In dubio pro vita – a impossibilidade jurídica da descriminalização do aborto

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Resumo: Este artigo visa observar a possibilidade jurídica da descriminalização do aborto no ordenamento jurídico pátrio, tendo em vista a forma como o mesmo se posiciona, ao regulamentar diversas situações que envolvem o nascituro, adotando a teoria concepcionalista. Para a elaboração deste trabalho, buscou-se observar a atual legislação. Por esta razão, desenvolveu-se uma pesquisa do tipo bibliográfica, de abordagem qualitativa e exploratória. Inicialmente, explicou-se o conceito de aborto, abordou os argumentos favoráveis a descriminalização, bem como os que o refutam. Posteriormente, foram apresentadas as teorias acerca do início da personalidade jurídica e como a legislação brasileira adota uma destas.

Palavras-chave: Aborto. Vida. Descriminalização. Concepção.

Abstract: This article aims to observe the legal possibility of the decriminalization of abortion in the legal order of the country, considering the way in which it is positioned, by regulating various situations involving the unborn child, adopting the conceptionalist theory. For the elaboration of this work, we have tried to observe the current legislation. For this reason, the bibliographic research was developed, with a qualitative and exploratory approach. Initially, the concept of abortion was explained, it addressed the arguments favorable to decriminalization, as well as those that refute it. Subsequently, theories about the beginning of legal personality and how Brazilian law adopts one of them were presented.

Key-words: Abortion. Life Decriminalization. Conception.

Sumário: Introdução. 1. Aborto. 1.1. Argumentos pro choice. 1.2. Argumentos pro life. 2. Impossibilidade jurídica da descriminalização do aborto. 2.1. Teorias acerca do início da personalidade jurídica do nascituro. 2.2. Ordenamento jurídico brasileiro. 2.3. Entendimento dos Tribunais. 3. In dubio pro vita. Conclusão. Referências.

Introdução

O polêmico tema do aborto tem sido posto em pauta, chamando atenção dos estudiosos de áreas que possam melhor compreender a possibilidade da descriminalização ou não desta conduta. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal se manifestou acerca do tema entendendo não ser crime o aborto realizado durante o primeiro trimestre da gestação.

Sendo essa temática diretamente ligada à ciência jurídica, deve ser feito um estudo sobre essa possibilidade através do olhar técnico do Direito, ao analisar se o ordenamento jurídico brasileiro é ou não receptivo para com descriminalização desta prática. É importante tratar deste tema, pois o mesmo está diretamente ligado a possível violação do direito à vida.

1. Aborto

O aborto é a interrupção de gravidez, ocorrido com a expulsão do embrião ou do feto do útero da mulher. Pode ser espontâneo, quando ocorre em razão de fatores biológicos que levam a expulsão do feto do corpo ou induzido, quando a mulher, por vontade própria, provoca o aborto através da ingestão de medicamentos ou de procedimentos cirúrgicos. (DINIZ; ALMEIDA, 1998).

Atualmente, o ordenamento jurídico brasileiro entende que os únicos abortos induzidos que são legais são os realizados em gestantes que correm claro risco de vida e em mulheres grávidas em razão de estupro. Em ambos os casos não se faz necessária a autorização judicial ou processo contra o agente da prática de estupro.

1.1. Argumentos pro choice

É possível observar que aqueles que fazem a defesa do aborto trazem para a questão o conflito de normas constitucionais entre o direito à vida e “direito da gestante à intimidade, à privacidade, e ao direito de dispor do próprio corpo”.

Além destes, é defendido, ainda, que o nascituro não tem direito à vida por não ser um ser vivo independente do corpo materno. O que adentra na questão de que não há vida ainda para ser retirada, o que desconstituiria o aborto, até determinado período da gestação, como crime contra a vida.

Este período é o ponto mais discutido entre aqueles que são a favor ou contra a descriminalização da conduta. O momento mais aceito por aqueles que são pro choice para ser o início da vida humana é a formação do sistema nervoso. Para isso, é traçado um paralelo com o que se entende como morte atualmente para fins de doação de órgãos.

A ideia é que, se a morte cerebral é o momento em que é possível considerar o fim da vida humana e que este é o parâmetro para a retirada de órgãos, então vê-se que o início da formação do sistema nervoso deve ser considerado como o momento em que o nascituro passa a ter vida, não havendo mais a possibilidade de retirada do feto do ventre sem que haja um crime contra a vida a partir deste momento.

Outra questão trazida pelos defensores da descriminalização do aborto é o número de mortes de mulheres em razão da prática em clínicas clandestinas. O que tornaria a descriminalização uma questão de saúde pública.

É mencionada também o fato de que os homens tendem a deixar as mulheres desamparadas quando as engravidam de forma indesejada. Além de, quando muito, apenas fornecem auxílio financeiro a distância, sem ajudar na criação do filho, seja na condução de ensinamentos da vida, seja nas tarefas que os mesmos terminam por fazer surgir.

1.2. Argumentos pro life

A defesa da criminalização do aborto ressalva bastante a questão de responsabilidade individual. A liberdade de dispor do próprio corpo não pode ser irrestrita a ponto de afetar direito à vida de terceiro. Nesse entendimento, a liberdade não é dissociada da responsabilidade, isso significa que devemos ser livres para cometermos atos sendo responsáveis pelas consequências dos mesmos.

Dessa forma, uma vez que para se chegar ao aborto se tem um caminho longo com uma séria de falhas sucessivas, resultantes da não utilização de nenhum dos métodos contraceptivos já existentes em razão do desenvolvimento tecnológico resultante do avanço do capitalismo.

Assim, após não se utilizar desses métodos contraceptivos, abortar seria como dissociar a responsabilidade das consequências resultantes dos atos cometidos em liberdade. O direito à vida é a base de qualquer sociedade moral, antecedendo o direito a liberdade.

Sobre isso, Ubiratan Jorge Iorio (2012) escreve, em seu artigo intitulado Os Valores de uma Sociedade Livre e Virtuosa, o seguinte entendimento:

“Nunca devemos nos esquecer de que liberdade e virtude são indissociáveis, o que significa, simplificando um pouco as coisas, que só faz sentido falarmos em liberdade se a essa liberdade estiver associada alguma obrigação, que é a de respeitar os direitos de terceiros. Um exemplo claro, cristalino, irrefutável é a polêmica em torno da legalização do aborto, defendida tradicionalmente tanto pela chamada "esquerda" como por alguns libertários radicais: é verdade que a mulher deve ter a liberdade para dispor do próprio corpo como lhe aprouver, isto é, de acordo com seus princípios morais ou com sua simples vontade, mas é também verdade que se ela matar o feto que se desenvolve em seu ventre estará agredindo um direito básico, que é o direito à vida desse futuro bebê, que não lhe pertence e que já é uma pessoa humana, embora em formação, dotada de vida e de dignidade; além disso, estará maculando também um direito de propriedade, ao dispor sobre a propriedade de outrem, já que o feto, por definição (e por mais que queiram negá-lo certos grupos defensores do aborto) é proprietário de seu próprio corpo, mesmo estando este ainda em formação.” (IORIO, 2012).

Se há a liberdade de haver práticas sexuais sem métodos contraceptivos existentes que impedem a gravidez, tais pessoas devem estar prontas para lidarem com as consequências destas práticas. Ron Paul (2013) escreve em sua obra Definindo a Liberdade que há uma grande arbitrariedade na defesa do aborto, na medida em que não há uma distinção da prática para outras práticas criminosas, como o homicídio.

Theodore Darlymple (2015) escreveu que aqueles que apreciam a liberdade e a almejam trocariam a mesma por segurança, caso tivessem de lidar com as consequências daquela.

“Se a liberdade acarretar responsabilidade, muitos não querem nenhuma das duas. Felizes trocariam a liberdade por uma segurança modesta, ainda que ilusória. Mesmo aqueles que dizem apreciar a liberdade ficam muito pouco entusiasmados quando se trata de aceitar as consequências dos atos. O propósito oculto de milhões de pessoas é ser livre para fazer, sem mais nem menos, o que quiserem e ter alguém para assumir quando as coisas derem errado.” (DALRYMPLE, 2015).

Tratar a questão como saúde pública significa cobrar impostos de pessoas que são contrárias às práticas de aborto e destinar estes para estas práticas seria suprir a liberdade destas pessoas e obrigar elas a pagarem por algo que jamais fariam e repudiam. Neste ponto, o conflito seria entre a liberdade da mulher e das pessoas que não desejam custear o serviço.

Quanto ao aborto ser um fato social existente, a falha do argumento consiste que o mesmo é aplicável à outras práticas criminosas, como roubo ou homicídio. Não se pode descriminalizar uma conduta em razão de ela ser um fato social que não deixará de acontecer ou porque aquele que a pratica poderá sofrer as consequências da própria prática em si. Esse tipo de argumentação abre precedentes para descriminalização de outras condutas criminosas. Isso faria com que a sociedade civilizada se voltasse para o caos.

O ponto a ser discutido deve ser a possibilidade de se estar ou não retirando a vida, bem indisponível, de outrem. Pois, se há atentado contra a vida, é irrelevante as consequências que o criminoso poderá vir a sofrer em razão da conduta criminosa. Aqueles que rebatem tal argumento comparam a situação de risco que um assaltante de banco corre ao praticar a conduta criminosa.

Sobre isto, John Locke (2014), ao falar sobre o poder legislativo, entende que as leis não podem ser definidas de forma arbitrária pelo mesmo, pois devem ter como escopo o bem da sociedade, não podendo ocasionar resultados inesperados, ainda que sua intenção seja boa.

“Ninguém tem um poder arbitrário absoluto sobre si mesmo ou sobre qualquer outro para destruir sua própria vida ou privar um terceiro de sua vida ou de sua propriedade. Foi provado que um homem não pode se submeter ao poder arbitrário de outra pessoa; por outro lado, no estado de natureza, o poder que um homem pode exercer sobre a vida, a liberdade ou a posse de outro jamais é arbitrário, reduzindo-se àquele a ele investido pela lei da natureza, para a preservação de si próprio e do resto da humanidade; esta é a medida do poder que ele confia e que pode confiar à comunidade civil, e através dela ao poder legislativo, que portanto não pode ter um poder maior que esse.”

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, documento resultante da Revolução Francesa que levou em consideração os direitos naturais, pertinentes da natureza humana, dispôs em seus artigos 4º e 5º sobre liberdade, seguindo a mesma linha de pensamento:

“Art. 4.º A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos.”

Desta forma, é possível observar que a discussão sobre o momento em que se inicia a vida parece mais correta. Todavia, é um erro supor que há um consenso na área médica de que este momento seria a formação do sistema nervoso, uma vez que a distinção entre a doação de órgãos e a do aborto se dá na disposição da vontade daquele que se torna doador. A falta de possibilidade de manifestação do feto torna a questão injusta para aqueles que são a favor de mantê-lo no ventre.

A liberdade de escolher dispor sobre o próprio corpo não poderia ser, assim, argumento em favor da descriminalização do aborto, tanto em razão de o corpo do nascituro não se tratar do corpo da mulher, apesar de depender deste, como não é possível que haja liberdade irrestrita sem que a sociedade civilizada perca a noção de ordem e moral que a norteia, a ponto de agredir direito à vida de terceiro.

2. Impossibilidade jurídica da descriminalização do aborto

Se faz necessário que seja buscado o entendimento do que realmente quer dizer o trecho “desde a concepção” citado no artigo 2º do Código Civil ao dispor sobre quando surge a personalidade civil, momento no qual o indivíduo se torna sujeito de direitos apto a contrair direitos e deveres. É preciso trazer esta norma jurídica para tratar sobre o tema em estudo, porque ela dispõe que, a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

O mesmo Código dispõe em seu art. 1º que "toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil", enquanto o Estatuto do nascituro dispõe, ainda, que nascituro é o ser humano concebido, mas ainda não nascido. Ou seja, não há que se discutir se o nascituro tem ou não vida humana, apesar de alguns insistirem nessa questão. A lei não garante a personalidade jurídica ao nascituro, de imediato, todavia, a mesma deixa claro que essa personalidade é retroativa até o momento da concepção, devendo o feto nascer com vida para adquirir a personalidade presumida.

Nelson Hungria (1953) asseverou que, “o código ao incriminar o aborto, não distingue entre óvulo fecundado, embrião ou feto: interrompida a gravidez, antes de seu termo normal, há o crime de aborto. Qualquer que seja a fase da gravidez (desde a concepção até o início do parto, isto é, até o rompimento da membrana amniótica) provocar sua interrupção é cometer o crime de aborto”.

É possível observar que a legislação é omissa quanto ao momento em que se inicia a gravidez, tornando a conduta crime, seja em qual momento da gravidez for, uma vez que esta seja iniciada, o aborto voluntário é crime.

2.1. Teorias acerca do início da personalidade jurídica do nascituro

Acerca do tema, existem três correntes de pensamento. A teoria natalista, aquela na qual se entende que o feto adquire personalidade jurídica somente após o nascimento com vida e que, qualquer período anterior a este, o nascituro não é pessoa, não podendo, portanto, ser sujeito de direito, somente adquirindo essa condição posterior ao nascimento com vida.

A teoria concepcionalista, todavia, compreende que o nascituro é pessoa desde sua concepção, adquirindo personalidade jurídica neste momento, sendo reconhecido como sujeito de direitos, portanto, já considerado pessoa com vida.

Por fim, a teoria mista compreende que, desde a concepção, há personalidade jurídica, sendo que os efeitos desta personalidade estão condicionados ao nascimento com vida do nascituro. Ou seja, esta teoria entende que a personalidade jurídica retroage ao momento da concepção se houver nascimento com vida.

2.2. Ordenamento jurídico brasileiro

A corrente natalista não é compatível com o ordenamento jurídico brasileiro. A Constituição garante a “inviolabilidade do direito à vida” em seu art. 5º presente no título "Dos Direitos e Garantias Fundamentais". A lei que dispõe sobre os direitos das Crianças e dos Adolescentes trata de garantir direitos que somente poderiam beneficiar nascituros. Ou seja, garante direitos para pessoas que ainda estão para nascer.

Dentre as normas, é possível encontrar garantias às gestantes que permitam o nascimento do nascituro, reconhecimento de filiação, nomeação de curador em seu favor, direito à ser beneficiário de doação, a capacidade sucessória, dentre outros.

A Lei dos Alimentos Gravídicos disciplina sobre o direito de alimentos da mulher gestante. Oliveira (2015) trata em seu artigo sobre a presença da teoria concepcionalista na Lei dos Alimentos Gravídicos:

“Cabe destacar, que ao nascituro cabe sim, ser protegido, desde a concepção, atribuindo-lhe personalidade e capacidade para configurar nas relações jurídicas, pois ele não é menos humano nem menos dependente de sua mãe do que o já nascido. É preciso desvincular a visão romanista que ainda se tem do nascituro, de que ele é apenas uma parte da mulher, mas que ele tem uma vida independente que depende tanto da mãe quanto o já nascido.” (OLIVEIRA, 2015).

Segundo Leandro Soares Lomeu, "Os alimentos gravídicos podem ser compreendido como aqueles devidos ao nascituro, e, percebidos pela gestante, ao longo da gravidez". (LOMEU, 2016). Desta forma, a percepção dos alimentos gravídicos serem feitas pela gestante não elimina o entendimento de que os mesmos são devidos ao nascituro e não a mãe. A própria LAG disciplina em seu art. 6º que tais alimentos serão convertidos em pensão alimentícia em favor do infante após o seu nascimento com vida, demonstrando este fato.

O Código Civil garante a capacidade sucessória ao herdeiro não nascido, mas já concebido, conforme disposto no artigo 1798 “legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”. Ao tratar da tutela do nascituro no direito sucessório brasileiro, Ximenes (2011) escreveu “o ordenamento jurídico brasileiro criminaliza o aborto, pois o direito à vida está acima de todos os outros”.

É possível aferir de acordo com o exposto, que o nascituro é sim titular de direitos da personalidade, visto que, o ordenamento assim o acolheu através de diversos dispositivos ao longo do Código Civil, legislação penal, Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei Magna de 1988 e legislação extravagante. Conforme entendimento de Diniz (2010), se as normas protegem o nascituro garantindo-lhe direitos, o mesmo tem personalidade jurídica.

“Se as normas o protegem é porque tem personalidade jurídica. Na vida intrauterina ou mesmo in vitro, tem personalidade jurídica formal, relativamente aos direitos da personalidade, consagrados constitucionalmente, adquirindo personalidade jurídica material apenas se nascer com vida, ocasião em que será titular dos direitos patrimoniais, que se encontravam em estado potencial, e do direito às indenizações por dano moral e patrimonial por ele sofrido.” (DINIZ, 2010).

Ao dispor o aborto como crime, o Código Penal visa a proteção da vida, que é considerada um “bem indisponível”. Ou seja, não é possível que um sujeito de direitos possa dispor do bem vida. O objetivo da tipificação da conduta "provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque", bem como as condutas nas quais terceiro pratica aborto em outro, é evitar a prática ou punir aquele que agride a este bem indisponível. Ao colocar o aborto como crime, o Direito visa proteger terceiro, o nascituro, e não interferir no direito da mulher sobre o próprio corpo.

2.3. Entendimento dos tribunais

O Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, em recurso que tratou acerca da possibilidade indenização por morte de feto em razão de atropelamento de mulher grávida, dispôs que o dano-morte alcança pessoa formada, plenamente apta à vida extra-uterina, ainda que não nascida. Segue parte da fundamentação:

“Tenho que a interpretação mais razoável desse enunciado normativo, consentânea com a nossa ordem jurídico-constitucional, centrada na proteção dos direitos fundamentais, é no sentido de que o conceito de ‘dano-morte’, como modalidade de ‘danos pessoais’, não se restringe ao óbito da pessoa natural, dotada de personalidade jurídica, mas alcança, igualmente, a pessoa já formada, plenamente apta à vida extra-uterina, embora ainda não nascida, que, por uma fatalidade, acabara vendo a sua existência abreviada em acidente automobilístico.” (BRASIL, 2010).

Ron Paul (2013) fala que “abortar raramente é uma solução no longo prazo: a mulher que aborta uma vez tem maior probabilidade de fazer outro aborto”. O que é possível observar ao avaliarmos o caso da uma mulher que teve seu pedido de aborto negado pela Justiça de Minas Gerais. (PAUL, 2013).

O juiz titular da 32ª Vara Cível de Belo Horizonte, Geraldo Carlos Campos, ressaltou que a mulher fez um aborto com autorização judicial no ano anterior e não tomou qualquer medida contraceptiva para evitar a possibilidade de nova gravidez. Vê-se que o Judiciário concedeu o pedido em razão do risco de vida da mãe que, por ser portadora de doença cardíaca, não poderia engravidar. A mesma foi orientada acerca da extrema necessidade de "estabelecimento de método de contracepção eficaz e definitivo" em razão de sua situação de risco. Todavia, retornou ao judiciário com o mesmo pedido encontrando-se no oitavo mês de gestação no ano seguinte.

Assim, é notável que o ordenamento jurídico pátrio não é receptivo com a conduta do aborto, tendo em vista que entende ter o nascituro direito à vida, o que é reforçado por diversas leis existentes.

3. In dubio pro vita

Oliveira (2015) diz que “O início da personalidade humana nas legislações civilistas recebe notória influência do pensamento e ensinamento científico-biológico acerca do início da vida”. Certamente, o início da vida é uma questão que envolve conhecimento na área médica e biológica.

“A presença da dúvida deveria militar em favor da vida humana e contra as práticas abortivas. Afinal, quem defenderia a tese de que, na dúvida de haver uma pessoa dentro de um prédio, poder-se-ia optar por implodi-lo sem qualquer culpa? O autor defende a ficção, presunção (ou se preferir, a cautela ou cuidado) estabelecida em prol da vida humana que passa a ser tutelada com a proibição do aborto pela legislação e até sua criminalização. Havendo a dúvida quanto à humanidade do concepto, a possibilidade ainda que remota de lesão a uma vida humana não permitiria a assunção do risco, de forma que a "transformação do aborto num direito subjetivo, sua possível banalização" seria um extremo lamentável.” (CABETTE, 2010).

Cabette (2016) ensina que tal dúvida deve fazer com que não se descriminalize o aborto. Não saber afirmar com rigor quando a vida se inicia, mas ser a favor de tal ato soa absurdo, uma vez que, se o que se considera como início da vida incidir em erro, teremos no ato de abortar o assassinato. In dubio pro vita: em caso de dúvida, esteja a favor da vida.

Segundo Frédéric Bastiat (2010), a lei é pervertida quando não se mantem em seu limite e destrói direitos que deveria respeitar influenciada pela falsa filantropia. “Enquanto se admitiu que a lei possa ser desviada de seu propósito, que ela pode violar os direitos de propriedade em vez de garanti-los, então qualquer pessoa quererá participar fazendo leis, seja para proteger-se a si próprio contra a espoliação, seja para espoliar os outros”. (BASTIAT, 2010).

Conclusão

Posto isso, é equivocado o entendimento de que há a possibilidade de descriminalizar o aborto no Brasil. Não só porque o ordenamento jurídico brasileiro não adota a teoria natalista, que é compatível com a descriminalização do aborto, como, em razão do avanço tecnológico, é possível constatar que o nascituro tem atividade cerebral e cardíaca, ainda que dependente do corpo da mãe para sobreviver.

Assim, a legalização do aborto no Brasil é, atualmente, inviável, tendo em vista que o ordenamento não acolhe este entendimento de que o nascituro não é pessoa de direitos, ainda que se tenha apenas expectativa de direitos, pois o curso natural da gravidez acarreta no nascimento com vida, fazendo com que a personalidade retroaja até o momento da concepção.

Além de que a descriminalização desta prática acarretaria na desordem social, na medida que se perde a noção da virtude e moralidade da sociedade. Os maiores genocídios que ocorreram na história da humanidade tiveram como base a mentalidade revolucionária de “oprimido versus opressor”.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Laírcia Vieira Lemos

Pós-graduanda em Direito Processual Civil pela Universidade de Fortaleza Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza Coordenadora do Grupo de Estudos Clube Atlas articulista do Direito Diário e do Instituto Liberal de São Paulo