Inexecução e rescisão do contrato administrativo

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O descumprimento, total ou parcial do contrato, acarreta  a rescisão, com as conseqüências, previstas, no contrato, na lei ou no regulamento. Este é o recado certeiro do artigo 771. A inexecução do contrato produz conseqüências de ordem, civil, administrativa, penal, trabalhista, fiscal, cumulativamente ou não. Cada uma das partes – contratante ou contratado – responde pelas conseqüências de sua inexecução, que poderá ser total ou parcial.


Lembre-se que o administrador público ou privado poderá ser responsabilizado pessoalmente. Na esfera privada, por exemplo, o artigo 158 da Lei de Sociedades Anônimas assevera que o administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome das sociedades e em virtude de ato regular de gestão; entretanto, responde civilmente, se  proceder, com culpa ou dolo, conquanto dentro de suas atribuições ou poderes, ou com violação do estatuto ou da lei. A responsabilidade é ampla, segundo dispõe os parágrafos desse artigo. O artigo 135, III, do Código Tributário Nacional, impõe a responsabilidade objetiva2 dos administradores, gerentes e representantes da pessoas jurídicas de direito privado, por infração da lei.


No âmbito do direito público, as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado, que prestem serviços públicos, responderão pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, mas estas entidades têm o direito de regresso contra o responsável que agiu com dolo ou culpa.3


Sem dúvida, é perfeitamente possível a responsabilização pessoal dos administradores das pessoas jurídicas, que participam da administração pública ou simplesmente são por esta controladas direta ou indiretamente, por atos lesivos ao patrimônio público, sujeitando-se obviamente, se for o caso, à incidência da Lei de Improbidade Administrativa.


O contrato administrativo deve ser fiscalizado, pari passu, pela Administração Pública, que designará um representante, com essa atribuição específica. Um terceiro poderá ser contratado, para assisti-lo e subsidiá-lo de informações. O TCU recomenda que esta contratação se realize, por meio de licitação.4 Não obstante, tal contratação poderá ter a licitação dispensada ou declarada inexigível, nas hipóteses permitidas pela lei (artigos 24 e 25 ).


Assim, se, por exemplo, a Administração Municipal não tiver em seu corpo de funcionários um engenheiro, que fiscalize a execução de determinada obra, terá que designar um funcionário leigo, como representante, mas deverá contratar terceiro para assisti-lo. E poderá ser dispensada ou declarada inexigível a licitação? Sim, se naquele Município somente houver um profissional habilitado. No caso, aplica-se, sem dúvida, o artigo 25. Este dispositivo indica o caminho certo, ao declarar ser inexigível a licitação, quando houver inviabilidade de competição, em especial, nas hipóteses previstas nesse dispositivo.


Acrescente-se que o contratado deverá também manter um preposto no local da obra ou do serviço, o qual deverá ser aceito pela Administração, para representá-lo na execução do contrato.


A presença do fiscal e do preposto é imprescindível, de sorte que o primeiro deverá anotar em registro próprio – o diário de ocorrências – os fatos que ocorrerem, relacionados com a execução do contrato, e o não atendimento às  determinações do representante ou de seus superiores constituirá motivo para a rescisão, com fundamento no inciso VII do artigo 78, com a aplicação das sanções legais e contratuais. Essas anotações servirão de espelho para as providências que se fizerem necessárias, calcadas nos incisos I a XI e XVIII do artigo 79.


A lei sabiamente anota que as decisões e providências que ultrapassarem a competência do representante deverão ser solicitadas aos seus superiores, com tempo bastante que permita a adoção das medidas necessária


Esse procedimento não só é necessário, porque a lei exige, como garantia para a contratante, mas também em favor do contratado, visto que este, por intermédio do preposto, será o contra – fiscal da execução do contrato.


Observe-se que a lei imputa ao contratado a responsabilidade direta pelos danos causados à Administração ou a terceiros, decorra ela de culpa ou de dolo.


O dolo pressupõe a intenção de praticar o ato lesivo. No direito penal, ocorre o dolo quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo. Na esfera civil, Clovis Bevilaqua5 define-o, com o pensamento de ouro e de forma lapidar, como o artifício ou expediente astucioso empregado para induzir alguém à prática de ato, que o prejudica, e aproveita ao autor do dolo ou a terceiro. O agente age, culposamente, quando o faz por imperícia, negligência ou imprudência.


O fato de a Administração fiscalizar  a execução do contrato não exime nem reduz a responsabilidade do contratado.


O Superior Tribunal de Justiça decidiu que a inadimplência do empreiteiro, dando margem à rescisão da empreitada de obra pública, não induz a responsabilidade do Estado pelos encargos trabalhistas assumidos pelos subempreiteiros, mesmo que não implicados na inexecução contratual.


O Ministro Ari Pargendler, ao relatar o acórdão, no Resp 20254 – PE, enuncia que a Administração Pública pode, mediante denúncia cheia e no interesse público, rescindir o contrato de empreitada, sem responder pelos prejuízos suportados pela subempreiteira, pois, segundo as lições de Pontes de Miranda, não há qualquer sucessão no negócio jurídico de empreitada.6


O contratante, se descumprir o contrato, estará sujeito, de igual modo, às sanções, visto que a lei é clara. O artigo 66 prevê a responsabilidade de cada uma das partes, pelo descumprimento total ou parcial.


Diógenes Gasparini sentencia que a ocorrência de uma das hipóteses arroladas no artigo 78 não é suficiente para a rescisão. É preciso mais, isto é, que o comportamento do contratado coloque em risco a execução do contrato.7


Maria Luíza Machado Granziera reconhece que a Administração pode alterar ou rescindir o contrato unilateralmente, em função da supremacia daquela sobre os interesses privados,8 entretanto Odete Medauar enfatiza que a expressão interesse público se filia ao bem de toda a coletividade, não devendo ocorrer sacrifício de nenhum interesse, a priori9.


 


A rescisão10 poderá ocorrer11:


1)     por ato unilateral da Administração.


2)     amigavelmente, acordando as partes, se conveniente para a Administração e reduzida a termo a ocorrência e, finalmente,


3)     por determinação judicial.


 


RESCISÃO UNILATERAL


A rescisão unilateral do contrato advém da primazia que lhe fornece o inciso II do artigo 58. Todavia, este comando é temperado por alguns princípios, de suma importância: rescisão unilateral, somente com permissão legal, nos casos especificados, no inciso I do artigo 79  (incisos I a XII, XVII e XVIII do artigo 78); ampla defesa e o contraditório; por meio de documento escrito; rígida submissão às formalidades legais; motivação, que compreende a fundamentação legal e os motivos que alicerçam a prática desse ato.


O princípio da indisponibilidade do interesse público fundamenta esse privilégio; contudo, na interpretação dos contratos com a Administração, conquanto se deva ter em vista o interesse público, não pode o intérprete olvidar os princípios e garantias fundamentais12. Deve o contrato ser interpretado inteligentemente, de forma a que não conduza ao absurdo, consoante ensina Carlos Maximiliano.


As conseqüências da inexecução estão previstas nos artigos 86 a 88. 


O inciso XVIII do artigo 78 foi acrescentado pela Lei nº 9854, de 27 de outubro de 199913, verbis: “descumprimento do disposto no inciso V do artigo 27, sem prejuízo das sanções penais cabíveis”. Este artigo foi acrescido do inciso V, pela citada Lei 9854, nos seguintes termos: Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados exclusivamente, documentação relativa à: …..V – cumprimento do disposto no inciso XXXIII do artigo 7º da CF14. A disposição constitucional reza que é direito do trabalhador urbano e rural a proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.


A inexecução do contrato pode ocorrer por variadas razões, distinguindo-se a culpa do contratado ou do contratante, a determinação deste, o fato do príncipe, a força maior, o caso fortuito etc.


O projeto de lei aprovado, no Congresso, facultava a rescisão, a requerimento do contratado, nos casos enumerados nos incisos XII a XVII, sem que tenha havido culpa do contratado, ou, como quer Carlos Pinto Coelho Motta15, por fato da Administração; todavia, esse dispositivo foi vetado, de sorte que, na hipótese de infração cometida pela Administração ou sem culpa do contratado, a rescisão terá que ser feita, judicialmente. A forma, o momento e as sanções foram, correlatamente, vetados (inciso IV e §§ 3o e 4o. do artigo 79, Mensagem 335. O Presidente da República vetou parcialmente o Projeto de Lei nº 1491/91, nº 59/92, no Senado Federal ).


Data maxima venia, as razões do veto presidencial a esses dispositivos não convencem absolutamente, porque a rescisão judicial, se houver, será mais onerosa e demandará mais tempo, para sua solução, do que a que ocorreria, no âmbito administrativo, forrada de todas as garantias, para ambos os lados. Mais uma vez, também a Administração perdeu. Na  verdade, nas razões do veto, há a citação do insuperável mestre Hely, trazendo à colação subsídios que nada têm a ver com a matéria vetada.


E, se dúvida houvesse, quanto à segurança da Administração, nada impediria que se valesse do juízo arbitral, consoante propusemos, em nossa sugestão à alteração dessa lei, visando acrescentar um dispositivo, permitindo-o expressamente.16


Assim, conclui-se que Administração pode rescindir o contrato unilateralmente, quando a causa é imputável ao contratado ( incisos I  a XI ). Nas hipóteses dos incisos XII a XVII, que se referem ao comportamento da Administração,  caberá ao contratado valer-se do Poder Judiciário.


No caso do inciso XVII (ocorrência de caso fortuito ou de força maior, devidamente comprovada, impeditiva da execução do contrato), porém, nenhuma das partes deu motivo ao inadimplemento.


O parágrafo único do artigo 78 indica que a rescisão deve ser obrigatoriamente motivada nos autos do processo, proporcionando-se o contraditório e a ampla defesa, com fonte no Texto Constitucional  – inciso LV do artigo 5o.: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e  a ampla defesa, com os recursos e meios a ela inerentes.”


A defesa, porém, não é prévia, como no caso da aplicação das sanções, prevista expressamente, no  caput do artigo 87. Isto por que a defesa prévia não se harmoniza com o princípio da continuidade exigida pela Administração Pública, tanto que o artigo 80 a autoriza prosseguir a obra ou o serviço, por execução direta ou indireta, e, no caso de concordata, assumir o controle de determinadas atividades de serviços essenciais.


Se optar, pela execução indireta, poderá servir-se da faculdade do inciso XI do artigo 24, que permite a dispensa da licitação, para contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento, em virtude de rescisão de contrato, atendendo-se, porém, a ordem de classificação da licitação anterior. O legislador impõe absoluto rigor, porque também exige que as condições e o preço, devidamente corrigido, sejam os mesmos do licitante vencedor.


O valor do contrato deverá adaptar-se à  nova situação para abater o que já foi pago, pela parte executada, anteriormente. Se nenhum dos licitantes aceitar, não restará outra alternativa, a não ser efetuar-se nova licitação, ou, se for o caso, valer-se do permissivo do inciso IV do artigo 24 (casos de emergência  ).


A lei, não obstante, mitigando o rigor desse princípio – rescisão unilateral – autoriza que a contratada justifique o atraso e a paralisação da obra, do serviço ou do fornecimento ( incisos III, IV e V  do artigo 78 ). No caso de lentidão, na execução do contrato, caberá ao contratante demonstrar que a obra, o serviço ou o fornecimento não se concluirão no prazo acertado. Só assim poderá o contratante utilizar-se da prerrogativa legal ( inciso II do artigo 58, c/c o caput e o inciso I do artigo 79 ). Todos estes atos deverão formalizar-se por escrito.


Se, porém, ocorrida a rescisão, o contratado demonstrar que lhe cabe razão, a situação voltará ao status quo ante.  Se impossível, terá este direito à indenização ou ao ressarcimento por perdas e danos.


Em sentido contrário, defendendo a defesa prévia, nos casos de rescisão unilateral, citem-se Carlos Ari Sundfeld17, Roberto Ribeiro Basilli18, Marçal Justen19.


As hipóteses,  que  permitem a rescisão unilateral do contrato, estão relacionadas, nos incisos I a XII, XVII e XVIII do artigo 78, a saber:


1)  o descumprimento de cláusulas contratuais, projetos, especificações ou prazos, ou seu cumprimento de forma irregular;


2)  O cumprimento irregular de cláusulas contratuais, projetos, prazos e especificações;


3)  a lentidão, no cumprimento do contrato, com o que a Administração se convence da impossibilidade da conclusão do serviço, do fornecimento ou da obra, nos prazos fixados;


4)  o atraso injustificado no início da obra, do fornecimento ou serviço


5)  a paralisação, sem justa causa e prévia comunicação, da obra, do serviço ou fornecimento;


6)  o não atendimento às determinações do fiscal ou de seus superiores;


7)  a reiteração de faltas, na execução do contrato, devidamente anotadas no livro de registro;


8)  a subcontratação de seu objeto, a cessão ou a transferência, no todo ou em parte,  a associação do contratado com terceiros, assim como a fusão, cisão ou a incorporação, não previstas no edital e no contrato;20


9)  a decretação da falência ou a instauração da insolvência civil;


10) a dissolução da sociedade ou o falecimento do contratado;


11) a alteração social ou a alteração da estrutura empresarial, de modo  a prejudicar a execução do contrato;


12) razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, devidamente justificadas, no respectivo processo administrativo, e autorizadas, pela autoridade competente;


13) a ocorrência de força maior ou de caso fortuito, regularmente comprovada, que impeça a execução do contrato.


A subcontratação de parte do contrato é perfeitamente possível, desde que autorizado pelo edital e pelo contrato.


Note-se que a falência é motivo determinante de  rescisão unilateral do contrato, mas não a concordata, embora esta impeça o pretendente de qualificar-se para a licitação ( art. 31, II ).


O habilitante deve demonstrar que não é falido nem concordatário, entretanto a lei não impede que lhe seja adjudicado o contrato, se for declarada a concordata, no momento da adjudicação. É  motivo impeditivo da habilitação a concordata e a falência, mas não o simples pedido21, como queria a lei anterior22.


A insolvência referida é a declarada judicialmente, de acordo com a lei processual ( artigos 748 a 786 do Código de Processo Civil ).


A lei apenas se manifesta sobre o falecimento do contratado e não cogita da interdição ou ausência deste, mas, em ocorrendo essas situações, a execução do contrato ficará inviabilizada, motivando sua rescisão. Também a  dissolução da sociedade é razão bastante para provocar o rompimento do contrato.


Na hipótese do inciso XII, não basta o interesse público, para permitir a rescisão, por ato unilateral da Administração. É preciso, mais. O legislador exige que  o interesse seja de alta relevância e de amplo conhecimento público, ou seja, de importância superior aos casos comuns, de forma que sua não extinção poderá importar em lesão irreparável à contratante. Este ato deve ser justificado e ordenado, no processo administrativo a que se refere o contrato,  pela autoridade superior a que se subordina a Administração contratante. Tenha-se em mente o que afirmamos, em nosso citado estudo Interpretação dos Contratos Administrativos, visto que o interesse público não se superpõe aos direitos e garantias fundamentais nem pode conduzir a uma interpretação que macule o direito em favor do Estado todo poderoso.


Tenha-se presente que os direitos adquiridos do contratado e este deverá ser indenizado por possíveis danos e pelas perdas acarretados, visto que o artigo 59 não exime a Administração de indenizar o contratado pelo que este houver executado e por outros prejuízos, em caso de nulidade. É evidente que, na hipótese de rescisão por interesse público, a Administração não se eximirá de a indenizar e estará sujeita às imposições do § 2º do artigo 79.


 


RESCISÃO AMIGÁVEL


A lei autoriza a rescisão amigável, condicionada à conveniência da Administração e à aquiescência das partes.


Essa conveniência, porém, não é arbitrária, primeiro, porque a contratante, somente, pode realizar o que a lei permite; segundo, porque conveniência não significa arbítrio, liberdade desenfreada. No dizer de Hely Lopes Meirelles, o ato discricionário é aquele praticado com liberdade de escolha de seu conteúdo, do seu destinatário, tendo em vista a conveniência, a oportunidade e a forma de sua realização, ou, segundo, Vitor Nunes Leal, há que se considerar o poder discricionário da Administração. Quer isto dizer que o administrador deve agir com liberdade de escolha, mas seguindo os parâmetros legais., permitindo-se que eleja entre as várias opções a que  melhor se encaixe na lei, ou, como ensina Bonnard, discricionários são os meios e formas de agir, jamais o fim. Nem outro é o pensamento de Seabra Fagundes.23


 


RESCISÃO JUDICIAL


A rescisão contratual, conquanto sem culpa do contratado, deverá ser feita, judicialmente, em virtude do veto do Presidente da República ao inciso IV do artigo 79, e assenta-se nos permissivos XII a XVII do citado artigo 78:


a)  a suspensão de sua  execução, por ordem escrita da Administração, por prazo superior a 120 dias, exceto em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna, guerra ou, ainda, por reiteradas suspensões, que totalizem aquele prazo;


b)  atraso superior a 90 dias dos pagamentos, por serviços, fornecimentos, obras, ou parcelas destes, salvo se motivado por calamidade pública, guerra ou perturbação da ordem interna24;


c)  a não liberação, pela Administração, de área, local ou objeto, para execução do contrato, ou, ainda, das fontes de materiais especificadas no projeto; e, finalmente,


d)  a supressão, pela Administração, de obras, serviços ou compras, além do permitido pelo § 1o. do artigo 65


 Nas hipóteses a e b retro, o contratado, ao invés de pleitear a rescisão, pode optar pela suspensão do cumprimento das obrigações, até a normalização da situação. Esta norma é um temperamento do princípio de direito público, que veda a invocação da “exceção de contrato não cumprido”, normalmente utilizado no direito contratual comum. Em regra, o contratado não pode deixar de cumprir o avençado, quando a falta é do Poder Público.


Na hipótese b, terá o contratado direito a indenização pelas sucessivas e contratualmente imprevistas desmobilizações e mobilizações e, ainda por outras previstas, como corolário da própria norma.


Na hipótese da não liberação de local, área ou objeto, para execução contrato, o contratado não pode ficar sujeito á vontade do contratante, para iniciar a execução do contrato de obra, fornecimento ou serviço. A lei não diz, mas deve-se subentender que, qualquer que seja o objeto, aplicar-se-á esse dispositivo, pois o contratado somente poderá iniciar a execução do contrato, desde que se lhe propiciem as condições adequadas.


A supressão, por parte da Administração, acarretando modificação do valor inicial, do contrato, além do limite previsto no § 1º,  autoriza o contratado pedir a rescisão contratual, via judicial  ( § 1º  do artigo 65, c/c o  inciso XIII do artigo 78), desde que as partes não entrem em acordo.


O § 2º desse artigo proibia, teminantemente, que esse acréscimo ou supressão excedessem os limites insertos no dispositivo já referido. Entretanto, a Lei 9648, de 27 de maio de 199825, ao modificar o §2º do artigo 65, introduziu uma novidade, ao facultar a supressão, além dos limites nele estabelecidos, mediante acordo entre as partes.


Sem dúvida, nesses casos, a Administração estará sujeita à recomposição do equilíbrio econômico – financeiro, com alicerce no artigo 65, se preenchidos os pressupostos legais. Esta também é a opinião abalizada de Marçal Justen, com base em  farta jurisprudência26.


A rescisão administrativa ou amigável fica condicionada à prévia autorização, por escrito e fundamentada, da autoridade competente27, e o parágrafo único do artigo 78 exige a motivação, nos autos do processo, propiciando ao contratado o direito ao contraditório e à ampla defesa.


A autoridade competente é a descrita no regimento ou no estatuto do órgão ou da entidade.


Pode ocorrer a rescisão amigável ou por acordo das partes, sempre que for conveniente para a Administração, e deverá, obrigatoriamente, ser reduzida a termo, no processo de licitação. A formalidade também aqui não é dispensada.


É um ato discricionário, sem dúvida, balizado no tirocínio do administrador, que para tanto deverá aquilatar o que for de interesse para o serviço público e motivar seu ato.


CONSEQÜÊNCIAS A FAVOR DA        ADMINISTRAÇÃO CONTRATANTE


A rescisão unilateral operada pela Administração ( inciso I do artigo 79 ), gera a seu favor algumas conseqüências, sem prejuízo das sanções legais e contratuais, consoante dispõe o artigo 80:


1)  Assunção imediata do objeto do contrato, no estado e local em  que se encontrar, por ato próprio, em vista do princípio da continuidade dos  serviços públicos e da executoriedade de seus atos, como, ainda, do comando do inciso II do artigo 58.


2)  Ocupação e utilização do local, instalações, equipamentos, material e pessoal empregados na execução do contrato, necessários à sua continuidade, em consonância com o inciso V do artigo 58. Também aqui o princípio da continuidade está em causa.


3)  Execução da garantia contratual, para ressarcimento da Administração, e dos valores referentes à multa e às indenizações que lhes são devidas. Se essa garantia não for suficiente, far-se-á  a execução, pelo restante, de conformidade com a Lei 6830/80, como dívida ativa não tributária, em  se tratando de crédito da União, Estados, Distrito Federal, Municípios e suas autarquias. As demais entidades cobrarão sua dívida, pela via processual comum.28


4)  Retenção dos créditos decorrentes do contrato, até o limite dos prejuízos que houver causado à contratante.


Nas hipóteses 1 e 2, a Administração, a seu critério, poderá  dar continuidade à obra ou ao serviço, por execução direta ou indireta. O inciso XI do artigo 24 autoriza a dispensa da licitação, na contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento, em caso de rescisão contratual, atendida a ordem de classificação da licitação anterior e aceitas as mesmas condições ofertadas pelo licitante vencedor, incluído o preço, devidamente corrigido.


Assinale-se que se trata de ato discricionário que se não confunde com ato arbitrário. Assim, entre várias alternativas, pode o administrador selecionar a que melhor atenda a vontade da lei, segundo a doutrina. Entretanto, não pode furtar-se aos ditames da lei.


Com relação à hipótese 2, há que se acrescentar que o Ministro de Estado, secretário de Estado ou de Município, conforme o caso ( nas estatais e nas autarquias, seu dirigente máximo), deve previamente autorizar a aplicação dessa medida. Frise-se, ainda, que a Administração não assume os encargos trabalhistas, em relação ao pessoal empregado na obra ou na execução do serviço.


O § 4º do artigo 80 não encontra aplicação, em vista do veto aposto ao referido inciso IV do artigo 79 ( rescisão a requerimento do contratado ). O Presidente vetou, mas esqueceu-se da remissão. 


CONSEQÜÊNCIAS A FAVOR DO CONTRATADO


Em caso de a rescisão ocorrer, sem que haja culpa do contratado (incisos XII a XVII do artigo 79 ), este terá direito à indenização pelos prejuízos regularmente comprovados, e ainda:


1)  à devolução da garantia, pela autoridade que a solicitou.


2)  aos pagamentos devidos pela execução do contrato até o momento da rescisão, porque não se admite o enriquecimento ilícito.


3)  ao pagamento do custo de desmobilização, se for o caso.


Comprovada a culpa do contratado, não se aplica o § 2º  do artigo 79.29


IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA


A prática de ato visando fim não permitido pela lei ou regulamento ou diverso do previsto na regra de competência ou ainda retardar ou deixar de praticar indevidamente ato de ofício, constituem ato de improbidade administrativa, que atenta contra os princípios da Administração Pública. Esses atos estão disciplinados pela  Lei 8429, de 1992.30 Aplicam-se as penas previstas nesta lei, sem exclusão das sanções penais, civis e administrativas.


Destarte, o agente que se omite ou pratica ato contrário à lei ou provoca o atraso da execução do contrato, por prazo superior a cento e vinte dias, ou atrasa o pagamento por prazo superior a noventa dias, ressalvados os motivos arrolados na lei ( calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra etc.), está sujeito às penalidades não só da lei de improbidade, como também poderá estar sujeito às penalidades civis, administrativas e criminais.


Nota:


1. Cf. artigo 67 do Decreto-lei 2300, de 21 de novembro de 1986.


2. Cf., nosso Responsabilidade Tributária, Editora Resenha Tributária, 1978, São Paulo.


3. Também este é o pensamento de Marçal Justen Filho, in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, AIDE Editora, 1993, p. 394.


4. Cf, entre outras, a decisão de 505, de novembro de 1995, publicado no DOU,  Seção I, p.18032.


5. Cf. Teoria Geral do Direito Civil, atualizada por Achiles e Isaías Bevilaqua, Livraria Francisco Alves, 1955, p.204.


6. Cf. acórdão cit., de 3 de junho de 1996, 2ª Turma, v.u. in Boletim de Licitações e Contratos, 6/97.


7. Cf. Boletim de Licitações e Contratos, 3/99, p. 121. Consulte-se ainda de Calos Pinto Coelho Motta o parecer, onde este autor, bem como o antes citado Diógenes Gasparini, examina a questão da alteração societária de empresa em face da Lei 8666/93.


8. Cf. Obra coletiva, Licitações e Contratos Administrativos, Editora NDJ, 1998.


9. Cf. Direito Administrativo Moderno, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1996.


10. Cf. artigo 79. Consulte-se a obra, de Lúcia Valle Figueiredo, Extinção dos Contratos Administrativos, Revista dos Tribunais, 1986.


11. Sobre alteração de contratos administrativos, vide nosso trabalho, in Curso Avançado de Licitações e Contratos Públicos, Editora Juarez de Oliveira, São Paulo, 2000, pp. 199 e segs.


12. Cf. nosso Interpretação dos contatos administrativos, publicado Revista de Informação Legislativa , número 144, outubro – dezembro 1999.


13. Publicado no Diário Oficial de 28 de outubro de 1999.


14. A redação desse dispositivo foi alterada pela EC 20 de 15-12-98.


15. Cf. Eficácia nas Licitações e Contatos, Del Rey, Belo Horizonte, 1997, p. 303.


16. Vide nossa proposta de alteração, autorizando a utilização do juízo arbitral, como forma de desemperrar a Justiça de casos que podem e devem ser resolvidos, celeremente, in Projeto de alteração da LLCA, publicado  in ADCOAS 5, MAIO 1999; Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados, vol. 116, RDA 245 e  na REVISTA JURÍDICA CONSULEX de 28 de junho de 1999.


17. Cf. Licitações e Contratos, Malheiros Editores, São Paulo, 1994.


18. Cf. Contratos Administrativos, Malheiros Editores, 1996, pág. 134.


19. Cf. op. cit. págs. 453/4.


20. Cf. nosso trabalho, com farta doutrina e jurisprudência, publicado nos seguintes repositórios: L&C REVISTA DE LICITAÇÕES E CONTRATOS, Editora Consulex, 2, de 15 de agosto de 1998, nos Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas 23/120, na RTJE 165, julho/agosto) 98, no Boletim de Licitações e Contratos 10, de outubro de 1998. Idem, na Revista de Direito Administrativo 214/145, na Revista TCU 76 abril/junho 1998, na Revista da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, volume 5, 1999.


21. Cf., de nossa autoria, A Concordata e os contratos com a Administração, editado pela TEIA JURÍDICA e AMATRA(INTERNET), e  publicado no Informativo CONSULEX , 50, de 9 de dezembro de 1996; na Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados (RTJE), 158-9/17; no Boletim de Licitações e Contratos – Edit. NDJ 1/97;  no Suplemento Tributário LTR 6/97; na Revista dos Tribunais 737.


22. Cf. Nosso Lei 8666/93 –  Análise Crítica e Sugestões, Informativo Consulex, Brasília, 22 e 29 de julho de 1996, números 30 e 31, respectivamente; Alterações e Sugestões à Lei de Licitações e Contratos, Informativo Dinâmico IOB, Edição 65, de setembro de 1996, e Equívocos da Lei 8666/93, in Suplemento Direito & Justiça, do Correio Braziliense, de 12 de agosto de 1996; Anteprojeto de Licitações e Contratos, Editora NDJ, abril de 1997; Informativo CONSULEX, Brasília, números 29 e 30, de 21 e 28 de julho de 1997.


23. Cf. Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros Editores, 2-1995, pp. 150  a 15


24. Cf. nosso estudo sobre o restabelecimento do equilíbrio econômico – financeiro, in Curso Avançado cit.


25. Foram editadas 18 Medidas Provisórias (MP 1531, dígitos 1 a 18 ), que modificaram a Lei 8666, de 1986, sendo que as três últimas alteraram o § 2º do artigo 65, facultando a supressão, além dos limites nele estabelecidos, mediante acordo entre as partes. A última Medida Provisória, número 18 , converteu-se na Lei 9648/98.


Confiram-se as edições das citadas Medidas Provisórias:


 














Número



Data



Assunto



Observações



1531



02.12.96


D.O.U. 03.12.96



Dá nova redação aos arts. 24, 26 e 57 da lei n. 8666, de 21 de junho de 1993, que regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição, institui normas para licitação e contratos da Administração Pública, e ao art. 15 da lei n. 8987, de 13 de fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos. (Licitações e contratos – II)


Alteração MP n. 1531-3: “Dá nova redação aos arts. 24, 26, 57 e 120 da lei n. 8666, de 21 de junho de 1993, que…”.


Alteração MP n. 1531-11:”Altera  dispositivos das Leis ns. 8666, de 21 de junho de 1993, 8987, de 13 de fevereiro de 1995, 9074, de 7 de julho de 1995, 9427, de 26 de dezembro de 1996, autoriza o Poder Executivo a promover a reestruturação da Centrais Elétricas Brasileiras S.A. – ELETROBRÁS, e de suas subsidiárias, e dá outras providências.”(Energia elétrica – comercialização; Centrais Elétricas Brasileiras S.A. – ELETROBRÁS – reestruturação; Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. – ELETRONORTE; Centrais Elétricas do Sul do Brasil S.A. – ELETROSUL; Furnas Centrais Elétricas S.A.).


Alteração MP n. 1531-15:” Altera dispositivos  d as Leis  ns. 3890-A, de 25 de abril de 1961, 8666, de 21 de junho de 1993, …”.


 



Ver MP n. 1081.


Retificação D.O.U. 03.12.96.


Retificação D.O.U. 08.01.97.


Reed. 1531-1 (02.01.97).


Retificação D.O.U., 08.01.97.


Reed. 1531-2 (31.01.97).


Reed. 1531-3 (28.02.97), com alteração.


Reed. 1531-4 (27.03.97).


Reed. 1531-5 (25.04.97).


Reed. 1531-6 (24.05.97).


Reed. 1531-7 (23.06.97).


Reed. 1531-8 (23.07.97).


Reed. 1531-9 (22.08.97).


Reed. 1531-10 (19.09.97).


Reed. 1531-11 (18.10.97).


Reed. 1531-12 (14.11.97).


Reed. 1531-13 (12.12.97).


Reed. 1531-14 (09.01.98).


Reed. 1531-15 (06.02.98).


Reed. 1531-16 (06.03.98).


Reed. 1531-17 (03.04.98).


Reed. 1531-18 (30.04.98).


 


Ver Lei n. 9648, de 27.05.98.


 



 


26. Cf. op. cit., pp. 411 e segs.


27. Cf. artigo 79 da Lei 8666/93..


28. Cf., de nossa autoria, Execução Fiscal,  ESAF, Ministério da Fazenda, 1984, Brasília, e, de Bernardo Ribeiro de Moraes,  Compêndio de Direito Tributário, Editora Forense, 2o. volume.


29. Sobre nulidade do ato ou contrato e suas  conseqüências, examine-se nosso Publicidade cit., e no Curso Avançado cit.


30. Cf. nosso Improbidade Administrativa, publicado na Revista L C Revista de Direito e Administração Pública, nº 24, de junho de 2000. Cf. também  nosso Improbidade Administrativa,  na Coletânea organizada pelo Professor Leo  da Silva Alves, Brasília Jurídica, Brasília, 2000.



Informações Sobre o Autor

Leon Frejda Szklarowsky

escritor, poeta, jornalista, advogado, subprocurador-geral da Fazenda Nacional aposentado, especialista em Direito do Estado e metodologia do ensino superior, conselheiro e presidente da Comissão de Arbitragem da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Distrito Federal, juiz arbitral da American Arbitration Association, Nova York, USA, juiz arbitral e presidente do Conselho de Ética e Gestão do Centro de Excelência de Mediação e Arbitragem do Brasil, vice-presidente do Instituto Jurídico Consulex, acadêmico do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (diretor-tesoureiro), da Academia de Letras e Música do Brasil, da Academia Maçônica de Letras do Distrito Federal, da Academia de Letras do Distrito Federal, da Associação Nacional dos Escritores, da Academia Brasileira de Direito Tributário e membro dos Institutos dos Advogados Brasileiros, de São Paulo e do Distrito Federal, Entre suas obras, destacam-se: LITERÁRIAS: Hebreus – História de um povo, Orquestra das cigarras, ensaios, contos, poesias e crônicas. Crônicas e poesias premiadas. JURÍDICAS: Responsabilidade Tributária, Execução Fiscal, Medidas Provisórias (esgotadas), Medidas Provisórias – Instrumento de Governabilidade. Ensaios sobre Crimes de Racismo, Contratos Administrativos, arbitragem, religião. Condecorações e medalhas de várias instituições oficiais e privadas.