ISS e concessionárias de energia elétrica

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Ao participar, no dia 10-5-2009, do 2º Forum Nacional de Tributação em Energia, promovido pela International Quality & Productivity Center  – IQPC – tomei conhecimento, com surpresa, de que vários municípios vêm cobrando ISS das concessionárias de energia elétrica a título de locação de postes, cujo uso é compartilhado pelas demais concessionárias de serviços públicos (comunicação, TV a cabo etc).


O ISS é imposto municipal, porém, de competência impositiva restrita. Além das limitações genéricas do poder de tributar, o município sofre quatro restrições específicas na instituição desse imposto.


Vejamos as duas primeiras que têm pertinência com o tema abordado.


Dispõe o art. 156, III da CF que compete ao município instituir o imposto sobre serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.


A primeira limitação diz respeito à exclusão dos serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, além das operações relativas à energia elétrica, por força do § 3º do art. 155, que imunizou essas operações em relação a impostos, ressalvando apenas a incidência do ICMS.


A segunda limitação diz respeito à prévia definição em lei complementar dos serviços tributáveis. Serviços de qualquer natureza não quer dizer qualquer serviço, mas, só aqueles incluídos na lista de serviços. O legislador complementar poderá incluir na lista, serviços de qualquer natureza, isto é, de qualquer espécie. A confusão conceitual entre qualquer serviço e serviço de qualquer natureza levou à formação de duas correntes doutrinárias antagônicas: a da  taxatividade da lista e a da exemplificatividade da lista.


O STF diminuiu a controvérsia fixando a tese da taxatividade, porém, comportando naqueles itens de serviços acompanhados das expressões “análogos”, “semelhantes” e “similares” uma interpretação ampla e analógica. Isto não quer dizer que a lei tributária material possa simplesmente repetir aquelas expressões constantes da lei de regência nacional do ISS, deixando de definir, nos casos permitidos, quais são os serviços “semelhantes’, “análogos” ou “similares”. É que a lista de serviços integra o aspecto nuclear do fato gerador do ISS. O princípio da legalidade tributária e o da tipicidade cerrada impõe a definição desses serviços “análogos”, “semelhantes” ou “similares”.


Por fim, insta definir o que é serviço. Serviço significa esforço humano aplicado à produção; um esforço humano capaz de gerar utilidades ou comodidades (consulta médica, transporte, espetáculo). Em resumo, o prestador de serviço há de cumprir uma obrigação de fazer, gerando circulação de bem imaterial, em contraposição à circulação de bem material, que corresponde à obrigação de dar.


Com as noções retro já é possível concluir pela intributabilidade da locação de postes. A locação de bem móvel não configura prestação de serviço, pois não há qualquer esforço humano a ser dispendido nesse negócio jurídico. Por isso, o STF já declarou a inconstitucionalidade do item 79 da lista anexa à LC nº 56/87 (RE 116.121-03), razão pela qual foi vetado o item 3.01 da lista anexa à LC nº 116/03.


É verdade que há argumentos das Prefeituras no sentido de que não se trata propriamente de locação de bem móvel, mas, de uso compartilhado do poste com outras concessionárias de serviço público, mediante pagamento de um preço. O preço cobrado pela concessionária de energia elétrica por esse uso compartilhado corresponderia à prestação do serviço de manutenção de rede.


Existem três razões para impedir a referida tributação: (a) o serviço de manutenção de rede não consta da lista de serviços, nem a locação de bem móvel; (b) aludido serviço configura atividade-meio para atingir a atividade-fim, que é o fornecimento de energia elétrica, sujeito à imposição tributária estadual, fato que impede  o legislador complementar de incluir aquela atividade-meio na lista de serviços; (c) a imunidade de impostos, com a ressalva do ICMS, impede a tributação da operação relativa à energia elétrica por qualquer outro imposto. E se o próprio fornecimento de energia elétrica é imune do ISS, com muito mais razão é alcançado pela mesma imunidade  a atividade-meio para o fornecimento dessa energia elétrica.


O fisco municipal é tão voraz quanto o fisco estadual que vem tributando isoladamente todas as atividades-meios para consecução da atividade-fim consistente na prestação do serviço de comunicação. A exemplo do estado-membro que confunde comunicação, com a prestação do serviço de comunicação, o fisco municipal vem confundindo serviço, com a prestação do serviço de qualquer natureza incluído na lista.



Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


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