A alquimia legislativa que se aplica na reforma do Código de Processo Civil já está tirando fora da paciência os que operam na prática do Direito, pois não se sabe mais o que é obra dos notáveis, ou notáveis experiências desprovidas de segurança jurídica que se intercalam em emendas piores do que os próprios sonetos.
A indignação do momento se dá por conta das incoerências que decorrem dos critérios diferenciados entre obrigações de mesma natureza material – sem falar da execução de alimentos que atrofiada pela reforma carece, agora, de remendo – e do balcão de barganha em que parece pretendem transformar a atividade judiciária.
Primeiro, foi a reforma no artigo 20, § 4º contemplando o devedor com honorários desvinculados de proporcionalidade ao valor patrimonial envolvido na lide e à obrigação inadimplida quando equiparou as ações em que seja vencida a Fazenda Pública ou executado qualquer outro devedor às ações de pequeno valor, às de valor inestimável e àquelas em que não haja condenação. Faltou, nesta alquimia, além de razoabilidade, uma pitada de coerência.
Mas a saga continuou, e depois veio o artigo 1.102-A, § 1º estabelecendo que o requerido em ação monitória poderia emendar a mora “isento de custas e honorários advocatícios”, sem aclarar se o rito era de ordem pública, se ao credor era imposto o ônus do custeio processual ou se lhe era concedida a alternativa de responder pelo custeio do serviço judiciário (custas e honorários) para evitar o dano maior de uma ação cujo desfecho seria imprevisível diante da extrapolada dilacio temporis. Evidente, embora a lógica indicasse outra dedução, é que a lei não ousaria reduzir as custas, fosse a solução instantânea, rápida, demorada ou tardia.
A dose seguinte veio com outro alfa-numérico, o artigo 475-J, estabelecendo multa pelo descumprimento da sentença, compensada ou premiada com a manutenção daquele famigerado parágrafo no artigo 20, pois, em tão poucos anos, bulir os honorários para facilitar o devedor e depois acrescer uma penalidade para estimular o cumprimento da obrigação é incoerência legislativa, para não falar em incontinência ou barganha da mesma ordem.
Mas, o golpe fatal, se é que outro pior não esteja sendo temperado no mesmo caldeirão intelectual, vem dos artigos 652-A e 745-A implantados no Código pela Lei 11.382/06, cuja vacância sequer foi regulada, embora o volume e o reflexo das alterações, ficando sob a regra geral da LICC.
A nova redação do artigo 652 alterou para três dias as inócuas 24 horas que o devedor de obrigação pecuniária fundada em título extrajudicial dispunha para atender ao mandado de citação e pagar a dívida que, de acordo com o caput do artigo 652-A, deverá estar acrescida de honorários advocatícios que o juiz, ao despachar a inicial, fixará atento ao preceito do § 4º do artigo 20. Mas, se o devedor pagar a dívida nos três dias a que está compelido pela ação de natureza executiva, isto é, cumprir o mandado executivo, pagará com 50% de desconto sobre a verba honorária.
A providência da nova lei é desprovida de lógica jurídica e de respeito às partes, patronos e órgão jurisdicional, pois institui lamentável barganha do legislativo com a remuneração do advogado; confunde múnus com ônus público, já que as custas deverão ser pagas integralmente; e vale-se da prática comercial do desconto – em que o concedente abre mão do ágio ou de parte do ganho – em desprestigio à atividade jurisdicional executiva. Reedita, além de tudo, o mandado executivo condicionado, semelhante ao da ação monitória, condicionado à vontade do devedor em cumpri-lo com desconto, já que terá, adiante, a benesse do parcelamento.
Pois bem, o artigo 745-A, regra que não será subsidiária ao cumprimento de sentença – e talvez por isto, estranhamente, tenha sido alocada sob o título dos Embargos à Execução – dá ao devedor, uma vez descumprido o mandado executivo, com ou sem garantia da execução, no prazo de embargos, o direito de requerer o parcelamento da dívida mediante pequena entrada de 30% (inclusive custas e honorários) e seis acessíveis prestações mensais, acrescidas de correção monetária e de juros de 1% ao mês, independentemente do que tenha sido ajustado no título e do que estejam os tribunais decidindo sobre a previsão constitucional de limitação dos juros.
O legislador, por engano ou mínimo de respeito ao direito do credor e aos princípios do processo democrático, ao menos previu que tal modalidade deverá ser requerida pelo devedor – direito de peticionar – o que desautoriza oferecimento prévio pelo juízo no despacho inaugural, ou que conste como faculdade advertida no mandado executivo. A lei não instituiu a moratória judicial, nem um híbrido das figuras falimentares, comercial e civil, às quais são adequados os dispositivos voltados à recuperação do devedor ou ao pagamento em parcelas proporcionais à sua liquidez. O parcelamento há que ser precedido da manifestação do exeqüente, e ter em conta a vigência dos artigos 791 e 792 que regulam a suspensão do feito executivo condicionando o incidente à convenção das partes e ao prazo que o credor conceder para que o executado cumpra voluntariamente a obrigação.
Interpretação diversa, sob o enfoque de constituir direito subjetivo do devedor assegurado mediante o atendimento dos requisitos da própria lei, como o depósito daquela parte da dívida, o requerimento e a tempestividade de ambos, implicará no confronto entre os princípios da disponibilidade e da menor onerosidade dos atos executivos; questionará os valores da dignidade da justiça, se o devedor tiver comportamento incompatível com os previstos nos artigos 593, 600 e 656 §1º, notadamente quando descumpre ordem judicial; à revisão do conceito de remição contido no artigo 651 do mesmo diploma; a revisão das hipóteses de suspensão, previstas no art. 791; imporá discussão acerca da eficácia temporal da nova lei em face de preceitos do Código Civil, notadamente aqueles relacionados ao objeto do pagamento e à mora; e na harmonização do procedimento com os princípios fundamentais do processo, consagrados na Constituição Federal.
A prestação jurisdicional não tem sido célere por diversas razões, tanto que é intercorrente em todos os níveis e especializações, mas por certo não será desprestigiando a advocacia, reduzindo honorários advocatícios ou instituindo execuções com desconto e à prestação que se realizará a tutela jurisdicional com maior celeridade e real efetividade. Menos, ainda, incrustando no código modificações que não seguem a dogmática que estrutura o sistema processual civil por ele instituído, ensejando, desta forma, instabilidade legislativa e bibliográfica, insegurança jurídica, e incidentes que acabam por contribuir para o emperramento judiciário.
Informações Sobre o Autor
João Moreno Pomar
Advogado – OAB/RS nº 7.497; Professor de Direito Processual Civil da Fundação Universidade Federal de Rio Grande; Doutor em Direito Processual pela Universidad de Buenos Aires.