Juizados Especiais Criminais e a necessidade de exame de insanidade mental do acusado

logo Âmbito Jurídico

Resumo: O presente artigo busca expor a problemática que ocorre no cotidiano forense dos Juizados Especiais Criminais, quando há a necessidade de realização de perícia/exame de insanidade mental em um acusado/noticiado, no intuito de fornecer elementos para a formação de opinião dos operadores do direito submetidos a casos práticos envolvendo a matéria.  Os Juizados Criminais, regulamentados pela Lei Federal nº. 9.099/95, são regidos pelos princípios da celeridade processual e da simplicidade, que não se coadunam com o procedimento necessário para a realização do incidente de insanidade mental.  Serão abordados os princípios que regem os Juizados Criminais, as hipóteses de complexidade que determinam o deslocamento de sua competência para a Justiça Criminal Comum, bem como o procedimento envolvendo o incidente de exame de insanidade mental. Ultrapassados os objetivos preliminares, serão analisados os principais posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca da competência dos Juizados Criminais quando sobrevem a necessidade de realização do referido incidente.


Palavras-chave: Juizados Especiais Criminais. Incidente de Exame de Insanidade Mental. Complexidade. Incompetência.


Abstract: This paper discusses the problem that occurs in everyday forensic of Special Criminal Courts on the need for occupational skills / examination of mental illness in an accused / reported, in order to provide evidence for the formation of views from the right subject to case studies involving the matter.
 The Criminal Courts, regulated by Law no. 9099/95, are governed by the principles of procedural speed and simplicity, which are inconsistent with the procedure necessary to achieve the incident of insanity. It will examine the principles governing the Criminal Courts, the chances of complexity that determine the shift of responsibility of JeCrim for Criminal Justice Policy, and the procedure involving the examination of insanity. Exceeded the primary objectives, we will analyze the major doctrinal and jurisprudential positions about the competence of the Courts Criminal supervenes when the need for such an incident.


Keywords: Special Criminal Courts. Incident Review of insanity. Complexity. Incompetence.


Sumário: 1. Introdução. 2. Princípios norteadores dos juizados especiais criminais. 3. A complexidade nos juizados especiais criminais. 4. O exame de insanidade mental. 5. Incidente de insanidade mental nos juizados especiais criminais. Deslocamento da competência em razão da complexidade. 6. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO


A Constituição Federal da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, em seu artigo 98, inciso I, determinou a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.


Visando a efetividade de tal norma constitucional, foi promulgada a Lei Federal n. 9.099/95, que traçou como princípios norteadores dos Juizados a simplicidade e a celeridade processual, dentre outros.


No cotidiano forense dos Juizados Especiais Criminais, há hipóteses em que se torna imperiosa a realização de perícia visando conhecer a imputabilidade do noticiado / réu.


Neste sentido, surge a problemática: o âmbito célere dos Juizados Criminais permitiria a realização do incidente de exame de insanidade mental, procedimento este considerado como demorado e complexo, que determina a suspensão do processo, a necessidade de nomeação de curador e o encaminhamento do acusado à equipe psiquiátrica responsável?


2.  PRINCÍPIOS NORTEADORES DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS.


Todo o sistema normativo possui como seu alicerce, uma base principiológica.


O professor Celso Antônio Bandeira de Mello[1] apresenta, brilhantemente, o conceito de princípio:


“é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”. (grifos nossos).


Os princípios constituem valiosíssimos suportes para dirimir eventuais dúvidas do aplicador do Direito, quanto à interpretação de determinados dispositivos que permitam mais de um entendimento.


Os Juizados Especiais Criminais são regidos pelos princípios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, a teor do que dispõe o artigo 62, da Lei Federal n.º 9.099/95, in verbis:


“Art. 62. O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.” (grifos nossos).


Referidos princípios são mandamentos nucleares / basilares dos Juizados Especiais Criminais.


Note-se, que a redação do artigo supramencionado omitiu o princípio da simplicidade, como norteador dos Juizados Criminais.


Contudo, o artigo 2º, da Lei Federal n.º 9.099/95[2], indica, ainda, como princípio dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais a simplicidade.


Conforme se depreende do artigo 77, parágrafo 2º, da Lei Federal n.º 9.099/95, não compete aos Juizados Especiais Criminais conciliar, processar, julgar ou executar causas de maior complexidade, devendo o juiz proceder na forma do que dispõe o artigo 66, parágrafo único (remeter os autos à Vara Criminal Comum, declinando de sua competência). Senão, vejamos as regras insculpidas nos mencionados artigos:


Art. 77. omissis


§ 2º Se a complexidade ou circunstâncias do caso não permitirem a formulação da denúncia, o Ministério Público poderá requerer ao Juiz o encaminhamento das peças existentes, na forma do parágrafo único do art. 66 desta Lei. (grifos nossos)


Art. 66. A citação será pessoal e far-se-á no próprio Juizado, sempre que possível, ou por mandado.


Parágrafo único. Não encontrado o acusado para ser citado, o Juiz encaminhará as peças existentes ao Juízo comum para adoção do procedimento previsto em lei.” (grifos nossos).


De tal sorte, não cabendo aos Juizados Criminais o processamento de causas que apresentem maior complexidade, o princípio da simplicidade também se faz presente nos Juizados Especiais Criminais, em que pese a omissão da redação dada pelo artigo 62.


3.  A COMPLEXIDADE NOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS


Como já mencionado no presente trabalho, os Juizados Criminais adotam os princípios da celeridade e da simplicidade em seu rito processual.


De tal sorte, havendo complexidade no desenvolvimento de seu procedimento, o magistrado atuante perante o JECrim, observando o disposto no artigo 77, parágrafo 2º, da Lei 9.099/95, deverá, declinando de sua competência para apreciação dos autos, remetê-los à Justiça Comum.


Acerca do tema complexidade, importante é a lição de Bitencourt[3]:


“Pela referência vaga do texto legal, a complexidade pode decorrer da forma da execução do fato, da quantidade de pessoas envolvidas, como os arrastões, linchamentos, invasões, etc., ou simplesmente da dificuldade probatória, ou seja, quando demandar maiores investigações, tratar-se de autoria ignorada ou incerta, exigir prova pericial etc.”


Tal complexidade pode se dar, por exemplo, nos seguintes casos:


a) conexão entre crimes;


b) concurso de agentes;


c) perícia demorada;


d) exame de insanidade do autor dos fatos.


Cumpre-nos ressaltar que, o posterior afastamento da complexidade da causa, não implica no restabelecimento da competência dos Juizados Especiais Criminais.


4.  O EXAME DE INSANIDADE MENTAL.


No que tange ao exame de insanidade mental, este é conceituado pela doutrina como medida incidental, instaurada para apurar a higidez mental do acusado, averiguando-se sua inimputabilidade ou semi-imputabilidade, a teor do que dispõe o artigo 26, do Código Penal[4].


Ora, a instauração de tal incidente justifica-se, tendo-se em vista que, no ordenamento jurídico brasileiro, não é possível a condenação e a execução de pena contra um inimputável (para os inimputáveis, o correto seria a sentença absolutória imprópria, que impõe medida de segurança).


Neste sentido, a valiosíssima lição do Professor Nucci[5]:


“(…) O inimputável é capaz de cometer um injusto penal, isto é, algo não permitido pelo ordenamento (fato típico e antijurídico), mas não merece ser socialmente reprovado, por ausência de capacidade de entendimento do ilícito ou de determinação de agir conforme esse entendimento. Cabe-lhe, ao invés da pena, típica sanção penal aplicável aos criminosos, a medida de segurança, espécie de sanção voltada à cura e ao tratamento. O semi-imputável, por sua vez, por ter entendimento parcial do injusto cometido, preenche os requisitos para sofrer juízo de culpabilidade, merecendo, pois, ser condenado e receber pena, apesar de reduzida. Excepcionalmente, pode também, como já afirmado, receber medida de segurança, se for melhor para a sua recuperação”. (grifos nossos).


A instauração do procedimento incidental ora dissertado pode ser requerida, de ofício, pelo magistrado, ou a requerimento do membro do Parquet, defensor, curador, ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado. Referido exame poderá ser ordenado, ainda, em sede de inquérito policial, por meio de representação da autoridade policial ao juiz competente.


Saliente-se que, em todos os casos mencionados, é o magistrado quem defere o pleito da instauração do incidente.


Em fase recursal, não se faz cabível a instauração do mencionado incidente.


No entanto, insta-nos ressalvar que, para a instauração da medida incidental, devem existir elementos no tocante à dúvida acerca da imputabilidade do acusado (de sua capacidade de entender e autodeterminar-se pela regra penal). É dizer que, não basta um simples requerimento da parte suscitando a necessidade do teste de insanidade.


Sobre o tema, trago à baila, lição de Guilherme de Souza Nucci[6]:


“(…) é preciso que a dúvida a respeito da insanidade mental do acusado ou indiciado seja razoável, demonstrativa de efetivo comprometimento da capacidade de entender o ilícito ou determinar-se conforme esse entendimento. Crimes graves, réus reincidentes ou com antecedentes, ausência de motivo para o cometimento da infração, narrativas genéricas de testemunhas sobre a insanidade do réu, entre outras situações correlatas, não são motivos suficientes para a instauração do incidente”. (grifos nossos).


De tal sorte, imprescindível demonstrar que o acusado possui ou possuía, à época dos fatos, limitação total ou parcial da sua capacidade de discernimento.


Neste diapasão, colaciono a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:


“CORREIÇÃO PARCIAL – Homicídio qualificado – Indeferimento de incidente de insanidade mental – Admissibilidade, vez que inexiste dúvida acerca da integridade mental do acusado – Inteligência do artigo 149 do Código de Processo Penal – Postulação indeferida.”[7] (grifos nossos). 


“CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO QUALIFICADO PELO EMPREGO DE ARMA DE FOGO. CONDENAÇÃO. RECURSO DO RÉU. PLEITO DE NULIDADE POR CERCEAMENTO DE DEFESA DEVIDO O INDEFERIMENTO DO INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL. NEGADO. Necessidade da dúvida razoável quanto à higidez mental do acusado. Requerimento absolutório por falta de prova da autoria. Improcedente. Autoria e materialidade devidamente comprovadas no bojo da instrução criminal. Pena de multa corretamente aplicada e em conformidade com a legislação penal. Recurso improvido”.[8] (grifos nossos).


De idêntico raciocínio é o entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:


“HABEAS CORPUS – PROCESSUAL PENAL – EXAME DE INSANIDADE MENTAL – INDEFERIMENTO – INOCORRÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. O exame de insanidade mental, que visa à demonstração da higidez psíquica daquele que se diz perturbado mental, tem sua realização condicionada, no caso concreto, à discricionariedade do juiz do processo, que estabelece um juízo de necessidade da realização, ou não, do referido exame. – In casu, além de inexistirem indícios geradores de dúvida sobre a integridade mental do réu ao tempo do fato, a fase recursal não é o momento adequado para se instaurar tal incidente. – Ordem denegada”.[9] (grifos nossos).


5.  INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL NOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS. DESLOCAMENTO DA COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA COMPLEXIDADE.


Realizada uma breve abordagem acerca da medida incidental de insanidade mental do acusado, adentramos novamente ao âmbito célere dos Juizados Criminais com o seguinte questionamento: é possível a instauração do referido incidente nos Juizados Especiais Criminais?


A doutrina e a jurisprudência majoritárias preceituam que não há como processar provável inimputável perante o Juizado Criminal, por absoluta incompatibilidade com os princípios ditados pela Lei Federal n.º 9.099/95.


Ora, a instauração do exame de insanidade mental não se coaduna com os princípios da informalidade, celeridade e simplicidade, norteadores dos procedimentos em curso perante o Juizado Especial, aos quais se refere o artigo 62, da Lei n.º 9.099/95.


O referido incidente irradia imediatas consequências como: a suspensão do processo, a necessidade de nomeação de curador e o encaminhamento do acusado à equipe expert responsável. Trata-se de procedimento demorado e complexo, tendo-se em vista que possui como objetivo, atestar se o noticiado/réu está com suas faculdades mentais dentro da normalidade.


Desta feita, a necessidade de realização de perícia complexa, conforme pacífico entendimento doutrinário, afasta/desloca a competência do Juizado para conhecimento dos fatos, independentemente da pena aplicada ao delito, visto que torna a questão incompatível com a natureza dos casos afetos ao JECrim, de natureza mais célere, cujo o procedimento previsto não admite maiores delongas em perícias ou diligências, ou até mesmo aplicação e acompanhamento de eventuais medidas de segurança.


Veja-se, que assim dispõe o artigo 77, § 2º, da Lei Federal n.º 9.099/95:


“Art. 77, § 2º – Se a complexidade ou circunstâncias do caso não permitirem a formulação da denúncia, o Ministério Público poderá requerer ao juiz o encaminhamento das peças existentes, na forma do parágrafo único do artigo 66 desta Lei.” (grifos nossos).


Neste sentido, colaciono os ensinamentos da doutrina processualista penal pátria, que subsidiam, de forma plena, a impossibilidade de realização de incidente de insanidade mental perante os Juizados:


“(…) Serão eventualmente os casos em que se exige perícia complexa e demorada, de delitos de trânsito que envolvam vários veículos e diversas pessoas, de concurso de vários agentes, alguns não prontamente identificados, de concurso de crimes, de necessidade de exame de insanidade mental do agente, de diversidade de vítimas, de crimes praticados em tempo e lugares diversos etc. Nessas hipóteses, por determinação expressa da lei, deve ele requerer ao juiz que se faça a remessa dos autos ao juízo comum, na forma do art. 66, parágrafo único. Neste, será dada vista ao Ministério Público que oficie perante o juízo comum para que proceda como de direito.”[10] (grifos nossos)


“(…) Complexidade do objeto da acusação (§ 2º). Pode ocorrer que o fato, pela sua complexidade (exs: exigência de perícia complicada, exame de insanidade mental do autor do fato etc.) ou circunstâncias (exs: concurso de elevado número de pessoas, diversas vítimas, crimes praticados em tempo e lugares diversos etc.) requeira melhor investigação e prova. Nesse caso, o Ministério Público requererá o encaminhamento do feito ao Juízo Comum, nos termos do art. 66, parágrafo único, desta Lei.”[11] (grifos nossos)


“Como já foi observado, o procedimento sumaríssimo da Lei 9.099/95 somente é aplicável às hipóteses em que as circunstâncias do caso permitirem o imediato oferecimento da denúncia oral. Havendo complexidade ou necessidade de novas diligências, as peças devem ser encaminhadas ao juízo comum competente para a espécie, para adoção do rito previsto no CPP. A expressão poderá utilizada pelo texto em questão não significa que se trate de simples faculdade do MP, mas de imperativo legal: ou há oferecimento de denúncia oral ou, não sendo isso possível, o encaminhamento se fará automaticamente”.[12] (grifos nossos)


Como se não bastasse a pacífica posição doutrinária a respeito da perda de competência pelos Juizados Criminais, em função da necessidade de realização de incidente de insanidade mental, sobre o assunto, merecem destaque os seguintes precedentes jurisprudenciais:


“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. Mostrando-se indispensável a realização de exame de insanidade mental do réu, a competência para a procedimentalização da causa é do Juízo Comum, porquanto o incidente em tela não se coaduna com os princípios que regem o juizado Especial Criminal (oralidade, informalidade, economia e celeridade processual). CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. IMPROCEDENTE.”[13] (grifos nossos).


“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PERTURBAÇÃO DA TRANQUILIDADE. INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO COMUM. PRECEDENTES DA CORTE.


Sendo imprescindível para o deslinde do feito o exame de sanidade mental do acusado, desloca-se a competência para o juízo comum, uma vez que o processo não estará mais subordinado aos critérios de oralidade, informalidade e celeridade, que são princípios norteadores do Juizado Especial Criminal, conforme art. 62, da Lei n.º 9.099/95. CONFLITO DE COMPETÊNCIA JULGADO IMPROCEDENTE.”[14] (grifos nossos)


“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL E JUIZADO COMUM. IMPUTADA PRÁTICA DE AMEAÇA E VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. NECESSIDADE DE INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL, TORNANDO A CAUSA DEMORADA E COMPLEXA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM. Os juizados especiais criminais caracterizam-se pela oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, como dispõe o art. 62 da Lei n° 9.099/95, objetivando, continua referido artigo sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade. A tais princípios, acrescenta-se, além de outros, o da concentração, como decorre do art. 81 e seus parágrafos da mesma Lei n° 9.099/95. Daí, que a impossibilidade de localizar o acusado (art. 66, parág. único) ou a complexidade do caso (art. 77, § 2°) devolve a competência para o processo e julgamento da causa à justiça comum, onde seguirá o rito procedimental adequado. No caso de necessidade de instauração de incidente de insanidade mental, procedimento complexo e demorado, com a suspensão do processo, com a obrigatoriedade de nomeação de curador ao réu e com seu encaminhamento ao Instituto Psiquiátrico Forense, não pode a ação penal ser instaurada ou ter continuidade no juizado especial.”[15] (grifos nossos).


“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO COMUM. INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL. COMPETÊNCIA DESLOCADA AO JUÍZO COMUM, DIANTE DA COMPLEXIDADE DO EXAME. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO JUIZADO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO PARA AS PARTES. CONFLITO NEGATIVO PROCEDENTE. 1. A necessidade de instauração de incidente de insanidade mental do acusado desloca a competência do Juizado Especial para o Juízo Comum, pois a complexidade do exame vai de encontro aos princípios da oralidade, informalidade, economia e celeridade processual, esculpidos no art. 62, da Lei n.º 9.099/95. 2. A remessa dos autos ao Juízo Comum, não acarretará qualquer prejuízo às partes, que terão maior amplitude no exercício de suas faculdades processuais.”[16] (grifos nossos).


De idêntico raciocínio, é o entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça.


“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL PENAL. REMESSA DOS AUTOS DO JUIZADO ESPECIAL PARA A JUSTIÇA COMUM, DIANTE DA COMPLEXIDADE DA CAUSA, APÓS OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. 1. Ação penal instaurada perante Juizado Especial Criminal com posterior remessa dos autos ao Juízo Comum pela necessidade de realização de procedimento de maior complexidade. 2. Embora a Lei nº 9.099/95 estabeleça que a complexidade do feito deve ser considerada antes do oferecimento da denúncia, havendo complexidade da causa incompatível com o rito dos Juizados Especiais, ainda assim deve ser a competência para processar e julgar o feito deslocada para o Juízo Comum, sob pena de não se alcançar a finalidade e os princípios norteadores da lei que rege os Juizados Especiais. 3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 4ª Vara Criminal de Juiz de Fora – MG, o suscitante”.[17]


De tal sorte, havendo necessidade de instauração de incidente de insanidade mental em Termo Circunstanciado ou Ação Penal que esteja em trâmite perante o JECrim, imperiosa é a declinação da competência do magistrado, e a consequente remessa à Justiça Criminal Comum, para o devido processamento e julgamento.


6. CONCLUSÃO


De fato, os Juizados Especiais Criminais possuem competência absoluta para conciliar, processar, julgar e executar as infrações penais de menor potencial ofensivo (contravenções independentemente de pena, bem como crimes cuja reprimenda máxima cominada abstratamente seja igual ou inferior a 2 anos, cumulados ou não com multa), excetuando-se as hipóteses em que há o deslocamento da competência.


Tal deslocamento ocorre, por exemplo, nos casos em que o réu não é encontrado para ser citado, nos casos em que há complexidade (necessidade de exame de insanidade mental, grande número de acusados), conexão e continência de infrações de menor potencial ofensivo com delitos comuns.


Analisando as posições doutrinárias e jurisprudenciais supramencionadas, depreende-se que o incidente de insanidade mental é procedimento deveras complexo e demorado, que não se coaduna com os princípios norteadores dos Juizados.


Assim, havendo necessidade de realização de exame de insanidade mental de noticiado/denunciado nos Juizados Especiais Criminais, forçosa é a aplicação do artigo 77, parágrafo 2, da Lei Federal n. 9.099/95, devendo o membro do Parquet requerer ao magistrado o declínio da competência, em virtude da complexidade, e a consequente remessa dos autos a Vara Criminal Comum.


 


Referências bibliográficas

BITENCOURT, Cezar Roberto. Juizados Especiais Criminais e alternativas à pena de prisão. 2ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996.

BRASIL, Constituição Federal da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 05 de outubro de 1988.

BRASIL. Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Institui o Código Penal. Rio de Janeiro, 7 de dezembro de 1940; 119º da Independência e 52º da República.

BRASIL. Decreto-lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941. Institui o Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, em 3 de outubro de 1941; 120o da Independência e 53o da República.

BRASIL. Lei n.º 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Brasília, 26 de setembro de 1995; 174º da Independência e 107º da República.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: www.stj.jus.br.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Disponível em: http://www.tjdft.jus.br.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Disponível em: http://www.tjmg.jus.br.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Disponível em: http://portal.tjpr.jus.br/web/guest.

BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: http://www.tjrs.jus.br.

GRINOVER, Ada Pellegrini… [et al.]. Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1955. 5ª Edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

GRINOVER, Ada Pellgrini… [et al]. Juizados Especiais Criminais – Comentários à Lei 9.099, de 26.9.1995.  2ª edição revista, atualizada e aumentada, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

JESUS, Damásio E. Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada. Editora Saraiva, 1996.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13ª edição, São Paulo: Malheiros, 2001.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais, Comentários Jurisprudência Legislação. São Paulo: Atlas, 1996.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

REALE JÚNIOR, Miguel ET AL. Pena sem processo, Juizados Especiais Criminais – Juizados Especiais Criminais: interpretação e crítica. São Paulo, Malheiros, 1997.

 

Notas:

[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13ª edição, São Paulo, Malheiros, 2001, páginas 771-772.

[2] Brasil. Lei Federal n.º 9.099/95. Artigo 2º- O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.

[3] BITENCOURT, Cezar Roberto. Juizados Especiais Criminais e alternativas à pena de prisão. 2ª edição. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1996, página 60.

[4] Brasil. Código Penal. Artigo 26- É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.  Redução de pena Parágrafo único – A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (grifos nossos).

[5] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. Página 331.

[6] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8º edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. Página 331.

[7] Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. – Correição Parcial nº 461.144-7, da Comarca de União da Vitória – Vara Criminal. – Órgão Julgador:  1ª Câmara Criminal. – Requerente: José Ricardo da Silva. – Requerido: Dr. Juiz de Direito da Vara Criminal da Comarca de União da Vitória. – Relator: Desemabargador Campos Marques. – Número do Acórdão:  23655. – Julgamento:  31/07/2008 17:00. – Ramo de Direito: Criminal. – Decisão: Unânime. – Dados da Publicação: DJ: 7684.

[8] Tribunal de Justiça do Estado do Paraná – Apelação Criminal nº 385.073-3 de Curitiba – 11º Vara Criminal. – Órgão Julgador: 3ª Câmara Criminal. – Apelante: Emerson Moletes Hermenegildo. – Apelado: Ministério Público. – Relator: Desembargador Marques cury. – Revisora: Desembargadora Sônia Regina de Castro. – Número do Acórdão:  4718. – Julgamento:  25/10/2007, 18:00. – Ramo de Direito: Criminal. – Decisão: Unânime. – Dados da Publicação: DJ: 7488.

[9] Superior Tribunal de Justiça. – Habeas Corpus nº 24.656 – PB (2002/0124818-8). – Relator: Ministro Jorge Scartezzini (1113). – Órgão Julgador T5 – Quinta Turma. – Data do Julgamento: 03/06/2004. – Data da Publicação/Fonte: DJ 02/08/2004, página 438. – Impetrante: Carlos Antônio Rodrigues Ribeiro e Outros. – Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba. – Paciente: José Carlos Leal da Costa (preso).

[10] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais: Comentários, Jurisprudência, Legislação. São Paulo: Atlas, 1998. Página 104.

[11] JESUS, Damásio E. Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada – 3ª edição revista e ampliada. São Paulo: Saraiva, 1996. Páginas 90/91.

[12] GRINOVER, Ada Pellgrini… [et al]. Juizados Especiais Criminais – Comentários à Lei 9.099, de 26.9.1995.  2ª edição revista, atualizada e aumentada, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. Página 156.

[13] Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. – Conflito de Competência n.º 70.008.088.437. – Órgão Julgador: 6ª Câmara. Criminal. – Relator: Desembargador Aymoré Roque Pottes De Mello. Data de Julgamento:
13/05/2004. – Suscitante: Juiz de Direito da 9ª Vara Criminal da Comarca de Porto Alegre. – Suscitado: Juíza de Direito do 1º Jecrim da Comarca de Porto Alegre.

[14] Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. – Conflito de Competência n.º 70.008.667.396. – Órgão Julgador: 8ª Câmara Criminal. – Relator: Desembargador Marco Antônio R. de Oliveira,. Data de Julgamento: 23/06/2004. – Suscitante: Juiz de Direito da 8ª Vara Criminal da Comarca de Porto Alegre. – Suscitado: Juiz de Direito do 3º Juizado Especial Criminal da Comarca de Porto Alegre.

[15] Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. – Conflito de Competência n.º 70.005.872.635. – Órgão Julgador: 1ª Câmara Criminal. – Relator: Desembargador RANOLFO VIEIRA. – Data de Julgamento: 12/03/2003. – Suscitante: Juiz de Direito da 4ª Vara Criminal da Comarca de Porto Alegre. – Suscitado: Juiz de Direito do Juizado Especial Criminal da Comarca de Porto Alegre.

[16] Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. – Conflito de Competência n.º 0435253-8, da Comarca de Paranavaí – Juizado Especial Criminal. – Órgão Julgador: 2ª Câmara Criminal em Composição Integral. – Relator: Juiz Convocado Carlos Augusto Altheia de Mello. – Decisão: Unânime. – Data do Julgamento: 01.11.2007. – Dados da Publicação: DJ: 7497. – Suscitante: Juiz de Direito do Juizado Especial Criminal de Paranavaí. –  Suscitado: Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal de Paranavaí.

[17] Superior Tribunal de Justiça. – CC n.º 102723/MG. – Conflito de Competência n.º 2009/0014504-9. Relator: Ministro Og Fernandes (1139). – Órgão Julgador S3 – Terceira Seção. – Data do Julgamento: 25/03/2009. – Data da Publicação/Fonte: DJe 24/04/2009. – Autor: Justiça Pública. – Réu: em apuração. – Suscitante: Juízo de Direito da 4ª Vara Criminal de Juiz de Fora – MG. – Suscitado: Juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Juiz de Fora – MG.


Informações Sobre o Autor

Vandrey de Menezes Baldão

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa/PR. Pós-graduando em Direito Público pela Uniasselvi – Centro Universitário Leonardo da Vinci. Assessor de Promotor do Ministério Público do Estado do Paraná.