Justiça laboral e execução de contribuições previdenciárias: exegese sistêmica e operativa da lei mater

1.  De um presto intróito.

O país, como é de sabença geral, está envolvido em um momento de tormentos no pálio econômico-social, donde, naturalmente, o Estado planeja evitar toda a sorte de sonegação fiscal, para que, com isso, possa cumprir a sua missão social com a escorreita destinação das verbas públicas que demanda arrecadar.

No campo previdenciário, máxime quanto às contribuições vertidas ao INSS em decorrência das “folhas de salários”, por parte dos empregadores, ou mesmo as tangentes aos empregados e também aos trabalhadores autônomos, quando não solvidas a tempo e modo, suas excussões, pela Previdência Social, nas situações acertadas na Justiça Laboral, protraíam-se no tempo e, no momento de vê-las implementadas ao erário. A frustração executiva era quase que uma constante, uma vez que, nessa oportunidade, muitas sociedades e firmas comerciais não mais estavam operando e, alusivamente aos empregados (aqui tomado o termo em senso lato), não mais possuíam qualquer respaldo econômico-financeiro para responder por tais exações.

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Deste modo, o legislador constituinte,  por intermédio da Emenda de nº 20/98, entendeu em trazer tal competência executória para a própria faina laboral, ou, em outras palavras, resolveu aproximar, no tempo e no espaço, a executividade dessas contribuições,   sintonizando-a ao instante mesmo do processo de onde elas acabaram por restar exigíveis (declaradas ou constituídas, conforme seja o provimento trabalhista de feitio declaratório, condenatório ou constitutivo, respectivamente).

Poder-se-ia, com vistas à conferência de tal veleidade, ter-se optado por duas sendas, quais sejam: a uma, pela mera transferência competencial da Justiça Comum (Federal ou Estadual) para a esfera da Justiça do Trabalho, no que atina às prefaladas matérias previdenciárias; a duas, além da transmutação da competência, outorgar outros mecanismos de celerização da relação procedimental executiva, em si mesma.

É na ótica da última asserção, que se pode conceber a regra ínsita no hodierno art. 114, § 3º, da Carta Magna, quando, em linguagem clara, entregou ao  Juiz do Trabalho a tarefa de incoar a própria execução das contribuições previdenciárias, com os seus acessórios, decorrentes da sentença que ele mesmo prolatara, dando-lhe, ainda, o dever funcional de procedê-la de ofício.

O móvel constitucional, ainda que indo em direção oposta a do individualismo que sempre guindou a processualística pátria, isto é,  aquele paradigma estribado em endeusamento  do princípio dispositivo, veio romper tal sistemática. Em vista disso, consabidamente, municiou o  magistrado do trabalho para que, como titular que é de uma parcela da própria soberania estatal, também ele, a seu turno, pudesse intervir na peculiar contextualidade de policiar o desaguadouro apropriado dos contributos que haverão de ser carreados para o Ente Público que, no caso em debate, indiscutivelmente sustenta a higidez de alguns milhões de hipossuficientes dessa plaga brasileira.

É, deveras, muito salutar poder observar que a noção de unicidade do Estado, quanto ao direcionamento do dinheiro público, está presente em norma como a aqui comentada, que, como se infere, lobriga a que o poder estatal, como um todo, seja fortalecido e, assim sendo, a evasão de numerário seja coibida, principalmente por aquele que detém a lira de aplicar a lei aos casos concretos.

De conseguinte, não surtiria os efeitos de sanação de desvios de verbas públicas, quando, mesmo na sentença trabalhista tendo restado consolidada uma situação que ensejasse recolhimento previdenciário, o julgador nada pudesse fazer para que, efetivamente, esse desembolso viesse materializar-se ali naqueles autos, havendo, apenas, de contentar-se com a determinação do “imediato recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social”, como exsurgia do contido no art. 43 da Lei nº 8.212/91, com a redação que lhe fora conferido pela Lei nº 8.620/93, que, a meu sentir, fora alijado pela nova ordem constitucional.

Para deixar assentado que o Juiz do Trabalho, na transata ordem jurídica,  tinha como manter-se empenhado em cumprir com o dever supradito, aquela lei de regência impunha-se-lhe,  assim que proferia um comando que gerasse uma situação de incidência de contribuições previdenciárias, a obrigação de “expedir notificação ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, dando-lhe ciência dos  termos da sentença ou do acordo celebrado”, como rezava o art. 44, da Lei nº 8.212/91, com as tinturas conferidas pela Lei nº 8.620/93, despido, na atualidade, de qualquer fundamento de validade.

Face a isso, portanto, é que a Constituição Federal armou o juiz obreiro, para que, agora, possa excutir o débito previdenciário, ali naquele feito, não mais ficando tal ato a depender de condutas externas ao poder judicante. Somente assim, com certeza, estar-se-á dando cobro à ardis que culminam em pomposas e homéricas sonegações fiscais.

Unicamente essa visão sistêmica, como se demonstrará subseqüentemente, envidará o querido pela norma constitucional, ou, ainda, guardará estrita conformidade com a Verfassungskonforme Aauslegung, que, no Direito Alemão, nada mais exprime do que a chamada “interpretação conforme a Constituição”. 1

2.  Da norma do art. 114, § 3º, da Constituição Federal.  Aplicabilidade e  dimensão sócio-político-jurídica.

O art. 114, dantes referido, tem a seguinte  redação:  “Compete ainda à Justiça do Trabalho  executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir”.

De tal comando constitucional, uma conclusão salta aos olhos,  qual seja, a de que a dita regra é de eficácia plena, visto que, no bojo de seu preceito, não há qualquer condicionante à existência de uma normatização infraconstitucional para que, aí sim, tivesse ela a sua repleta vivificação.

Sobre a conceptualização de auto-aplicabilidade de preceitos constitucionais, traz-se à colação a ensinança de Rui Barbosa, nestes termos:  “Executáveis por si mesmas, ou auto-executáveis, se nos permitem uma expressão, que traduza num só vocábulo o inglês self executing, são, portanto,  as determinações para executar as quais, não se haja mister de constituir ou designar uma autoridade, nem criar ou indicar um processo especial, e aquelas onde o direito instituído se ache armado por si mesmo, pela sua própria natureza, dos seus meios de execução e preservação”. 2

Não se pode negar, em momento algum, que não esteja, no art. 114, § 3º, definida  a autoridade que procederá a executividade de ofício das exações tributárias ali preconizadas (Juiz do Trabalho), e, nem tampouco, que para implantá-la mister que houvesse a instituição de um novel procedimento, haja vista que a própria Consolidação das Leis do Trabalho, em seu art. 878, e de há muito, já facultava a viabilidade da execução ex officio,  em sede dessa justiça especializada. E, de lés a lés,  ninguém, em sã consciência, e na ampulheta dos lustros, sustentou que a própria CLT trouxera à lume um regramento inexeqüível no concerto da praxis forense.

Sem razão, portanto, o insigne Sérgio Pinto Martins, ao escandir que:  ‘O mencionado parágrafo 3º do art. 114 da Lei Magna não usa a expressão  “nos termos da lei”, como outros dispositivos constitucionais, mas, acaba necessitando de legislação ordinária para explicitar a forma que será feita essa exigência”. 3

Se, em realidade,  tal preceptivo é auto-aplicável, tem-se que direcioná-lo, exegeticamente, na senda de que ele venha, incontinentimente,   produzir todos os efeitos para os quais fora desenhado. Para tanto, mister indagar: qual a melhor forma de operacionalizá-lo? E, sobremais disso, se não pontuado na vereda do almejado pelo legislador magno, com a total carga de potencialização de sua eficiência, trará ele, a despeito de encontrar-se incrustado na Lex Legum, os resultados atuariais colimados?

Por conseqüência, não basta, a meu sentir, para que se diga que houve um apurado entendimento da dita norma constitucional, que se venha interpretá-la tão-somente no plano jurídico. Incumbe, outrossim, focalizá-la na rota da multidisciplinariedade em que a hipótese, por ela telada,  está a reivindicar.

Colhe-se, aqui, a lição de Celso Ribeiro Bastos, onde, indiscutivelmente, entremostra que o exegeta da norma constitucional haverá de ter em mira a plêiade de conhecimentos que a norma interpretanda reclama. Di-lo, enfim, o Mestre:  “tratando-se de preceitos endereçados a toda comunidade e tendo por conteúdo  empírico a mais dilargada atividade humana – diferentemente, pois, das demais disciplinas jurídicas, que têm campos  ou áreas particulares de incidência normativa –

o intérprete   há de mergulhar nas águas profundas e revoltas da história, da política, da economia, da geografia física e humana, da sociologia e da psicologia, além de outros ramos afins do conhecimento científico, porque aí se alojam os mananciais e que se embebe a alma coletiva e se plasma o caráter do povo”. 4

É inegável que, acima de tudo, com a edição do parágrafo 3º,  do art. 114,  da Constituição Federal,  aspira-se que haja um aumento da arrecadação federal, uma vez que  boa parte da evasão de divisas, com a dilatação no tempo para a sua real cobrança, esvanecer-se-á, tendo em vista que o próprio Juiz do Trabalho poderá compelir, executivamente, o devedor do fisco ao adimplemento, com a eventual constrição de seus bens.

Se entrevê, destarte, nessa norma constitucional límpidas finalidades sociológica, política, econômica e, também, jurisdicional.

Exclusivamente, destarte,  com a otimização da hermenêutica que vier a ser dada, alusivamente ao comando constitucional em questão, é que, na verdade, ter-se-á um estancamento da sonegação fiscal que campeia solta e, aforante isso, estará dando consistência à solidariedade social que deve ser o marco que bem divisará o humanitário sistema previdenciário pátrio (art. 195, caput, da Carta Política).

Eis, então, bem cravadas as irradiações sociais, políticas e jurídicas  emergentes da vertente regra constitucional.

3. Da compatibilização da norma constitucional do art. 114, § 3º, à moldura processual.

3.1. Generalidades.

O propósito da norma em epígrafe, não se cansa de repetir,  é a ingerência do próprio ente Estatal, representado pelo Poder Judiciário do Trabalho, na concretização do recebimento das contribuições previdenciárias que venham decorrer das sentenças trabalhistas, onde enredou, de um modo ou de outro, a temática da relação de emprego lato sensu, que havia de ter gerado, no momento aprazado, o desembolso de contribuição previdenciária.

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Mister deixar assentado, desde logo, que a situação do trabalhador  autônomo, de igual sorte,  poderá confluir na tipificação do art. 114 da Constituição da República. A veracidade disso sói ocorrer quando o empregador não logre comprovar que creditara a contribuição alusiva ao mesmo. Onde, em situação de tal jaez,  mesmo dando-se pela improcedência do pedido veiculado na reclamatória,  haja vista que de relação empregatícia não se cuida, sobrevirá, porém,  a condenatividade da parte reclamada quanto à questão previdenciária e, com isso, ensejará a eventual execução de tal sentença, nesse particular.

Acerca da factibilidade de se excutir contribuição social do trabalhador autônomo, bem posicionou-se Sérgio Pinto Martins, verbis: “Isso significa a exigência da contribuição da empresa sobre os pagamentos feitos a empregados, domésticos, trabalhadores avulsos e até a autônomos. É o que acontece quando a Justiça do Trabalho não reconhece o vínculo de emprego, considerando o trabalhador autônomo, ocasião em que serão devidas as contribuições da empresa incidentes sobre a remuneração do autônomo”. 5

O espectro, então, de ocorrências que, hodiernamente, desaguarão no portal da execução de contribuições previdenciárias, manejadas pela Justiça Laboral, é assaz dilatado. E tendo em linha de conta essa realidade, deve-se, por curial, lançar mão de uma interpretação que venha tornar o mais expedito possível o ato executório das mencionadas contribuições sociais.

Justamente por isso, se o Juiz do Trabalho, ao ordenar a feitura de cálculos para aquilatar o quantum debeatur atinente às prefaladas contribuições previdenciárias, e, feito isso, impelir a que  seja ouvido o INSS, via a sua Procuradoria, estará, com tal agir, malsinando a executividade de ofício  propalada pela atual norma  constitucional.

Se essa interpretação vingar, qual seja a de que, sempre que houver crédito da autarquia ela deverá ser consultada, os Procuradores deverão ocupar uma sala das Juntas de Conciliação, passando a exercer suas atividades profissionais lá mesmo,  uma vez que é da natureza do Judiciário Obreiro a concitação às composições amigáveis. Ou, do contrário, o julgador, antes de chancelar os acordos, haverá de sobrestá-los até que o INSS verbere sobre eles. Isso seria, no mínimo, extremadamente lesivo aos interesses do próprio reclamante, sem contar, ademais, que desfiguraria a ratio essendi da justiça especializada.

Por certo, esse não é o caminho vislumbrado pela novel regra constitucional, que açula, entre outros anseios,  pela maior dinamicidade da máquina jurisdicional trabalhista.

3.2. Da sentença laboral que aponte pela existência de contribuições previdenciárias insolvidas: equivalência ao lançamento tributário. Conseqüências práticas e exacionais.

As hipóteses de incidência fiscal são:

“Art. 195 – A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I –  do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

(…)

II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201”. 6

De conseguinte,  assim que a empresa ou o empregador deixar de solver as contribuições  previdenciárias alusivas à folha de salários (locução utilizada, aqui,  em sentido genérico) ou, de revés, no instante em  que o trabalhador, de idêntico modo, descurar em contribuir para com o INSS, virá à tona, e a favor desse último,  o crédito tributário.

Neste diapasão, por sinal, está a preleção de Paulo Barros de Carvalho, onde averba que:  “Nasce o crédito tributário no exato instante em que irrompe o laço obrigacional, isto é, ao acontecer, no mundo físico exterior, aquele fato hipoteticamente descrito no suposto normativo. Instaurada a obrigação, dentro dela estará, inexoravelmente, o crédito, numa  relação de absoluta inerência”. 7

Acontece, todavia, que não há, em inúmeros casos, no momento do descumprimento da ordem tributária,  qualquer sinal de liquidez e, sem ela, incompossível torna-se qualquer modalidade de exigência no plano prático.

De jeito que,  descumprida a norma primária por parte do contribuinte, advindo disso a necessidade de quantificar o débito, com a real precisão do fato que lhe originou, de proceder-se com a especificação de todas as bases que redundarão no quantum debeatur apurado, assim como  oportunizar ao súdito  o solvimento dele… Isso é o que, em linguagem tributária, cognomina-se de lançamento.

Portanto, em realidade, o lançamento tão-somente delineia o crédito tributário, que, a seu turno,  tivera gênese com o descompasso de conduta do sujeito em relação às normas exacionais.

Precisamente por isso, o lançamento é um verdadeiro ato administrativo. No-lo diz bem, nesse iter,  o consagrado Paulo Barros de Carvalho, ao registrar que:  “O conteúdo do lançamento é a formalização da obrigação tributária, que se obtém pela identificação do sujeito passivo, a determinação da base de cálculo e alíquota aplicável, o que torna líquida a dívida, e pela fixação dos termos de sua exigibilidade. A forma é a escrita, que diz bem com a necessidade de certeza e segurança em campo tão delicado como o das imposições tributárias”. 8

Nada há, entrementes, que vede ou prive o magistrado do trabalho de proceder a parametrização do devido, assim como, resolver a questão de quem é o devedor. De efeito, ele poderá, com todas as letras, lavrar ao que se denomina de lançamento tributário no que atina às contribuições previdenciárias que haverá de executar de ofício.

É esse lançamento, decorrente do Juiz do Trabalho,  um ato vinculado, ou seja, decorrente da própria outorga constitucional. Talvez, até para evitar porvindouras confusões, batizá-lo de lançamento ex lege.

Sobremais disso, estando o ato sentencial da Justiça do Trabalho, em casos que tais, fazendo as vezes do lançamento, deverá ser afirmado, também, que a homologação da sentença terá o condão de vera inscrição em dívida ativa, ou seja, passará a ser o título executivo do crédito previdenciário e, por isso mesmo, a alíquota da multa, a incidir-se na espécie, estriba-se no art. 35, inciso III, alínea c, da Lei nº 8.212/91 (com a redação dada pela Lei nº 9.528/97), isto é, a que cinge a 40% (quarenta por cento), haja vista que a executividade de ofício, que será levada a cabo pela justiça especializada, substitui a execução fiscal, nesse raio competencial sinalizado pela Lei das Leis.

Então, deverá o julgador do trabalho,  na sua sentença, apontar a figura do crédito, além de definir quem está na obrigação de solvê-lo (cujos sujeitos serão aqueles definidos no art. 195, I, a, e II, da Carta da República – desinteressando-se em saber se participaram da lide trabalhista como integrante em quaisquer de seus pólos), como, igualmente,  fixar o fato gerador da referida exação e respectiva base de cálculo.

E qual haverá de ser o marco da constituição desse crédito fiscal-previdenciário? Naturalmente a ocasião em que as ditas prestações deveriam ter sido pagas e não o foram, ou seja, no exato interregno temporal fixado pela Lei de Custeio, qual seja, até o dia 02 (dois) do mês seguinte ao da competência devida (art.  30, inciso I, da Lei nº 8.212/91, com a redação que lhe fora externada pela Lei nº 9.063/95).

Nesse tanto, muito oportuno o apontamento feito pelo jovem magistrado trabalhista, José Hortêncio Ribeiro Júnior,  judicando, presententemente, na Junta de Conciliação e Julgamento de Rondonópolis-MT, ao mencionar que:  “O raciocínio acima esposado impõe  ao juiz da execução  o dever de liquidar o débito previdenciário de acordo com os valores apurados em cada mês, observando-se as normas vigentes quando da constituição do crédito jurídico do empregado à remuneração, o que evidencia ser irrelevante o momento em que se opera o pagamento”.

E diz mais, o mesmo escritor:  “Caso o título judicial exeqüendo encerre apenas carga declaratória ou condenatória, o momento da constituição  do crédito jurídico situa-se nas épocas em que eram devidas as parcelas reconhecidas na sentença e que, apesar de refletirem direitos já constituídos, somente não foram pagos  diante da omissão patronal”.

Para não remanescer dúvidas, o prefalado articulista enfatiza que, no caso do provimento jurisdicional ser de índole constitutivo, o fato gerador dar-se-á  “no mesmo instante em que proferida a sentença”. 9

Procedendo-se assim, o passo subseqüente será o encaminhamento do feito à liquidação por cálculo do contador, apenas para a apuração numérica das contribuições previdenciárias, cujos parâmetros já restaram emoldurados no ato sentencial.

3.3. Da liquidação de sentença e posterior oitiva do INSS. Malferimentos apreensíveis.

3.3.1 – Da efetividade social violada com a participação do INSS em sede da fase liquidatória.

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Antes de se adentrar às erronias jurídicas que tal agir viria desfilar, acaso seja instada a manifestação da Previdência Social após a feitura dos cálculos,  merece ser aposto um argumento de caráter sociológico, qual seja, a pretendida eficácia real da execução vistada pelo art. 114, § 3º, da Carta Política.

Tal processo executivo, que nascera pela via do ofício, se se compelir o INSS à conferência dos cálculos de liquidação,  tornar-se-á tão moroso que, solarmente, a imediação que se pretendeu, com a norma maior,  esboroar-se-á.

Exemplos dessa delonga? a) A notificação haverá de ser pessoal, se se pretender que o órgão previdenciário revele-se através de seu corpo jurídico e, sabidamente, haverá Juntas de Conciliação que distam mais de quinhentos (500) quilômetros da sede de uma Procuradoria; b) Os prazos, em casos que tais, serão duplicados para a Previdência Social, que é equiparada à Fazenda Pública (art. 8º da Lei nº 8.620/93).

Será que é essa dilargação temporal toda,  que a regra ínsita no art. 114, § 3º, da Lei Mater, ansiou, ao valer-se da executividade de ofício das contribuições sociais? É claro que não. Tal situação, incontestavelmente, prestaria um desserviço à higidez tributária e perderia a própria razão de ser do rasgo constitucional às regras mais ortodoxas do processualismo.

E, na contemporaneidade, não se poderá, jamais, apartar-se o fator social da intelecção de uma norma jurídica, principalmente aquela de feitio constitucional, que, indiscutivelmente, tem a natureza de ser uma carta retratante do próprio pacto societário. E é essa pressão social, no caso brasileiro, que exige do Poder Público uma atuação efetiva na senda de se  coarctar qualquer modalidade de sonegação fiscal. Aqui, por óbvio, envolvido resta o Poder Judiciário do Trabalho que tem, hodiernamente, a missão ímpar de executar, de ofício, as contribuições previdenciárias que tiveram a revelação em seus atos decisórios.

No sentido da exigência da visão social como arquitetante do texto constitucional, traz-se à lume a preleção imemorável de Pinto Ferreira, assim escandida:  “Realidade Social e Constituição. O meio social e histórico exerce uma profunda e visível influência sobre a ordem jurídica, que não se desenvolve alheia às circunstâncias da realidade econômica e social. A constituição se modela por influência de fatores circunstanciais de uma sociedade determinada (…) Ninguém pode, pois, duvidar dessa atuação visível desse mundo real  do poder, determinando a forma e a configuração jurídica da Constituição”. 10

3.3.2. Da inexistência de vinculatividade do INSS à lide trabalhista e os reflexos decorrenciais. Mensuração da natureza intrínseca da Justiça do Trabalho.

Todo processo de conhecimento, como é de percepção intuitiva, surge para compor um conflito de interesses. E esse, por sua vez, exige a presença de sujeitos nele envolvidos, que, em linguagem técnica, recebe a denominação de partes.

Faz-se de bom alvitre trazer à baila estas asserções do saudoso Moacyr Amaral Santos, assim pontificadas:  “Na conceituação se aponta a finalidade do processo, atuação da vontade da lei às lides ocorrentes, por meio dos órgão jurisdicionais (…) Partes, no sentido processual, são as pessoas que pedem ou em relação às quais se pede a tutela jurisdicional”. 11

Na hipótese das contribuições previdenciárias lançadas em sede trabalhista, como é curial, o INSS não pode ser enlaçado como parte processual do aludido feito, já que ele nunca fizera nenhuma pretensão e, nem contra si, nada fora pleiteado.

Se a Previdência Social não se fizera integrante da lide, por igual razão, não figura na relação processual-executiva, que nada mais é que a implementação de um direito material consagrado e não satisfeito pelo perdedor daquele litígio.

Não fora à toa, portanto, que o legislador constituinte deu ao magistrado do trabalho o poder de executar, de ofício, as contribuições que serão vertidas para aquele ente que, em momento algum, participou da relação jurídica timbradora do objeto litigioso.

E o que se compreende, destarte, por execução de ofício? Que princípios a regem?  Para responder estas indagações, obviamente, torna-se inevitável traçar algumas linhas sobre o assunto.

A Consolidação das Leis do Trabalho, no art. 878, caput, concebe a execução de ofício pelo próprio Juiz do Trabalho. Nesse normativo, evidentemente, está-se dentro de um processo de execução que envolve o vencedor do litígio laboral, cuja sentença tenha índole condenatória. Mas, de qualquer modo, já sinaliza que é uma modalidade de implementação do direito, incoada e levada a cabo pelo próprio julgador, sem que, para tanto, haja a necessidade do ganhador envidar qualquer esforço na senda de eventual prática de quaisquer atos processuais.

Nessa pista, por sinal, vem à pêlo a acroase de Mozart Victor Russomano, assim grafada: “Tratando-se de decisão  proferida pelas Juntas ou pelos Juízos de Direito, há, também, a possibilidade de ser ela promovida, ex officio,  pelo titular do órgão judiciário (…) a Justiça do trabalho tem ampla iniciativa processual, amplo poder diretivo da causa. Não fica, inerte, esperando o impulso que a vontade das partes lhes dá. Pode, de per si, tomar alento e pôr em marcha o processo, inclusive na fase de execução”. 12

Cumpre, ainda, inquirir: na propagada execução de ofício, o juiz, para dar regular andamento ao feito, precisa compelir o exeqüente à prática de algum ato processual? Ou, de revés, o próprio magistrado age como se fosse o credor,  praticando todas as medidas a tanto impostergáveis?

Não se me afigura qualquer dúvida. Ora, se a execução é de ofício, assim o tencionou a lei exatamente para não se fazer presente qualquer imprescindibilidade do cometimento de atos processuais pela parte credora.  Do contrário, a norma não teria projetado o instituto da execução de ofício, mas sim, como de regra, tê-lo-ia deixado à mercê da parte, como se infere do princípio dispositivo.

Soa ser essa, similarmente, a posição de Mozart Victor Russomano, citando Oliveira Viana, ao assestar que: “É a Justiça do Trabalho uma Justiça ativa e dinâmica, que pode tomar a iniciativa da instauração das instâncias; que ordena as diligências necessárias ao esclarecimento dos feitos, independentemente das provocações dos interessados”. 13

Com isso, inquestionável que, não sendo o INSS parte no litígio, e, mais ainda, por imperativo da própria Constituição, cabendo a execução das contribuições sociais de ofício pelo próprio julgador, qualquer  exigência de participação da Previdência na faina laboral, além de processualmente equivocada, ofenderá a própria característica marcante da processualística obreira, qual seja, a dinamicidade.

Sobremais disso, merece ser alinhado, ainda, que o INSS, ao tomar conhecimento da sentença que, no campo tributário, veio substituir o próprio lançamento fiscal, não teria legitimidade para dela interpor recurso ordinário, mais uma vez porque não é parte e, muito menos, terceiro prejudicado.

Quanto a não ser a Previdência Social um terceiro prejudicado, no que tange à sentença que vem de propelir a parte devedora a solver as contribuições de regência, basta atentar-se pelo fato que a mesma, em momento algum da lide de conhecimento, veio integrá-la.

A esse ponto de vista, também, filia-se o conspícuo Amaury Mascaro Nascimento, anotando que:  “Porém, para que o terceiro possa  recorrer, deve ter figurado na relação processual na fase de conhecimento, no desenvolvimento do processo perante a Junta. Não fosse assim, estaria suprimido um grau de jurisdição”. 14

E, diria mais, além de não ser o INSS, em caso que tal, terceiro prejudicado, e muito menos parte no feito laborista, ele sequer teria interesse recursal, já que, em tal sentença, nenhuma lesividade lhe sobreviria, haja vista que, eventual discordância, como é factível, poderá, após o findar do processo do trabalho, ser discutida na Justiça Comum, após regular lançamento tributário e distribuição da competente execução fiscal. A esse respeito, voltaremos adiante com maior fôlego.

Nessa pegada, identicamente, volta a carga o Professor Amaury Mascaro Nascimento, ao obtemperar que:  “Só pode recorrer aquele que, em decorrência da sentença,  sofre um dano ou prejuízo.  Trata-se, portanto, de um efeito do recurso,  ou de tornar alguém vencido  no processo, daí resultando o interesse em recorrer”. 15

3.3.3. Da execução ex officio e resolução de incidentes processuais pelo magistrado laboral.

Se, como ressai do art. 114, § 3º, da Carta Maior, incumbe ao Juiz do Trabalho executar, ex officio, as contribuições previdenciárias, igualmente a ele estão acometidos poderes de analisar quaisquer incidentes daí decorrentes, até mesmo embargos do devedor opostos quanto à essa matéria, sem que, para tanto, tenha de se ouvir o INSS. Ora, se a execução é de ofício, quem pode o mais estará autorizado para o julgamento do menos.

Poder-se-ia cogitar de que tal atitude do magistrado obreiro feriria a sua imparcialidade. Acontece que, quando do cometimento pela norma constitucional de sua competência para executar de ofício tangentemente às contribuições sociais, conferiu-lhe, à evidência, toda a gama de autoridade para deliberar sobre a aplicabilidade da lei previdenciária, afeta à casuística ali estampada. Desde a discussão sobre incidentes de penhora em si, até, é claro, ao próprio questionamento sobre a relação processual executória ou, também, as questiúnculas afetas ao título exeqüendo.

Toda a argumentação aqui ventilada estriba-se em um pressuposto dogmático de meridiana clareza, qual seja, o preceptivo constitucional que atribuiu ao magistrado laboral a prerrogativa da execução de ofício, abrindo mão, nesse caso, do princípio dispositivo (nemo procedat judex ex officio) e, assim sendo, sagrando o inquisitivo.

E, embora excepcional, o princípio inquisitorial não é de todo desconhecido pelo Código de Processo Civil. Temos situações que tais, dentre outras, quando da viabilidade de o juiz instaurar o processo de inventariança se outros legitimados não o fizerem no prazo de 30 (trinta) dias, consoante extrai-se do art. 989.

Entrementes, se nos afigura inadiável a seguinte indagação: que poderes detém o julgador quando o sistema pactua com o princípio inquisitivo?

Todos aqueles que o leve, no caso concreto, a portar-se como se fora um bom administrador, já que, na hipótese em debate, o Juiz do Trabalho age na qualidade de titular de um poder estatal, imbricando, também, na faina administrativo-fiscal, em busca de que as contribuições previdenciárias, decorrentes de seu ato sentencial, aportem-se às barras do erário público com o  menor lapso temporal possível.

Bem retrata, mutatis mutandis, o que se está aqui expondo, o pensamento de Fernando da Costa Tourinho Filho, ao ensinar que “o processo de tipo inquisitório é a antítese do acusatório. Não existe o contraditório e, por isso mesmo, inexistem as regras da igualdade e da liberdade processuais. As funções de acusação, defender e julgar encontra-se enfeixadas em uma só pessoa: o juiz. É ele quem inicia, de ofício, o processo, quem recolhe as provas e quem, afinal, profere a decisão”. 16

Portanto, nada há que proíba ao magistrado do trabalho que, no que atina à executividade das contribuições previdenciárias, insertas na competência propalada pelo art. 114, § 3º, da Constituição Federal,  aja com toda a amplidão, decidindo, de per si, os embargos do devedor ou mesmo de terceiros, sem que, para tanto, lance mão de qualquer notificação  aos quadros de Procuradores do INSS.

Pensar de modo diverso, data venia, é deixar ao largo o pretendido com a Carta Magna, que, sabidamente, em casos de tais jaez, consagrou o princípio inquisitivo. É, enfim, tornar débil um comando magno que, a seu turno, veio com o frêmito desejo de efetivamente coibir, com celeridade, a sonegação fiscal que grassava quando das sentenças trabalhistas com reflexos previdenciários.  Porque, transatamente, o julgador laboral nada podia fazer, a não ser valer-se de notificação ao INSS, para que esse, a nível administrativo, desse início a um demorado procedimento fiscalizador, que, sabidamente, comportava recursos com efeito suspensivo, antes de poder ter-se a inscrição do débito em dívida ativa. E, após isso, até que, com a execução fiscal, se chegasse à constrição de bens, sabidamente a possibilidade de um resultado funesto era imensurável.

Fica, pois, aqui um brado, antes de tudo como cidadão, na trilha de que os juízes laborais bem utilizem da gama de poderes que o princípio inquisitivo encerra e, com isso, coarctem o nível máximo de probabilidade de sonegação fiscal.

Um dos reflexos disso, também, é a posição, muito mais participativa, que o juiz do trabalho passa a ter nos acordos celebrados, com vistas a impedir as fraudes na hora de discriminar certas verbas como sendo indenizatórias para que, assim sendo, fiquem as mesmas ao desabrigo da incidência previdenciária.

Nesse instante, destarte, o julgador obreiro haverá de pautar-se com uma extensa dose de bom senso, com vistas a que, de um lado, aja como fiscal da própria lisura exacional, e, de outro, não barre as transações a ponto de se quebrar a natureza compositiva que guarnece e adorna a Justiça do Trabalho. De efeito, não deixa o juiz de estar, nesse momento, usando o seu poder estatal de interatividade na função administrativo-tributária estatal. Esse fator, mais uma vez, bem sinaliza o princípio inquisitivo decalcado  no art. 114, § 3º, da Carta Política.

3.4. Das execuções de ofício das contribuições previdenciárias e a presença da coisa julgada. Rediscussão do que engendrou o quantum  arrecadado na seara laboral.

A execução, de ofício, das contribuições previdenciárias, de regra, em momento algum torna obrigatória a presença do INSS, com vistas à prática de qualquer ato processual, como restou sobejamente demonstrado alhures.

Exsurge, disso, outra inferência lógica: o que vier a ser excutido no espaço trabalhista não será óbice para que, em sede própria, venha a ser reexaminado.

Em outras palavras, se a Previdência não concordar com o quantum a ela vertido, em face de uma sentença trabalhista (aqui tomada em sentido abrangente), seja com relação à temporalidade do fato gerador, ao patamar da alíquota, a indexação alusiva à base de cálculo etc, poderá, através de procedimento administrativo,  ventilar sobre as ditas quaestios, e, se não solvido o crédito encontrado naquela instância, aparelhar a execução fiscal, aí sim, na Justiça Comum, posto que, com a sentença laboral, tal especializada cumpriu a acabou o seu ofício jurisdicional (art. 463 do Código de Processo Civil), introduzido no corpo do art. 114, § 3º, da Carta Política.

Duas ordens de idéias são acenativas do gizado no parágrafo anterior. Ei-las assim dispostas:

1ª) Em processo de execução, segundo a melhor doutrina, inexiste coisa julgada material, isto por uma singela razão: ausência de lide. Havendo, sim, a figura da preclusão, ou seja, não se podendo, no mesmo processo, reabrir a matéria nele ventilada e finalizada.

Pedimos vênia, contudo, para coligir a posição do processualista Humberto Theodoro Júnior, que se nos mostra muito apropriada à matéria aqui enfocada.

Perora o grande artífice:

“A sentença que extingue a execução, a teor do art. 795, não assume a autoridade de coisa julgada material, a respeito do direito do credor, porque este em nenhum momento esteve em litígio dentro da execução forçada, mesmo porque esta não gera  um processo de índole contraditória, nem se destina  a julgamento ou acertamento de relações jurídicas controvertidas.

A indiscutibilidade e imutabilidade da sentença trânsita em julgado são fenômenos que dizem respeito ao elemento declaratório das sentenças de mérito, que só podem se localizar no processo de conhecimento.

O resultado da execução é em tudo equivalente ao pagamento voluntário da obrigação pelo devedor. Sua perfeição e eficácia subordinam-se, portanto, aos mesmos princípios da validade do pagamento.

Por isso, se uma execução foi promovida com base em título ilegítimo, do ponto de vista do direito material, mesmo depois de extinto o processo por sentença, lícito será ao devedor intentar contra o exeqüente uma ação de repetição do indébito, na forma do art. 964 do Código Civil”. 17

Ora, se assim o é, na hipótese de um devedor que entende ter desembolsado uma quantia sem que tivesse, para tanto, uma causa legítima, o mesmo dar-se-á, obviamente, para o credor que vislumbrar um recebimento débil. E, por similitude de raciocínio, torna-se aplicável no caso das contribuições previdenciárias, onde o INSS, logicamente, poderá excutir verbas que entenda devidas, ou, mais explicitamente, poderá valer-se, na Justiça Comum, da execução fiscal para cobrar quantia porventura remanescente.

2ª) Todavia, apenas com foros argumentativos, digamos que a situação em pauta venha gerar coisa julgada, impedindo-se que o INSS, a seu turno, possa executar quantia além daquela solvida pelo devedor, assim considerado em sede da Justiça do Trabalho. Conjecturemos ser isso possível no átrio da execução de ofício, levada a cabo pela justiça especializada.

Contudo, a coisa julgada não pode alcançar terceiros é, por isso, aliás  que se aventa os seus limites subjetivos, isto é, o campo de sua extensividade abarca, apenas e tão-somente, as partes do processo. E, sabidamente, no feito trabalhista, tangentemente às contribuições decorrentes da delegação competencial do art. 114, § 3º, da Carta Política, a Previdência Social não é figurante de nenhum dos pólos da relação jurídico-processual e, nem tampouco, tem liame com a questão de mérito ali encaminhada e decidida.

De conseguinte, aplica-se-lhe, induvidosamente, o contido no art. 472 do Código de Processo Civil.

Pode, é certo, o eventual devedor do INSS, caso haja contra si movida uma demanda executória, onde este último entendeu que o quantum desembolsado, por aquele, na Justiça Laboral, quando da  execução de ofício, fora insuficiente, valer-se da sentença laboral como suporte de seu arrazoado defensivo, a ser deitado em embargos à execução, nunca, porém, como um embaraço ao processo executivo, porque, indiscutivelmente, não se há falar em coisa julgada material na espécie em testilha.

Em similar esteira de ótica está o Superior Tribunal de Justiça, ao verberar que: “a coisa julgada é a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário. No plano da experiência, vincula apenas as partes da respectiva relação jurídica. Relativamente a terceiros pode ser utilizada como reforço de argumentação. Jamais como imposição”. 18

Poder-se-ia objetar: acontece que uma pessoa que pagou, na esfera trabalhista, a contribuição previdenciária, na exata quantia encontrada pela contadoria da epigrafada especializada, e, no porvir, tenha questionada pelo INSS, na senda de que o solvera a menor, não ficará com a impressão da falta de seriedade do próprio provimento da justiça laboral? Isso não deporá contra a credibilidade do Judiciário?

É importante ver-se, entrementes, que no mundo do direito não vige a regra do ser, mas sim, a afeta ao dever ser.  De efeito, a questão metajurídica, aqui agitada, não invalida as regras processuais, a ponto de forjar uma coisa julgada material inexistente.  E, demais disso, a temática da justiça nas decisões, em si, nunca não foi da essência do processo judicial. Sem dizer, também, que na casuística em tela deverá, sempre, prevalecer o interesse público, que, aqui, pode ser bem figurado com o real ingresso das verbas públicas. Sendo comezinho, em direito administrativo, que os interesses publicísticos prevalecem sobranceiros aos de índole privatísticos.

Ainda merece ser grafado, por outra senda, que a decisão de uma Justiça Comum, no que concerne às contribuições previdenciárias encartadas no art. 114, § 3º, da Lei Magna, jamais afastará a lançada, atinentemente à mesma matéria, pela Justiça do Trabalho. Cada uma delas cingir-se-á à peculiar situação competencial. Isso já constitui-se em razão jurídica para não se preocupar, o intérprete, quanto à uma virtual perda de credibilidade.

O enfoque supramencionado, por sinal, pode bem ser representado neste excerto doutrinário de Ernane Fidélis dos Santos, assim vazado: “O que importa na jurisdição é a função de regular a situação concreta, nada mais. Daí não serem absurdas, sob o aspecto lógico, as contradições que possam surgir em dois ou mais julgados, quando os efeitos práticos de um não excluírem os do outro (…)  Cada caso regulado concretamente, dentro dos exatos limites  com que se apresentou. Esta a função jurisdicional”. 19

4. Do grau de mudança pragmática com a edição do art. 114, § 3º, da Constituição Federal. Casos excepcionais que recomendam a oitiva do INSS nos feitos executivos incoados de ofício pela Justiça Laboral.

Como restou fastidiosamente demonstrado, a Previdência Social, no trâmite da execução de ofício das contribuições sociais, nos moldes do riscado pela Carta Política, em seu art. 114, § 3º, não deve ser compelida a mover uma folha sequer.

Contudo, ao findar-se a execução das contribuições previdenciárias, pela Justiça do Trabalho, a mesma haverá de repassar ao INSS o resultado obtido, seja o pagamento feito pelo devedor (remição da execução) ou, daqueles que se interessaram em remir o bem constritado, ou, ainda, a entrega do numerário conseguido com o hasteamento.

A esse tempo, aí sim, haverá a Justiça do Trabalho de trazer para a Previdência Social o valor originário do débito, os parâmetros que levaram àquela apuração numérica na faina obreira, para que, com isso, o ente Público possa aquilatar da exatidão ou não do que fora amealhado pela Justiça Laboral.

Caso ainda posicione a Previdência Social na trilha em que o valor aportado fora a menor, dará início ao levantamento do que julga remanescer, via fiscalização.

Logo, em realidade, aquela notificação que se fazia ao INSS, para que, frente à decisão trabalhista, ficasse o órgão previdenciário cientificado dela e dos consectários que daí poderiam advir, e que dava-se assim que prolatada a sentença ou homologado o acordo, agora, passa a ser levada a cabo ao final do processo executivo, ou, no instante em que restar solvida a contribuição previdenciária decorrente do provimento laboral.

O que se fez, então, com a edição do art. 114, § 3º, da Lei Mater, foi: a) municiar o juiz de todas as armas para excutir o crédito previdenciário, executando-o de ofício diante da recalcitrância do devedor em não tê-lo quitado até então; b) mudar o momento de comunicação à autarquia previdenciária, que agora dar-se-á quando do solvimento ou, de outro lado, ante à frustração do executivo, pela ausência de bens penhoráveis ou, identicamente, pela ausência de licitante para arrematar o que fora constritado.

Em regra, pois, a notificação da Justiça Obreira haverá de ser dirigida à Seção de Arrecadação e Fiscalização do INSS, ou seja, à sua repartição administrativa, nada tendo, então, de ser encaminhada ao órgão da Procuradoria. Porque é aquela primeira quem detém poderes para proceder eventual fiscalização, acaso entenda que o valor vertido não esteja afeto aos parâmetros da legislação previdenciária.

Contudo, existem dois supostos fáticos que compelem o Judiciário do Trabalho, ante à norma constitucional em testilha, proceder com a notificação do INSS, na sua esfera jurídica, quais sejam: a) quando não houver bens penhoráveis, que, sabidamente, levará a que o órgão previdenciário envide buscas exaustivas na senda de se encontrar objetos constritáveis, não devendo, em primeira mão, contentar-se, apenas, com a certidão do meirinho, mesmo porque, com essa pesquisa fora da Comarca, se for o caso, poder-se-á chegar à existência de coisas passíveis de viabilizar a segurança do juízo; b) quando restar frustrada a alienação judicial do que fora constritado, já que, em caso tal, nada obstará a que a própria Previdência Social tenha eventual interesse  em manejar o instituto da adjudicação (cf. art. 24 da Lei nº 6.830/80). 20

5. Da colaboração do INSS com o Judiciário do Trabalho. Uma prática de bom senso e respeito à harmonia dos Poderes.

Que, formalmente, o INSS não há que praticar nenhum ato no trâmite do executivo das contribuições sociais, a não ser nas excepcionalidades dantes referidas, não se tem a menor dúvida.

Daí, porém, não se pode querer que, enquanto o Poder Judiciário intromete-se numa seara que, até então, lhe era estranha, o maior interessado nas verbas que serão a ele carreadas fique alheio às mobilizações políticas e, quem sabe, até gerenciais sobre o processo arrecadatório incoado de ofício pela justiça especializada em questão.

Destarte, a meu sentir, a Previdência Social, a nível de cúpula de cada Estado-membro, em conjunto com os Presidentes dos respectivos Tribunais Regionais do Trabalho, haverá de buscar uma parceira ténico-contábil, de preferência. E, demais disso, a DATAPREV, que, sabidamente, presta auxílio na área da informática à epigrafada autarquia, haverá de desenvolver softwares que viabilizem ao Judiciário trabalhista uma cobrança a mais efetiva e escorreita, no campo da legislação de regência.

De imediato, portanto, o INSS deverá fornecer técnicos seus, à guisa de exemplo, fiscais de contribuição, com vistas a que estes venham ministrar cursos e treinamentos aos contadores judiciais, ou mesmo aos peritos auxiliares do juízo (já que existem muitas Juntas de Conciliação nessa plaga brasileira que não detém contadoria peculiar), com o intento de que eles possam realizar, a bom termo, o cometimento que se fora outorgado pela Carta Política. É um mandamento constitucional, auto-aplicável, que terá a sua plena otimização na medida exata do que, com ele, vier a se dinamizar o ingresso de contribuições sociais ao erário público.

O momento atual, como se vislumbra, é de total unicidade de esforços entre os Poderes da República, que, embora independentes, devem, entre si, ter o máximo de harmonia possível, como, aliás, decorre do próprio texto constitucional (art. 2º). Tão-somente com esse ideário de co-participação é que, com certeza, carrear-se-ão volumosas contribuições previdenciárias que se perdiam no escaninho da vala da sonegação.

Fortaleçamos os Poderes, parametrizando sempre as  condutas de seus agentes no esteio seguro do Estado Democrático de Direito, com práticas não apenas jurídicas, mas sim, voltadas à conferência de eficácia social às normas, máxime às de envergadura constitucional, e teremos, por curial, um seguro logro quanto aos programáticos  objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, insertos no art. 3º da Carta Política da plaga brasileira.

 

Notas:

1.Herzog-Schick, Verfassungsreckt, 4, Auflage, München, 1973, pág. 20.

2. Comentários à Constituição Federal Brasileira,  vol. II, São Paulo, 1933, pág. 488.

3. Cf. matéria intitulada ‘Execução de Contribuições Previdenciárias pela Justiça do Trabalho’, publicada no Repertório IOB Jurisprudência, verbete 2/14.440 – os destaques não figuram na fonte.

4. Curso de Direito Constitucional, 19ª ed., Ed. Saraiva, pág. 68.

5. Matéria cit.

6. Inciso II com nova redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.98. Porém, ressalta-se que, no original, inexistem as reticências que figuraram no trecho copiado. O texto anterior era: “II – dos trabalhadores”.

7. Curso de Direito Tributário, 7ª ed., Ed. Saraiva, pág. 250.

8.  Ob. cit., pág. 269.

9. Matéria intitulada ‘A contribuição previdenciária sob a nova  perspectiva do art. 114  da Constituição Federal. Parâmetros intertemporais para a liquidação’, no prelo para posterior publicação.

10. Curso de Direito Constitucional, 5ª ed., Ed. Saraiva, pág. 9.

11. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. I, 17ª ed., Ed. Saraiva, págs. 247 e 342, respectivamente.

12. Comentários à CLT, 11ª ed., Ed. Forense, pág. 949.

13. Ob. cit., pág. 948.

14. Curso de Direito Processual do Trabalho, 13ª ed., Ed. Saraiva, pág. 285.

15. Ob. cit., pág. 282 – o destaque é do próprio autor.

16.  Processo Penal, vol. I, 11ª ed., Ed. Saraiva, pág.   83.

17.  Curso de Direito Processual Civil, vol. II, 3ª ed., Ed. Forense, págs. 1093/1094.

18. 6ª Turma, Resp. 28.618-2-GO, rel. Min. Vicente Cernicchiaro, j. 24.11.92, DJU 18.10.93, pág. 21.890.

19.  Manual de Direito Processual Civil, vol. 1, 4ª ed., Ed. Saraiva, págs. 9/10.

20. Reflexão essa a que chegamos, principalmente, frente ao caloroso debate que mantivemos com o Dr. Ladário  Teixeira Neto,  Diretor de Secretaria da Junta de Conciliação e Julgamento de Rondonópolis/MT.  Sendo que, na oportunidade, esse dedicado servidor nos fez ver essa angulação, até então, por mim impensada.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Emerson O. Sandim

 

Procurador do INSS/MT, Escritor e Conferencista

 


 

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