Irreformabilidade das decisões administrativas fiscais favoráveis ao contribuinte


Resumo: Muito se discute quanto à possibilidade da fazenda pública recorrer ao judiciário para reformar decisões administrativas fiscais favoráveis ao contribuinte. Nesse sentido, são apresentados alguns aspectos que corroboram nessa impossibilidade.


Palavras-chave: Coisa julgada, Irreformabilidade, Decisão favorável ao contribuinte.


1. O PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL:


Inicialmente, com uma simples e rápida leitura do Código Tributário Nacional, devemos ressaltar, com especial relevo, que será extinto o crédito tributário com a decisão administrativa irreformável, ou seja, aquela que não mais possa ser objeto de ação anulatória, vide Art. 156, IX. Nessa passo, questiona-se a existência da coisa julgada nos processos administrativos fiscais.


Para o Ilustre Tributarista Eduardo Sabbag, o artigo citado emana o seguinte entendimento:


“Esta causa extintiva se refere às decisões administrativas favoráveis ao contribuinte, uma vez que, se contrárias, não terão o condão de extinguir o crédito tributário, haja vista restar ao sujeito passivo a possibilidade de reforma na via judicial, na tentativa de impor sua argumentação desconstitutiva da relação jurídico-tributária”.[1]


Na maioria dos casos, o contribuinte quando autuado, recorre à via administrativa para que suspenda a exigibilidade do crédito que representa o tributo fruto da autuação. Dessa forma, de acordo com a legislação federal, primeiramente, o contribuinte poderá apresentar defesa preliminar à autuação. Posteriormente, poderá apresentar recurso administrativo. Após o julgamento do recurso do contribuinte, sendo o mesmo rejeitado, poderá o contribuinte se valer da via judicial, conforme lhe assegura a Constituição Federal no Art. 5º, XXXV.


2. AS DECISÕES ADMINISTRATIVAS DESFAVORÁVEIS À FAZENDA PÚBLICA:


O que muito se discute é o fato de uma decisão administrativa desfavorável à fazenda pública, que tenha tomado força de irreformável, fundamentar ação judicial com fins de desconstituí-la. Permitir que a fazenda pública recorra à via judicial com tal finalidade é desacreditar na própria efetividade de suas decisões, o que coaduna no menosprezo dos Princípios da Segurança Jurídica e da boa fé, conforme assevera MELLO (1998)[2].


Para TORRES (2002)[3] não existe previsão legal no que tange a uma possível ação da fazenda pública recorrer ao judiciário para desconstituir sua própria decisão. Já para MARTINS (2002)[4], garantir à fazenda pública o direito de se “autocontestar” por suposta lesão que teria quando reconheceu que não sofria nenhum dano, é garantir extrema insegurança jurídica ao contribuinte.


Adiante, o professor Eduardo Sabbag menciona que a fazenda pública não poderá se valer de ação anulatória pelos seguintes motivos:


“A máquina judiciária pode ser movimentada pelo contribuinte que se mostre irresignado diante dos atos praticados pelo Fisco, por meio de um processo judicial (conhecimento), ainda que já tenha ocorrido processo administrativo. Por sua vez, o Fisco pode buscar a tutela judicial quando detentor de crédito, utilizando-se do processo de execução ou do processo cautelar, visando assegurar o pagamento posterior”.[5]


Corroborando com o posicionamento do professor Eduardo Sabbag, Dejalma Campos afirma que se o Fisco vencido na esfera administrativa não poderá contestar na via judicial o crédito fruto da contenda, podendo somente exigi-lo, caso vencedor na esfera administrativa, conforme podemos ver:


“Mesmo vencido na fase administrativa o contencioso fiscal, o sujeito passivo da obrigação tributária (contribuinte ou responsável) pode impetrar judicialmente ações para garantia de seus direitos. Já o sujeito ativo dessa mesma obrigação (o Estado), tendo sido vencido na fase administrativa, não mais pode pleitear o crédito fruto da contenda. Se vencedor, vai utilizar-se do Judiciário para recebê-lo”.[6]


É válido ressaltar que para Eduardo Sabbag, “configuram ações exclusivas do Fisco: a execução fiscal e a cautelar fiscal. Em contraponto, configuram ações exclusivas do contribuinte: a ação anulatória de lançamento tributário (ou de débito fiscal), a ação declaratória de inexistência de relação jurídico tributária, a ação de consignação em pagamento, a ação de repetição de indébito e o mandado de segurança”.[7]


Imaginando a remota possibilidade do Fisco contestar judicialmente sua própria decisão, urge ressaltar o problema inicial à propositura de sua ação, indicar quem seria o réu. Compartilho do entendimento do professor Hugo de Brito Machado, vejamos:


“É sabido que o réu é aquele que resiste à pretensão do autor, fazendo nascer a lide. A pretensão, no caso, é a anulação da decisão administrativa. Assim, se a ação proposta contra o contribuinte favorecido com a decisão administrativa, poderá este alegar ilegitimidade passiva, porque não está resistindo à pretensão da Fazenda – vale dizer, nada está fazendo para impedir a anulação daquela decisão. E o Conselho de Contribuintes também não poderá ser o réu, porque sequer tem personalidade jurídica”.[8]


Outrossim, devemos ressaltar que o inciso XXXV, do art. 5°, da Constituição Federal não respalda a administração pública, tendo em vista que este se encontra inserido no Título que trata dos direitos e das garantias fundamentais individuais, ou seja, não abrangeria o Fisco.


3. CONCLUSÃO:


Desse modo, com a leitura dos dispositivos citados e dos conceitos lançados, conclui-se que é inadmissível o Fisco recorrer à via judiciária com o objetivo de anular decisão proferida por ele mesmo e que seja favorável ao contribuinte. Admitir essa possibilidade seria sufragar o perene da segurança jurídica e da boa fé, pois é um tamanho contra-senso a Administração contestar uma decisão que ela mesma proferiu, coadunando em verdadeira falta de interesse de agir, haja vista que ninguém poderá recorrer ao judiciário para impugnar ato próprio. Nesse sentido, salienta-se que a administração pública já possui meio próprio de julgar definitivamente suas decisões. Permitir-lhe revisar judicialmente suas decisões definitivas seria lhe outorgar privilégios demasiados, podendo até mesmo contrariar o princípio da isonomia.


 


Referências bibliográficas:


BRASIL. Código Tributário Nacional. In: Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2009. 1904p.


______. Constituição Federal de 1988. Disponível em <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. Acesso em nov.2010.


MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.


MARTINS, Ives Gandra. Processo administrativo tributário. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.


MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.


SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.


TORRES, Ricardo Lobo. Comentários ao código tributário nacional. (Coord.) Ives Gandra da Silva Martins, 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.


 


Notas:






[1] SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 858.




[2] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 427.




[3] TORRES, Ricardo Lobo. Comentários ao código tributário nacional. (Coord.) Ives Gandra da Silva Martins, 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 338. 




[4] MARTINS, Ives Gandra. Processo administrativo tributário. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 78. 




[5] SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1069.




[6] CAMPOS, Dejalma de. Direito processual tributário. 8.ed. São Paulo: Atlas, 2004. p.72.




[7] SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1070.




[8] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p . 474.


 




Informações Sobre o Autor

Rodolpho Pandolfi Damico

Advogado e Pós-graduando em Direito Tributário


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