Interrogantes teológicos segundo Santo Tomás de Aquino e G. de Ockham

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Descrição: O presente artigo é um plnateo sobre o pensamento de Santo Tomás de Aquino e Guilherme de Ockham no que tange ao tema do Nominalismo e sua repercussão na Teologia. O tema dos universaias, ou seja, o valor dos conceitos é defendido por Santo Tomás e combatido por Guilherme de Ockham, segundo o qual os conceitos são apenas sinais de caráter linguístico.


Sumário: Introdução. I. São Tomás de Aquino. 1.1. Abordagem histórica. 1.2. Aspectos fundamentais de sua obra 1.2.1. Fé e razão 1.2.2. Teoria do conhecimento 1.2.2.1. Teoria da abstração 1.2.2.2 Matéria comum e matéria signata 1.2.2.3. O problema dos universais. 1.2.2.4. O intelecto agente e o intelecto possível 1.2.3. Metafísica II – Guilherme de Ockham e o Nominalismo. 2.1 Abordagem histórica. 2.2. Aspectos fundamentais de sua obra. 2.2.1. Fé e razão. 2.2.2. Teoria do conhecimento:A doutrina do conhecimento intuitivo. a) Teoria da experiência. b) Doutrina da indução. c) A suposição. 3.1 Metafísica. Conclusão.


Introdução


Uma parte do impacto que a Idade Média teve sobre a construção da Europa vem do fato de ela não se contentar em transmitir passivamente o patrimônio anterior, mas pelo fato de ter tido uma concepção do passado que a impelia a recolher consciente e voluntariamente, mesmo quando fazia escolhas, uma parte importante desse passado, para alimentar o futuro que preparava”. ( Jacques Le Goff, A s raízes medievais da Europa).


Ao contrário daqueles que sustentam que a Idade Média é a Idade das Trevas, nessa fase histórica ocorreram grandes empreendimentos e realizações. Foi na Idade Medieval que tivemos a preservação de valores antigos, um grande desenvolvimento filosófico e teológico, além de grandes realizações científicas e técnicas no Islão (matemática, astronomia, medicina e engenharia); o surgimento das Universidades , entre outros grandes feitos.


Especialmente nessa época a Teologia despertou aguçadamente o espírito de grandes gênios, em que nos limitaremos a expor nesse trabalho Santo Tomás de Aquino e Guilherme. de Ockham.


Apesar das grandes divergências de ordem filosófica, não podemos deixar de reconhecer o grande valor científico da obra de ambos autores, que desenvolveram explicações para os temas de maior relevância filosófica, teológica e inclusive política.


As questões que deram origem a tantas polêmicas encontram suas raízes no âmbito teológico: a idéia de Deus Uno e Trino, a criação, os novíssimos, a noção de pecado, enfim, todos temas que provocaram um árduo trabalho especulativo por parte dos filósofos e teólogos.


Mesmo assim, é importante salientar, ainda que muito brevemente, as contingências históricas em que viveram nossos autores, uma vez que a Idade Medieval foi um período histórico que durou aproximadamente 1000 anos.


 Dessa forma convém distinguir os três grandes períodos nos quais a Idade Média é dividida. Na primeira época, encontramos a supremacia das Sagradas Escrituras e de Santo Agostinho; na segunda época ou segundo período, nos encontramos com o surgimento do aristotelismo de Santo Tomás de Aquino[1] e ainda o ressurgimento do Agostinismo com São Boaventura. Por fim, a terceira época medieval se sobressai o nominalismo de D. Escoto e G. Ockham, marcando o trânsito para Idade Moderna, principalmente com Ockham e seu positivismo teológico.


I . Santo Tomás de Aquino


“Todos os homens tem naturalmente o desejo de saber. O prazer que nos causam as percepções de nossos sentidos são uma prova desta verdade” (Aristóteles, Metafísica, Livro, I, capítulo 1)


1.1. Abordagem histórica [2]


Nascido em 1224/1225, na chamada segunda época medieval surge a figura de Santo Tomás de Aquino[3]. O Aquinate é responsável pela mais perfeita síntese na qual aproveitou ensinamentos de seus antepassados , especialmente Aristóteles e Santo Agostinho.


 Viveu em um ambiente cultural cristão, de espírito acentuadamente agostiniano, de inspiração platônica, época que por sua vez recebeu os embates do naturalismo aristotélico, devido ao encontro do mundo latino com o mundo árabe.


 Para uma lúcida compreensão de seus ensinamentos, convém nos reportarmos aos seguintes pontos: cristandade medieval, universidades, agostinismo e ordem dos frades menores.


a) A cristandade medieval- assentada em tempos de Carlos Magno, época em que se procuravam realizar os velhos ideais da sociedade política hierarquicamente organizada, que “garantiam” a ordem e a paz. Estamos aqui na origem do Sacro Império Romano Germano. Cada palavra tem seu significado. O término “Sacro”, é devido a sua inspiração cristã; “Império”, refere-se a sua organização política hierarquizada, “Romano”, por caracterizar-se em ser herdeiro da Antiga Roma, “Germânico”, pelo sangue derramado dos povos constituídos. Tratava-se de uma articulada estrutura piramidal. Utilizando- se do “pretexto” de manutenção da paz e da ordem, podemos assim identificá-lo: em cima( no ápice) o Imperador, seguido dos reis, marqueses, duques, condes, barões e senhores. Era a época do sistema feudal, onde preponderava o domínio da autoridade humana.


b) Mas justamente no início do século XIII, época determinante na vida de Santo Tomás, esse sistema começou a entrar em decadência. Na nova realidade desaparecem instituições tradicionais. É também a época dos conflitos entre senhores e nobres, entre o Papa e o Imperador. A vida burguesa passa a se impor , as iniciativas particulares e as habilidades pessoais começam a ser valorizadas.


 As escolas monacais originadas no Sacro Império Romano Germano passam a ser catedralícias. Essas, apesar de semelhante as monacais, estavam sob a direção de clérigos diocesanos, e não mais do abade. Na verdade são escolas urbanas que desenvolveram – se no claustro, por falta de local apropriado . Dessas escolas surgiram as universidades.


As novas escolas e universidades[4] , conscientes de seus direitos, agora estão livre do foro civil. Todavia, embora autônomas em seu governo, dependiam do Papa quanto a organização interna e econômica.


A universidade era uma instituição eclesiástica. Os centros eram a faculdade de Teologia, Medicina e Artes ( Letras e Filosofia).


c) Não se pode falar em Idade Média e Santo Tomás, sem fazer referência a singular figura de Santo Agostinho[5] . Sua obra , riquíssima em espiritualidade, é de fundo neoplatônico. Quanto a sua obra , poderíamos simplificá-la em dois términos: “alma” e “Deus”. Para Santo Agostinho, o conhecimento só vale se for para chegar até Deus. Devido a tal entendimento, divide a “ciência”, que trata das coisas cambiantes; da “Sabedoria”, que recai sobre o inteligível e o espiritual.


Para Santo Agostinho, a influência platônica foi fundamental. As coisas nada mais são que o reflexo das coisas divinas. A Filosofia está ordenada a Teologia . A mente, entendida como a parte superior da alma humana, é imagem da SS. Trindade. Ainda que de forma limitada conhece verdades eternas através da iluminação divina, cujo fim é levar o homem a Verdade Universal.


Essas idéias eram dominantes, quando Santo Tomás de Aquino inicia seus estudos universitários, já mescladas, porém, pelo naturalismo aristotélico.


Santo Tomás de Aquino surge justamente para “aperfeiçoar” ou “corrigir” certos ensinamentos, pois o agostinismo platônico e a má interpretação das obras de Aristóteles levou estudiosos a cometerem erros e heresias.


d) Guilherme de Auxerre[6] foi o nome escolhido pelo Papa Gregório IX para presidir uma comissão de estudiosos. Porém, coube a Santo Tomás de Aquino a síntese entre o pensamento grego com o pensamento cristão.


Sua vida de religioso dominicano foi de grande influência na vida e na obra do Santo Doutor.


Santo Domingo de Gusmão, consciente do desaparecimento feudal com todas as suas conseqüências, fundou uma ordem dos frades predicadores. Com a mescla do temporal e do espiritual, tornou-se imprescindível a realização de uma rigorosa mudança nas instituições religiosas. Muitas coisas necessitavam de correção: o relaxamento da vida moral, a intromissão do profano no sagrado, rivalidades, injustiças, etc. Havia muita confusão e as tentativas de reforma terminavam por piorar as relações entre o eclesiástico e o temporal. Coube ao Papa Inocêncio III orientar retamente as tendências da reforma.


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 A reforma buscava resgatar a vida primitiva das instituições adaptando-as aos novos tempos. Não procurava simplesmente corrigir abusos e vícios, mas reviver a mensagem evangélica, com sua mensagem de amor e partilha.


1.2. Aspectos fundamentais de sua obra:


1.2.1 Fé e razão – Duas são as condições fundamentais na obra do Aquinate: 1) a distinção entre Filosofia e Teologia, entre investigação racional, unicamente guiada e sustentada por princípios evidentes; e a ciência que tem por pressuposto a revelação divina 2) princípio que expresse a disparidade entre o objeto da Filosofia e o objeto da Teologia: diversidade entre o ser criado e o ser de Deus [7] .


 Ainda que a Filosofia e a Teologia sejam disciplinas perfeitamente individualizadas, a Teologia se vale dos aportes filosóficos, uma vez que pressupõe um conhecimento natural das verdades que serão estudadas pela ciência teológica.


Santo Tomás adota a analogia de proporcionalidade[8] na determinação das relações entre razão e fé; no definir a função cognoscitiva do homem na abstração; na elaboração das provas da existência de Deus e no esclarecimento dos dogmas fundamentais da fé cristã.


No sistema tomista encontramos uma rigorosa determinação entre razão e revelação. Admitindo que mesmo aquelas verdades que a razão pode alcançar por si mesma, nem todos conseguem tal êxito, e ainda reconhecendo a possibilidade de erros, Santo Tomás justifica a necessidade da revelação sobrenatural. Esse fato, porém, não torna inútil nem anula a razão: “pois a graça não elimina a natureza, mas a aperfeiçoa”.


 Santo Tomás utiliza o princípio aristotélico segundo o qual todo o conhecimento começa pelos sentidos. A razão humana pode elevar-se até Deus, mas somente através das coisas sensíveis.


Através da razão natural só se pode conhecer Deus através das criaturas.


Porém, se por um lado é possível o conhecimento da existência de Deus através da razão natural, o mesmo não se pode dizer em relação a sua essência. A razão não pode demonstrar todos os mistérios da fé , como, por exemplo, a Trindade e a Encarnação. Tais mistérios são artigos de fé. A razão pode dilucidar e defender tais mistérios, não conseguindo, porém, demonstrá-los.


1.2.2. Teoria do conhecimento:


1.2.2.1. Teoria da abstração – O conhecer é um abstrair a forma da matéria individual. Consiste em extrair o universal do particular, a espécie inteligível das espécies singulares. Podemos conhecer as formas ou espécies universais do homem, do cavalo, da pedra, prescindindo dos princípios individuais a que estão unidas. Porém, não podemos pretender que estas existam separadas destes.


1.2.2.2. Matéria comum e matéria signata: A matéria é dúplice, isto é comum e signata ( individual). O que determina a natureza própria de cada indivíduo e ,portanto que o diferencia dos outros, não é a matéria comum , mas a signata.. Por exemplo: matéria comum: como a carne e os ossos; matéria signata: como esta carne e estes ossos.


1.2.2.3. O problema dos universais – O universal é objeto próprio e direto do intelecto.


 Quanto ao valor dos conceitos, segundo o realismo moderado esses tem em si uma realidade objetiva, fora da mente, mas imanente nos objetos singulares de que é essência, forma, princípio ativo ( universal in re) – posição aristotélica da forma e da matéria.


Os universais apresentam objetos com validade ontológica ( ou ôntica), enquanto se fundam em objetos singulares reais. Reconhece, pois, conceitos universais, com fundamento ôntico.


Esta consideração separa a forma não da matéria em geral, mas da matéria signata.


 Opondo-se a tese de Santo Agostinho de que possuímos acesso as idéias universais de Deus através da “iluminação”, Tomás de Aquino comentou e desenvolveu a teoria aristotélica da abstração feita pelo intelecto ativo.


O universal não subsiste fora das coisas individuais, mas somente nelas é real. De modo que ele é IN RE ( como forma das coisas) e POST REM ( no intelecto), ANTE REM( só na mente divina), como princípio ou modelo ( idéia ) das coisas criadas.


1.2.2.4. Intelecto agente e intelecto possível – Santo Tomás , contrariando Averroes, diz que cada homem deve possuir um intelecto agente e um intelecto possível, que constituem a alma individual, a forma de seu corpo. Essa noção é necessária, pois só por ela se justifica o dogma cristão da imortalidade da alma de cada indivíduo. Além disso só a individualidade da alma faz conceber o homem como dono de seus próprios atos, isto é, o único responsável pelo pecado. Sem essa responsabilidade individual, não haveria a moral e muito menos a religião.


Existe uma diferença radical entre o intelecto divino e o intelecto humano, entre a essência divina e a essência humana. Com um só ato Deus capta ( e querendo, cria) a essência completa da coisa, ou antes, de todas as coisas na sua totalidade e plenitude.


O nosso intelecto primeiro apreende a essência, e depois passa a entender a propriedade, os acidentes e todas as disposições ou comportamentos que são próprios da coisa.


O conhecimento humano é, portanto um conhecimento racional e a ciência humana é discursiva.


Deus entende tudo e simultaneamente em Si próprio, mediante um ato simples e perfeito de inteligência.


1.2.3. Metafísica– Quanto a metafísica tomista entendemos com Cornélio Fabro , portador de uma atividade filosófica gigantesca que “el verdadero punto de partida del filosofar debe reconocerse en la presencia del ser como acto , el cual está más acá de toda dicotomia, de todo análisis o síntesis , de toda distinción entre inmediato y mediato, entre esencia y existencia, entre sujeto y objeto, y así sucesivamente. El desarrollo del discurso metafísico se cumple como retorno al inicio , como uma reconvensión al punto de partida ( del ser al ser), siendo el movimiento del espíritu ( como apertura al ser) uma ´epidosis eis auto`, según la feliz expresión de Aristóteles, um incremento en y por si mismo, donde el ´escaton´ también es ´proton ` y viceversa”.


Es solamente reconociendo la absoluta originariedad y amnioresencialiad del ser, y en consecuencia la derivación de toda distinción del ser mismo, que el proceso de adquisición metafísica puede presentarse, en debida forma, como un movimiento en cierto modo circular: siendo originário el esse como acto ( continente inagotable, acto de presencia del ente), y no como contenido entre contenidos o como objeto determinado, configurándose ( diversamente según las escuelas históricas de metafísica) como esencia o existência (esse essenctiae o esse existentiae). En la Edad Moderna, fue mérito de Hegelhaber tener demostrado el carácter fictício en el plano del ser, de la oposición de tipo inmediato-mediato ( El ser primero y por encima de toda alternativa)[9].


En la concepción de Santo Tomás poniéndose el ens a modo de ´sínolon de esencia real como potencia y de esse como acto de la potencia misma, na esencia realizada permanece aún como potencia y por lo tanto (…) potencia cum actu de modo que el esse es acto puro, el acto que es siempre y solamente acto, que funda la actualidad de la criatura como esse participado y define la esencia misma de Dios como esse per essentiam[10] . Conseqüentemente, a distinção radical do esse é aquela entre essentia e esse como potencia e ato.


O ponto central é o conceito aristotélico de ´energeia`. Na concepção tomista “ El esse tanto infinito como finito, siempre es acto y solamente acto; el Infinito es el esse por esencia, lo finito es y tiene el esse por participación”. Para Fabro, “ El esse tomístico es al mismo tiempo el efecto y el vinculo propio de la creación como acto divino de produción a partir de la nada[11]”.


Santo Tomás ao interpretar Aristóteles metafisicamente acolhe o ente em seu fundamento e em seu conjunto existencial porque o apreende, com a análise do devenir e com a expansão da vida do espírito nos dois momentos de potência e de ato.


Em Santo Tomás o ente se apresenta de forma dialética, resultante de ser e de essência, de potência e de ato, e não de ser respeito do ser. Cornélio Fabro explica: Para Santo Tomás (a diferencia de toda la tradición patrística y escolástica, antes y después de él, la esencia se denomina potencia y en potencia respecto del esse participatum que es el acto primero metafísico, derivado de Dios, que es el esse per essentiam. Así la criatura, o sea, lo finito, dado que se funda en la esencia que por sí misma es non-ens respecto del esse, tiene em si el nihil, está fundada en el nihil y de por si tiende al nihil, pero no es um nihil[12]”.


“El infinito tomista es Esse puro, Sein selbst, actualidad perfecta. Lo finito no es mero fenômeno y momento del finito, sino ente que participa al Esse, donde la distinción radical de lo finito a partir del Infinito es la dependência total misma según aquélla que es la pertenencia del ser como acto primero metafísico[13]”.


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Cornélio Fabro entende que a melhor fórmula sobre participação é a apresentada justamente por Santo Tomás na Suma Teológica. Santo Tomás recorda que esta idéia já se encontrava em Aristóteles, afirmando que “aquele que é ente em grau máximo é causa do ser de todo ente”. E assim, Santo Tomás citando o Estagirita, apresenta a quarta via explicando que a partir dos graus de perfeição do ser a um máximo de ser, ou seja , o Esse Separatum ou por essência, é causa de todos os entes, e portanto, criativa[14]”.


Daí temos significados análogos. A relação analógica estende-se a todos os predicados que se atribuem ao mesmo tempo a Deus e as criaturas. Por exemplo, o termo sapiente significa uma perfeição distinta da essência e da existência do homem, enquanto referido a Deus significa uma perfeição que é idêntica a sua essência e ao seu ser. Por isso, referido ao homem, faz compreender aquilo que quer significar; referido a Deus, deixa fora de si a coisa significada, a qual transcende os limites do entendimento humano.


A separação entre o ser criado e o ser eterno de Deus, permite que Santo Tomás salve a absoluta TRANSCENDÊNCIA de Deus em relação ao mundo


A distinção metodológica feita por Aristóteles entre o que é primário” por si ou por natureza”, e o “primário para nós”, sempre foi seguida e respeitada por Santo Tomás. Se Deus é o primário na ordem do ser, não o é na ordem do conhecimento humano, o qual começa pelos sentidos. É ,portanto, necessária uma demonstração da existência de Deus, e deve partir daquilo que é evidente para nós, isto é, dos efeitos sensíveis.


II -Guilherme de Ockham


“Não se deve recorrer à pluralidade sem necessidade( Ockham, Quodlibrya,L)


2.1 Abordagem histórica – Foi um inglês pertencente a uma família humilde de comerciantes. Em 1310, com 20 anos de idade, ingressa na ordem dos franciscanos, como “frade menor” ou de “observância”. Em seu país de origem, os votos de pobreza foram tratados com muita rigidez, chegando as raízes da intransigência. Esse fato foi determinante para as polêmicas surgidas mais tarde com a própria Igreja.


G. de Ockham, em 1311, iniciou seus estudos em Oxford, onde já existia uma rivalidade entre franciscanos e dominicanos.


Dono de idéias radicais de ordem tanto filosófica como teológica, ockham retoma o nominalismo de “Roscelino de Compiegne”, levando as suas idéias as últimas conseqüências.


Levadas a exame ao Tribunal Eclesiástico, as teses de Ockham – inclusive comentários as Sentenças de Pedro Abelardo – foram consideradas hereges.


Surge uma disputa teológica entre o Papado e a ordem dos franciscanos, que por sua vez acusou o Papa João XXII de prevaricação e simonia, entre outros delitos graves.


Com a morte de Ockham, suas obras, conhecidas nas maiores universidades, ficaram ao cuidado da ordem, divulgando seus discípulos o nominalismo para todas as universidades da Europa.


Assim foi difundido o nominalismo, que como veremos, se caracteriza pela negação de um conceito universal nas entidades reais. Os conceitos universais indicariam apenas um conjunto indeterminado de seus indivíduos.


 O Nominalismo nega realidade aos universais com fundamento em que o uso de uma designação geral não implica a existência de uma coisa real por ela nomeada. Admite , no entanto, que deve haver alguma semelhança entre as coisas particulares às quais a denominação geral se aplica. Para os nominalistas “beleza” não tem existência própria e é apenas um termo geral para designar esse atributo reconhecível em alguns objetos que, por o possuírem, são ditos objetos belos.


Guilherme de Ockham elaborou uma doutrina do tipo nominalista, ou seja, uma tese ontológica, onde só existem as coisas individuais. O termo universal não remete a uma realidade que tenha uma existência própria, mas só as realidades existentes, que são os seres individuais. Os termos ou nomes não são mais que signos da linguagem; os nomes próprios remetem distintamente a uma realidade individual, os termos universais só o fazem de forma confusa.


Ockham não foi um rebelde, mas um filósofo. Se bem seu pensamento tenha aberto escola para correntes nem um pouco cristãs, Ockham procurou defender a onipotência divina, combatendo fortemente o racionalismo greco-árabe, que entendia corromper a existência de um Deus único, a imortalidade da alma e a redenção.


O pensamento de Guilherme de Ockam influenciou Lutero e está na origem da gênesis do positivismo e relativismo posteriores [15].


2.2.- Aspectos fundamentais de sua obra


2.2.1 Fé e razão – Impossibilidade de qualquer significado ou acordo entre razão e fé. Problema fundamental do qual a escolástica tinha saído.O único conhecimento possível é a experiência, da qual deriva o próprio conhecimento abstrativo, isto é, a natureza[16]. A natureza e o mundo podem ser conhecidos pelas simples forças da razão. A Teologia caracteriza-se por ser uma ciência puramente prática, capaz de indicar normas de ação, mas incapaz de alcançar verdades de ordem especulativas. O fundamento de todo conhecimento consiste na experiência. Por conseguinte, o empirismo é o fundamento de sua filosofia.


Segundo Ockham a única atitude que domina sua atividade consiste na aspiração à liberdade de investigação filosófica e da vida religiosa. Porém, condiciona a liberdade filosófica ao empirismo, a própria realidade que o homem vive, obtida pela experiência, negando como guia a verdade obtida mediante a relação.


2.2.2 Teoria do conhecimento: O conhecimento abstrativo não é possível, porque o universal não é real, não é algo que esteja presente. Os conceitos, nós os formamos espontaneamente no entendimento, mas não através do processo abstrativo descrito por Aristóteles e por Santo Tomás. Os conceitos não podem representar umas essências que não tem presença nem existência real: são apenas sinais de caráter lingüístico que se formam a partir da experiência, por generalização. Existem dois tipos de sinais: os naturais e os convencionais. Chamam-se sinais naturais aqueles que são concebidos na mente, podendo ser chamados palavras mentais . Os sinais convencionais podem ser classificados em duas ordens: proferidos e escritos, ou seja, pertencentes a linguagem falada e a linguagem escrita. A função dos sinais é fazer às vezes das coisas que significam no discurso, substituir-las. Em nenhum momento representam essências inexistentes.


 A rejeição da explicação tomista do conhecimento ( por via da abstração, seguindo a Aristóteles) vai associada a modificação dos pressupostos lógicos que se podem aceitar no discurso filosófico, e a elaboração de algumas propostas metodológicas, entre as que se costuma destacar o princípio de economia, também conhecido como a “navalha de Ockham” que supõe a rejeição do supérfluo, do que não aparece de modo imediato à intuição sensível, e a exigência de simplicidade na explicação dos sucessos reais ,e cuja formulação tradicional se apresenta do modo seguinte: “ não há que multiplicar os entes sem necessidade ( ente non sunt multiplicanda praeter necessitatem).


Podemos destacar três pontos fundamentais na obra de Ockham : a) teoria da experiência– a existência de uma coisa qualquer, não se pode responder se não se possui o conhecimento intuitivo da própria coisa, isto é, se a coisa não é percebida por algum sentido particular.”Não se pode conhecer com evidência que a brancura existe, ou pode existir, se não se tiver visto qualquer objeto branco; b) doutrina da indução – a substância só é conhecida através dos seus acidentes. Não conhecemos o fogo em si mesmo, mas sim o calor que é acidente do fogo. c) a suposição: suposição é apresentada por Guilherme de Ockham como a dimensão semântica dos termos nas proposições, ou seja, atribuição dos termos a objetos diferentes desses mesmos termos. Esses podem ser coisas , pessoas ou outros termos, mas jamais substâncias universais e metafísicas como a “brancura” a “humanidade”, etc. A doutrina da suposição de Ockham alterou o significado predicativo do verbo ser. Segundo o pensamento ockhamista o verbo ser significa somente que o sujeito e o predicado estão em vez do próprio sujeito existente [17]” .


2.2.3 Metafísica– A metafísica de Ockham traduz-se em uma crítica da metafísica tradicional. Rejeita a distinção entre essência e existência, de que Santo Tomás se servira para interpretar a metafísica aristotélica e a adaptar às exigências da explicação dogmática. A existência de uma coisa qualquer só é possível afirmar com o conhecimento intuitivo da própria coisa. Dessa forma: “ Não se pode conhecer com evidência que a brancura existe, ou pode existir, se não se tiver visto qualquer objeto branco; e embora eu possa acreditar naqueles que contam que o leão e o leopardo existem, eu , contudo, não conheço tais com evidência se não tiver visto” (Summa log., III, 2, c. 25). O ser tem, portanto, um significado unívoco que é o intuitivo e empírico; e não se pode predicar de Deus a não ser no sentido em que se predica das coisas naturais (Quodl. IV, q. 12).


O empirismo vale para Ockham como motivo de crítica dos conceitos metafísicos tradicionais. A substância só é conhecida através dos seus acidentes (Ib, III, q. 6). Não conhecemos o fogo em si mesmo, mas sim o calor que é acidente do fogo; por isso não temos da substância senão conceitos conotativos e negativos como “ o ser que subsiste por si”, “o ser que não existe em outrem”, que é “sujeito dos acidentes”, etc. Portanto, não é senão o substrato desconhecido das qualidades que a experiência revela ( In Sent. I, d. 3, q.2).


Tampouco possui validade empírica o outro conceito metafísico fundamental, a causa. Do conhecimento de um fenômeno não se pode chegar nunca ao conhecimento de um outro fenômeno que seja a causa ou efeito do primeiro; já que nada se tem conhecimento senão através de um ato de experiência, e causa e efeito são duas coisas diferentes ( Ib., prol., q. 9 F).


Os conceitos fundamentais aristotélicos, os de matéria e forma, sofrem uma transformação radical. Ockham insiste na individualidade dos princípios metafísicos da realidade. Tantos são os princípios, diz ele, quanto as coisas geradas. Nega a universalidade dos princípios porque, segundo ele, nenhum universal é real e nenhum universal pode ser princípio de uma realidade individual. Devem então ser individuais, “Numericamente são diferentes nos vários nos vários indivíduos e que a forma e a matéria de uma coisa são diferentes da forma e da matéria de uma outra coisa ( Summulae phys.,I, 14). Quanto á matéria, ela possui uma sua atualidade própria, independente da forma substancial, da qual é suscetível em potência: nesse ponto Ockham está de acordo com a tradição dos franciscanos. Porém, agrega que a atualidade da matéria como tal consiste na extensão. É impossível que a matéria exista sem extensão; não há matéria que não tenha uma parte distante de outra parte, pelo que, embora as partes da matéria possam unir-se entre si como, por exemplo, se unem as da água ou do ar, nunca podem, contudo, existir no mesmo lugar. Ora a distância recíproca das partes da matéria é a extensão. (IB. I, 19).


 Mas a separação de Ockham em relação a metafísica aristotélica é assinada de modo ainda mais evidente pela sua crítica da causa final.


A causalidade do fim consiste em ser amado ou desejado pelo agente; mas que o fim seja amado e desejado não significa que ele atue, seja de que forma for, efetivamente: a causalidade do fim , é, pois, metafórica, não real (In Sent., II, q.3, 3 G).


 Segundo Ockam, a demonstração da causa final é impossível, mesmo empiricamente, “pois os agentes naturais atuam de um modo uniforme e necessário, e por excluem todo elemento contingente ou mutável, como seriam precisamente o amor ou o desejo do fim (Quodl., IV, q. 2).


Como decorrência de seu empirismo, Ockham nega a possibilidade de provar racionalmente a existência de Deus. Deus seria uma experiência sensorial e acreditar nele dependeria da fé, e da fé somente. Separam-se a razão e a fé.


 Como franciscano, Ockham defendia a tese de que Jesus em vida não havia tido posses e que a Igreja e seus seguidores deveriam despojar-se de todos os bens materiais e viver na pobreza. Dizia Ockham que o bom franciscano só deveria possuir a túnica que vestia, tudo o demais consistiria uma extravagância. Esse pensamento franciscano Ockham aplicou a filosofia .Em suas obras escreveu: “Pluralitas non est ponenda sine neccesitate” ( Entidades não devem ser multiplicadas além do necessário), ou seja, é inútil fazer com mais o que pode ser feito com menos. Futuros estudiosos aplicaram este pensamento ao método científico e uma versão modificada desta frase se tornou conhecida por “Navalha de Ockham”.


Conclusão


A filosofia de Guilherme de Ockam antecipa o empirismo inglês de Locke e Hume A crítica que o empirismo inglês de Locke e Hume fez dos conceitos de substância e causa encontra aqui um precedente tanto na a letra como espírito. Nosso protagonista influenciou muito na filosofia e nas ciências que dela surgiram.


Sua concepção empirista repercute em um caráter reducionista do conhecimento.


Considera o conhecimento sensível superior ao intelectual, uma vez que o primeiro é intuitivo e o segundo abstrato. Para Ockham só o indivíduo é objeto de conhecimento.. Rejeita a species, a natura communis, e em geral todo o universal. Entende o universal como simples entidade lógica, sem nenhuma realidade ontológica.


Seu individualismo repercute na teologia, em sua doutrina sobre Deus. Entendendo que filosoficamente não se pode conhecer nada sobre Deus e considerando seu voluntarismo escotista, defende que a vontade de Deus é absolutamente livre inclusive para criar uma moral oposta a que conhecemos. Admite também que Deus poderia ter uma outra ordem sobrenatural. Por exemplo, se Deus quisesse poderia ter-se feito “asno” e não homem.


Descartando a possibilidade de provar filosoficamente a existência de Deus e seus atributos, conduz a fé católica a um fideísmo.


Em sentido oposto, Santo Tomás de Aquino defende que o conhecimento é obtido mediante um processo chamado abstração . Sustenta que o conhecimento intelectual depende do conhecimento sensível, sendo capaz de o transcender.


A teologia tomista depende da doutrina fundamental de potência e ato.


Responde as problemáticas suscitadas sobre a existência de Deus, seus atributos, etc. Admite , porém, que alguns temas como a encarnação e a Santíssima Trindade, podem ser explicadas, mas não sustentada por via de demonstração científica.


Concluindo, entendemos que enquanto Ockam limitou o conhecimento racional de Deus , causando um retrocesso na Teologia, Tomás de Aquino explicou racionalmente muitos temas, fazendo com que a Teologia possa ser vista como uma ciência.


Mas visto que o principal papel da filosofia na Idade Média era o de forneceu uma base lógica para a teologia, Occam também prestou um igual serviço à Teologia, que livre da obrigação de tentar justificar-se racionalmente, pode alçar vôos mais extravagantes. Em nome da fé tudo passaria a ser possível e o céu ( literalmente) seria o limite.


 


Bibliografia

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__________________________, O ente e a essência, Ed. Vozes, Petrópolis, 2005.

 

Notas:

[1] Ver Miguel SANCHES IZQUIERDO Y Javier HERVADA, Compendio de Derecho Natural, Ed. EUNSA, Pamplona. 1980; vol I, págs. 171 e ss.

[2] Cfr. G, E. PONFERRADA, Introducción al Tomismo, Club de Lectores, Bs. As, 1985.

[3] Recomendamos ver E. GILSON, El tomismo, Ed. Esp. EUNSA, Navarra; F. COMPLESTON, Aquinas, Penguin Books, Pelikan Books; tradução espanhola: La filosofia de Santo Tomás de Aquino, Fondo de Cultura Econômica, México; G.E. PONFERRADA, Introducción ao tomismo, EUDEBA, Bs. As.

[4] Nunca é demais lembrar que o surgimento das Universidades está diretamente ligada a Igreja. Por volta do ano 1200, muitos ambientes de formação cristã transformaram – se em universidades. Primeiramente temos a Universidade de Bolônia , na Itália. Posteriormente surge a Universidade de Paris e depois a de Oxford.

[5]Cfr Le Goff, J. em sua obra “As raízes medievais da Europa”-págs. 31 e 32 “ Depois de São Paulo, Santo Agostinho é o personagem mais importante para a instalação e do desenvolvimento do cristianismo. É o grande professor da Idade Média.Foi dada de maneira redutora, a seguinte definição do agostinismo: “A doutrina da predestinação incondicional e da vontade salvífica particular tal como Santo Agostinho a desenvolveu no último período de sua vida”. O pensamento de Santo Agostinho é muito mais rico na sua elaboração que a predestinação. Seria mais justo, embora de maneira demasiado simplificada, defini-la como a busca de um equilíbrio entre o livre arbítrio e a graça . Não há teólogo medieval que não tenha sido em certa medida agostiniano …Sobre Santo Agostinho, ver as histórias da Filosofia de THONNARD, Fraile, etc.

[6] Guilherme de Auxerre é um dos grandes mestres da Universidade de Paris. Filósofo e Mestre em Teologia , arquidiácono em Beauvais, foi inicialmente nomeado pelo Papa Gregório IX para a comissão de revisão das obras de Aristóteles, morrendo pouco tempo depois. Guilherme de Auxerre, porém, continuou sendo um agostiniano.Indicamos sua obra Suma de Ouro (Summa Áurea), que consiste em um comentário as Sentenças de Pedro Lombardo.

[7] Suma Teológica, I, q. 13, a.5

[8] Suma Teológica, I, q. 4, a 3.

[9] C. Fabro, Dall´essere allésistente, Brescia 1957, pp.401-420

[10] C. Fabro, Dalléssere allésistente, cit. P.420 s., e, anche PP.392 e 418 ss.

[11] Dalléssere allésistente, cit. p. 416.

[12] Dalléssere allésistente, cit., p.41.

[13] Dalléssere allésistente, cit. p.51.

[14] Metafísica, IX, 9.

[15] Cfr. P.J. MARÉCHAL, Précis d`Histoire de La Philosophie Moderne, Bruxelles– Paris, 1951, pág. 17 “in fine”, pág. 18.

[16] Sobre o conhecimento intuitivo e abstrato, G. OCCAM, Princípios de Teologia, vários edições.

[17] Ensina Ockham: “Proposições como ´ Sócrates é homem` ou ´ Sócrates é animal` não significam que Sócrates tem a humanidade ou animalidade nem significam que a humanidade e a animalidade estão em Sócrates, nem que o homem ou o animal são uma parte da substância ou da essência de Sócrates ou uma parte do conceito substancial de Sócrates. Significam sim que Sócrates é verdadeiramente um homem e verdadeiramente um animal, não no sentido de que Sócrates seja este predicado “homem” ou este predicado “animal” mas no sentido de que existe algo para o qual estes dois predicados estão, como quando acontece estão para Sócrates- Ockham, g. II, 2; Quodl,III,5


Informações Sobre o Autor

Maria de Fátima Prado Gautério

Professora Adjunta na Universidade Federal do Rio Grande. Licenciada em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Católica Argentina “Santa María de los Buenos Aires” – Facultad de Derecho Canonico “Santo Toribio de Mogorvejo”. Doutora em Ciências Jurídicas pela mesma Universidade.


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