Resumo: Os Programas de Autogestão de Assistência à Saúde dos Servidores e Magistrados do Poder Judiciário da União, quando constituídos como associação, não tem obrigação legal de proceder à retenção do ISSQN. Estas entidades não podem ter sua responsabilidade tributária na qualidade de substituto. Devido aos institutos jurídicos da autopoiese e da alopoiese, não é adequado um regime tributário que extraia sua validade do Princípio do In Dubio Pro Fisco.
Palavras-chave: Programas de Autogestão; Poder Judiciário; ISSQN; Retenção; Responsabilidade Tributária; Substituição Tributária; Inadmissibilidade.
Abstract: Programs of Assistance to Health Self-Management of Servers and Magistrates of the Judiciary of the Union, when constituted as an association has no legal obligation to retain the ISSQN. These entities can not have their tax liability as a substitute. Due to the legal institutions of autopoiesis and allopoiesis is not suitable a tax regime that draws its validity In Dubio Pro Fisco principle .
Keywords: Self-management programs; Judicial power; ISSQN ; Retention; Tax liability ; Tax substitution; Inadmissible .
Sumário: Introdução. 1. Análise da legislação que regulamenta a responsabilização tributária por meio do instituto da substituição. 2. Sobre a impossibilidade legal de classificação dos programas de autogestão de assistência à saúde dos servidores e magistrados do poder judiciário da união como operador ou administrador de plano de saúde. 3. Sobre a responsabilidade tributária. 4. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Este artigo tem por objetivo demonstrar que não existe obrigação legal para que os Planos de Saúde do Poder Judiciário da União – constituídos de forma societária como associação – figurem como substitutos tributários nas retenções do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN. A hipótese surgiu quando o autor realizou análise sobre a Prestação de Contas do Exercício Financeiro de 2012, na qualidade de Contador, do Pró-Saúde – Programa de Saúde dos servidores e magistrados do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios.
Será defendida a desnecessidade jurídica da retenção tributária pois esta prática pode implicar em aumento dos custos pra o Programa de Saúde; há desobrigação legal para a voluntariedade de figurar como substitutos tributários, no Distrito Federal, em virtude da discricionariedade do Secretário de Estado da Fazenda; e por inexistir este tipo, sui generis, do serviço prestado por estes Programas, no rol exaustivo da Lei Complementar Nº 116/2003 e do Decreto GDF Nº 25.508/2005.
Mister se faz esclarecer que as despesas do Pró-Saúde são custeadas por recursos originários da Lei Orçamentária Anual e por recursos próprios, sendo estes advindos de contribuições dos servidores e magistrados. Sobre as despesas custeadas com recursos da LOA, a retenção do ISSQN é feita em função de convênio existente entre a União Federal e o Distrito Federal. No que concerne às despesas custeadas com recursos próprios, é que se encontra o cerne da questão sobre a qual este artigo debruça-se sem ter a pretensão de esgotar o tema.
A fim de evitar confusão patrimonial entre os recursos advindos da LOA e os próprios, na gênese de constituição do Programa de Saúde, a Administração Superior do TJDFT optou pela constituição de uma associação para a gestão dos recursos próprios. Esta decisão permitiu o surgimento de um tipo societário que não pode figurar como substituto tributário, conforme será demonstrado a seguir.
1. ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO QUE REGULAMENTA A RESPONSABILIZAÇÃO TRIBUTÁRIA POR MEIO DO INSTITUTO DA SUBSTITUIÇÃO
A Lei Complementar Nº 116, de 31 de julho de 2003, em seu artigo 5º afirma que “o contribuinte do ISSQN é o prestador do serviço”. O mesmo diploma legal, em seu artigo 6º, dispõe sobre a responsabilidade de tal tributo da seguinte forma:
“Os Municípios e o Distrito Federal, mediante lei, poderão atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação, inclusive no que se refere à multa e aos acréscimos legais.” (grifos nossos)
O Decreto GDF Nº 25.508/2005, que regulamenta o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza no Distrito Federal, prevê a possibilidade de designação de “substituto tributário” do ISSQN, desde que o mesmo faça parte de rol aprovado pelo Secretário de Estado da Fazenda do Distrito Federal. A este respeito, cabe a citação dos parágrafos 4º, 5º e 6º, Art. 8º:
“§ 4º A implementação do regime, em relação às pessoas listadas nos incisos do caput, exceto no caso do inciso VIII, far-se-á por ato do Secretário de Estado de Fazenda, independentemente da vontade dos contribuintes envolvidos, observado o seguinte:
I – poderá ser feita em relação a determinado serviço;
II – dar-se-á mediante habilitação, por categoria de contribuintes ou individualmente.
§ 5º Enquanto não implementado, na forma do parágrafo anterior, o regime relativamente a categoria ou contribuinte individualmente, a responsabilidade pelo recolhimento do imposto devido é do prestador de serviço.
§ 6º O Secretário de Estado de Fazenda suspenderá a habilitação do contribuinte substituto que descumprir as obrigações estabelecidas na legislação, sem prejuízo das demais sanções cabíveis”. (grifos nossos)
Atualmente, o ato administrativo, emanado do Secretário de Estado da Fazenda do Distrito Federal, em que consta o rol de substitutos tributários do ISSQN é a Portaria Nº 89, de 06 de maio de 2013, complementada pelas suas alterações posteriores (inclusão de novos substitutos). Em tal portaria não consta o nome de nenhum dos programas de saúde dos servidores e magistrados do Poder Judiciário da União, constituídos mediante uma associação. Logo, depreende-se a impossibilidade legal de que um destes programas – associação privada – faça a retenção do ISSQN sem um ato declaratório daquela autoridade distrital, bem como, não emerge uma obrigação acessória para se voluntariar à responsabilização por substituição tributária.
Necessário se faz asseverar que o ato de vontade daquela autoridade distrital ocorrerá independentemente da vontade dos contribuintes ou substitutos envolvidos.
É impositivo mencionar que na portaria supracitada existem vários hospitais, clínicas e laboratórios que são credenciados juntos aos Programas supracitados com habilitação para agirem como substitutos tributários. Desta forma, é crível que os mesmos sejam contribuintes e façam suas retenções. Assim, impende-se o seguinte questionamento: “Existe alguma vantagem, para algum destes planos, em assumir este ônus perante o Fisco Distrital?”.
A resposta a tal questionamento é “não”. Não há vantagens, mas, sobretudo riscos.
Quanto a esta possibilidade de retenção, não se poderia provocar a autoridade do Fisco Distrital sem o risco de se incorrer em bis in idem – fenômeno do Direito Tributário em que o mesmo ente tributante cobra do mesmo contribuinte sobre o mesmo fato gerador. Este risco seria maior em uma possível fase futura de transição inicial.
Convém exemplificar: admitindo-se hipoteticamente que um hospital já tivesse retido e recolhido o ISSQN ao DF (principalmente em uma fase de transição inicial), a associação, com autorização para figurar como substituto tributário, sem ter conhecimento da retenção feita pelo credenciado, faz a retenção e recolhimento novamente. Neste momento, o bis in idem estaria configurado.
Não consta dos diplomas legais referenciados a obrigatoriedade de que as associações (ou determinados responsáveis tributários) voluntariem-se para a qualidade de substituto tributário, muito menos, que a não voluntariedade implicará em assunção do crédito tributário. Ao contrário, o que emerge da hermenêutica integradora do parágrafo 4º com o 5º, do artigo 8º, do Decreto GDF Nº 25.508/2005 é que a implementação do regime de substituição tributária dar-se-á por ato discricionário do Secretário de Estado da Fazenda Distrital, nas seguintes situações numerus clausus: em relação a determinado serviço; ou mediante habilitação, por categoria de contribuinte ou individualmente. Ou seja, a habilitação do contribuinte é umas das formas que a autoridade fazendária pode utilizar para a implementação do regime de substituição tributária.
Reitera-se que não há obrigatoriedade para se voluntariar ao regime de substituição tributária. O parágrafo 5º corrobora com tal premissa ao estabelecer que “enquanto este regime não seja implementado, a responsabilidade pelo pagamento do tributo é do prestador do serviço”. Mais uma vez, a legislação deixa clara que a responsabilidade pelo pagamento do tributo, enquanto este regime não for implementado, não é do eventual substituto, mas do efetivo prestador do serviço – no caso em tela o credenciado (hospitais e clínicas).
Em outro giro, quando uma associação sem fins lucrativos presta serviços aos seus associados, não há incidência do tributo. No entanto, quando os serviços são prestados pelos associados – como em uma associação médica – a outrem, há a hipótese de incidência tributária. No caso do Pró-Saúde, os serviços médicos não são prestados pelos associados (servidores e magistrados do TJDFT), mas pela rede credenciada, a qual incorre, diretamente, no fato gerador do tributo.
Marçal Justen Filho (1985) defende que a Constituição Federal previu a hipótese de incidência do ISSQN como a prestação de um esforço físico-intelectual produtor de utilidade, material ou imaterial, sem caracterizar uma relação empregatícia. Logo, a tributação não deve recair sobre o serviço em si considerado, de forma estanque, mas sobre a sua prestação.
Ademais, para a constituição do crédito tributário e da obrigação de pagar o tributo (seja contribuinte ou substituto tributário), ainda restam, dentre outras ações, a verificação da ocorrência do fato gerador desta obrigação e a identificação do sujeito passivo. É o que se extrai do artigo 142 do Código Tributário Nacional:
“Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.”
Sobre o fato gerador, Hugo de Brito Machado (1996) assevera que o mesmo deve está contemplado na Lista anexa à Lei Complementar Nº 116/2003. No mesmo sentido, Sérgio Pinto Martins (2014) advoga no sentido de que não tem importância o nome dado, pelo contribuinte, ao serviço. Para este autor, a questão preponderante reside na prestação em si. Aires Fernandino Barreto (2003) vai ao encontro dos ensinamentos de Machado e Martins, ao lecionar que “o desempenho da atividade economicamente apreciável, sem subordinação, produtiva de utilidade para outrem, sob o regime de direito privado, com fito de remuneração, não compreendido na competência de outra esfera de governo, constitui o serviço tributável”.
Do todo exposto, verifica-se, por meio de uma interpretação conjunta do artigo 142 do CTN com os parágrafos 4º, 5º e 6º, do artigo 8º do Decreto GDF Nº 25.508/2005 (Regulamento do ISSQN), bem como, com artigo 5º da Lei Complementar Nº 116, de 31 de julho de 2003, que uma associação, sem estar constituída como substituta tributária, não pode reter o tributo em epígrafe. A hermenêutica conjunta destes dispositivos legais leva às seguintes premissas: os Programas de Autogestão de Assistência à Saúde dos Servidores e Magistrados do Poder Judiciário da União não praticam o fato gerador da obrigação principal; e nem foram declarados substitutos da responsabilidade (por ato discricionário do Secretário de Estado da Fazenda do Distrito Federal). Estas premissas coadunam-se com a seguinte conclusão lógica: no que concerne à prestação de serviços médicos, constantes do item 4 da Lista de Serviços relacionada no Anexo I do Regulamento do ISSQN do DF, bem como, da Lista anexa à Lei Complementar Nº 116/2003, não se deve cogitar que exista obrigação de retenção, na qualidade de substituto tributário, para aquelas sociedades associativas.
Desta forma, caso, a Lei Distrital contemplasse hipótese não guarnecida pela Lei Complementar, estar-se-ia diante de violação ao Princípio da Legalidade Tributária previsto no art. 150 do diploma constitucional.
2. SOBRE A IMPOSSIBILIDADE LEGAL DE CLASSIFICAÇÃO DOS PROGRAMAS DE AUTOGESTÃO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE DOS SERVIDORES E MAGISTRADOS DO PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO COMO OPERADOR OU ADMINISTRADOR DE PLANO DE SAÚDE
Apesar da Lei Nº 9.656/1998, em seu Art. 1º, II, conceituar as associações civis de autogestão como Operadora de Plano de Assistência à Saúde, os Programas de Autogestão de Assistência à Saúde e Benefícios Sociais não se enquadram nesta definição quando se busca uma exegese com outras normas, com vistas a contemplar, stricto sensu, estes Programas, no que concerne aos seus recursos próprios:
“Art. 1º Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade, adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
I – Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
I – Operadora de Plano de Assistência à Saúde: pessoa jurídica constituída sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere produto, serviço ou contrato de que trata o inciso I deste artigo;” (Incluído pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001) (grifos nossos)
Em complemento, a Resolução Normativa ANS Nº 137/2006 prevê a possibilidade de enquadramento das Operadoras no seu inciso II do artigo 2º:
“Art. 2º Para efeito desta resolução, define-se como operadora de planos privados de assistência à saúde na modalidade de autogestão:
II – a pessoa jurídica de direito privado de fins não econômicos que, vinculada à entidade pública ou privada patrocinadora, instituidora ou mantenedora, opera plano privado de assistência à saúde exclusivamente aos seguintes beneficiários: (Redação dada pela RN nº 148, de 2007).
a) empregados e servidores públicos ativos da entidade pública patrocinadora; (Redação dada pela RN nº 148, de 2007).
b) empregados e servidores públicos aposentados da entidade pública patrocinadora; (Redação dada pela RN nº 148, de 2007).
c) ex-empregados e ex-servidores públicos da entidade pública patrocinadora; (Redação dada pela RN nº 148, de 2007).
d) pensionistas dos beneficiários descritos nas alíneas anteriores; (Redação dada pela RN nº 148, de 2007).
e) sócios ou associados da entidade privada patrocinadora ou mantenedora da entidade de autogestão; (Redação dada pela RN nº 355, de 2014)
f) empregados e ex-empregados, administradores e ex-administradores da entidade privada patrocinadora ou mantenedora da entidade de autogestão; (Redação dada pela RN nº 272, de 20/10/2011)
g) empregados, ex-empregados, administradores e ex-administradores da própria entidade de autogestão; (Incluído pela RN nº 148, de 2007).
h) aposentados que tenham sido vinculados anteriormente à própria entidade de autogestão ou a sua entidade patrocinadora ou mantenedora; (Redação dada pela RN nº 272, de 20/10/2011)
i)pensionistas dos beneficiários descritos nas alíneas anteriores; (Redação dada pela RN nº 272, de 20/10/2011)
j) grupo familiar até o quarto grau de parentesco consangüíneo, até o segundo grau de parentesco por afinidade, criança ou adolescente sob guarda ou tutela, curatelado, cônjuge ou companheiro dos beneficiários descritos nas alíneas anteriores; (Redação dada pela RN nº 355, de 2014)
k) as pessoas previstas nas alíneas "e", "f", "h", "i"e "j" vinculadas ao instituidor desde que este também seja patrocinador ou mantenedor da entidade de autogestão”; ou (Acrescentado pela RN nº 272, de 20/10/2011) (grifos nossos)
Concomitantemente, o mesmo ato administrativo conceitua as figuras do instituidor, do mantenedor e do patrocinador, nos incisos I, II e III do artigo 12:
“Art. 12 Para efeito desta resolução, considera-se:
I – instituidor: a pessoa jurídica de direito privado, com ou sem fins econômicos, que cria a entidade de autogestão;
II – mantenedor: a pessoa jurídica de direito privado que garante os riscos referidos no caput do art. 5º mediante a celebração de termo de garantia com a entidade de autogestão; e
III – patrocinador: a instituição pública ou privada que participa, total ou parcialmente, do custeio do plano privado de assistência à saúde e de outras despesas relativas à sua execução e administração.” (grifos nossos)
Por meio de uma interpretação literal, o Programa em comento poderia figurar como Operador e tendo o órgão do Poder Judiciário da União como patrocinador. No entanto, no caso específico destes Programas, há que se buscar uma hermenêutica integradora e sistêmica, entre os artigos 2º e 12 desta Resolução com o parágrafo único deste mesmo artigo 12:
“Parágrafo Único. Os instituidores e patrocinadores deverão guardar [relação] com o objeto do estatuto da entidade de autogestão, [bem como] deverão guardar [correlação] entre si, quanto ao seu ramo de atividade.” (Acrescentado pela RN nº 272, de 20/10/2011) (grifos nossos)
Para se chegar a esta hermenêutica, antes tem que se trilhar o caminho da interpretação literal. Ao adstringir-se ao vocábulo “relação”, extrai-se do Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 3ª. ed., Ed. Positivo, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, os seguintes significados: referência; ligação; vinculação; operação que determina a agregação ou a conexão de dois objetos. No mesmo compêndio de verbetes, o vocábulo “correlação” designa “uma dependência entre as funções de distribuição de duas ou mais variáveis aleatórias, em que a ocorrência de um valor de uma das variáveis favorece a ocorrência dum conjunto de valores das outras variáveis”.
Por esta interpretação gramatical, verifica-se que o patrocinador (TJDFT) deverá estar conectado ao objeto do estatuto da entidade de autogestão (Pró-Saúde) – o quê de fato ocorre -, ao mesmo tempo, aquele órgão público e esta associação deverão ter “ramos de atividades” interligados e dependentes – fato que não ocorre.
Destarte a melhor exegese destes diplomas legais, verifica-se que o TJDFT, apesar de “guardar relação com o objeto do estatuto da entidade de autogestão” – assistência à saúde dos servidores e magistrados -, não guarda qualquer “correlação com o ramo de atividade” do Pró-Saúde. Senão vejamos: o TJDFT tem como “ramo de atividade”, prevista na sua missão, o seguinte:
“proporcionar à sociedade do Distrito Federal e dos Territórios o acesso à Justiça e a resolução dos conflitos por meio de um atendimento de qualidade, promovendo a paz social”. (grifos nossos)
Desta forma, conclui-se que o “ramo de atividade” do TJDFT é a prestação jurisdicional, através do monopólio estatal da interpretação do direito.
O Pró-Saúde, segundo o artigo 1º do seu Regulamento Geral, tem como finalidade o seguinte:
“oferecer aos magistrados, servidores do TJDFT e respectivos dependentes, um sistema de serviços e benefícios sociais capaz de proporcionar aos mesmos a manutenção de níveis elevados de saúde física e mental, favoráveis ao pleno exercício de suas atribuições e responsabilidades.” (grifos nossos)
Neste ponto, verifica-se que o “ramo de atividade” deste Programa é a assistência social aos servidores e magistrados.
Logo se constata que as duas entidades não guardam correlação entre seus ramos de atividades, não podendo, assim, ser atribuída pela ANS (ou pelo Fisco), ao Pró-Saúde, uma classificação como Operadora na modalidade de Autogestão. Isto decorre da ausência de previsão normativa nos próprios diplomas legais daquela Agência Reguladora.
Desta forma, o Pró-Saúde não encontra definição legal na Lei Nº 9.656/1998, bem como, no ato administrativo que a regula – a Resolução Normativa Nº 137, de 14 de novembro de 2006 e suas alterações posteriores, bem como, não pode figurar como Operadora de Plano de Saúde.
Com apoio no brocardo “in dubio pro Fisco”, poder-se-á argumentar a incidência para os Programas de Autogestão, como responsáveis por substituição tributária, com supedâneo no Art. 8º, III, do Decreto GDF Nº 25.508/2005, in verbis:
“Art. 8º Fica atribuída a responsabilidade pela retenção e recolhimento do imposto cujo local da prestação do serviço situe-se no Distrito Federal, àqueles a seguir discriminados, vinculados ao fato gerador na condição de contratante, fonte pagadora ou intermediário: (NR)…
III – às administradoras de planos de saúde, de medicina de grupo, de títulos de capitalização e de previdência privada”; (grifos nossos)
Necessário se faz deixar registrado que este dispositivo encontra-se na Subseção I, Seção II, Capítulo V – “Da Responsabilidade por Substituição Tributária”, no entanto, novamente, a interpretação sistêmica se faz necessário com o amparo de outros dispositivos normativos. No caso em tela, a Resolução Normativa ANS RN Nº 196, de 14 de julho de 2009, em seu Art. 2º, traz o conceito deste tipo de sociedade, o qual coloca luz a quem adentra pelo negrume do Princípio do In Dubio Pro Fisco:
“Art. 2º Considera-se Administradora de Benefícios a pessoa jurídica que propõe a contratação de plano coletivo na condição de estipulante ou que presta serviços para pessoas jurídicas contratantes de planos privados de assistência à saúde coletivos, desenvolvendo ao menos uma das seguintes atividades:
I – promover a reunião de pessoas jurídicas contratantes na forma do artigo 23 da RN nº 195, de 14 de julho de 2009.
II – contratar plano privado de assistência à saúde coletivo, na condição de estipulante, a ser disponibilizado para as pessoas jurídicas legitimadas para contratar;
III – oferecimento de planos para associados das pessoas jurídicas contratantes;
IV – apoio técnico na discussão de aspectos operacionais, tais como:
a) negociação de reajuste;
b) aplicação de mecanismos de regulação pela operadora de plano de saúde; e
c) alteração de rede assistencial.”
O caput deste Art. 2º, por si só já exclui os Programas de Autogestão, pois eles não contratam planos coletivos nem prestam serviços para pessoas jurídicas contratantes de planos privados; quem figura como parte nos contratos administrativos é o órgão (TJDFT), a fim de assegurar os recursos originários da Lei Orçamentária Anual.
3. SOBRE A RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
Coaduna-se com a impossibilidade dos Programas de Autogestão supracitados figurarem como responsáveis, através do regime de substituição tributária, a interpretação sistêmica do artigo 5º da Lei Complementar retro em conjunto com o artigo 6º do mesmo diploma legal:
“Art. 5º Contribuinte é o prestador do serviço.
Art. 6º Os Municípios e o Distrito Federal, mediante lei, poderão atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação, inclusive no que se refere à multa e aos acréscimos legais.
§ 1º Os responsáveis a que se refere este artigo estão obrigados ao recolhimento integral do imposto devido, multa e acréscimos legais, independentemente de ter sido efetuada sua retenção na fonte.
§ 2º Sem prejuízo do disposto no caput e no § 1o deste artigo, são responsáveis:
I – o tomador ou intermediário de serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País;
II – a pessoa jurídica, ainda que imune ou isenta, tomadora ou intermediária dos serviços descritos nos subitens 3.05, 7.02, 7.04, 7.05, 7.09, 7.10, 7.12, 7.14, 7.15, 7.16, 7.17, 7.19, 11.02, 17.05 e 17.10 da lista anexa.” (grifos nossos)
Por estes dispositivos legais, para que os Programas de Autogestão viessem a ter responsabilidade tributária na retenção do tributo em comento, o serviço deveria ser proveniente do exterior do Brasil ou ter sua prestação iniciado-se em outro país, bem como, os serviços prestados a estes Programas, pelos hospitais, clínicas e laboratórios, deveriam estar no rol numerus clausus do inciso II do parágrafo segundo retro, os quais são os seguintes:
“Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.
3.05 – Cessão de andaimes, palcos, coberturas e outras estruturas de uso temporário.
7.02 – Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).
7.04 – Demolição.
7.05 – Reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).
7.09 – Varrição, coleta, remoção, incineração, tratamento, reciclagem, separação e destinação final de lixo, rejeitos e outros resíduos quaisquer.
7.10 – Limpeza, manutenção e conservação de vias e logradouros públicos, imóveis, chaminés, piscinas, parques, jardins e congêneres.
7.12 – Controle e tratamento de efluentes de qualquer natureza e de agentes físicos, químicos e biológicos.
7.14 – (VETADO)
7.15 – (VETADO)
7.16 – Florestamento, reflorestamento, semeadura, adubação e congêneres.
7.17 – Escoramento, contenção de encostas e serviços congêneres.
7.19 – Acompanhamento e fiscalização da execução de obras de engenharia, arquitetura e urbanismo.
11.02 – Vigilância, segurança ou monitoramento de bens e pessoas.
17.05 – Fornecimento de mão-de-obra, mesmo em caráter temporário, inclusive de empregados ou trabalhadores, avulsos ou temporários, contratados pelo prestador de serviço.
17.10 – Planejamento, organização e administração de feiras, exposições, congressos e congêneres.
Mister se faz asseverar que o Poder Executivo do Distrito Federal realizou a “cópia perfeita” do inciso II do parágrafo segundo do artigo 6º da Lei Complementar Federal Nº 116/2003, no inciso II do artigo 9º, bem como no Anexo I, do seu Decreto Nº 25.508, de 19 de janeiro de 2005.
Sobre a taxatividade da lista de serviços, ao tratar sobre o tema na competência municipal, sobre a aplicação da Lei Complementar supra, são pertinentes, mutatis mutandis, as lições dos mestres Bernardo Ribeiro de Moraes (1995), Ives Gandra da Silva Martins (1976) e Carlos Medeiros Silva (1993):
“Sobre a taxatividade da lista de serviços, assim se manifesta Bernardo Ribeiro de Moraes: "A expressão "definidos em lei complementar" esclarece que o instrumento competente para definir os serviços que serão alcançados pelo ISSQN é unicamente a lei complementar, instrumento jurídico de hierarquia intermediária entre a constituição e a lei ordinária. …
Na elaboração da lei complementar, ensina Ives Gandra da Silva Martins, "a União empresta apenas seu aparelho legislativo, como o faz para a elaboração das emendas à Constituição" (O ISS e a competência Municipal expressa no artigo 24, item II, da Emenda Constitucional nº 1/69 in, LTR., 18:109-11, 1976 -Suplemento Tributário). Somente mediante lei complementar é que se pode definir os serviços tributados pelo ISSQN, ficando os municípios na dependência de tal escolha pelo legislador complementar, para que, posteriormente, legisle sobre a matéria. …
A lei municipal, afirma Carlos Medeiros Silva, "não poderá fazer incidir o imposto sobre o serviço não especificado" por lei complementar (Parecer, in RF, v. 243, p. 243, p.44). A competência tributária dos Municípios, em relação ao ISSQN, é complementada pela lista de serviços baixada por lei complementar. Em razão do objeto do imposto, não será serviço alcançável pelo ISSQN, qualquer bem imaterial, mas, sim, será alcançável o bem imaterial escolhido pelo legislador" (Curso de Direito Tributário, volume 2, 1993, edições CEJUP, p. 288/289)
Assim, verifica-se a impossibilidade legal de que os Programas de Autogestão de Assistência à Saúde dos Servidores e Magistrados do Poder Judiciário da União venham a ter responsabilidade tributária sobre a retenção ou o recolhimento do ISSQN, pois o serviço prestado aos seus beneficiários (magistrados e servidores) não se adequa a nenhum dos que constam no rol exaustivo legal.
4. CONCLUSÃO
Os Programas de Saúde, como o Pró-Saúde do TJDFT, são constituídos como sociedade civil de direito privado – Associação – e estão, apenas, vinculados (e não subordinados) aos órgãos do Poder Judiciário da União. Assim, quando pagam aos credenciados (hospitais e clínicas) com recursos privados (cuja origem não advém da Lei Orçamentária Anual), não devem guardar, em suas retenções tributárias do ISSQN, as mesmas regras daquelas praticadas por aqueles órgãos públicos (pessoas jurídicas de direito público), os quais por meio de convênio existente entre a União Federal e o Governo do Distrito Federal realizam as retenções em epígrafe com fulcro no Art. 8º, VIII, do Decreto GDF Nº 25.508/2005, in verbis:
“Art. 8º Fica atribuída a responsabilidade pela retenção e recolhimento do imposto cujo local da prestação do serviço situe-se no Distrito Federal, àqueles a seguir discriminados, vinculados ao fato gerador na condição de contratante, fonte pagadora ou intermediário: (NR)
VIII – aos órgãos e entidades da Administração Pública Direta e Indireta;”
No mesmo sentido, é possível constatar que não há definição legal na Lei Nº 9.656/1998, bem como, no ato administrativo que a regula – Resolução Normativa ANS Nº 137, de 14 de novembro de 2006 e suas alterações posteriores -, sobre a inclusão dos Programas de Saúde como Operador (ou Administrador) na Modalidade de Autogestão, nem há nenhum dispositivo legal ou jurisprudencial que possa estabelecer, do ponto de vista da retenção tributária do ISS, a obrigatoriedade da mesma.
Sobre o rol exaustivo, ao considerar a taxatividade que emerge das Listas de Serviços da Lei Complementar Nº 116/2003 e do Decreto Nº 25.508/2005, verifica-se que não há serviço destas Listas em que os Programas de Autogestão de Assistência à Saúde dos Servidores e Magistrados do Poder Judiciário da União possam figurar como tomador do serviço e (ao mesmo tempo) incidir na responsabilidade tributária constante do parágrafo segundo do Art. 6º da Lei Complementar Nº116/2003.
Ao pautar-se pelo Princípio do In Dubio Pro Fisco, o direito tributário torna-se fechado em uma interpretação desprovida de uma construção jurídica que pratique o diálogo das fontes com outros ramos da ciência jurídica. No caso em epígrafe, com o direito civil e o administrativo. Nas didáticas lições de Marcelo Neves (1992), é uma estrutura construída no fenônemo da autopoiese. Para que o direito evolua, por meio da alopoiese, para além de um de seus ramos, Neves assevera que o direito não pode estruturar-se fechado em legislações ou em seus princípios, mas aberto para todos os seus ramos e para outras ciências.
Por todo o exposto, a conclusão que emerge é que os Programas de Autogestão de Assistência à Saúde dos Servidores e Magistrados do Poder Judiciário da União não são obrigados a proceder às retenções em epígrafe, quando constituídos como associação. Admitir-se o contrário seria enveredar por um regime de exceção tributário, o qual extrairia a sua validade, apenas, de uma principiologia que não se estrutura fora do fenômeno autopoiético.
Informações Sobre os Autores
Ailton Mota de Magalhães
Acadêmico do Curso de Direito da UNB – Universidade de Brasília
Carlos Tadeu de Carvalho Moreira
Professor de Direito Civil e Prática Jurídica da UNB – Universidade de Brasília