Interceptação telefônica face aos direitos individuais

Resumo: O presente trabalho trata da Interceptação Telefônica como um alicerce às Investigações Criminais, analisando as suas repercussões diante dos Direitos Individuais dos investigados. Assim, dando ênfase ao direito à intimidade, pois dentre os individuais é o direito atingido mais diretamente pela concessão da medida em tela. Desta forma, delinearam-se, no primeiro capítulo, os aspectos do Direito à Intimidade conceituando-o e apresentando o conflito gerado entre os direitos fundamentais e a interceptação telefônica. O segundo capítulo surge para situar a interceptação telefônica no contexto do processo penal como sendo um meio importante de prova, discorrendo-se sobre a liberdade da prova, seu ônus e limites, perpassando pelos conceitos de prova ilícita e prova ilícita por derivação até se chegar na fundamentação quanto à possibilidade de sua admissão no processo penal brasileiro. O terceiro e derradeiro capítulo empenha-se em conceituar a interceptação telefônica, analisar a Lei nº 9.296/96 que trata especificamente sobre o tema, defendendo a constitucionalidade do parágrafo único do art. 1º, da referida lei, demonstrando-se a controvérsia sobre a possibilidade de sua aplicação também no processo civil, os requisitos para a sua autorização, a legitimidade para requerer-se tal medida e, por fim, o seu uso como prova legal.[1]


Palavras-chave: interceptação, telefônica, conflito, direito, intimidade.


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Abstract: This work deals with the telephone interception as a foundation for Criminal Investigations, examining its repercussions on the Rights of the Individual investigated. Thus, emphasizing the right to privacy, as among the individual ones, it is the right most directly affected by the granting of the measure on the subject. Thus, it is outlined in the first chapter, aspects of the Right to Privacy conceptualizing it and presenting the resulting conflict between fundamental Rights and wiretapping. The second chapter comes to place a telephone interception in the context of criminal proceedings as an important means of evidence, pondering about to set free the evidence, its burden and limits, passing by the concepts of unlawful evidence and unlawful evidence by derivation to arrive at grounding on for possible admission to the criminal justice process. The third and final chapter is dedicated to conceptualize the telephone interception, analyze Law No. 9.296/96 which deals specifically with the issue, defending the constitutionality of the sole paragraph of art. 1, of the law, demonstrating the controversy over the possibility of its application also in the civil case, the requirements for its authorization, entitled to request such action and, finally its use as legal evidence.


Keywords: interception, telephone, conflict, law, privacy.Ouvir


Sumário: Introdução. I. O direito à intimidade. 1.1. Conceito. 1.2. A Evolução da Tutela Constitucional ao Direito da Intimidade. 1.3. O Conflito entre Direitos Fundamentais. 1.4. Interceptação Telefônica Versus Direito à Intimidade. II. A prova no processo penal. 2.1. Conceito de Prova. 2.2. Liberdade de Prova. 2.3. Ônus da Prova. 2.4. Limites ao Direito de Prova. 2.5. Prova Ilícita. 2.6. Prova Ilícita por Derivação. 2.7. Possibilidade de Admissão da Prova Ilícita ou Ilícita por Derivação no Processo. III. A Lei nº 9.296/96. 3.1. Conceito sobre Interceptação Telefônica. 3.2. Considerações Iniciais sobre Interceptação Telefônica. 3.3. Análise da Lei Nº 9.296/96. 3.4. Constitucionalidade do Parágrafo Único do Artigo Primeiro da Lei Nº 9296/96. 3.5. A Interceptação Telefônica para o Processo Civil. 3.6. Requisitos para a Autorização. 3.7. Legitimidade para se Requerer a Medida. 3.8. Interceptação como Prova legal. Conclusão. Referências.


INTRODUÇÃO


Este trabalho versa sobre a utilização de interceptações telefônicas para o deslinde de processos judiciais. Para tanto, traz o desenvolvimento histórico do tema nas constituições brasileiras mais remotas até a atual; defende a sua aplicação no processo penal e demonstra a sua inadmissibilidade no processo cível; situa-a como um meio de prova lícita, vez que respaldada pela Lei nº 9.296/96, porém, traz um pré-questionamento quanto a sua constitucionalidade no que se refere à violação dos direitos e garantias individuais do ser humano; discute a proporcionalidade no trato dos interesses da coletividade em detrimento dos individuais etc.


No primeiro capítulo, fala-se dos aspectos do Direito à Intimidade conceituando-o, apresenta-se o conflito gerado entre os direitos fundamentais e a interceptação telefônica, com ênfase no direito à intimidade.


O segundo capítulo situa a interceptação telefônica no contexto do processo penal como sendo um meio importante de prova.


Já o terceiro capítulo empenha-se em conceituar a interceptação telefônica, analisar a Lei nº 9.296/96 que trata especificamente sobre o tema, defendendo-se a constitucionalidade do parágrafo único do art. 1º, da referida lei, demonstrando-se a controvérsia sobre a possibilidade de sua aplicação também no processo civil, os requisitos para a sua autorização, a legitimidade para requerer-se tal medida e, por fim, o seu uso como prova legal.


Em suma, com o texto que se segue, tenta-se esmiuçar todas as matérias que incidem direta e indiretamente com o tema Interceptações Telefônicas e apesar de citar esparsamente breves linhas a respeito do direito comparado, o trabalho enfoca o direito pátrio.


1. O DIREITO À INTIMIDADE


1.1 Conceito


Na Constituição de 1988 os direitos individuais – dentre eles a intimidade e a privacidade, foram amplamente contemplados pelo Texto. Manuel Gonçalves Ferreira Filho, citado por Alexandre de Moraes (2001), diz que os direitos à intimidade são parte da proteção constitucional à vida privada, conforme segue:


“[…] intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade, enquanto a vida privada envolve todos os demais relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo etc.” (FERREIRA FILHO apud MORAES, 2001, p. 73.)


Logo, pode-se afirmar que a vida privada é mais ampla e abrange a intimidade, porque esta faz parte dos pensamentos do homem que ao serem exteriorizados passam para o mundo da vida privada. Aí, então, são compartilhados por um número determinado de pessoas – naturalmente escolhidas pelo sujeito de direito.


Como bem ressalta o Professor Washington de Barros Monteiro (2003, p. 96), a atual Carta da República consagrou em seu texto o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à integridade física, à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, essa enumeração é exemplificativa, pois os referidos direitos são inumeráveis, dinâmicos e variáveis no tempo e espaço.


O referido doutrinador assevera que tais direitos possuem as seguintes características: são irrenunciáveis, intransmissíveis, ilimitados, absolutos, imprescritíveis, vitalícios e incondicionais. Desta forma, tais direitos não podem ser objeto de transação, nem serão transmissíveis aos sucessores dos detentores, tampouco poderá a eles estabelecer limites voluntários. Se houver limitações, somente a lei poderá fixá-las.


Vez que tais direitos fazem parte do Texto se aduz que somente a própria Constituição poderá dar as exceções aos referidos direitos, sendo certo que leis inferiores não poderão contrariá-la, sob pena de serem taxadas de inconstitucionais.


1.2 Evolução da Tutela Constitucional ao Direito da Intimidade


Passamos, então, a analisar a evolução da proteção constitucional ao direito da intimidade, que inicialmente se manifestava – quase tão somente – na inviolabilidade do domicílio e das correspondências, vez que a tecnologia das comunicações telefônicas apenas “engatinhava” e a de dados sequer existia. Esses são direitos fundamentais garantidos desde a Constituição do Império que foi promulgada em 25 de março de 1824. Parlamentarista e fundada no modelo inglês, acrescentou o poder moderador aos três poderes clássicos. Permitia a escravidão e negava os direitos políticos às mulheres, aos criados e religiosos, além de vincular tais direitos à renda mínima anual, tal Carta expressava in verbis:


“Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte. […]


XXVII. O Segredo das Cartas é inviolavel. A Administração do Correio fica rigorosamente responsavel por qualquer infracção deste Artigo.”


A Carta da República de 1891, primeira constituição republicana do Brasil, promulgada em 24 de fevereiro daquele ano, representou o pensamento liberal americano e levou ao estabelecimento do presidencialismo e do federalismo. Fez a divisão dos poderes, aboliu o poder moderador e instituiu o sufrágio universal masculino, não mais condicionado ao status social e econômico, como era no Texto anterior. Permitiu o voto a descoberto, fonte de muitas das fraudes eleitorais da República Velha e não referiu às garantias sociais dos trabalhadores. Tal Texto manteve o modelo anterior, além de inaugurar no Brasil a inviolabilidade do domicílio, conforme se segue:


“Art. 72 – A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: […]


§ 11 – A casa é o asilo inviolável do indivíduo; ninguém pode aí penetrar de noite, sem consentimento do morador, senão para acudir as vítimas de crimes ou desastres, nem de dia, senão nos casos e pela forma prescritos na lei. […]


§ 18 – É inviolável o sigilo da correspondência.”


Já a Constituição de 1934, segunda constituição republicana do Brasil, promulgada aos 16 de julho daquele ano, foi a primeira a considerar a posição social dos trabalhadores e a instituir a justiça trabalhista. Inspirou-se nas constituições alemã e espanhola, sendo certo que assegurava a inviolabilidade do domicílio e das correspondências, conforme veremos:


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“Art. 113 – A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: […]


§ 8 – É inviolável o sigilo da correspondência.”


Devido ao contexto político-social da época, a Constituição de 1937, terceira constituição republicana do Brasil, outorgada em 10 de novembro daquele ano por Getúlio Vargas, ampliou o poder e o mandato do presidente da república, restringiu a autonomia do judiciário, dissolveu os órgãos legislativos e declarou o estado de emergência. Fundada nas constituições européias que eram ditatoriais e anticomunistas, trouxe respaldo legal ao regime ditatorial brasileiro. Restringiu direitos anteriormente conferidos – um retrocesso – mas continuou a assegurar a inviolabilidade da correspondência, salvo as exceções previstas em lei. Segue o interessante preâmbulo justificativo dessa Carta e o sobredito direito assim expresso:


“O PRESIDENTE DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL,


ATENDENDO às legitimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem, resultantes da crescente agravação dos dissídios partidários, que, uma, notória propaganda demagógica procura desnaturar em luta de classes, e da extremação, de conflitos ideológicos, tendentes, pelo seu desenvolvimento natural, resolver-se em termos de violência, colocando a Nação sob a funesta iminência da guerra civil;


ATENDENDO ao estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios, de caráter radical e permanente;


ATENDENDO a que, sob as instituições anteriores, não dispunha, o Estado de meios normais de preservação e de defesa da paz, da segurança e do bem-estar do povo;


Sem o apoio das forças armadas e cedendo às inspirações da opinião nacional, umas e outras justificadamente apreensivas diante dos perigos que ameaçam a nossa unidade e da rapidez com que se vem processando a decomposição das nossas instituições civis e políticas;


Resolve assegurar à Nação a sua unidade, o respeito à sua honra e à sua independência, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz política e social, as condições necessárias à sua segurança, ao seu bem-estar e à sua prosperidade, decretando a seguinte Constituição, que se cumprirá desde hoje em todo o Pais:


Art 122 – A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:[…]


6º) a inviolabilidade do domicílio e de correspondência, salvas as exceções expressas em lei.”


Quarta constituição republicana do Brasil, a Carta da República de 1946, promulgada aos 18 de setembro, baseou-se na constituição de 1934. Num eminente caráter liberal, evidenciou as múltiplas tendências políticas representadas naquela constituinte. Admitiu o exercício pela União do monopólio de indústrias e atividades, manteve o regime federativo e o sistema presidencial. Garantiu o direito de propriedade e ampliou as conquistas trabalhistas do Estado Novo. Note-se que este texto constitucional não apresentava mais as exceções à violação da correspondência. Foi “revogada” em 1967 pela ditadura militar e apresentava os direitos em tela da seguinte maneira:


“Art. 141 – A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: […]


§ 6º – É inviolável o sigilo da correspondência.”


A quinta constituição republicana do Brasil, promulgada em 24 de janeiro de 1967, foi preparada pelo governo militar e aprovada pelo Congresso sem discussão, foi praticamente “revogada” pelo Ato Institucional nº 5, de 1968 e modificada a partir da emenda constitucional nº 1, de 1969; entretanto, as comunicações telefônicas são pela primeira vez tuteladas através de sua Emenda Constitucional nº 1.


“Art. 150 – A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]


§ 9º – São invioláveis a correspondência e o sigilo das comunicações telegráficas e telefônicas.”


A atual Carta Magna é a sexta constituição republicana do Brasil. Foi promulgada em 5 de outubro de 1988, sendo certo que restringiu o conceito de empresa nacional e criou novas garantias constitucionais, tal como o mandado de injunção e o habeas data. Qualificou como crimes inafiançáveis a tortura e as ações armadas contra o estado democrático e a ordem constitucional. Além disso, determinou a eleição direta do presidente da república, governadores e prefeitos, ampliou os poderes do Congresso. Note-se que sofreu revisão somente a partir de 1995.


Bem fez o legislador constituinte ao abranger pelo manto protetor constitucional os direitos à vida privada, à honra e à imagem, o sigilo das correspondências, do domicílio, das comunicações telegráficas, de dados e telefônicas, como expostos a seguir:


“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]


X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; […]


XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.”


No que pese atualmente até termos uma relativa proteção ao direito à intimidade, com o passar do tempo, as formas de violação – e os objetivos destas – cresceram substancialmente o que leva a reavaliar-se o que seja, de fato, o mais importante. Sempre haverá o conflito entre os direitos individuais e coletivos, afinal é para solucionar esses conflitos que o direito existe, tal qual uma ferramenta de Justiça.


A complexidade dessa questão é bem aumentada ao analisar-se que, mesmo com a interceptação sendo desenvolvida legalmente, a intimidade de outras pessoas que não sejam alvo da investigação será violada também. A possibilidade de a interceptação das conversações realizadas através de um terminal público (“orelhão”) é o maior exemplo da extensão dos prejuízos que podem ser causados à pessoas não envolvidas no caso.


O risco de violação ilegal dos direitos de várias pessoas está sempre presente quando se utiliza esse meio de investigação, razão pela qual a escolha dos profissionais que levarão a cabo a interceptação deva ser sempre primorosa.


De qualquer forma, a possibilidade de violação legal é a exceção prevista no art. 5º, inciso XII, do texto constitucional em vigor. A regra é a inviolabilidade, por isso que a doutrina utiliza amiúde o princípio da proporcionalidade, que nasceu no direito administrativo e hoje se estende ao constitucional e outros, conforme Willis Santiago Guerra Filho:


“O meio empregado pelo legislador deve ser adequado e exigível para que seja atingido o fim almejado. O meio é adequado quando com seu auxílio se pode promover o resultado desejado; ele é exigível quando o legislador não poderia ter escolhido outro igualmente eficaz, mas que seria em meio não prejudicial ou portador de uma limitação menos perceptível a direito fundamental.” (GUERRA FILHO apud MENDES, 1999, p. 111).


Assim, o intérprete da norma deve ponderar sobre qual direito deve sobrepor ao outro. O direito da coletividade não deve prevalecer sempre em prejuízo dos direitos garantidos individualmente, pois ambos são fundamentais. É sensato asseverar que se deve analisar o caso concreto a fim de se constatar o grau do prejuízo decorrente à sociedade e ao indivíduo, na tentativa de optar por aquele que realmente seja o mais justo.


1.3 O Conflito entre Direitos Fundamentais


Com base no estudo da incrivelmente lúcida aula magna proferida pelo ex-ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, na Faculdade de Direito da FMU em São Paulo/SP, no dia 13 de fevereiro de 2006, tornar-se-á clara a questão do conflito entre direitos fundamentais, como segue nos próximos parágrafos.


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Observa-se que o Direito é a ferramenta que tem de prover a regulação nas relações jurídicas, sendo que para seus operadores a solução de um conflito em que apenas um direito foi violado não é a mais árdua das tarefas, pois o Estado tem que apenas reconstituir a situação jurídica anterior à lesão do direito em questão.


Entretanto, muitas vezes o Direito tem de resolver questões onde há conflitos entre direitos diversos e essa é a mais árdua das tarefas para os representantes jurídicos do Estado, ou nas palavras do sobredito ex-ministro:


“Acontece que muitas vezes o conflito que o Direito tem que analisar está entre a prevalência de um direito sobre o outro. O princípio constitucional da livre iniciativa, por exemplo, muitas vezes pode se chocar com a defesa do consumidor, ou com a preservação do meio ambiente. E nestes casos a solução do conflito é muito mais complexa e também muito mais interessante.


No âmbito do Direito Penal, disciplina pela qual me interesso particularmente, justamente por se tratar do ramo do direito que protege os interesses e bens jurídicos mais relevantes (vida, liberdade, honra, etc.) este conflito entre direitos fundamentais é constante. A própria decisão do juiz ao condenar alguém implica, muitas vezes, em se retirar do condenado o direito à liberdade. O processo penal opõe constantemente o interesse da sociedade ao interesse individual do réu e o papel do estudioso do direito deve ser justamente o de, nestes casos, encontrar a solução que possa preservar ao máximo os direitos fundamentais.  É justamente assim que se consegue, por meio do direito, produzir justiça.” (Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça, 2006)


Na aula magna em tela, o então ministro versou sobre o sigilo na investigação criminal, sendo que este é um dos temas onde mais conflitos ocorrem entre direitos e interesses legítimos, tal como, conflito entre o dever do Estado em investigar e o direito à ampla defesa, ou ainda, mais propriamente ao tema deste trabalho, o conflito entre o dever do Estado em investigar e o direito à intimidade, bem assim paralelamente à liberdade de imprensa.


O primeiro conflito analisado pelo então ministro foi o existente entre o dever do Estado em investigar, sendo que para que isso ocorra de maneira eficiente tem de ser resguardado o sigilo na investigação, e a obrigatoriedade na observância do princípio da publicidade como garantia de outro direito fundamental que é o da ampla defesa. Nas palavras de Thomaz Bastos isso vai assim:


“O sigilo durante procedimentos investigatórios é, sem dúvida, essencial para que se possa desvendar a autoria do crime e produzir provas que possibilitem uma condenação em juízo. Se o criminoso sabe quais serão todos os atos que a polícia realizará durante a investigação ele tem instrumentos para dificultar o seu sucesso.


“No entanto, não há atentado maior ao direito de defesa do que não possibilitar ao investigado  conhecer exatamente quais as acusações que são feitas contra ele, ou quais as provas que se produzem, para que ele possa produzir contra-provas e contra-argumentos. É o caso de Joseph K. no clássico livro de Kafka, O Processo”. (Márcio Thomaz Bastos, Ministro da Justiça, 2006)


É notório que nos períodos em cuja ordem dominante seja autoritária – às vezes ditatorial – deixando-se de lado o paradigma do Estado Democrático de Direito, a solução desse conflito tende para o resguardo do sigilo, pois essa é uma forma da ordem dominante manter o controle. De maneira inversa, em períodos mais democráticos a solução do conflito tende à publicidade. Entretanto deve-se considerar que:


“Quando se torna pública uma gravação de conversa telefônica, ou o acesso à contas bancárias de alguém, ocorre, uma violação grave a direitos fundamentais desta pessoa.


Aliás, este tema da interceptação telefônica, coloca toda uma outra discussão sobre sigilo em uma investigação criminal. De fato, determinadas atividades criminosas com alto grau de complexidade organizacional somente têm sua materialidade demonstrada com a gravação de conversas entre os agentes, fazendo com que a interceptação telefônica seja freqüentemente considerada como indispensável para a atividade policial e judicial. Por outro lado, não são poucos os que entendem que as escutas telefônicas representam um grave atentado aos direitos de intimidade e privacidade inerentes ao cidadão e garantidos pela Constituição Federal, devendo, portanto, ser reguladas com o maior cuidado possível.


Entendo que ambos os aspectos podem e devem ser contemplados em um Estado Democrático de Direito. O direito ao segredo das comunicações, embora seja em si um direito individual, não deve ser considerado um mero sinônimo do direito à intimidade, esse sim um direito fundamental inalienável. O direito ao segredo das comunicações pode, em determinados casos, ser limitado por razões concretas de interesse público.” (Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça, 2006)


O então ministro expõe com brilhante clareza a questão da interceptação telefônica, dizendo que esta deve ser observada sob dois aspectos: o da definição, no caso concreto, de até que ponto o interesse público justifica a quebra do sigilo das comunicações do acusado ou suspeito; e segundo, se quebrado o sigilo, o de resguardar o direito inarredável do acusado de que as informações obtidas sejam utilizadas exclusivamente no âmbito da investigação policial ou judicial.


É bem verdade que a legislação especial sobre interceptação telefônica rege que apenas as investigações sobre crimes puníveis com reclusão permitem a quebra do sigilo telefônico do acusado ou suspeito.


Seria muito sensato concluir que, para além do que a lei estabelece, devemos partir da premissa que a interceptação telefônica somente deverá ser utilizada como meio de prova nos casos em que seja absolutamente essencial para as investigações, isso equivale a dizer que não basta o crime ser punível com reclusão para se justificar a quebra do sigilo telefônico – há de se demonstrar a utilidade e a indispensabilidade desse instrumento – conforme a própria lei dispõe em seu art. 2º, inciso II, a contrario sensu.


O ministro não disse, mas sabe-se que a interceptação telefônica está muito banalizada hoje em dia, e deve-se admitir que isso ocorre também – e em parte – por culpa da polícia.


Quanto ao segundo aspecto, ou seja, se quebrado o sigilo, o de resguardar o direito insofismável do acusado de que as informações obtidas sejam utilizadas exclusivamente no âmbito da investigação policial ou judicial, o palestrante ressalta:


“[…] a proteção da Constituição às comunicações se concretiza na afirmação de seu segredo, no dever imposto à todos os poderes públicos de não revelar o seu conteúdo. Em outras palavras, a quebra do sigilo fiscal, bancário ou telefônico de um acusado não significa, de maneira alguma, que todas as informações colhidas pelas autoridades passam a ser de conhecimento público. O acusado cujo sigilo foi quebrado não perde o direito à intimidade, e as autoridades de posse das informações não deixam de ter o dever de manter o sigilo”. (Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça, 2006)


É claro que em se tratando de Ministro de Estado da Justiça, o referido palestrante, teve de justificar as ações do órgão sob seu controle – Polícia Federal – que realiza diuturnamente trabalhos com base na interceptação telefônica, talvez se essa mesma palestra fosse proferida quando o sobredito era ainda um notório advogado suas certezas seriam outras.


De qualquer forma, o texto analisado é brilhante, pois expõe com clareza e objetividade a questão ora estudada.


1.4 Interceptação Telefônica Versus Direito à Intimidade


Em matéria de direito é muito comum quando desenvolvemos um determinado tópico, partirmos de seu aspecto objetivo, ou seja, legal, tomando-se como base o que a norma determina a respeito do que pretendemos desenvolver.


Assim, muitos tópicos apesar de estarem consolidados e consagrados em normas de validade inquestionável, reclamam um cuidado maior em sua tutela. Pois como asseverava o antigo parlamentar e ministro da justiça da República de Weimar, Gustav Radbruch, uma das maneiras que podemos encarar o Direito é como atitude que refere realidades jurídicas aos valores, considerando o direito como fato cultural, contudo, estas realidades evoluem numa velocidade incrível, atribuindo ao poder legiferante uma tarefa de renovação constante e ininterrupta.


Um pensamento notório é que a curto e médio prazo a sociedade deve se amoldar ao direito, mas em longo prazo esse deve se adaptar àquela, sob pena de perder sua legitimidade real.


Tome-se por base o direito à intimidade, como já dito, assegurado na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, inciso X, in verbis: “[…] são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.


Embora esteja dentre os direitos e garantias fundamentais, sendo cláusula pétrea, há muito se vem prescindindo desta garantia, mas que, ao contrário, merece tutela pronta e urgente do direito, na afirmação de Costa Jr. (COSTA JR., 1995, p. 12): “[…] a necessidade de encontrar na solidão aquela paz e aquele equilíbrio, continuamente comprometidos pelo ritmo da vida moderna”.


Assim sendo, não apenas pela necessidade, mas pelo direito que a pessoa tem de isolar-se, resguardar-se, manter-se distante do alarde das multidões, alhear-se das, muitas vezes, insuportáveis solicitações diárias, dos olhares e ouvidos ávidos, “recolhendo-se ao seu castelo” (COSTA JR., 1995, p. 12 e 13).


O inevitável progresso tecnológico, principalmente nas áreas sociais e econômicas, provoca nas pessoas uma terrível inquietude, que produz a corrosão e o devassamento da vida privada das pessoas. Certamente podemos afirmar que esta é incompatível com a vida moderna, porém o já citado Professor (COSTA JR., 1995, p.29) afirma que: “[…] esse desejo de subtrair as nossas experiências íntimas ao controle do mundo exterior, interiorizando-as, justifica-se pelo fato de nada mais ser que o corolário de nosso anseio por uma personalidade independente”.


Desta feita, não há como restringir esse direito que é fundamental, pelo mero fato de sê-lo. Está incluso no direito à intimidade a sua salvaguarda contra possíveis agressões impedindo-se a sua divulgação banalizada.


Percebemos, então, que o âmbito da intimidade pode ser atacado por dois lados, o primeiro é a própria invasão, e o segundo a divulgação das informações obtidas pela invasão, sendo que ambos consistem em agressões, não havendo razão para distinguir tais esferas privadas, pois acabam por ser dois momentos de um único direito, ou seja, o direito à intimidade.


Com a análise do que foi exposto até aqui, parece não restar dúvida acerca do direito à intimidade, imanente a todo ser humano. Entretanto, devemos salientar que como todo direito fundamental este também sofre limitações, reduções, porém não a eliminação.


Podemos começar a comentar aqui sobre a tão questionada lei nº 9.296 de 24 de julho de 1996 que disciplinou as interceptações telefônicas mencionada na atual Carta da República em seu o art. 5º, inciso XII. Inúmeras considerações já foram elaboradas a respeito, como as que afirmam que a redação desse mencionado dispositivo é falha por limitar-se apenas às comunicações telefônicas e alguns doutrinadores afirmam ainda que a interceptação telefônica durante a instrução judicial estaria colidindo com as garantias da igualdade, do contraditório e da ampla defesa, enfim. E ainda há o pensamento daqueles que entendem que o art. 5º, inciso LVI da Constituição Federal, que consagra o princípio de serem admitidos todos os meios de prova não obtidos por meio ilícito, relaciona-se com a intimidade. É uma discussão infindável.


Já o Professor Lênio Streck (STRECK, 1997, p. 57), ao tratar da Interceptação telefônica assevera: “[…] somente se justifica a invasão da esfera dos direitos fundamentais do indivíduo para o combate dos crimes que representem ameaça aos valores constitucionais, erigidos como metas pelo Estado Democrático de Direito”.


Deve-se atentar que o direito à intimidade, cláusula pétrea, é inviolável, e com a interceptação não apenas o sujeito objeto desta terá seu direito violado, como também terceiros poderão sofrer as conseqüências do ato delitivo supostamente praticado.


Não seria necessário ter-se experiência no assunto para concluir, ou supor, que na interceptação telefônica pessoas que não estão sendo investigadas acabam tendo sua intimidade observada e muitos dados que são coletados acabam ficando em poder de inúmeras pessoas, tais como: os analistas, escrivão, autoridade policial, membro do Ministério Público e do Judiciário, da defesa, bem assim de demais serventuários desses órgãos. Isso constitui uma invasão da privacidade dos cidadãos que não são alvo da medida, mas que mantêm conversa com os suspeitos.


Sabe-se que a lei em tela determina a inutilização de dados que não sejam interessantes ao caso, conforme dispõe:


“Art. 9° A gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, durante o inquérito, a instrução processual ou após esta, em virtude de requerimento do Ministério Público ou da parte interessada”.


Parágrafo único. “O incidente de inutilização será assistido pelo Ministério Público, sendo facultada a presença do acusado ou de seu representante legal.”


Entretanto, as informações relativas a cidadãos não suspeitos já foram sabidas pelas pessoas acima enumeradas e o simples fato do saber constituiria a invasão da intimidade do cidadão não suspeito ou não investigado e essa privacidade tem que ser respeitada e parece-nos que está fora do direito de intervenção estatal.


Sabemos que os direitos da personalidade existem como garantia aos cidadãos de resguardo das ações do Estado, eles são essenciais, inerentes a cada pessoa, assim, certamente, essa “restrição” à intimidade das pessoas debilita a pretensão de um Direito Penal garantista. O processo penal está se antecipando cada vez mais.


Ainda segundo Costa Jr. (1995), o direito à intimidade deriva do espírito do sistema, do complexo da valoração normativa do nosso direito, da consciência social, das idéias e tendências dominantes, e nosso Direito Penal não pode renunciar a certos princípios a título de modernização, notadamente, princípios erigidos constitucionalmente.


O cerne da questão, nesse caso de conflito entre direitos, é se o Estado poderá invadir a seara dos direitos fundamentais para obter provas.


Assim, a justificativa da invasão deve ser muito bem consubstanciada, além da celeridade na análise por parte do juiz, sob pena de perda da possibilidade de coleta da prova, devido à mora.


De fato essa questão é muito controversa, devendo ser analisada caso a caso e essa análise será uma das tarefas mais árduas para quem deva decidir a concessão ou não da medida violadora.


2. A PROVA NO PROCESSO PENAL


2.1 Conceito de Prova


Vários doutrinadores estabelecem o que vem a ser prova, começaremos com o eminente jurista Tourinho Filho que define prova da seguinte forma:


“[…] antes de mais nada, estabelecer a existência da verdade; e as provas são os meios pelos quais se procura estabelece-la. Entende-se, também, por prova, de ordinário, os elementos produzidos pelas partes ou pelo próprio juiz, visando a estabelecer, dentro do processo, a existência de certos fatos.” (TOURINHO FILHO, 2003, p. 476)


Esse autor da área penal estabelece de maneira direta e prática, a vinculação da prova com a descoberta da verdade presumidamente real.


Já Ada Pellegrini (2006), doutrinadora afeta à área processual, segue dizendo que:


“Toda pretensão prende-se a algum fato, ou fatos, em que se fundamenta (ex facto oritur jus). Deduzindo sua pretensão em juízo, ao autor da demanda incumbe afirmar a ocorrência do fato que lhe serve de base, qualificando-o juridicamente e dessa afirmação extraindo as conseqüências jurídicas que resultam no seu pedido de tutela jurisdicional.


As afirmações de fato feitas pelo autor podem corresponder ou não à verdade. E elas ordinariamente se contrapõem as afirmações de fato feitas pelo réu em sentido oposto, as quais, por sua vez, também podem ser ou não verdadeiras. As dúvidas sobre a veracidade das afirmações de fato feitas pelo autor ou por ambas as partes no processo, a propósito de dada pretensão deduzida em juízo, constituem as questões de fato que devem ser resolvidas pelo juiz, à vista da prova dos fatos pretéritos relevantes. A prova constitui, pois, o instrumento por meio do qual se forma a convicção do juiz a respeito da ocorrência ou inocorrência dos fatos controvertidos no processo.


No dizer da Ordenações Filipinas, “a prova é o farol que deve guiar o juiz nas suas decisões” (Livro III, Título 63) sobre as questões de fato.


Embora vários temas sobre a prova venham às vezes tratados na lei civil, trata-se de autêntica matéria processual – porque falar em prova significa pensar na formação do convencimento do juiz, no processo. Mas o novo Código Civil invadiu radicalmente essa área, com disposições de caráter nitidamente processual, o que constitui um retrocesso científico (art. 212 ss.).” (GRINOVER, 2006, p. 371)


Com a exposição acima, se vê que as provas demonstram a existência dos fatos, o que leva à certeza da existência ou não do direito no caso concreto. O objetivo final da prova é demonstrar a verdade, seja ela real ou formal, em relação aos fatos que realmente necessitem ser comprovados, ou seja, ficariam de fora os fatos notórios, conforme dispõe o Código de Processo Civil pátrio em seu art. 334. 


Veja que em direito temos o princípio do contraditório, assim, as partes devem estar cientes da produção de qualquer prova no processo, sob pena de nulidade em razão do cerceamento de defesa. Essa é a regra, a exceção está na produção de prova de caráter cautelar, onde a ciência da produção de determinada prova poderá inviabilizá-la, mesmo assim, depois de produzida, a prova deverá ser levada ao contraditório que é essencial no processo penal, pois a revelia não produz os efeitos existentes no cível, vez que os fatos alegados deverão ser comprovados e disponibilizados ao réu, tudo conforme Ada Pellegrine (1994):


“[…] o direito à prova como aspecto de particular importância no quadro do contraditório, uma vez que a atividade probatória representa o momento central do processo: estritamente ligada à alegação e à indicação dos fatos, visa ela a possibilitar a demonstração da verdade, revestindo-se de particular relevância para o conteúdo do provimento jurisdicional.” (GRINOVER, 1994, p. 105.)


Ainda, conforme pensa a sobredita doutrinadora, a presença do juiz é essencial à validação das provas no processo, pois as produzidas em procedimentos administrativos como o inquérito policial, sindicâncias etc, servem apenas como fundamento do oferecimento da denúncia por parte do parquet, que deverá provar as alegações em juízo.


Temos, ainda, a configuração teórica da prova que é constituída da articulação entre as categorias do elemento de prova, meio de prova e do instrumento de prova. Caso não se verifique no momento de produção da prova a incidência dessas categorias, não se pode afirmar a configuração da mesma no sentido jurídico-processual.


A categoria do elemento de prova refere-se aos dados da realidade objetiva, existentes na dimensão do espaço, concernente ao ato, fato, coisa ou pessoa; ou seja, é a parte material da prova, o seu corpo.


O meio de prova é a categoria que disciplina como serão obtidos os elementos de prova, é através desta categoria que se realiza a apreensão dos dados da realidade material para sua introdução no processo.


O Código de Processo Penal estipula que são meios de prova o Interrogatório no art. 185 a 196; a Acareação no art. 229 e 230; o Depoimento do Ofendido no art. 201, Depoimento das Testemunhas no art. 202 a 225; a Perícia no art. 158 a 184; o Reconhecimento de Pessoas e Coisas no art. 226, 227 e 228; e a Busca e Apreensão reguladas do art. 240 ao 250.  


A interceptação telefônica é meio de prova legal citado na legislação extravagante, tal como na Lei nº 9.034/95, que dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, alguns meios de prova ali definidos e regulamentados, tais como: a utilização de ações controladas, que consiste em retardar-se a intervenção policial, mantendo-se acompanhamento e controle da ação praticada pelo que se supõe ser organização criminosa para concretização da medida legal, no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações (art. 2º, II); o acesso aos dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais, mediante autorização do juiz (art. 2º, III); a captação e interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, bem como seu registro e análise, mediante autorização judicial (art. 2º, IV); e a problemática utilização de agentes infiltrados (art. 2º, V).


Também na Lei Complementar nº 105/01, que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras, encontra-se a previsão, como meio de prova, da quebra de sigilo prevista em seu art. 1º, § 4º.


E mais propriamente no art. 53 da Lei nº 11.343/06 encontra-se a previsão dos meios de prova: agentes infiltrados e ação retardada da autoridade policial.


Depois da obtenção do elemento de prova por meio legalmente permitido tem-se, ainda, que fixar o mesmo nos autos de processo. Para tanto se faz necessária a utilização da categoria do instrumento de prova, que se destina a materializar de modo formal os elementos obtidos, só então servirá de base para a formação do convencimento de quem deva apreciá-la.


2.2 A Liberdade de Prova


Mesmo não sendo restritivo o Código de Processo Penal Brasileiro quanto à produção de provas, estas não podem afetar a moralidade, a dignidade humana e a legalidade, pois são protegidas pelo Texto constitucional.


Deve-se considerar que a liberdade de prova está afixada no Código de Processo Penal Brasileiro que reza:


“Art. 6o  Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:


I – dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;


II – apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;


III – colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;


VII – determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias;


Art. 157.  O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova”.


Observe-se que o artigo transcrito dispõe que a autoridade policial deverá colocar um manto de proteção estatal sobre as provas, todas aquelas que no seu entender tiverem relação com o fato.


Quando se fala em liberdade de prova está implícito o princípio da livre investigação das provas, ou nas palavras da Professora Ada Pellegrini (2006):


“No processo penal, é tão absoluto o princípio (cfr., v.g., o cuidado do legislador ao estabelecer a regra do art. 197 CPP, sobre a confissão), que mais correto seria falar nas exceções ao princípio, que são notavelmente escassas; já apontamos a impossibilidade de mover nova ação penal contra o réu absolvido, mesmo que outras provam apareçam depois.


O Código de Processo Civil não só manteve a tendência publicista, que abandonara o rigor do princípio dispositivo, permitindo ao juiz participar da colheita das provas necessárias ao completo esclarecimento da verdade, como ainda reforçou os poderes diretivos do magistrado (arts. 125, 130, 131, 330, 342 e 440). O sistema adotado representa uma conciliação do princípio dispositivo com o da livre investigação judicial.


Na justiça trabalhista, os poderes do juiz na colheita das provas também são amplos (CLT, art. 765).” (grifo nosso). (GRINOVER, 2006, p. 72)


No art. 157 do Código de Processo Penal Brasileiro está implícito o princípio da persuasão racional do juiz, que assegura que este deverá formar sua convicção com toda liberdade. Esse sistema situa-se entre o da prova legal e o do julgamento secundum conscientiam, ou ainda, nas palavras da sobredita professora:


“O primeiro (prova legal) significa atribuir aos elementos probatórios valor inalterável e prefixado, que o juiz aplica mecanicamente. O segundo coloca-se no pólo oposto: o juiz pode decidir com base na prova dos autos, mas também sem provas e até mesmo contra a prova. Exemplo do sistema da prova legal é dado pelo antigo processo germânico, onde a prova representava, na realidade, uma invocação a Deus. Ao juiz não competia a função de examinar o caso, mas somente a de ajudar as partes a obter a decisão divina; a convicção subjetiva do tribunal só entrava em jogo com relação à atribuição da prova. O princípio da prova legal também predominou largamente na Europa, no direito romano-canônico e no comum, com a determinação de regras aritméticas e de uma complicada doutrina envolvida num sistema de presunções, na tentativa da lógica escolástica de resolver tudo a priore.


O princípio secundum conscientiam é notado, embora com certa atenuação, pelos tribunais do júri, compostos por juízes populares. 


A partir do século XVI, porém, começou a delinear-se o sistema intermediário do livre convencimento do juiz, ou da persuasão racional, que se consolidou sobretudo com a Revolução Francesa.  Um decreto da assembléia constituinte de 1791 determinava aos jurados que julgassem suivant votre conscience et votre intime conviction; o código napoleônico de processo civil acolheu implicitamente o mesmo princípio. Mas é sobretudo com os estatutos processuais da Alemanha e Áustria que o juiz se libertou completamente das fórmulas numéricas. O Brasil também adota o princípio da persuasão racional: o juiz não é desvinculado da prova e dos elementos existentes nos autos (quod non est in actis non est in mundo), mas a sua apreciação não depende de critérios legais determinados a priori. O juiz só decide com base nos elementos existentes no processo, mas os avalia segundo critérios críticos e racionais (CPC, arts. 131 e 436; CPP, arts. 157 e 182).  Essa liberdade de convicção, porém, não equivale à sua formação arbitrária: o convencimento deve ser motivado (Const., art. 93, inc. IX;


CPP, art. 381, inc. III; CPC, arts. 131, 165 e 458, inc. II), não podendo o juiz desprezar as regras legais porventura existentes (CPC, art. 334, inc.  IV; CPP, arts. 158 e 167) e as máximas de experiência (CPC, art. 335).  O princípio do livre convencimento do juiz prende-se diretamente ao sistema da oralidade e especificamente a um dos seus postulados, a imediação”. (GRINOVER, 2006, p. 73)


Da mesma forma, como dito, também seguem as restrições, presentes no mesmo codex: “Art. 155.  No juízo penal, somente quanto ao estado das pessoas, serão observadas as restrições à prova estabelecidas na lei civil.”


Percebe-se aqui que implicitamente o legislador confere uma liberdade de prova muito maior ao processo penal, limitando-as apenas ao estado das pessoas.


2.3 Ônus da prova


A regra é clara, cabe o ônus da prova a quem alega, conforme o Código de Processo Penal pátrio que reza: “Art. 156.  A prova da alegação incumbirá a quem a fizer; mas o juiz poderá, no curso da instrução ou antes de proferir sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante”.


O ônus da prova não é obrigação, é faculdade, pois a parte não é constrangida a provar o que alega, pois não há sanção se não o fizer. No processo penal vigora o princípio da busca da verdade real – o que de fato aconteceu – e com base nisso, o juiz poderá determinar diligências a fim de dirimir possíveis dúvidas sobre um ponto relevante.


Essa busca deve ser sopesada, pois se a todo o momento o juiz descer de seu pedestal de terceiro desinteressado, para proceder à pesquisa e colheita do material probatório, isso comprometerá o princípio da imparcialidade, conforme ensina o professor Tourinho Filho, na obra já citada.


Desta feita, primariamente como regra, caberá às partes o ônus de provar o que alegam.


2.4 Limites ao Direito de Prova


É claro que existem limites ao direito de prova, pois não há direito absoluto, conforme Ada Pellegrine ensina:


“É que os direitos do homem, segundo a moderna doutrina constitucional, não podem ser entendidos em sentido absoluto, em face da natural restrição resultante do princípio da convivência de liberdades, pelo que não se permite que qualquer delas seja exercida de modo danoso á ordem pública e ás liberdades alheias. […] De tal modo que não é mais exclusivamente com relação ao indivíduo, mas no enfoque de sua inserção na sociedade, que se justificam, no Estado social de direito, tanto os direitos como suas limitações”. (GRINOVER, 1994, p. 110.)


Resta claro que o direito de prova tem por limites os direitos à intimidade, à vida privada e à imagem, e de forma mais ampla ainda, conforme já dito, seus limites são a moralidade, a dignidade humana e a legalidade. Percebemos que todos os limites possuem interconexão.


2.5 Prova Ilícita


A atual Carta da República reza em seu art. 5º, inciso LVI, a inadmissão de prova obtida por meio ilícito.


A doutrina diferencia a prova ilícita da ilegítima, sendo que a primeira fere norma material enquanto a segunda fere norma formal, de rito, entretanto ambas são da categoria das provas vedadas, o que nas palavras do doutrinador Luiz Francisco Torquato Avolio (2003), vem a ser o seguinte:


“A prova ilegítima é aquela cuja colheita estaria ferindo normas de direito processual. Assim, veremos que alguns dispositivos da lei processual penal contêm regras de exclusão de determinadas provas, como, por exemplo, a proibição de depor em relação a fatos que envolvam o sigilo profissional (art. 207 do CPP brasileiro); ou a recusa de depor por parte de parentes e afins (art. 206). A sanção para o descumprimento dessas normas encontra-se na própria lei processual. Então, tudo se resolve dentro do processo, segundo os esquemas processuais que determinam as formas e as modalidades de produção da prova, com a sanção correspondente a cada transgressão, que pode ser uma sanção de nulidade.” (AVOLIO, 2003, p. 42.)


Diversamente, por prova ilícita é de se entender da prova colhida com infração a normas ou princípios de direito material – sobretudo de direito constitucional, ou conforme ensina Avolio (2003):


“[…] mas também de direito penal civil, administrativo, onde se encontram definidos na ordem infraconstitucional outros direitos ou cominações legais que podem se contrapor às exigências de segurança social, investigação criminal e acertamento da verdade, […]. Para a violação dessas normas é o direito material que estabelece sanções próprias. Assim, em se tratando da violação do sigilo da correspondência ou de infração à inviolabilidade do domicílio, ou ainda de uma prova obtida sob tortura, haverá sanções penais para o infrator”. (AVOLIO, 2003, p. 43.)


Desse modo, segue sem controvérsia o entendimento segundo o qual as provas ilícitas são aquelas obtidas com a violação a uma norma ou princípio de direito material, ou seja, princípios que resguardam os direitos elementares do indivíduo, tais como, a intimidade e a integridade física e moral dos indivíduos.


De outra banda, as ilegítimas são as inseridas no processo com desrespeito às normas ou princípios de direito processual, como por exemplo, a que determina a proibição de depor em relação a fatos que envolvam o sigilo profissional, constante no art. 207 do Código de Processo Penal Brasileiro, com a seguinte redação: “Art. 207.  São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho”(grifo nosso).


Nesse ponto, interessante ressaltar que a lei processual torna evidente a disponibilidade do direito à intimidade das pessoas alvo da informação.


2.6 Prova Ilícita por Derivação


Uma questão complexa relacionada às provas ilícitas é a que trata da extensão dos efeitos da ilicitude daquelas sobre outras provas. Notadamente as substanciais para o deslinde do caso concreto, pois imaginemos o caso de um julgador que tomando ciência de uma situação inequívoca, tenha de decidir sem sopesar as provas ilícitas que demonstraram o acontecimento de certos fatos relevantes.


O cerne da questão é se, sendo verificada a infração a uma regra do ordenamento jurídico, deve ser excluída somente a prova assim conseguida, ou, por derivação, devem também ser afastadas outras provas cuja descoberta somente foi possível através daquela primeiramente viciada.


Surge, então, a discussão acerca de as provas ilícitas por derivação, provas, em si mesmas lícitas, mas a que se chegou por meio da informação obtida pela prova ilicitamente colhida. É o caso da confissão extorquida mediante tortura, em que o acusado indica onde se encontra o produto do crime, que vem a ser regularmente apreendido; ou da interceptação telefônica clandestina, pela qual se venham a conhecer circunstâncias que, licitamente colhidas, levem à elucidação total dos fatos.


Nos Estados Unidos da América o fenômeno das provas ilícitas por derivação foi nominado pela Suprema Corte como a teoria dos frutos da árvore envenenada – fruits of the poisonous tree. Esta teoria foi adotada jurisprudencialmente a partir do julgamento do caso Silverstone Lumber Co. versus United States  em 1920. Entretanto, advertimos que o termo fruits of the poisonous tree só foi empregado expressamente no caso Nardone versus United States de 1939, e somente no caso Wong Sun versus United States, há referência a uma prova verbal, pois até então as regras de exclusão, no direito norte-americano baseavam-se unicamente em materiais físicos e tangíveis.


Deste modo, nos Estados Unidos da América concluiu-se que apenas a vedação às provas ilícitas não seria suficiente para evitar a má-conduta policial, porque se poderia através de uma prova ilícita, obter uma formalmente lícita.


A maioria da doutrina alemã defende que a utilização das provas ilicitamente derivadas poderia servir de expediente para fraudar a vedação probatória, sendo, pois pela inadmissibilidade processual das provas ilícitas por derivação.


Principal expoente no estudo das provas ilícitas na doutrina brasileira, Ada Pellegrini Grinover é favorável à inadmissibilidade processual das provas ilicitamente derivadas, por entender que esta é a posição mais sensível às garantias da pessoa humana, e, consequentemente mais intransigente com os princípios e normas constitucionais relacionados com a exclusão das provas ilícitas.


Na verdade, de nada adiantaria a vedação constitucional às provas ilícitas, entendida esta como direito fundamental, se houvesse o acolhimento processual das provas derivadas das ilícitas.


Considerando e analisando-se a jurisprudência pátria, a despeito dos argumentos acima expostos o Superior Tribunal de Justiça em dois julgamentos rejeitou a teoria dos frutos da árvore envenenada, vejamos a ementa de um deles, no caso a do recurso de Habeas Corpus nº 7363/RJ:


“Ementa: Quadrilha ou bando. Inépcia da denúncia. Prova ilícita. Prisão preventiva. Fuga.


Para a caracterização do crime de quadrilha, basta exigir o propósito de associação, do agente ao grupo criado com a finalidade da prática de crimes, sendo desnecessário atribuir-lhe ações concretas. Logo, não é inepta denúncia nesses termos. Carta anônima, sequer referida na denúncia e que, quando muito, propiciou investigações por parte do organismo policial, não se pode reputar de ilícita. É certo que, isoladamente, não terá qualquer valor, mas também não se pode tê-la como prejudicial a todas as outras validamente obtidas. O princípio dos frutos da árvore envenenada foi devidamente abrandado na Suprema Corte (HC nº 74.599-7, Min. Ilmar Galvão).Prisão preventiva que se justifica em relação a uma das pacientes que empreendeu fuga do distrito da culpa, não ocorrendo o mesmo com relação a outra. Recurso parcialmente provido e, nessa extensão, concedida a ordem.” (STJ, Recurso de Habeas Corpus nº 7363/RJ, Rel. Min. Anselmo Santiago, 6ª Turma, j.07/05/98, DJU, 15/06/98. Nesse mesmo sentido: STJ, Habeas corpus nº 5062/RJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 5ª Turma, j.10/12/96, DJU, 01/06/98.)


Observamos que mesmo antes da Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal já vinha se posicionando contra a admissibilidade processual das provas ilícitas, nesse sentido foi o julgamento do recurso de Habeas Corpus nº 63.834- SP, no qual firmou-se entendimento que os meios de prova ilícitos não podem servir de sustentação ao inquérito ou à ação principal.


O habeas corpus foi impetrado por um médico da Previdência Social intimado por um dos nossos delegados de Polícia Federal a prestar esclarecimento sobre fraudes contra o instituto, baseadas em várias fitas gravadas ilegalmente. As fitas que foram entregues no processo eram regravações das originais, incompletas, com espaços vazios, visto que as fitas originais já haviam sido destruídas.


O Ministro Aldir Passarinho, afirmou que:


“Deste modo, se é certo que as fitas cassetes não podem ser utilizadas, nem sobre elas pode ser obrigado a depor o paciente, os fatos certos, concretos, porventura já apurados, não devem ser desprezados, podendo, deste modo, juntamente com outros porventura existentes justificar o inquérito e, se for o caso, a ação penal.”


Assim, com o advento do novo regime constitucional inaugurado após a Carta Magna de 1988, o Supremo Tribunal Federal consolidou, definitivamente, sua oposição à admissibilidade das provas ilicitamente colhidas.


O repúdio às provas ilícitas fica bem evidenciado no julgamento da Ação Penal nº 307-3-DF, onde figuravam como autor o Ministério Público Federal e como réus o Ex-presidente da República, Fernando Affonso Collor de Mello, Paulo César Farias e outros, sendo que o plenário do STF entendeu que :


“[…] a prova ilícita, entre nós, não se reveste da necessária idoneidade jurídica como meio de formação do convencimento do julgador, razão pela qual deve ser desprezada, ainda que em prejuízo da apuração da verdade, no prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito devido a direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, valor que se sobrelevam, em muito, ao que é representado pelo interesse que tem a sociedade numa eficaz repressão aos delitos. É um pequeno preço que se paga por viver-se em Estado de Direito Democrático. A justiça penal não se realiza a qualquer preço. Existem, na busca da verdade, limitações impostas por valores mais altos que não podem ser violados, ensina Heleno Fragoso, em trecho de sua obra Jurisprudência Criminal, transcritas pela defesa. A Constituição brasileira, no art. 5º, inc. LVI, com efeito, dispõe a todas as letras, que são inadmissíveis no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. (STF, Ação Penal nº 307-3- DF, Plenário, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU, 13/10/95; in Revista Trimestral de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal 162/03-340.).


No julgamento da ação supracitada, o Supremo Tribunal Federal por maioria de votos acolheu a preliminar de defesa, para declarar inadmissíveis as provas constantes no laudo de degravação de conversa telefônica e no laudo de gravação de registros contidos na memória de computador, vencidos, parcialmente, os Ministros Carlos Velloso, Sepúlveda Pertence e Néri da Silveira que só julgaram inadmissíveis a prova referente aos registros contidos no microcomputador.


Desta forma, a prova oriunda de gravação de escutas telefônicas realizadas por um dos interlocutores sem o consentimento do outro foi considerada ilícita, mormente quando a degravação foi realizada com inobservância do princípio do contraditório, e utilizada com violação à privacidade alheia (art. 5º, LVI e X da CF).


Abordando outro aspecto das provas ilícitas, qual seja, as provas ilícitas por derivação, verifica-se que a jurisprudência da mais alta Corte Judiciária brasileira adotou a teoria dos frutos da árvore envenenada.


A seguir, far-se-á um breve resumo dos principais julgados envolvendo a matéria.


O primeiro julgamento se refere ao Habeas Corpus nº 69.912-0/RS (STF, HC nº 69.912-0/RS. Tribunal pleno. J.30.06.93.Rel. Min. Sepúlveda Pertence. DJ 26/11/93, p. 00176.), no qual foi indeferida a ordem pleiteada, por seis votos a cinco, entendendo a Corte pela incomunicabilidade da ilicitude da prova originariamente colhida às provas derivadas.


No referido habeas corpus o plenário do Tribunal entendeu que a falta de lei que regulamentasse o disposto no inciso XII do art. 5º da Constituição Federal de 1988, proibia a interceptação de conversas telefônicas, logo, as provas diretamente daí advindas eram ilícitas, mas as provas obtidas a partir daquelas eram lícitas. Vale lembrar que hoje a lei que regulamenta o inciso XII daquele artigo é a Lei nº 9.296/96.


Nesse julgamento funcionou como Relator, o Ministro Sepúlveda Pertence, segundo o qual, no caso se deveria aplicar a teoria dos frutos da árvore envenenada, pois vedar a admissão de gravação telefônica tida como ilícita, mas por outro lado, admitir que as informações nela colhidas possam ser aproveitadas pela autoridade que agiu ilicitamente, para chegar a outras provas que sem tais informações, não colheria, é estimular a atividade ilícita de escuta e gravação clandestina de conversas privadas.


Acompanhara o voto do Relator os Ministros Francisco Resek, Ilmar Galvão, Marco Aurélio e Celso de Mello.


O Ministro Carlos Velloso concordou com o voto do Relator somente no que tange a escuta telefônica como prova ilícita e divergiu na parte referente a aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada, pois entendeu que nos autos estavam outros elementos que autorizavam a afirmativa no sentido de que a condenação não se baseava exclusivamente na prova ilícita. Acompanharam o voto divergente os Ministros Paulo Brossard, Sydney Sanches, Néri da Silveira, Moreira Alves e Luiz Gallotti.


Entretanto, este habeas corpus foi submetido a novo julgamento em função de o paciente ter impetrado mandado de segurança alegando o impedimento do Ministro Néri da Silveira, cujo filho teria atuado no processo na qualidade de membro do Ministério Público.


No novo julgamento, manteve-se a posição do Relator e dos Ministros que o acompanharam; ausente o Ministro Moreira Alves e impedido o Ministro Néri da Silveira, a primitiva maioria tornou-se minoria, sendo que por 5×4 a Corte decidiu que a ilicitude da interceptação telefônica, contaminou, no caso as demais provas oriundas direta ou indiretamente das informações obtidas na escuta, nas quais se fundou a condenação do paciente.


Eis a ementa do acórdão:


“Prova ilícita: escuta telefônica mediante autorização judicial; afirmação pela maioria da exigência de lei, até agora não editada, para que nas hipóteses e na forma por ela estabelecidas, possa o juiz autorizar a interceptação telefônica de comunicação telefônica para fins de investigação criminal.; não obstante, o indeferimento inicial do habeas corpus pela soma dos votos, no total de seis, que, ou recusaram a tese da contaminação das provas decorrentes da escuta telefônica, indevidamente autorizada, ou entenderem ser impossível, na via processual do habeas corpus, verificar a existência de provas livres da cominação e suficientes a sustentar a condenação questionada; nulidade da primeira decisão, dada a participação decisiva, no julgamento de Ministro impedido (MS nº 21.750, 24.11.93); conseqüente renovação do julgamento, no qual se deferiu a ordem pela prevalência dos cincos votos vencidos no anterior, no sentido de que a ilicitude da interceptação telefônica – a falta de lei que, nos termos constitucionais, venha a discipliná-la e viabilizá-la – contaminou, no caso, as demais provas, todas oriundas, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta (fruits of the poisonous tree), nas quais se fundou a condenação do paciente.” (STF, HC nº 69.912/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, j. 16-12-93, DJU de 25/03/94, p.06012.).


Mais recentemente, no julgamento do Habeas Corpus nº 73.351-4/SP, que teve como Relator o Ministro Ilmar Galvão, o Pretório Excelso novamente reafirmou a teoria dos frutos da árvore envenenada:


“Ementa: Habeas corpus. Acusação vazada em flagrante de delito viabilizado exclusivamente por meio de operação de escuta telefônica, mediante autorização judicial. Prova ilícita. Ausência de legislação regulamentadora. Art. 5º, XII, da Constituição Federal. Fruits of the posonous tree. O Supremo, por maioria de votos, assentou entendimento no sentido de que sem a edição de lei definidora das hipóteses e da forma indicada no art. 5º, inciso XII, da Constituição, não pode o juiz autorizar a interceptação de comunicação telefônica para fins de investigação criminal. Assentou, ainda, que a ilicitude da interceptação telefônica – à falta de lei que, nos termos do referido dispositivo, venha a discipliná-la e viabilizá-la- contamina outros elementos probatórios eventualmente coligidos, oriundos direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta. Habeas corpus concedido.” (STF, HC nº 73.351/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, 1ª Turma, j. 09-05-96, DJU de 19/03/99, p.00009.).


No mesmo sentido básico, o Habeas Corpus nº 72.588/PB ratificou a doutrina das provas ilícitas por derivação, senão veja-se:


“Ementa: Frutos da árvore envenenada – Examinando novamente o problema da validade de provas cuja obtenção não teria sido possível sem o conhecimento de informações provenientes de escuta telefônica autorizada pelo juiz – prova que o STF considera ilícita, até que seja regulamentado o art. 5º, XII, da CF (“ é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telefônicas, salvo no último caso, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”)-, o Tribunal, por maioria de votos, aplicando a doutrina dos frutos da árvore envenenada, concedeu habeas corpus impetrado em favor de advogado acusado do crime de exploração de prestígio (CP, art. 357, parágrafo único), por haver solicitado a seu cliente (preso em penitenciária) determinada importância em dinheiro, a pretexto de entregá-la ao juiz da causa. Entendeu-se que o testemunho do cliente ao qual se chegara exclusivamente em razão de escuta-, confirmando a solicitação feita pelo advogado na conversa telefônica, estaria “contaminado” pela ilicitude da prova originária. Vencidos os Ministros Carlos Velloso, Octávio Gallotti, Sydney Sanches, Néri da Silveira e Moreira Alves, que indeferiram o habeas corpus, ao fundamento de que somente a prova ilícita- no caso a escuta- deveria ser desprezada.” (STF, HC nº 72.588/PB, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 12-06-96, Informativo do STF nº 35.).


É importante deixar bem claro que somente podem ser taxadas de provas ilícitas por derivação, as que mantêm um nexo de interdependência com a prova ilícita primitiva. Portanto, às provas autônomas não se aplica a teoria dos frutos da árvore envenenada, tal como restou consignado no julgamento do recurso de Habeas Corpus nº 74.807/MT:


“Ementa: Recurso de habeas corpus. Crimes societários. Sonegação fiscal. Prova ilícita: violação de sigilo bancário. Coexistência de prova ilícita e autônoma. Inépcia da denúncia: ausência de caracterização.A prova ilícita, caracterizada pela violação de sigilo bancário sem autorização judicial, não sendo a única mencionada na denúncia, não compromete a validade das demais provas que, por ela não contaminadas e delas não decorrentes, integram o conjunto probatório. Cuidando-se de diligência acerca de emissão de notas frias, não se pode vedar à Receita Federal o exercício da fiscalização através do exame dos livros contábeis e fiscais da empresa que as emitiu, cabendo ao juiz natural do processo formar a sua convicção sobre se a hipótese comporta ou não conluio entre os titulares das empresas contratante e contratada, em detrimento do erário. Não estando a denúncia respaldada exclusivamente em provas obtidas por meios ilícitos, que devem ser desentranhados dos autos, não há porque declarar-se a sua inépcia porquanto remanesce prova lícita e autônoma, não contaminada pelo vício de inconstitucionalidade.”  (STF, RHC nº 74.807/MT, Rel. Min. Maurício Corrêa, 2ª Turma, j. 22-04-97, DJU de 20/06/97, p. 28.507.).


Assim, permanecem validamente no processo as provas lícitas, enquanto que as ilícitas, sejam elas originárias ou derivadas, devem ser desentranhadas dos autos e declaradas inválidas ou ineficazes juridicamente.


Com todo o acima exposto, pode se afirmar que as limitações à prova acabam por limitar também a liberdade instrutória do juízo, e até mesmo o próprio direito à prova, sendo que as chamadas provas proibidas ou ilegais são o gênero que aglutinam as espécies: ilegítimas que são aquelas produzidas com desrespeito às normas ou princípios processuais, e ilícitas que são aquelas obtidas com violação às normas ou princípios de direito material.


Também que apesar da forte proibição à admissão processual das provas ilícitas, se as mesmas vierem a ser produzidas e valoradas, este problema não se resolve através dos estreitos caminhos indicados pelas normas processuais, pois será um caso de atipicidade constitucional, considerando que as provas obtidas ilicitamente sempre estão a ferir algum preceito constitucional que se traduz em norma de garantia.


Assim impõe-se como conseqüência da atipicidade constitucional, a total ineficácia jurídica das provas ilícitas que por acaso ingressarem no processo. Se a prova ilícita tiver sido admitida no primeiro grau de jurisdição, caberá ao tribunal em grau de recurso desconsiderá-la; não ocorrendo, na hipótese, supressão de um grau de jurisdição, uma vez que a questão controvertida foi objeto de apreciação no juízo a quo.


Ainda, se a sentença condenatória criminal transitada em julgado se apoiou, exclusivamente, numa prova ilícita, seus efeitos poderão ser rescindidos via revisão criminal; noutro passo se a sentença for cível, caberá a impetração de ação rescisória – medida de reversão da coisa julgada – em ambos os casos se alegará a violação do disposto no art. 5º, LVI da Constituição Federal.


Em relação aos processos que se desenvolvem perante o Tribunal do Júri entende-se que se a decisão de pronúncia tiver suporte em prova ilícita, a mesma poderá ser reformada pela via recursal ou anulada mediante habeas corpus, entretanto verificando-se a preclusão e não for impetrado habeas-corpus, o juiz Presidente não pode mudar a sentença e nesse caso o veredicto dos jurados será nulo, ante a ausência de motivação que impede o conhecimento das razões de julgar.


Considerando o caso de as provas ilícitas ingressarem no processo, mas não tiverem sido levadas em consideração na pronúncia, cabe o juiz Presidente mandar desentranhá-las, e caso a elas se fizer referência em plenário, contrariando o art. 475 do Código de Processo Penal, o juiz deverá dissolver o Conselho de Sentença.


Já, pela doutrina norte-americana dos fruits of the poisonous tree, as provas obtidas direta ou indiretamente de provas ilícitas ficam maculadas pela ilicitude destas. Assim, a prova derivada é tão inadmissível quanto a primitiva. A maior parte da doutrina pátria é favorável à aplicação dessa teoria.


Por fim, a posição do Supremo Tribunal Federal, antes da Constituição de 1988, já era no sentido de não admitir as provas ilícitas tanto nos processos civis quanto nos criminais. Na vigência da atual Constituição o Pretório Excelso reafirmou a sua posição pela inadmissibilidade processual das provas ilícitas. Em relação à teoria dos frutos da árvore envenenada, a citada Corte adotou-a integralmente.


2.7 Possibilidade de Admissão da Prova Ilícita ou Ilícita por Derivação no Processo


Com a publicação do atual texto constitucional pátrio, tornou-se inadmissível no processo a aceitação das provas ilícitas e suas derivadas, pois eivadas de vício, pressupõe a nulidade processual, conforme voto do relator Ministro Ilmar Galvão do Supremo Tribunal Federal, na ação penal nº 307-3-DF:


“[…] é indubitável que a prova ilícita, entre nós, não se reveste da necessária idoneidade jurídica como meio de formação do conhecimento do julgador, razão pela qual deve ser desprezada, ainda que em prejuízo da apuração da verdade, em prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito devido a direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, valor que se sobreleva, em muito, ao que é representado pelo interesse que tem a sociedade numa eficaz repressão aos delitos. É um pequeno preço que se paga pro viver-se em Estado de Direito democrático. A justiça penal não se realiza a qualquer preço. Existem, na busca da verdade, limitações por valores mais altos que não podem ser violados, […]. A constituição brasileira, no art. 5º, inciso LVI, com efeito, dispõe, a todas as letras, que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.”


Nesse ponto distingue-se do objetivo de utilização da prova ilícita, se para a acusação ou para a defesa, na primeira é unânime sua não aceitação, mas na segunda, onde se vê o princípio da proporcionalidade ser aplicado, a fim de acabar com o conflito existente entre o direito de liberdade e outro menor que é o da intimidade, por exemplo.


Para Maria Gilmaise de Oliveira Mendes, a prova ilícita quando coletada pelo acusado com o fim de provar sua inocência ou reduzir sua culpabilidade, faz eliminar-se sua ilicitude pelas escusas legais, como a legítima defesa, que excluirá a antijuridicidade no caso concreto. (MENDES, 1999, p. 133.)


3. A LEI Nº 9.296/96


3.1 Conceito sobre a Interceptação Telefônica


A doutrina costuma classificar as espécies de obtenção da prova do seguinte modo:


a. interceptação telefônica é a conduta de um terceiro, estranho à conversa, que se intromete e capta a conversação dos interlocutores, sem o conhecimento de qualquer deles.


b. escuta telefônica é a captação da conversa dos interlocutores, feita por um terceiro, mas com o consentimento de um deles.


c. gravação telefônica é a gravação da conversa feita por um dos interlocutores.


Existe ainda, uma variação destas espécies de captação da conversa, que se configura quando a conversação se dá com duas ou mais pessoas em um mesmo ambiente, trata-se da conversação ambiental, que também pode ser captada por meio da interceptação ambiental, escuta ambiental e a gravação ambiental, que possuem o mesmo conceito das citadas acima, porém a captação ocorre no mesmo ambiente onde está se passando a conversa.


Para o presente trabalho as espécies que interessam são as três primeiras.


Alguns doutrinadores consideram como interceptação telefônica em sentido estrito apenas o caso “a”, outros aceitam como interceptação os dois primeiros casos “a” e “b”. Mas, é unânime entre os doutrinadores que o último caso, gravação telefônica, é considerado gravação clandestina, a qual, segundo Mendes, via de regra é praticada pelo próprio interlocutor sem a presença de um terceiro, qual é considerado necessário, sempre, para a configuração do conceito de interceptação.


Tais conceitos abriram, no entanto, uma discussão a respeito do artigo primeiro da Lei 9296/96, havendo controvérsia a respeito da expressão interceptação contida nesse artigo. A contenta é se tal expressão englobaria a modalidade de escuta ou apenas interceptação em sentido estrito.


Dentre os autores que entendem que a Lei não abarcaria a escuta telefônica, encontram-se Vicente Greco Filho, Luiz Francisco Torquato Avolio e Antônio Scarance, afirmando estes dois últimos ser este meio de prova permitido quando houver justa causa, acreditando Avolio que apesar de merecer tratamento diverso o juiz poderá autorizá-la.


No entanto, tal posicionamento não se mostra embasado por argumentos fortes, o mais certado é o posicionamento de que a Lei contempla os dois tipos de interceptação, já que o que caracteriza estes meios de prova é o fato de existir um terceiro alheio à conversa. Ainda, há que se ressaltar que a exceção à garantia constitucional do sigilo das comunicações telefônicas diz respeito à interceptação, ou seja, o fato onde existir um terceiro captando a conversa, seja com ou sem consentimento das partes, que não é especificado, logo a exceção constitucional, assim como a lei, estão a falar da interceptação gênero e não espécie.


Ademais, como afirma o próprio jurista Avolio (2003), na escuta, por haver o conhecimento de uma das partes o sacrifício da garantia constitucional do direito à intimidade é menor, e se a lei excepciona tal garantia quando o sacrifício é maior (sem o conhecimento das partes) não há porque deixar de fazê-lo quando este é menor, pois o direito sacrificado em ambos os casos é o mesmo, e se a Lei vale para o sacrifício maior, logicamente engloba o menor.


No entanto, o entendimento da Suprema Corte é o de que a Lei apenas abrange a interceptação estrito sensu, ou seja, a feita por um terceiro sem o conhecimento de ambos os interlocutores, necessitando de autorização judicial apenas esta, as demais, escutas e gravação telefônicas, não necessitam de autorização judicial, sendo, portanto, sua utilização lícita.


Em relação à ilicitude da prova colhida em razão de gravação telefônica feita por um dos interlocutores, ou por terceiro, com a ciência e autorização destes: já decidiu o Supremo Tribunal Federal, em um acórdão lavrado pelo do Ministro Nelson Jobim no HC nº 75338-8 –RJ, que difere a gravação telefônica feita por terceiro, que intercepta conversa de duas pessoas, sem o conhecimento destas, da feita por um dos interlocutores, sem a ciência do outro, ou até mesmo por terceiro, com a conivência de um deles, sendo tão-somente a primeira inquinada de ilícita, quando não autorizada judicialmente nos moldes do que prescreve a Lei nº 9.296/96.


A doutrina, no entanto, tem se posicionado no sentido de que tanto a gravação quanto as escutas telefônicas, só serão lícitas se utilizadas conforme o princípio da proporcionalidade, para a defesa do réu, ou no caso de legítima defesa do interlocutor, como no seqüestro de um ente familiar, que grava ou permite a gravação da conversa. As provas obtidas com violação da intimidade e sua utilização no processo penal, segundo Ada Pellegrini:


“A gravação clandestina de telefonemas ou conversas diretas próprias, embora estranha à disciplina das interceptações telefônicas, pode caracterizar outra modalidade de violação da intimidade: qual seja, a violação de segredo.


 No entanto, a doutrina não tem considerado ilícita a gravação sub-reptícia de conversa própria, quando se trate, por exemplo, de comprovar a prática de extorsão, equiparando-se, nesse caso, a situação à quem age em estado de legítima defesa, o que exclui a antijuricidade.” (GRINOVER, 1994, p. 85).


3.2 Considerações Iniciais sobre Interceptação Telefônica


Devemos considerar que sempre que a captação de uma conversa telefônica ocorrer, estar-se-á violando um preceito constitucional, entretanto, se houver a devida autorização judicial, se configurará a exceção prevista no próprio Texto e regulamentada pela legislação ordinária em questão.


Seguindo o raciocínio e conforme já visto, a Carta da República de 1988 acompanhando as legislações mais democráticas e modernas do mundo previu a inadmissibilidade, no âmbito processual, das provas colhidas por meios ilícitos, isto é, aquelas obtidas com inobservância a preceitos de direito material e, principalmente, com desrespeito a normas constitucionais.


A exceção constitucional ao sigilo das comunicações é bastante limitada, não alcançando outras formas de correspondência e comunicações que não a telefônica e consequentemente excluindo-as da possibilidade de quebra de sigilo autorizada pela Justiça, para compor meio de prova colhida para outras espécies de processo que não penal, o que tem sido duramente criticado pela doutrina.


O que não é coerente é possibilitar a interceptação de comunicações telefônicas, e não a da correspondência e de comunicações telegráficas e de dados. Não ficando clara a razão de afastar da quebra de sigilo a prova necessária ao processo não-penal, dada a natureza dos direitos materiais controvertidos no denominado “processo civil“, levando-se em conta que no direito brasileiro não se restringe à proteção somente de direitos patrimoniais.


Conforme adverte Ada Pellegrini Grinover (1994), o dispositivo constitucional previsto no art. 5º, XII da CF foi promulgado com redação diversa da que foi aprovada pela Assembléia Nacional Constituinte, cuja redação original deveria ter sido:


“É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações de dados, telegráfica e telefônicas, salvo por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, para fins de investigação criminal ou instrução processual.” (GRINOVER, 1994)


A sobredita autora diz que a Comissão de Redação, indo além de seus poderes, que deveriam ser basicamente de correções gramaticais, acrescentou ao texto as palavras “comunicações”, “no último caso” e “penal”, limitando consideravelmente o alcance da norma constitucional legitimamente aprovada em plenário. Esta, da forma como fora concebida, permitia a quebra do sigilo – observado o preceito da reserva legal – não apenas com relação às comunicações telefônicas, mas também às telegráficas e de dados, bem como quanto ao sigilo das correspondências em geral. E ia além, não limitando o objeto da prova colhida ao processo penal, abrindo a possibilidade de ser produzida e utilizada em processos não penais.


A autora segue dizendo que a redação restritiva do inciso XII do art. 5º da Constituição Federal é flagrantemente inconstitucional em sua forma, por vício de competência, já que não observou o processo legislativo da Assembléia Nacional Constituinte. Outra questão que surge é a de que o vício teria ficado superado pela promulgação. Tudo indica que não: assim como a sanção não sana o defeito de iniciativa, no tocante às normas infraconstitucionais. Levando adiante o raciocínio, a promulgação da Constituição Federal de 1988, não convalidou a norma viciada pela competência e pela violação ao processo legislativo. A solução, aparentemente simples, seria restabelecer o texto original da norma.


Porém, ao Judiciário caberia somente declarar a inconstitucionalidade do preceito reescrito de forma indevida pela Comissão de Redação, suprimindo as palavras acrescidas, de acordo com as modalidades previstas no ordenamento para o controle da constitucionalidade.


Já no tocante a Lei 9296/96, a doutrina levantou a questão com relação ao seu parágrafo único do art. 1º, Vicente Greco (1996) sustenta que referido dispositivo teria estendido a aplicabilidade da interceptação ao fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática. Para o autor o problema estaria na interpretação do dispositivo constitucional, se consideraria que a expressão “no último caso”, constante daquele preceito, incluiria a transmissão de dados ou se aplicaria somente a comunicações telefônicas.


Neste particular, parece que são duas as possibilidades de interpretação, uma onde a ressalva aberta pela expressão “no último caso” seria aplicada às comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas; e outra que se referiria somente a comunicações telefônicas.


Na primeira interpretação leva em consideração que os direitos tutelados pelo sigilo constitucional no caso sob análise seriam dois: o da correspondência propriamente dita (cartas) e os dos outros sistemas de comunicação, como dados, telegráficos e telefônicos. Nesta hipótese a quebra de sigilo prevista recairia sobre a segunda modalidade de comunicação, isto é comunicação de dados, telegráfica e telefônica, de modo que se admitiria que a ressalva “último caso” se referiria a estes três instrumentos de transmissão utilizados para a comunicação.


A segunda interpretação, mais restritiva, sustenta que não seriam duas, mas sim quatro as modalidades de direito de comunicação tutelados pela norma: a correspondência e os outros três já estudados. Nesta visão, a expressão “último caso” recairia somente sobre as comunicações telefônicas. Sobre esta ótica teríamos um problema de inconstitucionalidade do parágrafo único do Art. 1º da Lei, já que teria havido uma extensão indevida da possibilidade de interceptação para a transmissão de dados em sistemas de informática e telemática.


Ainda, para Vicente Greco (1996), a interpretação mais acertada seria a segunda, isto é, que a referência da ressalva constitucional recairia somente sobre as comunicações telefônicas. Para o autor o parágrafo único do art. 1º da Lei 9296/96 é inconstitucional. Para ele a expressão correta para autorizar a interceptação das comunicações telegráficas e de dados, além da telefônica, seria “no segundo caso” e não “no último caso” como está assentada a ressalva ao preceito constitucional. Sustenta ainda que a regra é a garantia constitucional do sigilo e que a ressalva inclusa prevê uma exceção, e como tal deve ser interpretada restritivamente.


 O Legislador Ordinário, no entanto, parece ter optado pelo primeiro modo de interpretação antes exposto, aquele que estende a possibilidade de interceptar dados de informática e telemática, além das comunicações telefônicas propriamente ditas.


Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal está acenando para outro posicionamento, segundo o qual a exceção constitucional ao sigilo abrangeria não apenas as comunicações telefônicas, mas também o de dados: não tanto porque o Supremo tem admitido por diversas vezes a quebra de dados bancários e dados de contas telefônicas (mas aqui se poderia argumentar com o fato de não haver “comunicação de dados”), mas porque já entendeu que o art. 5º, XII, da Constituição somente cogita de dois casos de sigilo, divididos, cada um, em duas situações: a) sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas; b) sigilo de dados e comunicações telefônicas.


Nesta última, afirmou o Ministro Marco Aurélio, a inviolabilidade é relativa, sendo que sua quebra, prevista pelo art. 38 da Lei nº 4.595/65 foi recepcionada pela Constituição Federal. A ser mantido esse entendimento, tudo que se referisse a “dados” (e não somente à sua comunicação) estaria sob a égide do inc. XII do art. 5º da Carta Magna e a possibilidade de quebra do sigilo estaria prevista não só para as comunicações telefônicas, mas também quanto a comunicação de dados.


A prova pode ser ilícita em três casos: na hipótese da ilicitude do próprio meio, se este não obedece à natureza do processo, que exige racionalidade e respeito à pessoa; em circunstâncias de imoralidade ou impossibilidade de sua produção; e em razão da ilicitude de sua origem.


Com relação à última hipótese, a Constituição Federal aponta que não poder ser admitidas no processo as provas originadas em meios ilícitos, de forma que se a interceptação telefônica não respeitar os parâmetros legais e constitucionais, a prova com ela obtida não poderá ser utilizada, bem como as provas dela derivadas, porque se o meio de recolhimento da primeira foi eivado de ilicitude, as provas a partir dela obtidas também serão consideradas ilícitas.


Questão correlata, diz respeito ao valor da prova obtida por meio da interceptação e a idoneidade técnica durante a captação. Como é questionado com relação a qualquer meio de prova, quando da valoração do conteúdo da prova, ela passará pela persuasão racional do Juiz, de consonância com as demais provas do processo, sendo inclusive levantado o perfil de quem a colheu.


Com relação à idoneidade técnica da prova, relacionada à gravação, é possível cogitar a perícia para individualizar vozes, além de verificar-se a autenticidade do meio de gravação empregado e possíveis edições.


Antes de tudo, a prova deve ser submetida a um juízo de legalidade, já que quando da concessão esta análise foi realizada em caráter cautelar, sem contraditório, cabendo ao Juiz da causa esta análise definitiva, aberta a oportunidade de ampla defesa ao investigado. Esta análise se faz necessária, já que deste juízo podem ser encontradas inobservâncias com relação aos requisitos legais e constitucionais que autorizaram a medida.


3.3 Análise da Lei Nº 9.296/96:


A Lei nº 9.296/96 foi editada para regulamentar o inciso XII do art. 5 da CF/88, determinando que a interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça, aplicando-se, ainda, à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática, cessando assim a discussão sobre a possibilidade ou não deste meio de prova e, conseqüentemente, sobre sua licitude, desde que realizado após a edição da lei, que não contém efeito retroativo.


A citada lei vedou a realização de interceptação de comunicações telefônicas quando não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal ou a prova puder ser feita por outros meios disponíveis, consagrando a necessidade da presença do fumus boni iuris, pressuposto exigível para todas as medidas de caráter cautelar, afirmando Antonio Magalhães Gomes Filho (1997) que deve ser perquirida a exclusividade deste meio de prova: “Diante da forma de execução do crime, da urgência na sua apuração, ou então da excepcional gravidade da conduta investigada, a ponto de justificar-se a intromissão”. (GOMES FILHO, 1997, P. 88)


Importante ressaltar, ainda, que somente será possível a autorização para a interceptação quando o fato investigado constituir infração penal punida com reclusão.


Assim, a partir da edição da citada lei, fixando as hipóteses e a forma para a interceptação das comunicações telefônicas, a mesma poderá ser determinada pelo juiz, de ofício ou a requerimento da autoridade policial (somente na investigação criminal) ou do representante do Ministério Público (tanto na investigação criminal, quando na instrução processual penal), sempre descrevendo-se com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.


Feito o pedido de interceptação de comunicação telefônica, que conterá a demonstração de que sua realização é necessária à apuração de infração de infração dos meios a serem empregados, o juiz terá o prazo máximo de 24 horas para decidir, indicando também a forma da execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de 15 dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova. Haverá autuação em autos apartados, preservando-se o sigilo das diligencias, gravações e transcrições respectivas.


Como observado pelo Ministro Vicente Cernicchiaro (1996), a lei adotou o sistema de verificação prévia da legalidade condicionando a interceptação à autorização judicial, ressaltando, porém, o seguinte:


“Melhor seria a lei houvesse optado, como exceção, pelo sistema da verificação posterior da legalidade. Em outras palavras, a autoridade policial e o representante do Ministério Público poderiam tomar a iniciativa; concluída a diligência encaminhariam-na ao magistrado; se não contivesse vício e fosse pertinente, seria anexada aos autos. Caso contrário, destruída, implicando eventual responsabilidade criminal. Nessa direção, o moderno Código de Processo Penal da Itália (art. 267, II). Com efeito a prova é caracterização de um fato; poderá ser passageiro. O crime não tem hora marcada. Acontece a qualquer momento, mesmo fora do expediente Judiciário. Se não for tomada medida imediata, perderá importância. Não creio que a autorização verbal (art. 4°, § 1°) possa cobrir todas as hipóteses.” (CERNICCHIARO, 1996, p. 1106)


Incrível a clareza das palavras do ministro e sua inserção na realidade social. Ainda, conforme a lei, a diligência será conduzida pela autoridade policial, que poderá requisitar auxílio aos serviços e técnicos especializados às concessionárias de serviço público, sempre com prévia ciência do Ministério Público, que poderá acompanhá-la, se entender necessário. Se houver possibilidade de gravação da comunicação interceptada, será determinada sua transcrição, encaminhando-se ao juiz competente, acompanhada com o devido auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações realizadas.


Após o término da diligência, a prova colhida permanecerá em segredo de justiça, devendo então, caso já haja ação penal, ser possibilitado ao defensor sua análise, em respeito aos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. Ressalte-se que a natureza da diligência impede o conhecimento anterior do investigado e de seu defensor, pois é óbvio que se o suspeito investigado for informado, somente se fosse débil mental efetuaria algum tipo de comunicação comprometedora. De qualquer forma, se garante a observância do princípio ao contraditório, logo depois de colhida a prova, ou seja, feita a gravação e a devida fiel transcrição, quando se dá ao investigado o direito de impugnar a prova obtida e, além disso, oferecer a contraprova.


Dessa forma, a produção dessa espécie de prova em juízo está em plena consonância com o princípio do contraditório e da ampla defesa, permitindo-se à defesa impugná-la amplamente.


Note-se, por fim, que não haverá possibilidade de interceptação da comunicação telefônica entre o acusado e seu defensor, pois o sigilo profissional do advogado, no exercício da profissão, é garantia do próprio devido processo legal.


A interceptação somente será possível se o advogado estiver envolvido na atividade criminosa, pois nesta hipótese não estará atuando como defensor, mas como participante da infração penal, o que a bem da verdade é bem comum nos dias de hoje.


3.4 Constitucionalidade do parágrafo único do artigo primeiro da Lei Nº 9296/96


O parágrafo único do artigo primeiro da Lei de interceptação, afirma que o disposto na lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informações e telemática, o que levanta controvérsia na doutrina sobre a constitucionalidade de tal parágrafo.


Isso ocorre porque alguns doutrinadores como Vicente Greco Filho (1996), afirmam que o preceito constitucional contido no inciso XII do artigo quinto da Carta Maior refere-se apenas à comunicação telefônica, já que para essa corrente doutrinária a interpretação mais correta da Constituição Federal é que o inciso em comento prevê quatro situações: a correspondência, as comunicações telegráficas, as de dados e as telefônicas, assim a expressão último caso contida no inciso, que permite a interceptação, refere-se apenas à telefonia.


Outra forma de interceptação é a do inciso doze do artigo quinto, feita dividindo-se em dois grupos, abrangendo, pois a expressão último caso, os casos de dados e as comunicações telefônicas.


No entanto, acredita-se que a interpretação mais correta seja a utilizada por Lenio Luiz Streck (1997), confirmada por Luiz Flavio Gomes, de que a comunicação telefônica não se limita apenas a conversações telefônicas, mas incluem a transmissão, emissão, ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza que seja feita por meio de telefonia estática ou móvel. Sem esquecer que esse é o conceito dado pelo Código Brasileiro de Telecomunicações, Lei 4.117/62.


Desse modo, conforme asseverou Lenio Luiz Streck (1997), o parágrafo único do artigo da Lei de interceptações, ao estender a interceptação ao fluxo de comunicações em informática e telemática, apenas especificou que a interceptação atingirá qualquer variante de informações que utilizem a modalidade de comunicação feita por telefonia, lembrando ainda o eminente doutrinador que:


“Não se discute se a expressão contida no inciso XII ‘no último caso’ se refere somente às comunicações telefônicas ou também aos “dados”. Neste ponto, tem razão Greco Filho, pois os dados – que estão estáticos, e não em trânsito pela modalidade ‘comunicações telefônicas’ – estão protegidos pelo absoluto sigilo, assim como a correspondência e as comunicações telegráficas. Como argutamente observa Scarance Fernandes, as interceptações do fluxo de comunicações em sistema de informática e telemática somente serão admitidas quando feitas por telefone […].” (STRECK, 1997, p. 47 e 48)


Nos tribunais a questão já foi definida, pois o Supremo Tribunal Federal já enfrentou e deslindou a matéria, quando negou provimento cautelar na ação direta de inconstitucionalidade nº 1488, que pretendia retirar do texto da Lei 9296/96 o tão questionado parágrafo em debate.


3.5 A Interceptação Telefônica para o Processo Civil


O artigo quinto, inciso doze da Magna Carta é claro ao excepcionar o sigilo da comunicação telefônica apenas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, assim também é o artigo da Lei de interceptação, não havendo, portanto, que se cogitar do uso desse artifício no processo civil.


Porém, a doutrina é controvertida quanto ao uso desse meio de prova quando emprestado do processo penal. Alguns autores como Grinover, aceitam a prova emprestada no processo civil desde que a parte contra quem ela vai ser produzida tenha participado no processo penal de que a prova emana.


No entanto, a posição mais acertada é a de que tal prova não deverá ser utilizada em outro processo, já que a legislação pátria, conforme ensina Streck, não dá uso de tal prova. Vicente Greco (1996) também afirma que tal utilização viola o preceito constitucional, da seguinte forma:


“Em conclusão, a prova colhida por interceptação telefônica no âmbito penal não pode ser ‘emprestada’ (ou utilizada) para qualquer outro processo vinculado a outros ramos do direito. (…) essa prova criminal deve permanecer em ‘segredo de justiça’. É inconciliável o empréstimo de prova com segredo de justiça […]”. (GRECO FILHO, 1996, p. 54)


A jurisprudência pátria, entretanto, vem no sentido de aceitar a prova emprestada do processo penal para o cível e a utilização da gravação telefônica, se não vejamos:


“AÇÃO PAULIANA. GRAVAÇÃO DE CONVERSA ENTRE MARIDO E MULHER. PEDIDO DE JUNTADA PELA ÚLTIMA. PROVA DE DEFRAUDAÇÃO DO PATRIMÔNIO COMUM. DECISÃO QUE CONSIDERA A PROVA COMO ILÍCITA. OFENSA AO DIREITO DA INTIMIDADE. DESCABIMENTO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. PONDERAÇÃO DO INTERESSE DA BUSCA DA VERDADE E DA SEGURANÇA JURÍDICA QUE SACRIFICAM, NO ACASO CONCRETO, A TUTELA DA INTIMIDADE. RESTIÇÃO CONSTITUCIONAL SUPERADA PELA ORIGINALIDADE DA PROVA PARA A DESCOBERTA DA VERDADE. ASSIM, É RAZOÁVEL A UTILIZAÇÃO DE GRAVAÇÃO DE CONVERSA ENTRE MARIDO E MULHER, MESMO QUE UM DOS INTERLOCUTORES DESCONHEÇA A IMPRESSÃO SÔNICA FEITA PELO OUTRO”. (BRASIL. Tribunal de justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de instrumento nº 70005183561. Sétima Câmara Cível. Dês. José Carlos Teixeira Giorgis. Julgado em 12/03/2003.)


3.6 Requisitos para a Autorização


O artigo segundo da Lei de interceptações telefônicas enumera de forma negativa, ou seja, a contrario sensu, os requisitos necessários à autorização da realização da prova objeto deste trabalho.


Assim, é necessário para a autorização, conforme o inciso primeiro do artigo segundo da Lei, que haja indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal, logo é evidente que há necessidade de que exista a fumaça do bom direito, como requer medida cautelar, para que haja sua autorização.


O inciso segundo, assim como artigo quarto do mesmo diploma, insere a necessidade do meio de prova, ou seja, que esse tipo de prova seja inevitável no processo.


Quando afirma o inciso segundo que a prova não poderá ser feita de outro modo, quer dizer que não pode haver outros meios legais de se provar o alegado. Tal inciso, aplicado conjuntamente com artigo quarto, impõe como requisito o periculum in mora, ou seja, a não utilização desse meio de prova faz com que não haja outra forma de se provar o direito alegado ou a infração penal cometida.


O inciso terceiro causa polemica na doutrina, pois a interceptação apenas nos crimes punidos com pena de reclusão. Alguns autores entendem que se utilizando o princípio da proporcionalidade, é possível aplicar a lei em alguns crimes punidos com detenção, dando prevalência ao interesse público contidos em tais tipos penais. 


Leni Streck (1997), mesmo aceitando que o dispositivo legal é defeituoso, pois deixou de abarcar crimes fortemente recriminados pela sociedade, como o jogo do bicho, a ameaça por telefone, acredita que a Lei é taxativa, não podendo ser burlada sob pena de não ter a mesma validade.


O posicionamento mais acertado parece ser de que a utilização da interceptação telefônica deva ocorrer apenas nos crimes com pena da reclusão, de maior potencial ofensivo, em virtude da existência da Lei dos Juizados Especiais (Lei 9099/95) que admite a suspensão condicional do processo para os crimes de menor potencial ofensivo, o que abarca as contravenções penais. Ademais, se assim não fosse, deixar-se-ia de interpretar as Leis em conjunto, sistemática e teleologicamente, pois do contrário, uma Lei estaria a repudiar a outra, o que não pode ser admitido dentro de um mesmo ordenamento jurídico, considerado o princípio do hermetismo no direito.


No entanto, a jurisprudência pátria, em especial do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, vem admitindo a interceptação em crimes como a exploração de jogos de azar, que apesar de ser uma contravenção, é um delito de interesse social e por isso, segundo a jurisprudência, deve utilizar-se nestes casos do princípio proporcionalidade.


3.7 Legitimidade para se Requerer a Medida


O artigo terceiro da Lei em análise prevê a legitimidade do ministério público, da autoridade policial e do juiz para requerer a medida cautelar, no entanto, não estabeleceu a possibilidade de o querelante (titular da ação penal privada) e do réu de requererem a interceptação.


Várias são as questões levantadas pela doutrina no tocante a este tema. No tocante à defesa, Lenio Luiz Streck (1997) afirma que:


“Não é temerário afirmar que o dispositivo do art.3°, ao vedar à defesa o direito de requerer a realização da escuta, viola os princípios da ampla defesa e do contraditório, eis que limita o poder de a defesa “defender-se provando”. Daí, como já explicado no subitem anterior, uma interpretação conforme a Constituição aponta a possibilidade também de a defesa requerer a interceptação das comunicações telefônicas […]” (STRECK, 1997, P. 88).


Desse modo a defesa poderia requerer a medida, licitamente, conforme uma interpretação segundo os princípios vigentes na Constituição Federal. Além disso, não se pode esquecer que a defesa estaria agindo dentro do princípio da proporcionalidade, que seja a liberdade.


Crê-se que a não previsão legal da medida, se dá em razões de ordem prática, para que a interceptação não se torne praxe corriqueira, só admitindo a medida para a defesa quando pretende provar a inocência do acusado.


As posições defendidas por tais doutrinadores e pela doutrina em geral, são plenamente aceitáveis, pois vedar à parte ré o direito de fazer prova de sua inocência é negar-lhe o direito constitucional de ampla defesa. No tocante aos titulares da ação penal privada, seria um contra-senso não admitir a produção da prova, quando a interceptação mostrar-se o único meio de se provar o alegado.


Questão polêmica na doutrina, que não pode ser esquecida, é a determinação de ofício da medida. Parte dos doutrinadores acredita ser inconstitucional a determinação da medida cautelar de ofício, Lenio Luiz Streck (1997) afirma que a determinação da escuta telefônica ex officio choca-se com o moderno processo penal acusatório, estando esse posicionamento com a mais evidente razão, pois permitir ao juiz a produção de prova tão essencial para que fique caracterizada a verdade da acusação ou da inocência do réu, é tornar o julgador parcial, com tendências a favor de uma das partes, o que jamais poderia ocorrer, além de fazer com que o Estado, representado pela figura do juiz, seja um inquisidor, violando o Estado democrático de direito.


3.8 Interceptação como Prova Legal


Analisando os pontos mais importantes e controvertidos da Lei que regulamenta o inciso doze do artigo quinto da Carta Magna, pode-se por fim, afirmar que sendo preenchidos todos os requisitos, entre eles a fundação da decisão e a competência do juiz que defere a medida, será a prova produzida através da interceptação telefônica imaculada, ou seja, não viciada por ilegalidades. Os requisitos citados são óbvios para qualquer operador do direito, não necessitando maiores delongas. A incompetência do juiz ao proferir qualquer decisão no processo acarreta a nulidade da mesma, sendo portador irrelevante maiores digressões sobre o assunto.


A fundamentação da decisão é princípio constitucional relativo ao poder judiciário como um todo, devendo sempre estar presente em qualquer tipo de processo, judicial ou administrativo, a fim de possibilitar a defesa do acusado, logo não é estranho a um operador do direito, além de ser uma garantia fundamental do cidadão que não sofrerá restrição de seu direito sem a devida explicação, ou seja, fundamentação. Desse modo a decisão que concede a cautelar em comento não foge a esta regra, que permita ao acusado ao acusador o contraditório e ampla defesa no momento oportuno, já que a cautelar é inaldita altera partes.


Assim, é de se dizer que a prova em comento será sempre lícita, desde que observados os requisitos explanados para a sua produção, tornando-se meio hábil e legítimo de prova. Não se pode negar que esse meio de intromissão na esfera íntima dos cidadãos, nos dias atuais, tornou-se um meio necessário para a persecução criminal, já que o crime encontra a cada dia mais meios apurados e sofisticados de organizar-se, mas não se pode com o intuito de proteger os interesses sociais, deixar de lado as prescrições legais, sob pena de burlar-se o Estado democrático de direito a tanto custo conquistado e cometermos o absurdo de combater o crime com o ilícito e desconstituirmos os direitos fundamentais já amplamente difundidos e inerentes a cada cidadão.  


CONCLUSÃO


A interceptação telefônica quando utilizada dentro dos parâmetros legais e conjugada com os valores constitucionais é uma prova hábil e legitima a instrução processual penal, já que não se macula por vícios.


O uso da prova ilícita no processo penal, ou em outro qualquer, deve sempre ser repudiada, pois não se pode admitir que se busque provar algo através de uma violação constitucional. Mesmo quando se trata de um direito social, não se pode admitir que se utilize de um não jurídico para a construção ou defesa de alguma tese processual.


A exceção a tal regra existe quando se trata do direito de liberdade a ser provado, pois no caso, estar-se-ia diante de uma legítima defesa, o que afasta a ilicitude do tipo, fazendo-se possível ultrapassar a vedação legal.


De fato seria um absurdo manter-se, por exemplo, alguém preso com a ciência inequívoca de sua inocência, ainda que descoberta com base em uma prova obtida ilegalmente ou disposta de maneira ilegítima no processo. Isso é totalmente inaceitável.


O princípio da proporcionalidade, então, não pode ser considerado em outros casos sob pena de se vilipendiar direitos que são igualmente protegidos pela Carta Maior e que em alguns casos alcançam o status de fundamentais. No que concerne à interceptação telefônica, entendendo-se como tal o gênero interceptação (o que abrange a escuta telefônica), há parâmetros legais que norteiam tal tipo de prova, além da previsão constitucional de seu uso.


No entanto, a utilização maciça desse meio de prova, defendida por alguns operadores do direito em virtude da crescente organização do crime, em prol do bem social, não pode prevalecer.


Os direitos individuais do cidadão de não ter sua vida privada exposta, não pode ser violado ou anulado a qualquer custo. Para a correta ponderação entre o direito a ser anulado em relação a outro que irá prevalecer, é necessário que se utilize dos preceitos constitucionais.


Embora a interceptação telefônica tenha previsão constitucional e uma lei que a regulamenta, é prevista como uma exceção, devendo haver necessidade que justifique a violação do direito à intimidade e o preenchimento de requisitos para a sua concessão. Tais requisitos, assim como outros pontos da Lei, demonstram que a mesma necessita de uma reformulação, para melhor atender aos preceitos constitucionais e os norteadores do processo penal, a fim de que a utilização de tal meio de prova torne-se mais justo às partes existentes no processo e legítima, minimizando os danos existentes na violação a um direito fundamental, mesmo que tal seja previsto.


Assim, não se pode esquecer que a violação de um direito constitucional, mesmo que ponderado e legitimamente aplicado, é sempre um prejuízo à ordem legal e natural dos fatos, onde a liberdade de cada cidadão é estruturada democraticamente.


 


Referências

AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas, Interceptações Telefônicas, Ambientais e Gravações Clandestinas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

BASTOS, Márcio Thomas. O Sigilo na Investigação Criminal. Disponível em http://www.mj.gov.br/noticias/2006/fevereiro/RLS140206aulamagma.htm. Acesso em 2 de agosto de 2010.

BRASIL, Lei 9.296 de 24 de julho de 1996. Disponível em https://www.planalto.gov.br. Acesso em 05 setembro de 2010.

CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Interceptação Telefônica. Brasília: Informativo Consulex, 1996.

COSTA JR., Paulo José. O Direito de Estar Só. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

GRECO FILHO, Vicente. Interceptação Telefônica. São Paulo: Saraiva, 1996.

GRINOVER, Ada Pellegrine. As Nulidades no Processo Penal. São Paulo: Malheiros Editores,1994.

GRINOVER, Ada Pellegrine. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.

MENDES, Maria Gilmaise de Oliveira. Direito à Intimidade e Interceptações Telefônicas. Belo Horizonte: Editora Mandamentos, 1999.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. São Paulo: Editora Saraiva, 2003.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Editora Atlas, 2001.

STRECK, Lênio Luiz. As Interceptações Telefônicas e os Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1997.

 

Nota:

[1] Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, como requisito à obtenção do título de bacharel em Direito, sob a orientação da Profa. Dra. Maria de Fátima Prado Gautério


Informações Sobre o Autor

Oscar Marcelo Silveira de Silveira

Acadêmico de Direito da FURG/RS


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