Resumo: O presente artigo, pautado em pesquisa bibliográfica com abordagem teórica e analítica, versa sobre a omissão legislativa infraconstitucional de atos normativos essenciais para garantir a aplicação e plena eficácia de norma constitucional vigente não autoexecutável. Tem por objeto analisar o controle de constitucionalidade efetuado por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), como remédio constitucional, e aplicação do Mandado de Injunção (MI), bem como a regulamentação desses institutos por meio das Leis 12.063/2009 e 13.300/2016.[1]
Palavras-chave: Norma constitucional, Eficácia, Omissão Normativa Inconstitucional, Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), Mandado de Injunção (MI). Regulamentação infraconstitucional.
Abstract: This article, based on a bibliographical research with a theoretical and analytical approach, deals with the legislative omission of normative act essential to guarantee the full applicability and effectiveness of a constitutional norm in force. Its purpose is to analyze the constitutionality control carried out by specific legal actions such as “Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO)” and “Mandado de Injunção (MI)”, as well as the regulation of these Legal Concepts by Laws 12.063 / 2009 and 13.300 / 2016.
Keywords: Constitutional Rule Effectiveness, Unconstitutional Normative Default, “Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO)”, “Mandado de Injunção (MI)”. Infraconstitutional regulation.
Sumário: Introdução. 1. Do controle de constitucionalidade. 1.1. Controle constitucional concreto ou difuso. 1.2. Controle jurisdicional abstrato ou concentrado. 2. Ações constitucionais consagradas no artigo 5º. 3. Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão – ADO. 4. Mandado de Injunção – MI. 5.Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal, promulgada em 1988 é documento político nacional supremo, que tem por essência e finalidade estabelecer princípios e fundamentos diretivos do Ordenamento Jurídico Brasileiro; estabelecer direitos e garantias fundamentais; promover a organização do Estado e dos poderes inerentes, exercidos por este; defender as instituições democráticas; assim como instituir parâmetros gerais em relação à ordem social, econômica e financeira do país.
Como bem observa Marcelo Novelino[2], a Carta Magna Brasileira é edificada por normas materialmente constitucionais que tratam da estrutura do Estado, organização dos poderes e instituição de direitos e garantias fundamentais, bem como por normas formalmente constitucionais, que versam sobre assuntos para os quais o constituinte buscou assegurar maior estabilidade, conferindo-lhes tutela especial.
Para Alexandre de Moraes[3], a Constituição Federal de 1988 classifica-se como formal, escrita, legal, dogmática, promulgada (democrática, popular), rígida e analítica. Por ser do tipo analítico, não contém apenas normas gerais de regência do Estado e de fixação de Direitos e Garantias fundamentais, mas também, disciplina outros assuntos que não são de natureza materialmente constitucional. Destaca, ainda, que o constituinte de 1988 optou por adotar texto constitucional de tipo analítico ou dirigente, que examina e regulamenta todos os assuntos entendidos “como relevantes à formação, destinação e funcionamento do Estado” [4].
Assim, a Carta Magna de 1988 é denominada “Constituição Cidadã”, em virtude dos princípios e dispositivos normativos que inseriu no Ordenamento Jurídico Brasileiro e que têm por escopo o respeito aos direitos humanos e a busca de condições materiais que proporcionem vida digna a todos os cidadãos que vivem no Brasil.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu mecanismos de controle de constitucionalidade, para assegurar a elaboração de atos normativos infraconstitucionais, que apresentem coerência e respeito aos preceitos, regras e princípios constitucionais.
Igualmente, contemplou o Ordenamento Jurídico Brasileiro com as chamadas ações constitucionais, descrevendo-as em seu artigo 5º e que constituem verdadeiros remédios jurídicos com a função precípua de conferir efetividade aos direitos e garantias constitucionais, diante da possibilidade de sua inobservância por parte do Poder Público ou de particular que esteja no exercício de atribuições do Estado.
Na elaboração do presente texto, delimitou-se o campo de estudo dento do tema da omissão legislativa de atos normativos, que sejam essenciais para garantir a plena aplicabilidade e eficácia de norma constitucional vigente, com foco no controle de constitucionalidade por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) e na proteção de Direitos e Garantias Fundamentais Individuais e Coletivas, por meio Mandado de Injunção (MI).
1. DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE.
Inicialmente cabe observar que o controle de constitucionalidade é a fiscalização da compatibilidade das leis e demais atos normativos editados pelo Estado (através dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário), com os princípios e regras estabelecidos por uma constituição rígida, como é o caso da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988. Tem por escopo, garantir a observância das normas infraconstitucionais aos preceitos, regras e princípios hierarquicamente superiores, estabelecidos pela Carta Magna, para evitar tanto a inconstitucionalidade por vício material (incompatibilidade material ou de conteúdo), quanto à inconstitucionalidade por vício formal (inobservância de regras procedimentais constitucionais na elaboração da lei ou ato normativo).
Há ainda a denominada inconstitucionalidade por omissão, decorrente da omissão do Estado em editar lei ou ato normativo essencial e indispensável para a regulamentação e aplicação de norma constitucional vigente que dependa de complementação legislativa.
A Constituição Federal de 1988 estabelece o exercício do controle de constitucionalidade pelos três poderes, durante o processo de elaboração da Lei como controle preventivo, ou após a sua publicação, mediante o denominado controle repressivo, exercido pelo Poder Legislativo e Judiciário. O controle exercido pelo Poder Legislativo e Executivo é denominado controle político e o exercido pelo Poder Judiciário é denominado controle jurisdicional.
O controle preventivo ocorre durante o período de elaboração das leis e antes de sua publicação. É exercido pelo Poder Legislativo mediante a atividade das Comissões de Constituição e Justiça criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado (CF, artigo 58); pelo Poder Judiciário com o julgamento de Mandado de Segurança Parlamentar impetrado exclusivamente por parlamentares (CF, artigo 60, §4º), bem como pelo Poder Executivo com a emissão do Veto Jurídico de competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo (CF, artigo 66, §1º).
O controle repressivo do Poder Legislativo é exercido sobre o Poder Executivo. O Legislativo pode sustar Lei Delegada e Decreto Regulamentador que exorbitem os limites de delegação legislativa ou do poder regulamentar nos termos do artigo 49, V da Constituição Federal, bem como afastar Medida Provisória, nas condições previstas pelo artigo 62, § 5º da Carta Magna.
Como regra, o controle repressivo da inconstitucionalidade das leis é exercido pelo o Poder Judiciário (CF, artigos 97 e 102, I, a). A Constituição Federal consagrou duas modalidades de controle de constitucionalidade jurisdicional repressivo: (i) o controle difuso (ou concreto) cuja competência é conferida a qualquer juiz ou tribunal, e (ii) o controle concentrado (ou abstrato), de competência exclusiva do STF, tratadas com mais detalhe adiante.
A inconstitucionalidade por omissão, que é objeto do presente estudo, foi introduzida no Ordenamento Jurídico Brasileiro pelo constituinte de 1988. A partir das lições de Luiz David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior[5], entende-se que a omissão legislativa inconstitucional deflui do dever previsível dos Poderes e das autoridades de disciplinar determinada matéria inserida em norma constitucional. Observam também que “a omissão pode provir de qualquer dos Poderes”.
Vale ressaltar que a plena aplicabilidade das normas constitucionais depende de seu grau de eficácia, que é qualidade intrínseca a determinar a necessidade ou não de legislação infraconstitucional regulamentadora.
Ainda quanto à eficácia, vários doutrinadores apresentam diferentes classificações. Com o objetivo de efetuar corte metodológico, adotou-se nesse estudo a doutrina de José Afonso da Silva[6], que distingue três espécies de normas constitucionais: (i) as de eficácia plena, que apresentam aplicabilidade direta, imediata e integral; (ii) as de eficácia contida, de aplicabilidade direta, imediata e integral mas cuja eficácia é relativa e restringível no futuro; e (iii) as de eficácia limitada, cuja aplicabilidade depende de complementação legislativa infraconstitucional. O autor também discorre sobre as denominadas normas de princípio programático que são de aplicação diferida e apenas traçam princípios indicativos dos fins e objetivos do Estado, sem, contudo, apontar os meios para a sua consecução.
As normas constitucionais de eficácia plena e de eficácia contida são autoexecutáveis. Cabe ressaltar que a inconstitucionalidade por omissão concerne às normas constitucionais de eficácia limitada, por não serem autoexecutáveis, pois exigem a sua regulamentação por meio de atos normativos infraconstitucionais, conforme nos é lembrado por Luiz David Araújo e Vidal Nunes Júnior[7].
Os citados autores[8] também observam que o cumprimento do dever constitucional de legislar, tanto pode ser satisfeito de forma parcial, como pode deixar de sê-lo completamente, gerando a omissão constitucional parcial ou total. A omissão legislativa inconstitucional pode decorrer da inércia de qualquer um dos três poderes.
1.1. CONTROLE JURISDICIONAL CONCRETO OU DIFUSO
O controle de constitucionalidade jurisdicional repressivo concreto (também denominado difuso) confere competência a qualquer juiz ou tribunal para realizar, no julgamento de caso concreto por via de exceção ou defesa, a análise incidental da constitucionalidade de lei ou ato normativo (art. 97; art. 102, III, “a, b, c, d” da CF e Súmula Vinculante 10 do STF).
No sistema difuso, o objeto principal da ação é o bem da vida e a inconstitucionalidade é apreciada somente em caráter incidental. O reconhecimento da inconstitucionalidade não se encontra na parte dispositiva da decisão proferida e sim na fundamentação dessa decisão.
Como o ordenamento jurídico pátrio adota o sistema da civil law (de origem romano-germânica), no controle difuso (ou concreto) de constitucionalidade, prevalece a regra do artigo 506 do Novo Código de Processo Civil – NCPC, posto que a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo refere-se à questão incidental e, portanto, produz eficácia somente entre as partes litigantes (inter partes) com efeito retroativo à data de edição da norma declarada inconstitucional (ex tunc). Tampouco produz coisa julgada. A decisão que determina a inconstitucionalidade de ato normativo deve ser encaminhada pelo STF ao Senado para que este declare a sua inconstitucionalidade.
Nos termos do artigo 52, X da Constituição Federal, é facultada ao Senado, a decisão de suspender a vigência de lei ou ato normativo que tenha sido declarado inconstitucional em decisão definitiva proferida pelo STF, no exercício do controle difuso de constitucionalidade. Logo, a Resolução Senatorial é ato discricionário e irreversível do Senado, com eficácia erga omnes e efeito a partir da suspensão (ex nunc).
No caso da Repercussão Geral e das Súmulas Vinculantes, que são instrumentos aplicados no controle difuso de constitucionalidade, as decisões proferidas pelo STF operam efeitos sobre outras ações com idêntica controvérsia em matéria constitucional, sem a emissão do ato disciplinado pelo art. 52, X da Constituição Federal. Logo, o emprego desses institutos suscita certa discussão doutrinária, por implicar, segundo alguns doutrinadores como Luiz David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior[9], imposição da ratio decidendi e ofensa aos princípios do juiz natural e do devido processo legal.
1.2. CONTROLE JURISDICIONAL ABSTRATO OU CONCENTRADO
O controle de constitucionalidade jurisdicional repressivo abstrato (também denominado concentrado) é exercido por via de ação direta que tem por objeto a análise de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, bem como a inconstitucionalidade decorrente de omissão do legislador em produzir norma essencial para a aplicação de regra constitucional válida.
As ações de controle judicial concentrado, previstas pela Constituição Federal de 1988 são: (i) a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI (art. 102, I, a), (ii) Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão – ADO (art. 103,§2º), (iii) Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva ou Representação Interventiva (art. 36, Inciso III), (iv) Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADC (art. 102, I, a, parte final) e (v) Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF (art. 102, §1º).
O controle abstrato é de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal – STF (art. 102, I,”a” e §1º; art. 103, §2ª e art. 36, III) e a apreciação das ações independe da existência de caso concreto em que a constitucionalidade do ato legal esteja sendo discutida.
A sentença proferida pelo STF terá efeito “ex tunc” (retroativo à data de publicação do diploma legal declarado inconstitucional) e eficácia “erga omnes” (estendido a todos). Paulo Dantas[10] ressalta que no controle abstrato não há necessidade de o Senado Federal suspender a eficácia da norma, nos termos do artigo 52, X da CF.
É objeto do presente estudo, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), analisado em tópico à frente.
2. AÇÕES CONSTITUCIONAIS CONSAGRADAS NO ARTIGO 5º
Não se pode transitar pelo tema das ações introduzidas no Ordenamento Jurídico Brasileiro, por meio do artigo 5º da Carta Magna, sem abordar, mesmo que de forma sucinta, a questão dos Direitos e Garantias fundamentais.
O Estado Democrático de Direito, ou nas palavras de Marcelo Novelino[11], Estado Constitucional Democrático tem por objetivo a realização de direitos fundamentais, com a implantação de níveis reais de igualdade e liberdade a todos os cidadãos. O Direito, nas sociedades democráticas desenvolvidas, pauta-se no princípio da dignidade da pessoa humana, de forma a garantir a todo ser humano o direito de ter direitos, bem como ocupar seu espaço na sociedade. Os direitos e garantias fundamentais devem efluir do chamado princípio da dignidade da pessoa humana e de cidadania, que representa um status.
Luiz David Araújo e Vidal Nunes Júnior[12] esclarecem que os direitos fundamentais constituem uma categoria jurídica, constitucionalmente erigida e vocacionada à proteção da dignidade humana em todas as dimensões. Ainda, segundo os prestigiados doutrinadores,
“possuem natureza poliédrica, prestando-se ao resguardo do ser humano na sua liberdade (direitos e garantias Individuais), nas suas necessidades (direitos econômicos, sociais e culturais) e na sua preservação (direito à fraternidade e à solidariedade)”.
Portanto, os direitos fundamentais têm caráter declaratório.
As garantias institucionais correspondem à proteção que a Constituição oferece a algumas instituições de importância fundamental para a sociedade. Trazem disposições assecuratórias.
A Constituição de 1988, seguindo a tendência das modernas democracias após a Segunda Grande Guerra, primou tanto por reconhecer formalmente os direitos e garantias fundamentais como por consagrar instrumentos para a sua efetiva instituição e proteção. Esses temas de primordial importância encontram-se nos textos dos artigos 5º a 17.
Paulo Dantas[13] observa que as ações constitucionais trazidas ao ordenamento jurídico pelo artigo 5º da Constituição de 1988, são remédios constitucionais que tem por função “conferir efetividade aos direitos e garantias fundamentais, em determinado caso concreto, quando o Poder Público ou algum particular (no exercício de atribuições do Estado) os desrespeitar”.
As ações constitucionais instituídas pelo artigo 5º da Constituição Federal são: Habeas Corpus (inciso LXVIII), Mandado de Segurança individual (inciso LXIX), Ação Popular (inciso LXXIII), Mandado de Segurança Coletivo (inciso LXX), Mandado de Injunção (inciso LXXI) e Habeas Data (inciso LXXII). As três últimas correspondem a novos institutos introduzidos no Ordenamento Jurídico Brasileiro, pelo constituinte de 1988. A ação civil pública também é ação constitucional, conforme estabelece o artigo 129, inciso III da Constituição.
As ações constitucionais, ou garantias instrumentais, têm por escopo proteger direito subjetivo, o bem da vida que se encontra em risco. O Habeas Corpus, o Mandado de Segurança Individual, o Mandado de Injunção e o Habeas Data destinam-se à tutela de direitos e garantias individuais. O Mandado de Segurança Coletivo, a Ação Popular, o Mandado de Injunção Coletivo e a Ação Civil Pública destinam-se à tutela de coletividades, ou seja, dos chamados interesses transindividuais ou metaindividuais.
O Mandado de Injunção (MI), objeto do presente estudo será tratado adiante.
3. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO – ADO
Como bem pondera Alexandre de Moraes[14], cabe a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão quando “o Poder Público se abstém de um dever que a Constituição lhe atribuiu”.
É a ação própria para enfrentar a inércia legislativa do Poder Público, que desatende mandamento da Carta Magna e coloca em risco a aplicabilidade de norma constitucional de eficácia limitada, por não produzir a norma regulamentadora correspondente e essencial para seu pleno efeito e eficácia.
Paulo Dantas[15] ressalta que, por normas regulamentadoras, entendem-se não só as leis ordinárias, como também os demais atos normativos pertinentes, que devem ser editados por órgãos e pessoas dos Três Poderes, inclusive da administração indireta.
A inconstitucionalidade está na conduta negativa do Poder Público que não produz a norma regulamentadora indispensável. Portanto, o objeto da ADO é a omissão inconstitucional – total ou parcial – quanto ao dever constitucional de legislar.
O objetivo desse instituto é, por meio do controle constitucional abstrato, tornar plenamente efetiva e eficaz a norma constitucional não autoexecutável, tendo por finalidade proteger direito objetivo. Busca combater a “síndrome de inefetividade das normas constitucionais”.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão – ADO foi inserida no Ordenamento Jurídico Brasileiro pela Constituição de 1988, como novo instituto inspirado na Constituição Portuguesa e encontra-se disciplinada no artigo 103,§2º. Entretanto, a sua regulamentação somente ocorreu com a edição da Lei nº 12.063 de 27 de outubro de 2009 que acrescentou o Capítulo II-A (que alberga os artigos 12-A a 12-H) à Lei nº 9.868 de 1999. Esses artigos estabelecem a disciplina processual da ADO.
Por exercer controle constitucional abstrato, a competência jurisdicional para julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão é exclusiva do Supremo Tribunal Federal – STF.
Como bem observa Alexandre de Moraes[16], inexiste prazo decadencial para a propositura da ADO. Entretanto, deve-se observar se houve o transcurso de prazo razoável para a edição da norma regulamentadora, havendo o legislador incorrido em mora legislativa.
No polo ativo da ação, identificam-se dois tipos de legitimidade: (i) os legitimados ativos universais que correspondem ao Presidente da República, Procurador Geral da República, mesas da Câmara dos Deputados e Senado Federal, partido político com representação no Congresso Nacional e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, aos quais não é exigida a demonstração de pertinência temática; e (ii) os legitimados ativos especiais que correspondem aos governadores de Estados e Distrito Federal, mesas da Assembleia Legislativa e Câmara Legislativa, Confederações sindicais e entidades de classe de âmbito nacional, aos quais é exigida a demonstração de pertinência temática. Por pertinência temática ou representatividade adequada, deve-se entender a apresentação de evidências de que o tema, que pauta a ação, guarda direta relação com os objetivos institucionais do legitimado ativo.
No polo passivo, são legitimados as autoridades ou órgãos responsáveis pela elaboração e aprovação do ato normativo regulamentador. Entretanto, cabe realçar a inexistência de réu para esta ação.
Como parâmetro para interposição da ADO, tem-se a norma constitucional não autoexecutável e que requer a produção de ato normativo de responsabilidade do Poder Legislativo ou do Poder Executivo.
Por força do artigo 12-A da Lei nº 9.868/1999 deverá constar na petição inicial se a omissão é parcial ou total, bem como se é atinente ao dever constitucional de legislar ou à adoção de providência de índole administrativa.
Cabe observar que a ADO é compatível com a concessão de medida cautelar, desde que atendidos os requisitos fixados pelo artigo 12-F da Lei nº 9.868/1999. Assim, cabe liminar com o objetivo de suspender aplicação de lei ou ato normativo que implique em omissão parcial. No caso de omissão total é cabível liminar para a suspensão de processos judiciais ou de procedimentos administrativos, bem como em outra providência a ser fixada pelo STF, até que a omissão seja sanada.
Vale ainda apontar que na ADO é aceita a interveniência do amicus curiae (amigo da corte), após despacho do Ministro Relator que deverá analisar a conveniência, oportunidade e interesse da sua inclusão na ação, conforme disciplinam os artigos 7º§2º e 12-E, caput, da Lei nº 9.868/1999.
A sentença que reconhece a inconstitucionalidade por omissão é de natureza declaratória e tem como efeito precípuo, dar ao Poder ao qual compete a emissão do ato normativo regulamentador, ciência da existência da omissão. Cabe ressaltar, que o STF não tem competência coativa para compelir o Poder responsável a emitir a norma necessária exigida. Assim, os Poderes Legislativo e Executivo não são obrigados a emitir a norma regulamentadora atinente à omissão apontada pelo STF, posto que estes detém autonomia para decidir o momento conveniente para legislar, em observância ao princípio de separação dos poderes.
Entretanto, caso a emissão da norma seja de competência de órgão administrativo, o STF poderá determinar o saneamento da omissão no prazo de 30 dias, sob pena de responsabilidade.
4. MANDADO DE INJUNÇÃO (MI)
A Constituição Federal de 1988 trouxe o Mandado de Injunção ao Ordenamento Jurídico Pátrio, como novel instituto. Encontra-se albergado no artigo 5º, inciso LXXI, como gênero, posto que não pormenoriza as espécies Mandado de Injunção Individual e Mandado de Injunção Coletivo.
A sua regulamentação somente ocorreu com a edição da Lei 13.300 de 23 de junho de 2016, que estabelece a disciplina processual do Mandado de Injunção Individual e Coletivo e, por força de seu artigo 14, aplicam-se de forma subsidiária as normas do regulamento processual do Mandado de Segurança (Lei nº 8.038/1990) e do Código de Processo Civil.
Até a edição da Lei 13.300/2016, o Mandado de Injunção era autoaplicável por força da regra cogente do artigo 5º, §1º da Constituição Federal, que determina a imediata aplicação das normas constitucionais concernentes aos direitos e garantias fundamentais, bastando-se das normas processuais do Mandado de Segurança Individual e Coletivo, conforme disciplinava o artigo 24, parágrafo único, da Lei nº 8.038/1990.
Paulo Dantas[17] observa que o Mandado de Injunção, “cuja natureza é de ação civil de caráter essencialmente mandamental”, tem por função elidir a denominada “síndrome de inefetividade das normas constitucionais”, à semelhança com a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, mas de forma mais restrita, posto que limitada ao combate da carência de normas regulamentadoras, cuja omissão torne inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais individuais e coletivos, bem como das prerrogativas inerentes à nacionalidade, soberania e cidadania.
Por normas regulamentadoras, deve-se entender não apenas leis ordinárias, como também os demais atos normativos regulamentadores atinentes, que devem ser editados por órgãos e pessoas dos Três Poderes, inclusive da Administração Indireta.
Vale ressaltar que o Mandado de Injunção somente será cabível diante da ausência de ato normativo infraconstitucional que garanta o exercício de liberdades e direitos expressamente relacionados no texto do artigo 5º da Constituição Federal. É remédio constitucional que supre a omissão do legislador pela via de exceção ou de defesa.
Conforme disciplina o artigo 2ª da Lei 13.300/2016, o objeto do MI é a omissão legislativa inconstitucional – total ou parcial – concernente a direitos e liberdades constitucionais individuais e coletivos bem como das prerrogativas inerentes à nacionalidade, soberania e cidadania. O seu objetivo é a tutela de direito subjetivo que torne viável o exercício de direitos e liberdades constitucionais individuais e coletivos bem como das prerrogativas inerentes à nacionalidade, soberania e cidadania, obstados pela ausência injustificável de ato normativo infraconstitucional regulamentador exigido por norma constitucional não autoexecutável.
A competência jurisdicional é fixada de acordo com o órgão ou autoridade responsável pela edição da norma e que figura no polo passivo da ação. Tem-se, então:
(i) Conforme dispõe o artigo 102, inciso I, alínea q, da Constituição Federal, será de competência do Supremo Tribunal Federal, no caso da norma regulamentadora ser de atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das mesas das mencionadas casas legislativas, do Tribunal de Contas da União, Tribunais Superiores ou do Supremo Tribunal Federal;
(ii) Conforme determina o artigo 105, inciso I, alínea h, da Constituição Federal, será de competência do Superior Tribunal de justiça – STJ, quando a atribuição legislativa seja de órgão ou autoridade federal, da Administração Pública direta ou indireta, excetuando-se os casos de competência do STF e dos órgãos da Justiça Militar, Justiça Eleitoral, Justiça do Trabalho e Justiça Federal.
Os Estados da União poderão instituir regras em suas respectivas Constituições Estaduais, para estabelecer as competências jurisdicionais atinentes à omissão de ato normativo regulamentador de norma constitucional estadual.
No polo ativo do Mandado de Injunção Individual, conforme estabelece o artigo 3ª da Lei 13.300/2016, tem legitimidade qualquer pessoa natural ou jurídica, nacional ou estrangeira cujo exercício de direitos e liberdades constitucionais, previstos no artigo 5º da Constituição Federal, esteja inviabilizado pela ausência injustificada de norma regulamentadora.
No caso de Mandado de Injunção Coletivo, pelo disposto no artigo 12, incisos I, II, III da Lei 13.300/2016, a legitimidade ativa cabe (i) ao Ministério Público; (ii) a partidos políticos com representação no Congresso Nacional, organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e com funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados; (iii) à Defensoria Pública na promoção dos direitos humanos e defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados.
No polo passivo do Mandado de Injunção Individual e coletivo, figuram o poder, o órgão ou a autoridade com atribuição de editar a norma regulamentadora, conforme disciplina o artigo 3ª da Lei 13.300/2016 (parte final).
Como parâmetro para interposição da ação, tem-se a norma constitucional não autoexecutável e que requer a produção de ato normativo de responsabilidade do Poder Legislativo ou do Poder Executivo. Assim, não cabe Mandado de Injunção diante de normas constitucionais autoexecutáveis, bem como nas hipóteses de pedido de alteração de lei ou ato normativo já existente, solicitação de interpretação para legislação infraconstitucional vigente, e quando for concomitante com o trâmite de projeto de lei referente ao objeto da ação em questão.
Cabe observar que a Lei 13.300/2016 não contém regra que discipline a aplicação e concessão de liminar, seja de natureza cautelar ou de natureza antecipatória. A jurisprudência do STF, anterior à publicação da Lei 13.300/2016, rejeita a possibilidade de concessão de liminar no Mandado de Injunção, por considerar que esses dois institutos são de natureza incompatível.
Em relação às decisões concedendo ou denegando a injunção cabe apelação, com supedâneo no artigo 14 da Lei nº 12.016/ 2009 e artigo 1.009 do Código de Processo Civil.
Diante de obscuridade, contradição, omissão ou erro material no julgado admitem-se embargos de declaração com fulcro no artigo 1.022 do Código de Processo Civil.
Para os Mandados de Injunção julgados em única instância pelos tribunais superiores com decisão denegatória, caberá Recurso Ordinário dirigido ao Supremo Tribunal Federal, para as decisões denegatórias de Mandados de Injunção, julgados em única instância pelos tribunais superiores, conforme disciplinado pelo artigo 102, II, a, da Constituição Federal e o artigo 1.027, I do Código de Processo Civil.
Como no Mandado de Segurança (artigo 25 da Lei nº 12.016/ 2009), tampouco se aceita a condenação do sucumbente em honorários advocatícios. Entretanto, a lei prevê a possibilidade de aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé, que podem ser dirigidas a todos que atuaram na ação.
Relativamente às decisões proferidas pelos tribunais e provimento jurisdicional, Marcelo Novelino[18] e Alexandre de Moraes[19] apontam a ocorrência de controvérsia quanto aos efeitos da concessão da injunção, posto que são identificadas na doutrina diferentes correntes quanto a natureza da decisão de mérito:
(i) Corrente Não Concretista, entende ser a sentença de natureza exclusivamente declaratória, tendo por objeto exclusivo o reconhecimento da omissão legislativa inconstitucional. Seguida como orientação inicial no Supremo Tribunal Federal pelos Ministros Sepúlveda Pertence, Moreira Alves, Ilmar Galvão (MI 535-4/SP)[20] e por doutrinadores como Manoel Gonçalves Ferreira Filho[21], essa corrente iguala os efeitos do Mandado de Injunção aos da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão.
(ii) Corrente Concretista, entende que a sentença de mérito é tanto declaratória como constitutiva, posto que viabiliza o exercício do direito até que sobrevenha a regular edição da norma. Vem sendo adotada pela maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. A corrente concretista é subdividida em três tendências de pensamento, que são:
(a) Concretista Geral, que, diante da injustificada inércia do legislador, entende que a sentença produz eficácia erga omnes, o que viabiliza o exercício do direito a todos, como se observa em decisão proferida pelo STF ao julgar Mandado de Injunção Coletivo referente ao direito à estabilidade de servidores públicos militares (MI 107/DF)[22] e direito de greve dos servidores públicos civis (MI 708/DF)[23];
(b) Concretista Individual direta adotada em recente decisão do Ministro do STF Marco Aurélio referente à concessão de aposentadoria especial para servidor público civil (721/DF)[24], e na doutrina, por Maria Sylvia Zanella Di Pietro[25] e José Afonso da Silva[26], restringe a eficácia ao autor ou autores da demanda declarada procedente, ou seja, a sentença produz eficácia inter partes.
(c) Concretista individual intermediária, seguida pelo Ministro do STF Néri da Silveira e na doutrina, por Alexandre de Moraes[27], entende que o Judiciário deverá comunicar a omissão ao órgão ao qual compete legislar, bem como estabelecer um prazo para a elaboração da norma regulamentadora. Terminado o prazo, se a inércia persistir, o Poder Judiciário deverá determinar as condições necessárias para que o autor ou autores possam exercer o seu direito.
Em relação às possíveis decisões na apreciação do Mandado de Injunção, previstas pela Lei 13.300/2016, cabe observar o disposto no artigo 8º, incisos I, II e parágrafo único. Da leitura atenta, observa-se:
(i) Conforme estabelece o inciso I, reconhecido o estado de mora legislativa, a injunção será deferida e determinará prazo razoável para que o impetrado promova a edição de norma regulamentadora.
(ii) O inciso II determina que a injunção, caso não seja suprida a mora legislativa no prazo determinado, deve estabelecer as condições em que se dará o exercício dos direitos, das liberdades ou prerrogativas reclamadas ou, se for o caso, as condições em que poderá o interessado promover ação própria visando a exercê-los.
(iii) Conforma estabelece o parágrafo único, comprovado que o impetrado deixou de atender o prazo para elaboração de norma estabelecido em injunção anterior, aplica-se diretamente o disposto no inciso II, mencionado acima.
Dessa forma, entendemos que os mandamentos trazidos ao ordenamento jurídico por esse dispositivo legal concretizam, em certa medida, o raciocínio da Corrente Concretista Individual Intermediária.
5. CONCLUSÃO
Tanto a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão como o Mandado de Injunção têm por objeto corrigir omissões legislativas referentes a normas constitucionais não autoexecutáveis. Entretanto, os dois institutos guardam diferenças essenciais quanto à sua natureza e aplicação.
Assim, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão é instituto típico do controle abstrato (ou concentrado) de constitucionalidade enquanto o Mandado de Injunção corresponde a remédio constitucional utilizado em sede de controle concreto (ou difuso) de constitucionalidade, materializado por via de exceção.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão pode ser proposta para corrigir qualquer tipo de omissão de norma constitucional não autoexecutável e protege direito objetivo. Cabe Observar que a abrangência do Mandado de Injunção é bem mais restrita do que a da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, posto que se atém aos casos em que se verifica ausência de ato normativo infraconstitucional que garanta o exercício de liberdades e direitos individuais ou coletivos expressamente relacionados no texto do artigo 5º da Constituição Federal. Ampara direito subjetivo.
Cabe ainda observar, que na ADO, no que tange à natureza e eficácia, as decisões tem caráter declaratório enquanto que no MI, as decisões, além da natureza declaratória, poderão ser constitutivas, quando a inércia do poder competente para legislar se estender além do prazo estabelecido em sentença.
Apesar das limitações constitucionais na competência do STF em determinar aos Poderes Legislativo e Executivo a emissão de ato normativo regulamentador requerido para a plena eficácia de norma constitucional não autoexecutável ou medida essencial para o pleno exercício dos direitos e garantias previstas no artigo 5º da Constituição Federal, bem como da controvérsia que ainda se verifica quanto aos efeitos da sentença de mérito, que julga procedente a injunção, os dois institutos refletem grande progresso do Estado Democrático de Direito Brasileiro, como opção sociopolítica do legislador constituinte de 1988 pela tutela de direitos e garantias fundamentais e o escopo da plena eficácia das normas constitucionais vigentes.
Informações Sobre os Autores
Maria Hortênsia Casanovas Belmonte Izukawa
Advogada. Auditora aposentada da Receita Federal do Brasil. Pós-graduada em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Pós-graduanda em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade Legale
Joseval Martins Viana
Graduado em Letras e em Direito. Mestre em Comunicação e Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie