributária recíproca nos impostos indiretos. Set. 2008. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/11757/alcance-da-imunidade-tributaria-reciproca-nos-impostos-indiretos/1> Acesso em 05 nov. 2016.
 
Notas
[1] As imunidades podem ser classificadas da seguinte maneira: a) quanto ao alcance: gerais e específicas; b) quanto ao modo de incidência: subjetivas, objetivas e mistas; c) quanto à forma de previsão: explícitas e implícitas; d) quanto à necessidade de regulamentação: incondicionadas e condicionadas; e) quanto à origem: ontológicas e políticas. (ALEXANDRE, 2012)

[2] O federalismo é a forma de organização do Estado, caracterizando-se como um Estado composto, cujos entes federativos são dotados de autonomia política, administrativa, financeira e tributária.

[3] Ainda que a maioria da doutrina a nomeie como norma antielisiva, adota-se a nomenclatura norma antielusiva considerando ser esta a que melhor define a regra, dentre os fenômenos da evasão, elisão e elusão fiscal. A evasão fiscal é quando o contribuinte pratica atos ilícitos para escapar da tributação. A elisão fiscal, também chamada de planejamento tributário, configura-se na utilização de meios lícitos pelo contribuinte para evitar ou diminuir a tributação. Por sua vez, a elusão fiscal consiste no uso de meios lícitos pelo contribuinte, porém com abuso da forma jurídica, objetivando fugir da tributação. Há de se observar que nem todos estudiosos adotam esta classificação trinária para explicar os fenômenos de fuga do pagamento dos tributos. (ALEXANDRE, 2012)


Informações Sobre o Autor

Larissa Menezes Gomes

Advogada. Graduada pela Universidade Federal de Sergipe. Especialista em Direito Tributário pela Universidade Cândido de Mendes. Pós-graduanda em Direito do Estado pela Universidade Guanambi