De conformidade com o princípio da legalidade prevista no art. 5º, II da Constituição Federal ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei.
Para exigir que os notários e registradores fiscalizem o pagamento do IPTU e do ITBI por ocasião de prática de atos de seu ofício pressupõe a existência de lei competente criando essa obrigação.
O art. 19 da Lei nº 11.154, de 30-12-1991, obriga os notários e registradores a fiscalizar o recolhimento de impostos e o art. 21 prescreve as penalidades para os casos de descumprimento dessa obrigação.
Para clareza transcrevemos os textos referidos:
“Art. 19. Para lavratura, registro, inscrição, averbação e demais atos relacionados à transmissão de imóveis ou de direitos a eles relativos, ficam obrigados os notários, oficiais de Registro de Imóveis ou seus prepostos a:
I – verificar a existência da prova do recolhimento do imposto ou do reconhecimento administrativo da não-incidência, da imunidade ou da concessão de isenção;
II – verificar, por meio de certidão emitida pela Administração Tributária, a inexistência de débito de IPTU referentes ao imóvel transacionado até a data de operação.” (Redação dada pela Lei nº 14.256/06)
“Art. 21. Os notários, oficiais de Registro de Imóveis, ou seus prepostos, que infringirem o disposto nesta lei, ficam sujeitos à multa de:
I – R$ 200,00 (duzentos reais), por item descumprido, pela infração ao disposto no parágrafo único do art. 11 desta lei;
II – R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por item descumprido, pela infração ao disposto nos artigos 19 e 20 desta lei;
Parágrafo único. As importâncias fixas previstas neste artigo serão atualizadas na forma do disposto no art. 2° e parágrafo único da Lei n° 13.105, de 29 de dezembro de 2000.” (Redação dada pela Lei nº 14.256/06)
Acontece que esses dois dispositivos legais foram declarados inconstitucionais pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo nos outros do Incidente de Inconstitucionalidade nº 994.08.217.573-0 suscitado pela 12ª Câmara de Direito Público, de que foi Relator o Des. Corrêa Viana, julgado em 5-5-2010, cuja ementa é a seguinte:
“Incidente de inconstitucionalidade – Artigo 19 e 21 da Lei n. 11.154/91, com a redação dada pela Lei n. 14.256/06 – Obrigação imposta aos notários e registradores de verificar o recolhimento de imposto e a inexistência de débitos relativos ao imóvel alienado, sob pena de multa – Dispositivos que afrontam tanto a competência da União para legislar sobre o registro público, como a do Poder Judiciário para disciplinar, fiscalizar e aplicar sanções aos que exercem tais atividades – Ofensa específica aos artigos 5º, caput, 69, II, “b” e 77 da Constituição do Estado – Procedência do Incidente para declarar a inconstitucionalidade dos artigos mencionados.”
O referido incidente de inconstitucionalidade foi suscitado nos autos da Apelação nº 0103.847-15.2007.8.26.0053 apresentada pela Municipalidade de São Paulo contra decisão concessiva de segurança impetrada pelo Colégio Notarial do Brasil, Seção de São Paulo contra ato do Secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo, hostilizado os artigos 19 e 21 da Lei nº 11.154/91 na redação dada pela Lei nº 14.256/06.
Logo, o Município de São Paulo perdeu o fundamento legal para obrigar os notários e registradores de fiscalizar o cumprimento das obrigações tributárias principais pelos interessados e de aplicar a penalidade pecuniária na ausência do cumprimento dessa obrigação. Tanto o art. 19 que obriga a fiscalizar, como o art. 21 que comina pena pecuniária na ausência dessa fiscalização perderam eficácia com a declaração de sua inconstitucionalidade pelo E. Tribunal de Justiça, por meio de seu Órgão Especial, em obediência à cláusula de reserva de plenário (art. 97 da CF).
Insistir na aplicação de penalidades como vem fazendo a Prefeitura de São Paulo sujeita o seu responsável ao crime de desobediência nos termos do art. 330 do CP, c.c art. 26 da Lei nº 12.016/09, bem como incorre o seu autor no crime de responsabilidade política ao teor do art. 4º, VIII, da Lei nº 1.079/50.
Informações Sobre o Autor
Kiyoshi Harada
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.