Lançamento – Aspectos controvertidos

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Resumo: Segundo o art. 139, do CTN, o crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta. Uma vez ocorrido o fato imponível, surge a obrigação tributária e o seu objeto é o crédito tributário, a quantia que deverá ser paga pelo contribuinte, formalizada pelo lançamento. O lançamento, como instituto jurídico, nada mais é do que a conversão de uma obrigação incerta e ilíquida, numa obrigação líquida e certa (certa quanto a existência e líquida quanto ao objeto) é a apuração do quantum debeatur  e a identificação do sujeito passivo, este será objetivamente, o teor de nossa abordagem no presente trabalho.


Palavras-chave: Crédito Tributário, lançamento, procedimento administrativo, ato constitutivo, modalidades, ato privativo, teorias, execução.


Sumário: 1. Conceito de lançamento; 2. Modalidades de lançamento; 3. Teorias “declaratória” e “constitutiva” do lançamento; 4. Significado da expressão “constituição definitiva do crédito”; 5. Imprescindibilidade do lançamento no direito tributário brasileiro; 6. Lançamento tributário e execução trabalhista.


1. Conceito de lançamento:


A expressão “lançamento tributário”, segundo a definição do Prof. Paulo de Barros Carvalho (in Curso de direito tributário : 21. ed. São Paulo : Saraiva, 2009, p. 390) :


“Lançamento tributário é o ato jurídico administrativo, da categoria dos simples, constitutivos e vinculados, mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira uma norma individual e concreta, que tem como antecedente o fato jurídico tributário e, como conseqüente, a formalização do vínculo obrigacional pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação, formado pela base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento dos termos espaço-temporais em que o crédito há de ser exigido.”


E no tocante a sua relação com as categorias de “norma”, “procedimento” e “ato”, é enfático:


“A compreensão da figura do lançamento fica mais nítida quando refletimos sobre a convergência das palavras “norma”, “procedimento” e “ato”, tomadas como aspectos semânticos do mesmo objeto. Importa dizer, se nos detivermos na concepção de que o ato é, sempre, o resultado de um procedimento e que tanto ato quanto procedimento hão de estar, invariavelmente, previstos em normas do direito posto, torna-se intuitivo concluir que norma, procedimento e ato são momentos significativos de uma e somente realidade”.


E emenda o autor:


“Tratar o “lançamento” como norma, como procedimento ou como ato passa a ser, então, singela decisão de quem vá examiná-lo, valendo a asserção para o jurista prático e para o jurista teórico, tanto faz. Aquilo que não se justifica, sob o ponto de vista da Epistemiologia do Direito, é o caráter emulativo que se difundiu pela doutrina, com a disputa entre a primazia das três possibilidades congnoscitivas.”


Assim, do ponto de vista da norma, pode-se dizer que trata-se da previsão abstrata que a lei faz, necessária para a veiculação de um ato que, ao relatar um fato já ocorrido. Neste sentido, temos uma norma individual e concreta, constituindo no antecedente, o fato jurídico tributário e, no conseqüente, a relação obrigacional. A norma individual deverá conter a identificação do sujeito passivo da obrigação correspondente, além de determinar a base de cálculo e a alíquota aplicável, apuração do crédito tributário.


Por outro lado, apesar de constar do art. 142, do CTN, a definição legal de lançamento como procedimento administrativo, há quem entenda que essa afirmação é inadequada, pois trata-se de ato jurídico administrativo. Isso porque, apesar de, muitas vezes, ser resultado de um procedimento, com este não se confunde, pois o procedimento não é imprescindível para o lançamento que pode consubstanciar ato isolado, independente de qualquer outro.


Os argumentos contrários a terminologia vão desde o excessivo caráter descritivo contido no art. 142, do CTN, até mesmo em relação à competência exclusiva da autoridade administrativa para constituir o crédito, quanto existe previsão para o autolançamento e nesse sentido ele estaria mais harmonizado com a utilização do termo ato administrativo.


Por fim, a maioria na doutrina entende que o lançamento é um ato jurídico administrativo simples, pois reflete a manifestação de vontade de um único órgão, ou, de uma só vontade, e produzem conseqüências jurídicas independentemente da manifestação de outra vontade.


Pode-se dizer ainda que o lançamento tributário, pertence a categoria dos atos constitutivos, pois criam relações jurídicas novas com os correspondentes direitos subjetivos e deveres jurídicos correlatos.  Todavia, pode apresentar-se como ato modificativo quando o ato da Administração apenas modifica aquele ato praticado pelo sujeito passivo, que tenha sido produzido com qualquer vício de forma e conteúdo.


Também poderá apresentar-se como ato administrativo vinculado, pois o agente, ao expedi-lo, não possui qualquer tipo de apreciação subjetiva mas apenas um comportamento típico, prévio e objetivo que dele espera a Administração em face de situação prevista e de objetividade absoluta.


2. Modalidades de lançamento:


Para iniciar essa abordagem, é importante levantar as seguintes questões: É correto afirmar que o lançamento tributário apresenta-se em três espécies? O chamado lançamento por homologação é efetivamente lançamento? E o lançamento por declaração?


Com relação a primeira indagação, fala-se em modalidades de lançamento que se classificam de acordo com o grau de colaboração do contribuinte, com vistas a realização do ato. No lançamento “ex ofício” previsto no art. 149, do CTN, essa participação inexiste, já que todas as providências são tomadas no âmbito exclusivo da administração pública,ou seja, é feito por iniciativa da autoridade administrativa, sem qualquer colaboração do sujeito passivo. No lançamento por declaração (art. 147), fisco e contribuinte colaboram, visando os resultados finais do lançamento e, no lançamento por homologação (art. 150), não há propriamente lançamento mas a colaboração praticamente isolada do administrado, limitando-se o fisco a homologar os atos por ele praticados, ou permitir que isso ocorra de razão do transcurso de um certo lapso temporal.


No lançamento por homologação, o contribuinte deverá apurar o credito tributário, antecipar o pagamento, independentemente do exame prévio da administração, sujeitando-o ao posterior controle da Administração Pública, em virtude do caráter privativo da atividade de lançamento. Em razão disso, pode-se dizer que o contribuinte, estará em mora a partir do vencimento do tributo.


Parte da doutrina costuma denominar o lançamento por homologação como autolançamento, ou seja, a subsunção do comportamento humano à norma tributária é feita pelo próprio sujeito passivo. Entretanto, o art. 142, do CTN não admite a existência do autolançamento quando diz que trata-se de ato privativo da autoridade administrativa, conforme entendimento sustentado por Souto Maior Borges. Diante disso, os agentes públicos podem sempre controlar a realização do fato gerador, inclusive sua conformação ou não com o que foi “autolançado” pelo sujeito passivo.


O objeto da homologação é tema controvertido na doutrina, para uns, como Hugo de Brito Machado é a atividade de apuração, ante determinada situação fática, afirmando se o tributo existe ou não, enquanto outros a exemplo de Paulo de Barros Carvalho dizem que é o pagamento do tributo pois, na verdade não se trata de homologação do lançamento, justamente porque, nesta modalidade, o lançamento vai aparecer apenas com o ato homologatório. (Paulo de Barros Carvalho, Lançamento por homologação – Decadência e pedido de restituição, Repertório IOB Jurisprudência, n° 3/97, p. 73).


Nos termos do art. 147, do CTN, no lançamento por homologação, levará em consideração a declaração efetuada pelo sujeito passivo da obrigação tributária, a qual deverá conter os fatos jurídicos tributários. Ela destina-se a registrar os dados fáticos relevantes para a consecução, pela autoridade administrativa do ato de lançamento. Se o declarante indicar fatos verdadeiros, e não omitir fatos que deva declarar, a autoridade administrativa terá todos os elementos necessários à efetivação do lançamento.


A retificação, prevista no § 1º, deve ocorrer até a notificação, caso contrário, a revisão dar-se-á por meios próprios (defesas e/ou recursos), haja vista a inexistência de efeito preclusivo absoluto. Todavia, erros encontrados pela autoridade administrativa, deverão ser retificados de ofício, como determina o §2º, do mesmo dispositivo.


3. Teorias “declaratória” e “constitutiva” do lançamento:


É sabido que o direito tributário é formal por excelência e, é a norma escrita que determina o efeito a determinado fato. Assim, nasce a obrigação tributária com a ocorrência de um fato previsto em lei como necessário e suficiente para submeter determinada pessoa a satisfazer a obrigação ali prevista. É o que diz então o § 1.º do art. 113 do CTN, verbis:


Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.


§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.”


Obrigação, contudo, que se constitui em um mero dever cuja especialização necessita do “lançamento”, assim entendida a atividade do contribuinte em declarar a obrigação, ou a do Fisco em constituir o crédito. Tanto isto é verdade que pode existir obrigação sem existir lançamento, mas não existe lançamento sem haver a obrigação, o que demonstra o caráter de dependência do lançamento.


Finalmente, não existe o direito efetivamente sem o lançamento, porque sem a formalização da obrigação através do lançamento não é possível ao ente público exigir aquele direito. Daí a conclusão de que o lançamento “constitui” o crédito tributário nascido de uma obrigação “declarada” no autolançamento ou no lançamento efetuado pela autoridade administrativa.


É o que diz o Prof. Paulo de Barros Carvalho, citando Fábio Fanucchi, para o qual, o lançamento tem por efeito principal o de constituir o crédito tributário e declarar a obrigação que lhe corresponde. Indubitavelmente, se existe algum crédito, este nasce com sua obrigação correspondente. Sob esse enfoque, o lançamento apenas declararia uma situação preexistente, fixando a liqüidez e certeza do crédito.


De outro lado, para que a administração pública passe a ter pretensão, o lançamento é imprescindível. Nesse prisma, nota-se o caráter constitutivo do lançamento, em especial na individualização do fato gerador, na apuração do montante do tributo devido. Assim, embora o lançamento apresente caráter declaratório e constitutivo, deve ser ressaltado que o objeto da declaração não é o mesmo da constituição.


Uma vez, portanto, estando-se diante de um crédito constituído, e não declarado, é possível admitir a aplicação da lei posterior mais benéfica, na medida em que a declaração corresponde a um direito preexistente.


De fato, acaso o lançamento “declarasse” o crédito tributário, é de se ver que a natureza de uma declaração contém em si uma confissão ou uma confirmação de determinado fato, diferentemente do que ocorre ao ser “constituído” o crédito tributário, já que sua característica de ato unilateral guarda a possibilidade de ser contestado.


Tal distinção é relevante quando se considera que não há lógica jurídica de que se altere o direito declarado/confessado, exceto mediante perdão ou remissão expressa de seu detentor, diferentemente do que se dá com o direito “constituído”, pois que este é hábil a ser modificado.


4. Significado da expressão “constituição definitiva do crédito”:


É comum, no meio acadêmico, se formular as seguintes indagações: Que significa “constituição definitiva do crédito” ? Quando se dá: a-) na ocorrência do evento tributário, b-) na data do vencimento, c-) na lavratura do lançamento, d-) no ato da efetiva notificação, e-) na decisão administrativa de última instância f-) no momento da inscrição do crédito na dívida ativa ou g-) no trânsito em julgado de decisão judicial ?


Para responder à estas questões, é muito importante verificar o momento em que o crédito resta definitivamente constituído, porque é justamente nesse momento que lhe será acrescentada a presunção de liquidez, certeza e exigibilidade.


De acordo com o art. 201 do CTN, a dívida ativa é constituída após esgotados um dos seguintes prazos: a-) o prazo de pagamento do crédito tributário constituído; b-) o prazo estabelecido em lei, ou; c-) o trânsito em julgado de decisão proferida em processo regular.


Em nossas pesquisas, detectamos três vertentes de pensamento sobre a questão nos seguintes termos: A primeira delas tem como principais representantes Paulo de Barros Carvalho e Eurico Marcos Diniz de Santi, e afirma que a constituição definitiva do crédito decorre com a notificação válida do lançamento, pois é neste momento que se constata a publicidade do ato administrativo. Nos tributos sujeitos ao “lançamento por homologação”, a constituição definitiva ocorre com a introdução no sistema, pelo contribuinte, da norma individual e concreta constituindo o crédito tributário (entrega de DCTF, por exemplo).


A segunda corrente tem por representantes Hugo de Brito Machado e Sacha Calmon Navarro Coelho, entende que o crédito encontra-se definitivamente constituído quando não couber mais qualquer espécie de recurso na esfera administrativa.        A terceira corrente, por fim, encontra seu fundamento nas lições de Zelmo Denari, e estabelece que a constituição definitiva do crédito dá-se com a inscrição do débito na dívida ativa.


Inicialmente, para Paulo de Barros Carvalho, lançamento não é procedimento administrativo, o que justificaria tal classificação, e sim ato administrativo e mesmo nas conjunturas em que se desenvolve um procedimento no sentido de formalizar o crédito tributário, o lançamento será o último ato da série, razão pela qual as três espécies de que trata o Código são, na verdade, espécies de procedimento e não de lançamento.


De acordo com as espécies mencionadas, temos, no direito brasileiro, modelos de impostos que se situam nas três classes. O lançamento do IPTU é do tipo de lançamento de ofício; o do ITR, até a Lei 9.393, de 19 e dezembro de 1996, era por declaração, como, aliás, sucedia com o IR (pessoa física). O IPI, o ICMS, o IR (atualmente, nos três regimes – jurídica, física e fonte) são tributos cujo lançamento é feito por homologação, tudo, reitero, consoante a classificação do Código.


Assim segundo a primeira corrente, a partir da notificação, ou da introdução da norma individual e concreta expedida pelo contribuinte no sistema, o crédito tributário encontra-se constituído e o vínculo relacional entre o contribuinte e o Fisco devidamente formado, e marca o início do lapso temporal para a contagem da prescrição do crédito tributário. Na jurisprudência, corrobora tal entendimento:


“TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL. PRÉ-EXECUTIVIDADE. PRESCRIÇÃO. ARTIGO 174 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. 1. Não há qualquer óbice ao reconhecimento da ocorrência da prescrição intercorrente, eis que requerida pela executada em exceção de pré-executividade. 2. O débito fiscal tem origem em parcelas da Taxa de Fiscalização dos mercados de títulos e valores mobiliários vencidas entre 1º de abril de 1992 e 10 de outubro de 1994. O lançamento de ofício da dívida deu-se em 17 de dezembro de 1996 e o devedor foi notificado em 30 de dezembro de 1996. 3. O dies a quo para a contagem do início do prazo prescricional é a constituição definitiva do crédito tributário, que ocorre no momento em que se dá a regular notificação do lançamento ao sujeito passivo (Precedente: REO n. 1997.01.00.002422-6/MA, Relator Des. Fed. Cândido Ribeiro, DJU de 24/10/1997, 3ª Turma, TRF/1ª região). 4. Apelação e remessa oficial não providas.” (TRF/1ª Região, AC 2002.34.00.018035-8/DF, Relator Desembargador Federal Carlos Fernando Mathias, Oitava Turma, DJ 30/9/05, p. 121)


Entretanto, esse vínculo relacional (formação do crédito tributário) pode ser revisto, alterado, todavia, não lhe retira o caráter de definitividade., uma vez que a possibilidade de impugnação é predicado de todos os atos administrativos. Neste sentido, o Profº Paulo de Barros Carvalho assim preleciona:


a circunstância de poder ser impugnado não significa ter caráter provisório, aguardando a expedição de outros atos que o confirmem. A suscetibilidade a impugnações é predicado de todos atos administrativos. Fora assim e diríamos que o ato de nomeação de um Ministro de Estado é provisório, porquanto ele pode ser atacado e invalidado. Passando para o campo do Direito Processual, afirmaríamos que uma sentença, enquanto sentença, não é um ato definitivo, porque pode ser modificada por efeito de um recurso. Os acórdãos dos tribunais seriam também provisórios, na medida em que suscitassem novos apelos.”


Argumentam ainda que não há crédito tributário provisório, que possa ensejar defesa administrativa, da mesma forma que não há denúncia criminal provisória a deflagrar o direito ao contraditório e ampla defesa. Assim, não é a decisão administrativa irrecorrível que constitui definitivamente o crédito tributário. Ela limita-se a confirmar o crédito tributário mantendo-se o auto de infração lavrado, ou a extinguir no todo ou em parte o crédito tributário definitivamente constituído pelo lançamento (art. 156, IX do CTN). Em outras palavras, a decisão administrativa pode desconstituir o crédito tributário.


O mesmo acontece se o contribuinte notificado do lançamento, ou após encerramento da fase administrativa, ingressar em juízo para anular o crédito tributário. A sentença judicial definitiva, ou manterá aquele crédito tributário, ou o extinguirá no todo ou em parte. Nem por isso cabe sustentar que o crédito tributário é definitivamente constituído com a final manifestação do Poder Judiciário.


Assim sendo, por essa vertente, não se pode confundir procedimento administrativo com processo administrativo tributário. O procedimento administrativo, referido no art. 142 do CTN, finda-se com a notificação do lançamento ao sujeito passivo (art. 145 do CTN). Notificado, o sujeito passivo pode efetuar o pagamento exigido extinguindo o crédito tributário (art. 156, I do CTN). Ora, se extingue o crédito tributário é porque esse crédito já estava definitivamente constituído.


5. IMPRESCINDIBILIDADE DO LANÇAMENTO NO DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO:


Na concepção de Hugo de Brito Machado, mesmo que o sujeito passivo declare o valor do tributo devido, é imprescindível o ato formal da Administração Pública, por meio da modalidade “lançamento por homologação”, de forma expressa, devendo o sujeito passivo ser notificado desse ato.


Apesar de sustentar a necessidade do ato formal do lançamento, nas hipóteses de declaração do sujeito passivo, Mary Elbe Queiroz admite a possibilidade de esse ato se operar também por meio de omissão da autoridade encarregada de praticá-lo (homologação tácita) (in MAIA, Mary Elbe Gomes Queiroz. Do lançamento tributário: execução e controle. São Paulo: Dialética, 1999. p. 19.).


Para James Marins, no tocante à declaração (apresentação de guia) ao Fisco, há duas hipóteses distintas: a) se houver o pagamento do tributo, ocorre o lançamento por homologação, nos termos do art. 150 do CTN; b) se não ocorrer o pagamento do tributo declarado, trata-se de mera declaração que necessita de um lançamento por declaração nos termos do art. 147 do CTN, sendo imprescindível a notificação ao sujeito passivo. Prossegue o mesmo autor, afirmando que:


Quando o contribuinte apresenta sua GFIP e paga o tributo aplica-se o regime do art. 150 do CTN. Quando somente presta informações através da guia o INSS deve proceder a lançamento por declaração nos termos do art. 147, pois não existe autolançamento sem pagamento antecipado. Ora, o Regulamento em questão faz pouco caso do Código Tributário Nacional ao transformar o regime do art. 148, de lançamento por declaração em teratológica confissão de dívida. […]


A ilegalidade, em todos os casos, consiste no desrespeito ao regime do Código Tributário Nacional, tratando-se como autolançamento ou confissão de dívida o que se trata de lançamento por declaração.” (in MARINS, James Marins. Direito processual tributário brasileiro. São Paulo: Dialética, 2001. p. 206-208)


 No magistério de Misabel Derzi, o lançamento é necessário nas hipóteses de declarações prestadas pelo contribuinte.


“[…] as informações e declarações prestadas pelo sujeito passivo ou por terceiro legalmente obrigado, apenas servem de suporte ou base para a prática do ato administrativo. Antecedem, portanto, ao lançamento como ato administrativo, que se aperfeiçoa posteriormente. Eles integram o procedimento para lançar, mas não o lançamento, em si, como ato.” (in DERZI, Misabel apud NASCIMENTO, Carlos Valder do (Org.). Comentários ao CTN. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 389.) 


Consoante Alberto Xavier, o ato da inscrição em dívida ativa não supre a falta do ato formal de lançamento, primeiramente porque o órgão competente para fazer a inscrição da dívida ativa não tem competência para fazer lançamento; segundo, porque não há sentido em se falar em lançamento sem notificação (in XAVIER, Alberto. Princípios do processo administrativo e judicial tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 76.).


Em sentido contrário, Maria Rita Ferraguti registra que a corrente doutrinária representada principalmente por Paulo de Barros Carvalho e Eurico Santi afirma que a constituição definitiva do crédito tributário ocorre com a notificação válida do lançamento ou, nos tributos sujeitos ao “lançamento por homologação”, com a entrega do documento declaratório. Essa autora afirma que concorda com essa corrente, “pois a partir da notificação, ou da introdução da norma individual e concreta expedida pelo contribuinte no sistema, o crédito tributário encontra-se constituído e o vínculo relacional entre o contribuinte e o Fisco devidamente formado” (in FERRAGUT, Maria Rita. Crédito tributário, lançamento e espécies de lançamento tributário. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (Coord.). Curso de especialização em direito tributário – estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 75.).


Aurélio Seixas Pitanga enfatiza que o documento firmado pelo sujeito passivo é dotado de certeza e liquidez e possui valor jurídico de confissão, em relação à matéria fática:


Apesar das valiosas opiniões em contrário, não me parece que a declaração tributária perca o valor jurídico de confissão, em relação à matéria fática, por conter algo mais, como o valor líquido e certo do tributo, ou, até mesmo, uma declaração de vontade.


Nesta declaração tributária, subscrita pelo contribuinte ou por um representante legal, o seu valor jurídico é o de um documento (título jurídico) dotado de liquidez e certeza, sendo hábil, conseqüentemente, para instruir uma cobrança administrativa ou judicial até o valor do tributo ali declarado e liquidado.”


O STF, antes da CF/88, se manifestado sobre o assunto, no sentido de que “é válido lançamento por homologação ou autolançamento, independentemente de procedimento administrativo” (STF, RE 113.798-3, 2ª T., Rel. Min. Djaci Falcão, DJ 18.12.1987.). Ao proferir seu voto, o Min. Djaci Falcão enfatizou: “É evidente a desnecessidade de notificação, nas circunstâncias do caso, quando os contribuintes sabiam do montante do débito e do momento do seu pagamento. O crédito tornou-se definitivo, independentemente do procedimento administrativo” (STF, RE 93.039-6, 2ª T., Rel. Min. Djaci Falcão, DJ 12.04.1982.).


Após a CF/88, o STF voltou a se manifestar sobre a matéria: “Em se tratando de autolançamento de débito fiscal declarado e não pago, desnecessária a instauração de procedimento administrativo para a inscrição da dívida e posterior cobrança” (STF, AI-AgRg 144.609-9, 2ª T., Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 01.09.1995.).


Assim sendo, o entendimento dominante em nossa Corte Suprema, inclusive no REsp n.º 526.285-RS, é no sentido de que, se já existe obrigação tributária, em decorrência da materialização da hipótese de incidência, se a liquidação do tributo foi feita pelo próprio sujeito passivo, que tem a obrigação de efetuar o pagamento independentemente de notificação, e se o sujeito passivo confessa esses fatos ao Fisco mediante documento declaratório previsto em lei, nessa situação, não há necessidade de a Administração Tributária notificar ao sujeito passivo para pagar ou defender-se, até mesmo porque a obrigação de pagar já existe (lançamento por homologação) e a Fazenda Pública já dispõe de uma prova poderosa produzida pelo próprio devedor (confissão da dívida). Ademais, torna-se desnecessário o contencioso administrativo, já que foi o próprio sujeito passivo quem fez a liquidação do tributo.


6. LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO E EXECUÇÃO TRABALHISTA:


A lei n.º 10.035/00 estabelece que serão executados. Nos autos da reclamação trabalhista, os créditos previdenciários devidos em decorrência da decisão proferida pelos juízes e tribunais, resultantes de condenação ou homologação do acordo. Tendo essa assertiva, levanta-se as seguintes questões: A decisão judicial, cognitiva ou homologatória constitui o crédito tributário ? Há lançamento ? Como ficam os princípios do contraditório e da ampla defesa ?


Em primeiro lugar é preciso estabelecer a natureza jurídica das sentenças de mérito e liquidação trabalhista quanto às contribuições previdenciárias delas decorrentes. As decisões cognitivas no âmbito da Justiça do Trabalho geram efeitos tributários. Muito se discutiu a respeito, havendo entendimentos seja no sentido de que a sentença trabalhista em geral é meramente declaratória em relação ao direito do fisco e, assim, não constitui o crédito tributário, o que por conseqüência induz a negativa de competência para a execução de contribuições sociais incidentes sobre a remuneração paga sobre o vínculo de emprego reconhecido.


Entretanto, há também a corrente dos que defendem ser a sentença trabalhista cognitiva ou homologatória constitutiva, o que afastaria os juros e multa sobre o tributo incidente na remuneração devida pelo empregador a partir de cada mês em que houvesse débito. Por fim, também quem sustente que a natureza jurídica do conjunto “sentença de mérito e de liquidação proferidas na Justiça do Trabalho”, no que toca ao aspecto fiscal, é de lançamento tributário, composto da declaração e da constituição do tributo.


Isso implica dizer que possuem as mesmas características inerentes ao lançamento, não obstante o fato de não serem emanadas da autoridade administrativa como diz o art. 142, do CTN. É justamente esse aspecto levantado por juristas contrários a este posicionamento pois a própria ordem jurídica ao definir “lançamento” dispõe sobre a atribuição administrativa para a elaboração deste procedimento e por isso, dizem que não há como existir lançamento.


Entretanto, os defensores dessa tese afirmam ainda que a natureza jurídica de um instituto jurídico não pode ser limitada por critérios alheios à sua essência, e assim o Juiz do Trabalho de fato declara e constitui a contribuição social em suas sentenças, não importando se taxamos tal atividade de administrativa ou jurisdicional.


Citam ainda a Portaria nº 516/03 do MPAS, que em seu artigo 6º, reza: “A sentença homologatória de cálculo da contribuição previdenciária devida supre a inexistência de lançamento administrativo” (art.142 CTN). Argumenta-se ainda que a EC nº 20/98 é posterior ao CTN, tendo ampliado o rol dos que tem atribuição para lançar o tributo, incluindo os Juízes do Trabalho. Argumenta essa corrente que o intérprete não deve se apegar a uma postura dogmática, deixando-se levar pela pobre interpretação literal da lei, considerando que apenas a autoridade administrativa é capaz de emitir um ato administrativo tendente a tornar perfeito o lançamento.


Extrai-se ainda dessa tese, que: quem pode o mais pode o menos. A atividade do Magistrado Trabalhista apenas começará em relação às partes do contencioso fiscal a partir da determinação do quanto é devido, ou seja, após a sentença de liquidação. Antes dela a sua atividade é administrativa, de verificação e constituição do crédito tributário, não obstante a recusa de muitos magistrados em admitir a possibilidade de estarem fazendo o trabalho antes privativo dos “fiscais”. Vejamos a semelhança entre o disposto no art. 43 da Lei 8.212/91 e no parágrafo único do art. 142 do CTN:


“Art. 43. Nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o juiz, sob pena de responsabilidade, determinará o imediato recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social. (Redação dada pela Lei nº 8.620, de 5.1.93)


Parágrafo único. as sentenças judiciais ou nos acordos homologados em que não figurarem, discriminadamente, as parcelas legais relativas à contribuição previdenciária, esta incidirá sobre o valor total apurado em liquidação de sentença ou sobre o valor do acordo homologado.” (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 8.620, de 5.1.93);


Diz o artigo 142 da Lei 5.172/66, o Código Tributário Nacional, que:


“Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.


Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.”


Assim, todo o ínterim de verificação da ocorrência do fato gerador (declaração da existência da obrigação tributária) e de determinação da matéria tributável (constituição do crédito tributário) é erigido no processo trabalhista, sob a presidência do Juiz do Trabalho.


Vejamos o que diz o Prof. Hugo de Brito Machado a respeito do lançamento tributário:


“[…] A natureza jurídica do lançamento tributário já foi objeto de grandes divergências doutrinárias. Hoje, porém, é praticamente pacífico o entendimento segundo o qual o lançamento não cria direito. Seu efeito é simplesmente declaratório. Entretanto, no Código Tributário Nacional o crédito tributário é algo diverso da obrigação tributária. Ainda que, em essência, crédito e obrigação sejam a mesma relação jurídica, o crédito é um momento distinto. É um terceiro estágio na dinâmica da relação obrigacional tributária. E o lançamento é precisamente o procedimento administrativo de determinação do crédito tributário. Antes do lançamento existe a obrigação. A partir do lançamento surge o crédito…


O lançamento, portanto, é constitutivo do crédito tributário, e apenas declaratório da obrigação correspondente […]” (MACHADO, H. B., Curso de Direito Tributário, São Paulo, Malheiros, 2009, 30ª ed., p. 121)


Partindo desses pressupostos, sendo a EC nº 20/98 o diploma normativo que inovou, impondo à sentença trabalhista tais características, ao incluir o §3º no art. 114 da CF/88, conclui-se que a sentença proferida antes de 16/12/98 não se reveste destas peculiaridades, não se podendo exigir tributos de processos sentenciados no mérito em momento anterior à data acima. Assim, o fisco atua apenas como parte interessada na perfeição do ato, não havendo interferência de seus Auditores no processo de formação do título executivo, como ocorreria com a elaboração de uma CDA.


O art. 832, da CLT com os novos parágrafos 3º e 4º retratam bem a posição do magistrado, do fisco e do particular no processo do trabalho:


“Art. 832 – Da decisão deverão constar o nome das partes, o resumo do pedido e da defesa, a apreciação das provas, os fundamentos da decisão e a respectiva conclusão.


§ 3o As decisões cognitivas ou homologatórias deverão sempre indicar a natureza jurídica das parcelas constantes da condenação ou do acordo homologado, inclusive o limite de responsabilidade de cada parte pelo recolhimento da contribuição previdenciária, se for o caso. (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.035, de 25.10.2000)


§ 4o O INSS será intimado, por via postal, das decisões homologatórias de acordos que contenham parcela indenizatória, sendo-lhe facultado interpor recurso relativo às contribuições que lhe forem devidas.” (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.035, de 25.10.2000)


Nessa seara, existem relações jurídicas processuais distintas em momentos diferentes do processo, além da relação de subordinação do particular à Administração Pública, na qual ele se submete ao poder potestativo de constituição do crédito, apesar de ter participação na condução da regularidade do lançamento. 


Demonstra-se isso pelo fato do Juiz do Trabalho ter o poder-dever de individualizar as parcelas da condenação ou do acordo, ou seja, faz a determinação da composição da base-de-cálculo do tributo social, e, segundo o art. 832 da CLT, apenas notifica a Fazenda Nacional para que tome ciência da verificação do fato imponível, que tem inclusive a faculdade de interpor recurso contra essa decisão.


 


Bibliografia

CARVALHO Paulo de Barros. Direito tributário – linguagem e método : 3. ed. São Paulo : Noeses, 2009.

CARVALHO Paulo de Barros. Curso de direito tributário : 21. ed. São Paulo : Saraiva, 2009.

CARVALHO Paulo de Barros. Direito tributário – fundamentos jurídicos da incidência : 8. ed. São Paulo : Saraiva, 2010.

COELHO Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro : 10. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2009.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário : 30. ed. São Paulo : Malheiros, 2009.

SANTI Eurico Marcos Diniz de. Lançamento tributário : 2. ed. São Paulo : Max Limonad, 2001.

SANTI, Eurico Marcos Diniz de. (Coord.). Curso de especialização em direito tributário – estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005

consulta técnica :

BRASIL. Código tributário nacional. São Paulo : Saraiva, 2010.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2010.

BRASIL, Juris Síntese IOB, São Paulo: IOB Thomson, 2010


Informações Sobre o Autor

José Alexandre Junco

Advogado na Região de São José do Rio Preto/SP. Pós Graduado em Direito Civil e Processual Civil, pela UNORP, Pós Graduação de Direito Tributário em fase de conclusão no IBET, Professor Titular de Direito Tributário nos cursos de graduação, do Instituto Municipal de Ensino Superior de Catanduva/SP