Justiça restaurativa: elementos e particularidade para o garantismo penal juvenil

Resumo: A presente pesquisa tem o objetivo de elucidar a problemática da expansão penal no Brasil em pararelo com a crise da criminalidade como uma expressão da “Questão Social”. Por isso, num primeiro momento, este artigo abordará as nunces da “questão social” e a criminalidade como seu resultado, em particularidade no Brasil, tendo o grupo juvenil, foco desta pesquisa, como um dos principais afetados neste embate. Por tal contexto, devido ao desenvolvimento positivo no mundo e no Brasil desde 2006, as práticas restaurativas serão expostas neste texto como uma saída para essa problemática, bem como uma técnica garantista e efetivadora da legislação penal, bem como, de respeito aos direitos fundamentais.

Palavras-Chave: Direitos Penal; ECA; Garantismo Penal; Justiça Restaurativa

Abstract: The present research has the objective of elucidating the problem of the criminal expansion in Brazil in paralleling it with the crime crisis as an expression of the "Social Question". Therefore, in the first instance, this article will address the "social issue" nouns and crime as its result, in particular in Brazil, with the youth group, the focus of this research, as one of the main affected in this conflict. Due to the positive development in the world and in Brazil since 2006, restorative practices will be exposed in this text as an outlet for this problem, as well as a guarantor and effective technique of criminal legislation, as well as respect for fundamental rights.

Keywords: Criminal Law; ECA; Criminal prosecution; Restorative Justice

Sumário: Introdução. 1. “Questão Social” e Criminalidade Juvenil. 2. Justiça restaurativa e Garantismo Prnal juvenil como novo olhar do justo. Conclusão. Considerações Finais.

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem o compromisso de demonstrar o histórico e potencialidades da Justiça Restaurativa como mecanismo que visa aprimorar a resolução de conflitos, para a efetivação da justiça, bem como, fomentar a luta contra as criminalizações de pobres já marginalizados historicamente, haja vista, tal fomento, visando a proteção do Direito Juvenil, ao passo da realidade das medidas socioeducativas no brasil, ao tempo que a Justiça Restaurativa coloca-se como uma medida alternativa na resolução de conflitos e na efetivação dessas mesmas medidas.

Por isso, em um primeiro momento, a pesquisa discorrerá sobre as nuances da “questão social” no Brasil e suas correlações com a Criminalidade, ao passo, de que em uma sociedade onde há índices violentos de desigualdade social, percebe-se que, em paralelo, também há um violento índice de criminalidade, especificamente, em crimes contra o patrimônio, como bem relata os dados do Ministério da Justiça bem como do INFOPEN.

Haja vista, num segundo momento, será apresentada a Justiça Restaurativa e seus avanços no Brasil como uma alternativa na resolução de conflitos na seara criminal, especificamente, nas ponderações e resoluções de conflitos que envolvem adolescentes, estabelecendo, portanto, mais um elemento que promove o acesso à justiça, bem como o garantismo penal juvenil, pautado na proteção da criança e do adolescente, ente já marginalizado pela “questão social”, bem como, a sua proteção como pessoa humana titular de Direitos e Garantias Fundamentais.

“QUESTÃO SOCIAL” E CRIMINALIDADE JUVENIL

O primeiro elemento para a elaboração de uma teoria garantista juvenil à luz das práticas restaurativas na tarefa de se estudar a(s) efetivação(ões) da Justiça, está associado à necessidade de observação de alguns aspectos da História Social do Brasil, a qual é marcada por diversas dicotomias e realidades assombrosas no que concerne a oscilação de desmonte das esferas sociais a partir do enorme cenário de desigualdade após o “amadurecimento do Capitalismo no Brasil.”(SANTOS, 2008).

Além disso, desde o período Colonial, passando pelo Imperialismo até a “abolição da Escravatura”, o Brasil foi um grande mentor de mão de obra barata, essa através dos Negros escravizados pelos portugueses do período colonizador, como bem ensina os livros didáticos de História do Brasil.

Em efeito, nessa historicidade, com o fortalecimento do Capitalismo, os desnivelamentos sociais obtiveram uma forte e significativa influência nesse desmonte social. De modo que, fez-se necessária a observância na Teoria Social de um conceito que representasse os desnivelamentos sociais expressos com a objetividade Capitalista, a “questão social”.  De acordo com SANTOS (2008) esse conceito surgiu no Século XIX, como menção ao que se referia a pauperismo e objetos da mesma natureza.

Nessa esteira, a “questão social” é tida como ponto de partida de análises de problemas sociais e das suas naturezas na sociedade. Nesse texto, como trataremos de Criminalidade e Criminalização, podemos pontuar a “questão social” como ferramenta para as abordagens sociais justificadoras. Já que, como bem foi definida por IAMAMOTO (1999, p.27)  A “Questão Social” trata-se do

“conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que têm uma raiz comum: a produção social é cada vez mais colectiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos se mantém privada, monopolizada por uma parte da sociedade”.

Diante disso, um dos problemas binários da criminalidade está descrito nessa realidade social: a apropriação dos frutos da produção Capitalista e o desnivelamento expressivo das classes sociais, classes essas que já vem desde toda a história social brasileira marginalizada, ao passo de com a conceituação da “questão social” numa sociedade em que o capitalismo se desenvolveu como uma nuance paralela à pobreza, essa desde o período colonial, o que fica exposto são níveis de desigualdade social, ineficácias da Justiça e problemas criminais.

Nessa esteira, a “questão social” expõe a vulnerabilidade social dos adolescentes reféns das expressões de desigualdade, ao passo de que com o desenvolvimento tecnológico desenfreado e aprimoramento do capitalismo, a ideia de Justiça Social tornou-se uma utopia segundo Ferreira (2007 apud TANQUES 2008), devido ao grande montante de desigualdade no Brasil, sendo que, a “questão social” se relaciona diretamente à criminalidade, essa como expressão da primeira.

 Rusche e Kirchheimer (2004, p. 17 apud TANQUES, 2008) apresenta  “A questão social como causa básica da quantidade de crimes contra a propriedade e a ordem pública […].” Ou seja, expressiva parcela dos crimes cometidos contra o patrimônio e a ordem pública são oriundos da questão social. Além disso, a perversidade daqueles que convivem com a pobreza e miséria, fomenta cada vez mais no aumento da violência e da revolta dos sujeitos que vivem nesta condição.(TANQUES, 2008)

Haja vista, a Criminalidade Juvenil no Brasil possui sua nascente na “questão social”, pois, ao passo que as grandes desigualdades sociais avançam, gerando o fator de exclusão social, a criminalidade também avança. Scapini (2002, p. 389 apud TANQUES, 2008) analisa que “[…] em países onde a distância entre ricos e pobres é quilométrica e, cada vez mais se acentua, os índices de violência e criminalidade são elevadíssimos, chegando ao descontrole. O Brasil é “campeão do mundo” em injustiças sociais, tem a pior distribuição de renda do planeta. Pequena parcela da população vive na opulência, enquanto à imensa maioria sobrevive sem acesso sequer à saúde, à educação, à alimentação e ao emprego. É óbvio que a situação tende a se agravar, enquanto inutilmente, atacam as consequências do problema, não suas causas.“

Nesse exposto, as consequências do problema estão elencadas nos adolescentes da periferia, os quais são os maiores atingidos pela injustiça social, bem como, na inobservância das políticas públicas, ao passo de que no solo da pobreza e do sentimento de abandono, os frutos são infrações atreladas ao patrimônio, sendo que as causas, como expôs Scapini, são as expressões da “Questão Social”.

Nesse contexto, o que ocorre é uma enorme taxa de criminalização da pobreza e dos adolescentes que dela fazem parte, já que indivíduos que, em boa parte das situações, não obtiveram o caminho de escolha do “melhor” para si tornam-se vulneráveis à prática de delitos, que fomentam a criminalidade como expressão da “questão social”, ou pior, quando o Estado não possui o aparato fundamental para a formação dos indivíduos, em especial os adolescentes, através das políticas públicas, acesso à justiça, efetivação de direito, o que, por sua vez, contradiz os objetivos fundantes da Constituição Federal Brasileira, presente no artigo 3º, que são: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional;  III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;  IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Em efeito, é nesse cenário que a Justiça Restaurativa, parte do modelo de Justiça Consensual, surge como mecanismo auxiliador da Justiça Criminal. Sendo que, esse auxílio é dado como um fortalecimento conceitual da aplicação da pena e da compreensão do fenômeno criminal, já que o grande papel da Justiça Consensual, a qual é também restauradora, é elencar as problemáticas acima, levando em consideração que o crime, em boa parte das nuances cotidianas, está atrelado à condição de vida dos infratores, os quais foram e são marginalizados pela injustiça social, além de reunir um espaço para que essa compreensão aconteça, tanto pelo ofensor, como principalmente pela vítima, a qual em boa parte das vezes, durante os Círculos Restaurativos, consegue perceber a marginalização do autor do delito e mais ainda, a sua humanidade presente, mesmo havendo toda a construção da conjuntura do Delito, esse como resultado de um processo social, como bem descreve a Ciência Criminológica.

Nesse elemento, como bem citou GOMES e MOLINA(2008, p.363), o crime não é um tumor nem uma epidemia que assola a sociedade, mas sim, um doloroso problema interpessoal e comunitário, uma realidade próxima do cotidiano, quase doméstica, que nasce na comunidade e deve(ria) ser resolvido pela sociedade, em suma, um problema social, o que implica no seu diagnóstico e tratamento.

No entanto, assumindo a premissa de que o Delito tem, em boa parte dos acontecimentos, a sua natureza a partir de problemas sociais, estamos assumindo que o Estado e a ordem econômica foram e são responsáveis por tal acontecimento delituoso, afinal, como bem orienta algumas teorias criminológicas, especificamente a teoria Marxista do conflito, a qual, tem a sua raiz no pensamento de Marx e Engels, o fenômeno Criminal tem seu nascedouro nos conflitos sociais, conflito esse gerado pela precariedade das relações sociais, de trabalho e de organização da comunidade em favorecimento do enriquecimento Capitalista, segregando e estratificando em camadas (deliberadamente desniveladas) a sociedade. (GOMES e MOLINA, 2008)

De modo que, na ótica da Teoria do Conflito inspirada no Marxismo, a “questão social” fica novamente exposta como realidade paralela à criminalidade, já que as condições para algumas camadas sociais torna-se ativamente inalcançáveis em relação às camadas que estão no topo da “pirâmide social”, ou seja, não são todos que participam da construção social, bem como, dos seus frutos.

Destarte, essa teoria Marxista, mesmo não sendo modernamente a majoritária dentro da Ciência Criminológica, possui uma forte tendência de fortalecimento da Justiça Consensual, ao passo que a mesma possui o seu compromisso objetivo em sanar os problemas criminais, já que esses mesmos problemas são originados das deficiências das relações sociais e as omissões deliberadas do Estado, no enfrentamento da “Questão Social”, haja vista, objetivando em um primeiro momento, a prevenção do delito e a reconstrução das relações afetas por esses problemas pela própria comunidade, já que é dela que nasce esse conflito e é por ela que deve(ria) ser, primariamente, solucionado.

Por tal contexto, a Justiça Restaurativa, está em crescimento no Brasil e possui particularidades em construção e desenvolvimento dentro das Ciências Criminais, além do alto comprometimento de contornar o desenho social injusto e na efetivação da justiça, havendo, pois, o objetivo de difundi-la como uma alternativa de aplicação da justiça e defesa de direitos ao adolescente e demais indivíduos.

JUSTIÇA RESTAURATIVA E GARANTISMO PENAL JUVENIL COMO PERSPECTIVAS DE UM NOVO OLHAR DO JUSTO

Em desenvolvimento no Brasil acerca de dez anos, a Justiça Restaurativa elenca o quadro do modelo consensual de justiça, elemento o qual contribui para o amadurecimento da Justiça Criminal no Brasil, bem como, a possibilidade alternativa de observação das condições humanitárias dos indivíduos envolvidos em conflitos, bem como, a participação e protagonismo de ambos na resolução desse mesmo conflito.

Nesse elemento, para conceituação, o Conselho Econômico e Social da ONU (2002) define a Justiça Restaurativa como: […] qualquer processo no qual a vítima e o ofensor e, quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime, participam ativamente na resolução das questões oriundas do crime, geralmente com a ajuda de um facilitador”, é discutida como uma possível alternativa a essa situação de barbárie. A Justiça Restaurativa, através da afirmação de valores como responsabilização, inclusão, participação e diálogo, pode corresponder a anseios civilizatórios inadiáveis nos tempos presentes em que a violência teima em se impor como forma natural de sociabilidade.

Esse novo paradigma de justiça, ao invés de competir com os procedimentos corriqueiros, adotados pela justiça convencional, dá a eles um sentido novo, baseado na participação, autonomia, inclusão e observação às configurações sociais. Sua introdução nos programas de atendimento da privação de liberdade pode contribuir para a responsabilidade ativa de todos os envolvidos na busca de alternativas para enfrentar  realidade de violências.

Não obstante, a justiça Restaurativa é uma abordagem que privilegia toda forma de ação objetivando a reparação das consequências vivenciadas após um delito ou crime, a resolução de um conflito ou a reconciliação das partes envolvidas. A mesma não pode ser concebida de forma dissociada da doutrina de proteção aos direitos humanos, vez que ambas buscam, essencialmente, a tutela do mesmo bem: o respeito à dignidade humana. 

As práticas restaurativas não são feitas para substituir o sistema da justiça tradicional, mas sim para complementar as instituições legais existentes e melhorar o resultado do processo de justiça. Ao descentralizar a administração de certas demandas da justiça, que são tipicamente determinadas de acordo com a gravidade legal e moral da ofensa, e ao transferir o poder de tomada de decisão ao nível local, o sistema de justiça estatal e os cidadãos podem se beneficiar. A micro-justiça pode ter um efeito intrínseco para o processo, levando-o à resultados positivos, tais como:

“- Reduzir o volume de casos para os tribunais;

– Melhorar a imagem do sistema formal;

– Dotar poder aos cidadãos e as comunidades através da participação ativa no processo de justiça;

– Favorecer a reparação e a reabilitação ao invés de retribuição;

– Ter por base os consensos e não a coerção.”

Os programas de justiça restaurativa diferem de justiça tradicional, uma vez que possibilita a participação no processo. O envolvimento ativo em projetos de micro justiça, como administradores, usuários, ou como testemunhas participativas funcionam para dar poder aos cidadãos e comunidades menos privilegiados.

Em um sistema retributivo, o que se espera do infrator é que ele suporte sua punição. Para a Justiça Restaurativa o que importa é que ele procure restaurar ativamente a relação social quebrada. Para isso, os procedimentos restaurativos deverão considerar a situação vivida pelo infrator e os problemas que antecederam e agenciaram sua atitude. Assim, paralelamente aos esforços que o infrator terá que fazer para reparar sua infração, caberá a sociedade oferecer-lhe as condições adequadas para que ele possa superar seus limites como, por exemplo, déficit educacional ou moral ou condições de pobreza ou abandono.

Os procedimentos da Justiça Restaurativa começam com a quebra do relacionamento social, mas o que deverá ser restaurado não é a ocasião desse relacionamento, mas um ideal de igualdade na sociedade. Como “relacionamento ideal”, define-se a importância dos seus valores como dignidade e respeito. Um ideal que sobrevive quando os direitos básicos, como a segurança das pessoas, são respeitados ainda que o contexto mais amplo esteja marcado por desigualdades e injustiças sociais.

O que as punições produzidas pela Justiça Criminal permitem é que ambos, infrator e vítima, fiquem piores. A retribuição tende a legitimar a paixão pela vingança e, por isso, seu olhar está voltado, conceitualmente, para o passado. O que lhe importa é a culpa individual, não o que deve ser feito para enfrentar a situação conflitante e prevenir a repetição.

Por essa razão, no âmbito do garantismo juvenil, faz-se necessário conceituar o garantismo penal juvenil como elemento de enfrentamento às inobservâncias aos direitos fundamentais, bem como, na aplicação da Justiça aos adolescentes em conflito com a lei.

Nesse elemento, para FERRAJOLI apud SPOSATO (2013), o Estado Constitucional de Direito “é um novo modelo de direito e de democracia”, por tal motivo, orienta ainda Luigi Ferrajoili, o Garantismo é a outra cara do Constitucionalismo, uma vez que lhe correspondem a elaboração, implementação dos instrumentos de garantias de direitos que assegurem “o máximo de efetividade dos direitos constitucionalmente reconhecidos.”

Por tal conceituação, o elemento da Justiça Restaurativa apresenta-se, desde as primeiras discussões acerca da sua difusão no Brasil, como a melhor alternativa para a resolução de conflitos e efetivação da justiça. Além disso, a partir da Resolução de Nº 225 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Justiça Restaurativa passou a ter um carácter “vinculante”, pois, foi estabelecida metas nacionais de implementação desse método de Justiça nos Tribunais do Brasil.

Ou seja, ao invés de versar sobre transgressões e culpados, a Justiça Restaurativa:

“materializa a possibilidade concreta de participação individual e social, democratização do atendimento, acesso a direitos, afirmação de igualdade em espaços de diálogo, em ambientes seguros e respeitosos, valorização das diferenças, através de processos socio-pedagógicos que considerem os danos, os responsáveis pelos mesmos e os prejudicados pela infração” (AGUINSKY e CAPITÃO, 2008)

Nesse sentido, como comenta ainda ANGUINSKY e CAPITÃO (2008), através da Justiça Restaurativa possibilitar um modelo consensual de resolução de conflitos, essa contribuição fortalece o protagonismo dos sujeitos na “construção de estratégias para restaurar laços de relacionamento e confiabilidade social rompidos pela infração.”

Dentro da Justiça Penal Juvenil, as práticas restaurativas, após a sua definição nesse texto, torna-se uma alternativa avançada na resolução de conflitos entre o adolescente em conflito com a lei, bem como, estabelece uma ponte com a comunidade a qual sentiu algum tipo de dano causado pela infração. Ou ainda, esse elemento de proteção, possibilita a abertura de um outro espaço, onde seja presente familiares, amigos ou pessoas próximas do infrator ou da vítima, que são componentes da infração e coadjuvantes da vontade de reparo e/ou restauração da confiança na comunidade.(ANGUINSKY e CAPITÃO, 2008)

Em efeito, no Sistema de Justiça da Infância e Juventude, a Justiça Restaurativa possibilita uma mudança na ótica de responsabilização penal juvenil, pois, é observada a necessidade de participação dos envolvidos em conflitos, bem como, levando em consideração à “questão social”, a precariedade social a qual a criança e o adolescente no Brasil estão expostos, de modo que, a justiça restaurativa acaba por permitir a reafirmação e a proteção aos direitos e garantias fundamentais desses indivíduos e o acesso à justiça dos adolescentes em conflito com a lei.

Nessa linha, a Justiça Restaurativa Juvenil entra em convergência com a lei 8.069/90[1], o Estatuto da Criança e do Adolescente, especificamente em seu artigo 112, o rol taxativo das medidas socioeducativas, que prevê: I – Advertência; II – obrigação de reparar o dano; III – prestação de serviços à comunidade; IV liberdade assistida; V – inserção em regime de semiliberdade; VI – internação em estabelecimento educacional; VII – qualquer das medidas de proteção (art. 101, I a VI).(BARROS, p. 196, 2014).

Ou seja, de acordo com os incisos do artigo 112 do ECA, o Adolescente deve participar cada vez mais no reparo do dano cometido à vítima, possuindo o mesmo, de modo taxativo, a obrigação de reparar o dano, bem como, prestar serviços a comunidade, a qual também, em alguns casos, demonstra algum tipo de dano após a infração, seja a desconfiança social, por parte do(s) adolescente(s), seja por não permitir o retorno do convívio do adolescente com os demais indivíduos da comunidade.

Por tal motivo, a Justiça Restaurativa na efetivação da justiça, torna-se uma ferramenta que instrumentaliza a aproximação do adolescente com a comunidade, tendo em vista, não a sua internação ou separação do convívio social, ao invés disso, permite-se uma nova possibilidade de interação social do adolescente com a comunidade através dos círculos restaurativos que possibilitam a participação dos envolvidos no conflito, como já foi exposto, bem como, na delimitação de tarefas do menor com a comunidade, como bem orienta o inciso III do art. 112 do ECA.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em suma, a Justiça Restaurativa apresenta-se como uma nova ferramenta de efetivação da Justiça no Brasil e no mundo, por ter um compromisso não só na resolução de conflitos, mas também de permitir que problemas sociais sejam expostos e discutidos, levando em conta as particularidades da “questão social” do Brasil, para que então contornemos a problemática levantada pelo jurista italiano Cesare Beccaria em sua obra “Dos Delitos e das Penas”, quando o mesmo se referiu as leis, historicamente, como apenas “(…) instrumentos das paixões da minoria, ou fruto do acaso e do momento, e jamais a obra de um prudente observador da natureza humana, que tenha sabido orientar todas as ações da sociedade com esta finalidade única: todo bem-estar possível para a maioria.” Ou seja, a tarefa de efetivar a Justiça está além de efetivar leis, ao passo de que a efetivação necessária é a de Direitos e de Princípios, bem como de restaura-los quando os mesmos são enfraquecidos ou violados, atribuindo, portanto, a efetividade do justo e o sentindo da Justiça.

 

Referências
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BECCARIA, C. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Editora Hemus, 1971.
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GOMES, L.F, MOLINA, A.G.P.  Criminologia. Coleção: Ciências Criminais, V. 5. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
IAMAMOTO, Marilda V. O Serviço Social na contemporaneidade; trabalho e formação profissional. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1999.
NUCCI, G. Manual de Direito Penal – Parte Geral e Parte Especial. 8. ed.ampl. E atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
PINTO, Renato Sócrates Gomes. A Construção da Justiça Restaurativa no Brasil: o impacto no sistema de justiça criminal. Revista paradigma. N18, 2009. Disponível em<http://www9.unaerp.br>. Acesso em 28 jun 2016.
SÁ, Augusto Alvino de. Justiça Restaurativa: uma abordagem à luz da criminologia crítica no âmbito da execução da pena privativa de liberdade. Revista Magister de Direito Penal e Processo Penal, n 16, 2007.
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SPOSATO, Karyna Batista. Direito Penal de Adolescentes: Elementos para uma teoria Garantista. São Paulo: editora Saraiva, 2013.
TAQUES, Silvana. A questão social e o estado penal: uma abordagem multidimensional em fenômenos e realidades preocupantes. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, X, n. 46, out 2007. Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2383>. Acesso em nov 2016.
 
Nota
[1] A lei 8.069/90, culminou a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, responsável por uma inovação importante no que se refere aos direitos fundamentais, pois, reafirmou o ideal de justiça humanizada, ao passo de haver um tratamento sensível em relação à criança e ao adolescente, pois, além de se tratar de indivíduos horizontalmente portadores de direitos fundamentais, os mesmos compactuam a condição de pessoa em desenvolvimento, havendo então, como bem comenta BARROS (2014), um tratamento específico da lei infraconstitucional, bem como da própria Constituição, no que concerne a uma “prioridade absoluta” (art. 227), sendo reafirmado no ECA essa prioridade, especificamente nos artigos 2º ao 69 da lei, ambos destinados minuciosamente a esses direitos fundamentais.


Informações Sobre os Autores

Patrícia Nara de Santana Oliveira

Advogada e especialista em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional. Professora do Curso de Direito da Faculdade ‘Pio Décimo’ na Disciplina de Direito Constitucional, Introdução ao Estudo do Direito e Teoria do Direito Civil

Davi Reis de Jesus

Acadêmico de Direito pela Faculdade ‘Pio Décimo’. Pesquisador no Grupo ‘Filosofia e Fundamentos Sócios-Antropológico do Direito/Pio Décimo’


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