Legitimidade ativa e passiva nas ações coletivas

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Resumo: Com a consolidação do Direito Difuso e as ações coletivas, o grande desafio do Direito Processual coletivo versa sobre a legitimidade das partes processuais Por isso o presente artigo analisa o controle judicial de adequação dos legitimados, foram estudados os benefícios deste tipo de controle e como ele é aplicado nas ações coletivas norte-americanas (class action). Também foi debatido se já não seria tempo de autorizar o individuo a pleitear em juízo um direito coletivo, feita assim uma breve análise da legitimidade individual ativa nas ações coletivas. Foi observado o tratamento dado pela class action e pelos anteprojetos do código de processo civil coletivo com relação ao tema, em especial no que diz respeito à análise da representatividade adequada. Por fim, o estudo abordou as ações coletivas passivas (defendat class action), controversas inclusive nos países de origem anglo-saxônica que adotam a common Law. Foi analisado se este instrumento foi transportado para o Brasil e se seria

Palavras chave: Ações coletivas, legitimidade processual, representatividade adequada, controle judicial de adequação, ação coletiva passiva, class action, defendat class action.

Sumário. 1. Introdução – 2. Legitimidade ativa nas ações coletivas; 2.1. Controle Judicial de adequação; 2.2. Class Action; 2.3. Legitimidade individual no Direito Brasileiro – 3. Legitimidade passiva nas ações coletivas; 3.1. Defendant class action; 3.2. Ação coletiva passiva no Brasil; 3.3 Ação coletiva passiva e os projetos de Código de Processo Coletivo – 4. Considerações Finais – 5. Bibliografia

1. Introdução

O Direito Difuso é por essência múltiplo e complexo. Meio ambiente, economia, relação de consumo são objetos cuja titularidade nem sempre é de fácil e precisa identificação. Em seu aspecto processual o Direito Difuso padece da mesma dificuldade: identificar os legitimados tanto no polo passivo quanto no polo ativo das ações coletivas.

Embora ainda tenhamos apenas um anteprojeto de código de processo coletivo, estas ações estão amparadas no ordenamento jurídico brasileiro pelo micro sistema formado pela Lei de Ação Popular, Ação Civil Pública, o Código de Defesa do Consumidor e o Mandado de Segurança Coletivo.

Entender e bem aplicar os critérios de legitimidade para as ações coletivas é o primeiro passo para garantir efetividade a este micro sistema, importante instrumento processual em tempos de sociedade de massa.

O presente estudo tratará inicialmente da legitimidade nas ações coletivas e o controle judicial de adequação. Buscar-se-á entender quais os benefícios deste tipo de controle, como ele é aplicado nas ações coletivas norte-americanas (class action), e se existe aplicabilidade no sistema jurídico nacional.

Em seguida será debatido se já não seria tempo de autorizar o individuo a pleitear em juízo um direito coletivo que é inclusive, far-se-á uma análise da legitimidade individual ativa nas ações coletivas.. Será observado o tratamento dado pela class action e pelos anteprojetos do código de processo civil coletivo com relação ao tema, em especial no que diz respeito à análise da representatividade adequada.

Tema ainda controverso dentro das discussões sobre ações coletivas é a ação coletiva passiva (defendat class action), muito discutida inclusive nos países de origem anglo-saxônica que adotam a common Law, tem por objetivo evitar inúmeras ações coletivas e individuais. Resta saber se este instrumento foi transportado para o Brasil e se seria possível aplicá-la plenamente em nosso ordenamento jurídico.

Especificamente sobre ação coletiva passiva será feita analise das propostas trazidas pelos Códigos Modelos e Anteprojetos de Processo Coletivo, quais as divergências e os pontos de destaque de cada um deles.

O Direito como um todo, em especial o Direito Processual Difuso deve atender às expectativas de solução dos conflitos, isso inclui adaptar-se aos conflitos massificados da sociedade atual.

2. Legitimidade ativa nas ações coletivas

2. 1. Controle Judicial da adequação

A fonte normativa das ações coletivas no Brasil é formada pelo conjunto de leis dentre as quais está a Lei a Ação Popular, da Ação Civil Pública – LACP e o Código de Defesa do Consumidor – CDC, respectivamente, Lei nº 4.717 de 1965, Lei nº 7.347 de 1985 e a Lei 8.078 de 1990, além do mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX, b, CF).

Este micro sistema tutela a defesa em juízo dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, e para todos os casos, os titulares do direito são ou indetermináveis ou tão numerosos que se justifica a união de interesses em uma única demanda (art. 81 CDC).

Resta saber quem será autorizado a pleitear em juízo este direito de múltiplos titulares. A legislação traz o rol taxativo de legitimados para a defesa destes interesses, atribuindo-lhe em alguns casos requisitos de pré-constituição, conforme artigos 82 do CDC e 5º da LACP :

“Art. 5º. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:

I – o Ministério Público; .

II – a Defensoria Pública;

III – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;

V – a associação que, concomitantemente:

a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil

b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

§ 1º O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei.

§ 2º Fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas nos termos deste artigo habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes.

§ 3º Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.

§ 4.° O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido”.

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Nos casos em que o direito protegido for difuso e coletivo, o legitimado atuará de forma autônoma na condução do processo, isto porque ele foi escolhido pela lei para tutelar determinado interesse sem que houvesse nenhuma conexão com os titulares do direito.

Porém, de outro modo, se o direito for individual homogêneo, então o autor da demanda será um substituto processual. Respectivamente temos natureza originária (direitos difusos e coletivos) e extraordinária (individual homogêneo) de legitimação ativa das demandas coletivas[1].

A discussão que se depreende da leitura deste artigo 5º da LACP versa sobre a possibilidade de controle judicial da adequação dos representantes nas ações coletivas, aqui especificamente tratando sobre o inciso V que elenca a associação como um dos legitimados, porém condiciona a seu tempo de existência e finalidades institucionais.

O Professor Pedro Dinamarco[2] o e Professor Nelson Nery Junior[3] defendem que não há controle judicial da adequação, pois não cabe ao juiz agir com discricionariedade na análise de representação, seu ato deve ser vinculado à análise deste rol taxativo (legitimidade ope legis).

 Por outro lado, o Professor Antônio Gidi, em seu artigo “A representação adequada nas ações coletivas brasileiras”[4] apresenta dois argumentos na defesa da legitimidade ope judicis, em especial no que diz respeito às associações quanto ao requisito de pré constituição e aos efeitos da coisa julgada.

No caso das associações (art. 5º V LACP e Art. 82, §1º, CDC) a exigência de pré-constituição de um ano não garantiria a representação adequada e por outro lado, havendo adequada representação o juiz poder inclusive dispensar este requisito de pré-constituição, em expressa atuação ope judicis, conforme defende Gidi[5].

O alcance da coisa julgado também seria um argumento suficiente para autorizar a análise judicial de adequação da legitimidade, pois havendo improcedência com matéria probatória suficiente, a coisa julgada será erga ominis para outras ações coletivas.

Segundo o professor Gidi, a legitimidade das ações coletivas deve ser cuidadosamente analisada visto que versam sobre direitos de múltiplos titulares, ainda que a lei não impeça o individuo de propor sua demanda particular, não se pode correr o risco de ter um autor técnica ou financeiramente pouco capaz de conduzir a demanda.

A solução proposta seria a aplicação por analogia do §3º do artigo 5º da LACP nos casos em que o juiz considerar o autor da ação coletiva inadequado para representar os interesses do grupo, passando a assumir a demanda algum outro legitimado, neste sentido, continua Antonio Gidi[6]:

“Se o juiz detectar a eventual inadequação do representante, em qualquer momento do processo, deverá proporcionar prazo e oportunidade para que o autor inadequado seja substituído por outro adequado. Caso contrário, o processo deve ser extinto sem julgamento do mérito”.

Entender os argumentos das correntes que defendem ou não o controle judicial da adequação de legitimidade será importante inclusive para preencher a idéia de cabimento (ou não) da ação civil coletiva passiva no ordenamento jurídico brasileiro.

Parece-nos, entretanto que o controle de adequação foi previamente feito pela lei, determinando especificamente os casos em que o juiz deverá analisar o caso concreto (Art. 5º, §4º LACP).

Autorizar a aplicação análoga do §3º do artigo 5º da LACP para substituir o autor da demanda parece redundante visto que obrigatoriamente o Ministério Público atuará como fiscal da lei (art. 5º §1º) e portanto deverá cobrir eventuais lacunas deixadas pelo autor.

Adiante será visto uma solução possivelmente mais adequada trazida pelos modelos de Código de Processo Coletivo, onde o critério ope judicis de controle judicial esta presente nos moldes dos modelo norte-americano da class action.

2.2. Class Action

Os primeiros estudos sobre a class action foram feitos pelo juiz da Suprema Corte Norte-Americana, Joseph Story, decorrentes do casso West v. Randall (1982). Nesta ocasião Story começou a questionar a necessidade de incluir todos os interessados na mesma demanda, sem ter que fazer uso do litisconsórcio que poderia tumultuar o curso da ação devido as numerosos autores..[7]

Atualmente a Class Action está prevista na regra 23 das Normas Federais de Processo Civil – o equivalente norte-americano do nosso Código de Processo Civil. Esta regra autoriza que um ou mais membros de uma classe possam demandar ou ser demandados como representante desta classe em nome de todos os outros membros. O requisito principal é que este representante proteja de forma justa e adequada o interesse do grupo.[8]

Observe que o texto legal fala em demandar e ser demandado como representante desta classe, o que embasará a possibilidade de uma ação coletiva passiva (defendant class action), que será tratada com mais detalhes a seguir.

Muito da legislação que trata das ações coletivas no Brasil teve inspiração no modelo norte-americano, bem definida pelo Professor Cássio Scarpinela Bueno, como[9]:

“(…) procedimento em que uma pessoa, considerada individualmente, ou pequeno grupo de pessoas, enquanto tal, passa a representar um grupo maior ou classe de pessoas, desde que compartilhem, entre si, um interesse comum”.

Todavia, nossa versão nacional difere da americana em alguns pontos relativos à legitimidade para propor a demanda. Isso porque na class action qualquer interessado pode demandar no pólo ativo, inclusive o individuo em nome do grupo, porém o autor da demanda leva o ônus de obrigar a todos aos efeitos da decisão.

Sobre as características da class action, observam os professores John Bronsteen e Owen Fiss respectivamente das escolas de Chicago e Yale[10]:

“(…) the class action provides for the private enforcement of laws that are aimed at protecting the public. Yet it contains a risk; If the named plaintiff loses in court, then all of the members of the class have lost and cannot relitigate their claims. Some people who might never ever known about the lawsuit and who certainly never participated in it will suddenly find themselves denied access to the court system, on the theory that they were already represented by the named plaintiffs how litigated the action on their behalf.”

Diante deste efeito vinculante a todos os membros do grupo, ainda mais cautelosa deve ser a análise do representante da classe autora, por isso os rígidos critérios de representação adequada presentes na class action.

O professor Scarpinela Bueno[11] destaca quais são os três elementos necessários para ocorrência da representatividade adequada nas ações de classe: (i) efetivo interesse jurídico na promoção daquela demanda, isto é, o representante da classe deve dizer por quais razões promove a ação naqueles moldes, (ii) inexistência de qualquer conflito interno entre o representante e a classe, e por fim, (iii) a competência dos advogados que conduzirão a ação, no que diz respeito a boa fé, capacidade técnica e condições financeiras.

Consagrando o critério ope judicis de representatividade adequada, a regra 23 traz uma lista não exaustiva de critérios para o juiz avaliar a capacidade do representante e seu advogado de substituírem o grupo.[12]

Vale ressaltar que é ônus do autor, durante todo o decorre da demanda, convencer o juízo de que ele, autor, e seu advogado são representantes adequados do grupo, conforme descrevem Bronsteen e Fiss:

“As with the other requirements, adequacy requires the judge to make a judgment before she allows the case to proceed on a class basis. However, if the judge initially finds the lawyer adequate, she should have the power to reconsider this judgment once the case begins to unfold and she has a better sense of the lawyer’s capacity and loyalty. Given the centrality of the adequacy requirement to the idea of the class action, the judge should have every opportunity to make an informed decision.”[13]

Muito embora a class action tenha exercido grande influência nas ações coletivas brasileiras não é possível compara um sistema com outro no que diz respeito à legitimidade. Vale observar que os projetos de Código Coletivo de Processo trazem mudanças que de fato aproximarão um instituto do outro, porém não é o que ocorre com a legislação em vigor.

Conforme visto, a base da ação norte-americana é a vinculação de todo o grupo à coisa julgada por esta razão cuidadosa deve ser a análise do juiz ao verificar se as partes têm condições de promover a devesa de interesse coletivos (adequate representation).

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Bem diferente da legislação nacional, o direito estrangeiro determina o controle judicial de adequação desde a propositura da ação de classe até a execução da sentença.

Ao que parece o legislador brasileiro optou por não atribuir estes poderes ao juiz quando retirou esta possibilidade da proposta original da Lei de Ação Civil Publica[14], que ainda assim, previa a análise judicial somente nos casos referentes às associações.

2.3. Legitimidade individual

Atualmente, não há na legislação vigente um dispositivo autorizando o individuo a propor ações coletivas, o mais próximo disso é a Ação Popular Constitucional prevista pela Lei nº 4.717/65, ou o litisconsórcio ativo facultativo que trata o artigo 94 do Código de Defesa do Consumidor

Um dos autores do anteprojeto do CDC, Professor Kazuo[15]Watanabe26, justifica a exclusão do titular individual como um dos legitimados do rol presente no art. 82 do CDC, alegando que: (…) algumas experiências vividas no campo da ação popular, que tem sido utilizada, com alguma freqüência, como instrumento político de pressão e até de vindita, serviram também para o perfilhamento da opção legislativa.

Por outro lado, vale observar que a motivação pessoal do autor não é uma condição da ação tão menos um pressuposto processual, afinal um ato lesivo ao direito transindividual por si só justificaria a importância da legitimidade popular. Assim também entende o membro do Ministério Público, Dr. Eurico Ferraresi[16]:

“Negar legitimidade ao indivíduo para a tutela coletiva, sob o argumento de que ainda não está “maduro” para exercer instrumento tão importante, é o mesmo que dizer que o brasileiro não deva votar, já que escolhe mal seus governantes”.

Ademais, a exemplo do que ocorre na Ação Popular, não se espera que qualquer um, indiscriminadamente proponha ações coletivas defendendo direitos que não lhe são só seus.

O Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos já em sua versão final de dezembro de 2006, coordenado pela Professora Ada Pellegrini Grinover, embora ainda controverso, prevê a possibilidade da legitimidade individual, mediante uma análise de representatividade adequada, muito próxima da existente nas ações coletivas norte-americanas:

“Art. 20. Legitimação.  São legitimados concorrentemente à ação coletiva ativa:

I – qualquer pessoa física, para a defesa dos interesses ou direitos difusos, desde que o juiz reconheça sua representatividade adequada, demonstrada por dados como:

a – a credibilidade, capacidade e experiência do legitimado;

b – seu histórico na proteção judicial e extrajudicial dos interesses ou direitos difusos e coletivos;

c – sua conduta em eventuais processos coletivos em que tenha atuado”;

Outro ponto combatido seria a pressão dos réus em fazer o autor desistir da demanda, até mesmo propondo-lhe vantagens econômicas. Observa-se que esse tipo de conduta absolutamente reprovável, também pode ocorrer em relação a qualquer dos legitimados pela lei, não se pode pressupor o individuo como eticamente menos qualificado que os demais legitimados.

Além disso, em todos os casos, as ações coletivas prevêem o acompanhamento do Ministério Público para assegurar o bom andamento da demanda.

Diante de todos estes benefícios obtidos com uma possível autorização do indivíduo a pleitear interesses difusos, talvez o maior deles seja o envolvimento do cidadão no gerenciamento dos bens difusos e interesses coletivos.

3.  Legitimidade passiva nas ações coletivas

3.1.  Defendant class action

Também prevista na regra 23 das Normas Federais de Processo Civil, a modalidade passiva da ação coletiva norte-americana (Defendant Class Action), tem os mesmos requisitos e procedimentos da class action ativa.

Todavia, a diferença única é que desta vez a coletividade estará no pólo passivo da demanda, porém continuará representado por uma ou mais pessoas que deverão cumprir os mesmos requisitos de validade e representatividade adequada, pois do mesmo modo, as ações passivas também terão os efeitos da coisa julgada estendidos a todo o grupo.

O Francis X. Shen, Ph.D. pela Universidade de Harvard,   e professor da University of Minnesota Law School, publicou em 2010 o artigo “The overlooked utility of the defendant class action” [17], que cujo tradução livre seria “a utilidade esquecida da ação coletiva passava. O autor relata que este tipo de ação ainda é pouco explorada pela comunidade jurídica e que em alguns anos a defendant class action servirá de instrumento para maximizar o bem estar social. [18]

O professor Nelson Rodrigues Netto, doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sugere que este tipo de ação traria melhorias na aplicação de leis que tutelam interesses difusos, já que a reunião compulsória de réus poderia tornar mais efetiva algumas ações coletivas[19].

Os advogados Robert Simpson e Craig Perra, sócios dos escritórios Updike, Kelly & Spellacy, defendem outra possibilidade para as ações coletivas. Eles relatam que, nos últimos anos inúmeras ações têm sido proposta por municípios conta a indústria de armas de fogo em todo o país, devido à violência armada que assola as cidades norte-americanas[20]. Estas demandas buscam responsabilizar a indústria armamentista por inúmeras transgressões, tais quais a sua incapacidade de conceber um produto mais seguro, seu fracasso em implementar métodos de distribuição razoáveis ​​e, em alguns casos, a sua publicidade irresponsável alvo de criminosos.

Simpson e Perra defendem as ações coletivas passivas como instrumento de contenção da violência gerada pela comercialização das armas de fogo nos Estados Unidos[21]:

“Although untested, the defendant class action should permit a municipality to efficiently ensure each culpable and irresponsible member of the firearms community into the throes of litigations. This procedural vehicle ensures consistent adjudications for all parties and promotes judicial economy. Municipalities, individuals or other entities should be strongly encouraged to examine closely the viability of bringing defendant class actions to curb senseless and preventable firearms violence and to the seepage of firearms into the illegal market”.

Mesmo com a doutrina norte-americana defendendo os diversos usos da ação coletiva passiva, ela ainda não é amplamente usada no ordenamento estrangeiro. Além disto, seu êxito como instrumento efetivo na defesa de interesses coletivos está associado a duas características fundamentais: (i) rígido controle judicial de representatividade adequada e (ii) vinculação de todos os membros do grupo.

 Não se trata de um instrumento unânime em razão de algumas fragilidades: (i) o representante da coletividade no polo passivo é escolhido pelo autor, (ii) caberá ao réu bancar as despesas processuais em nome de toda a classe que representa, (iii) a dificuldade de compensar o advogado do réu com relação aos benefícios conferidos à classe.[22]

O professor doutor Netto cita a famosa frase de Chaffee Jr[23].: “It is a strange situation where one side picks out the generals for the enemy’s army”, o que implica dizer que o autor poderá escolher o réu mais fraco para obter com facilidade êxito na demanda.

Sob este aspecto o controle judicial da representatividade tem ainda maior importância, e tal qual ocorre na class action ativa, lá, o tribunal tem amplo poder de fiscalizar, durante todo o curso da demanda, se o representante está apto à defesa da classe.

Tanto assim que se o juiz verificar que o representante não está vigorosamente defendendo a classe ou identificado conflito entre ele e o grupo, poderá haver a substituição deste representante ou a intervenção de outro além do atual. Estes mesmo procedimentos de ajuste na qualidade da defesa podem ser estendidos ao advogado da classe demandada, tudo para garantir a representatividade adequada.

Há quem queria transportar o modelo da Defendant Class Action para o Brasil, porém se esse for o caso, é preciso fazê-lo com ressalvas. Isto porque nossa legislação, conforme visto, parece não autorizar o controle ope judicis de representatividade e até por isso, vincula o grupo apenas no que lhe for beneficiar.

Sem as mesmas características e efeitos da ação norte-americana, a Ação Coletiva Passiva brasileira poderia esvaziar sua eficiência na defesa dos interesses difuso e coletivos.

3.2.  Ação coletiva passiva no Brasil

 É controverso o debate sobre o cabimento das Ações Coletivas passivas no Brasil, já que a falta de previsão legal gera incertezas, porém não determina sua proibição.

A ação coletiva passiva é exemplificada na figura das demandas propostas em face de torcidas organizadas, associações de indústrias, moradores de bairro, sindicatos, etc.[24] Definida pela Ministra Fátima Nancy Andrighi[25] como “a pretensão exercida em face de um grupo de pessoas, citadas na pessoa de um representante adequado em hipóteses nas quais esteja caracterizado um relevante interesse social.”

Todavia, três são os argumentos principais que negam a existência desta ação atualmente no Brasil: (i) falta de expressa previsão legal; (ii) o problema da identificação do representante adequado no pólo passivo, e (iii) o regime da coisa julgada coletiva que não pode prejudicar os direitos individuais.

Os autores que defendem seu cabimento, conforme o faz a já citada ministra Andrighi[26], alegam que não há proibição legal, defendendo, inclusive que o art. 83 do CDC admite todas as espécies de ações para a defesa dos interesses difusos, o que incluiria inclusive a ação coletiva passiva.

Vale observar a classificação feita por Julio Rossi no artigo “Ação Coletiva Passiva”[27] quanto as modalidade deste tipo de ação. Segundo ele, seria originária a demanda instaurada sem qualquer relação de dependência com um processo coletivo tradicional (iniciado por um dos legitimados extraordinários do artigo 5º da Lei 7.347/85, LACP). Por conseguinte, derivada seria a ação vinculada a um processo coletivo ativo, a exemplo da ação rescisória ajuizada pelo réu em face de uma sentença coletiva favorável à coletividade autora.

Para todos os casos um ponto de atenção nas ações coletivas passivas diz respeito à vinculação de todos os membros do grupo à decisão proferida, o que vai imputar ainda mais importância à escolha do representante do grupo no pólo passivo.

Diferente do que ocorre nas ações coletivas ativas, neste caso, não há um rol taxativo determinado pela legislação, o que demandará do juiz a análise de representatividade do réu. Neste ponto, recai outra dúvida, conforme visto no início deste artigo: estaria o ordenamento jurídica autorizada à analise ope judicis de legitimidade?

Inclusive, este é um ponto contrário àqueles que defendem o cabimento da ação coletiva passiva, pois não teria o juiz, critérios legais adequados para esta análise, diferente do que ocorre na Defendant Class Action norte-americana.

A Professora Flávia Viana[28] defende que, para superar a questão da representatividade passiva, vale a observação inicial de que qualquer coletividade organizada dotada de personalidade jurídica poderá figurar no pólo passivo de uma demanda coletiva. Deste modo, não havendo proibição legal, os legitimados do artigo 5º da LACP e 82 do CDC poderiam figurar no pólo passivo das ações coletivas passivas.

Ou nas palavras da própria Flávia Viana:

“Chegamos a essa conclusão, pois do contrário não seria possível explicar o ajuizamento de reconvenção, de ação declaratória incidental, de ação rescisória intentada com a finalidade de rescindir sentença de procedência prolatada em ação coletiva, de cautelar incidental ou os embargos do executado e de terceiros em execução coletiva.

Embora tenha baixa aplicabilidade mesmo no direito norte-americano, a Ação Coletiva Passiva é merecedora de grande atenção pois conforme dito por Fredie Didier:[29]

“Da mesma forma que a coletividade pode ser titular de direitos (situação jurídica ativa), ela também pode ser titular de um dever ou um estado de sujeição (situações jurídicas passivas). É preciso desenvolver dogmaticamente a categoria das situações jurídicas coletivas passivas: deveres e estado de sujeição coletivos”.

O Professor Didier continua enumerando alguns exemplos de ação coletiva passiva proposta no Brasil: (a) os litígios trabalhistas coletivos demandados em face de dos sindicatos das categorias profissionais, (b) a ação proposta pelo Governo Federal em face da Federação Nacional dos Policiais Federais e o Sindicato dos Policiais Federais no Distrito Federal em razão da greve nacional dos policiais federais (Autos processados pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região distribuídos sobre o número 2004.34.00.010685-2), (c) ação proposta pela universidade de Brasília em face do Diretório Central dos Estudantes, em decorrência da invasão de um prédio da universidade por um grupo de alunos (Autos processados pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região distribuídos sobre o número 2008.34.00.010500-5).[30]

Estas demandas podem ser as pioneiras e de fundamental importância para os debates sobre aplicação da ação coletiva passiva no Brasil, mas ainda assim, não obstante tais exemplos, talvez demande maior maturidade jurídica para ampliar o uso desta modalidade de ação.

3.3. Ação coletiva passiva e os projetos de Código de Processo Coletivo

A falta de previsão expressa da Ação Coletiva passiva poderá ser superada futuramente com a aprovação de algum dos projetos de Código de Processo Coletivo, já que todos eles prevêem expressamente esta modalidade de demanda, conforme detalhadamente comparou Julio Rossi[31]: (a) Código Modelo de Processo Coletivo para Países de Direito escrito – Projeto Antonio Gidi; (b) Código Modelo de Processo Coletivo para Ibero-américa – Instituto Ibero Americano de Direito Processual; (c) Anteprojeto do IBDP – Programa de Pós-Graduação da USP e por fim (d) Anteprojeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos – Pós Graduação da UERJ e UNESA.

Todos estes documentos destacam a importância da representatividade adequada na legitimidade passiva, já que quanto mais precisa for a identificação do legitimado para figurar como representante do grupo no pólo passivo, mais eficiente será a demanda dada a relação entre a legitimação e os efeitos da sentença nas ações coletivas.

4. Considerações Finais

Embora ainda não tenha codificação própria, o atual ordenamento jurídico atende às Ações Coletivas e de modo satisfatório alcança a proteção dos interesses difusos e coletivos.

Verdade é que algumas melhorias poderiam ser feitas em especial no que diz respeito à legitimidade tanto ativa quanto passiva das ações coletivas.

Porém estender a legitimidade aplicando o texto legal de forma análoga ou extensiva pode tornar precária e insegura a condução das demandas coletivas, já que o representante, seja ele autor ou réu, não defenderá somente seu interesse, mas sobretudo o interesse de um grupo que pode não estar de fato representado.

Tanto para a legitimidade ativa quanto passiva, boas soluções podem ser encontradas nos projetos de Código de Processo Coletivo, em especial no que diz respeito aos critérios de representatividade adequada. Uma vez descritos pela norma e indicados como balizadores para análise judicial caso a caso, mais fácil seria possibilitar a legitimidade individual nas ações coletivas ativas, bem como passaria a validar as ações coletivas passivas.

A discussão sobre a legitimidade nas demandas coletivas está apenas iniciando-se. Se a coletividade é titular de direitos, faz sentido atribuir-lhe também deveres, conforme inclusive determinado expressamente pelo artigo 225 da Constituição Federal:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. (grifos não existentes no texto legal)

Dos deveres decorrem obrigações e o que não se pode é imputar obrigações a um determinado grupo ou a toda coletividade sem a certeza de que estão bem representados.

Esta mesma sociedade que hoje demanda soluções processuais adequadas aos seus conflitos massificados, outrora conquistou o direito a ampla defesa e ao contraditório. Por esta razão, em nome da defesa de interesses difusos e coletivos não se pode olvidar direitos individuais historicamente consagrados.

 

Referências
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SIMPSON, Robert R. e PERRA, Graig Lyle. Defendant Class Actions. Connecticut Law Review. [Vol. 32:1319]. 2000.
VIANA, Flavia Batista. Os fundamentos da ação coletiva passiva no ordenamento jurídico brasileiro. Tese de mestrado apresentada no curso de pós-graduação stricto sensu da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2009.
 
Notas:
[1] NERY JR., Nelson e NERY, Rosa. Constituição Federal Comentada. 2009. pág. 826.

[2] DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública, 2001. pág. 201

[3] NERY JR., Nelson e NERY, Rosa. Ibidem.  pág. 827.

[4] GIDI, Antonio. A representação adequada nas ações coletivas brasileiras: uma proposta. In WANBIER, Tereza Arruda Alvim (coord). Revista de Processo. out-dez/2002. págs. 62

[5] Idem. Ibidem. 63

[6] Idem Ibidem. Pág. 68 – No mesmo sentido Flavia Batista Viana. Os fundamentos da ação coletiva passiva no ordenamento jurídico brasileiro. Tese de mestrado apresentada no curso de pós-graduação stricto sensu da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2009. pág. 185

[7] VIANA, Flavia Batista.Op cit. pág. 185

[8] FEDERAL RULES OF CIVIL PROCEDURE FOR THE UNITED STATES DISTRICT – COURTS – IV. PARTIES – Rule 23. Class Actions – (a) Prerequisites to a Class Action. One or more members of a class may sue or be sued as representative parties on behalf of all only if (…) (4) the representative parties will fairly and adequately protect the interests of the class.

[9] BUENO, Cássio Scarpinela. As class actions norte-americanas e as ações coletivas brasileiras: pontos para um reflexão conjunta. Revista de Processo. 1996. pág. 92

[10] BRONSTEEN, Jon and FISS, Owen. The Class action rule. In Notre Dame Law Review [vol. 78:5], 2002-2003. Pág. 1419

[11] BUENO, Cássio Scarpinela.Op. cit. pág. 103

[12] Rule 23 g (C) In appointing class counsel, the court must consider: the work counsel has done in identifying or investigating potential claims in the action, counsel's experience in handling class actions, other complex litigation, and claims of the type asserted in the action, . counsel's knowledge of the applicable law, and . the resources counsel will commit to representing the class;

[13] BRONSTEEN, Jon and FISS, Owen. The Class action rule. In Notre Dame Law Review [vol. 78:5], 2002-2003. Pág. 1426

[14] Conf. Projeto de Lei 3.034 de 1984

26 GRINOVER, Ada Pellegrini, e outros.Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – Comentado pelos autores do anteprojeto. 2004.  pág. 754.

[16] FERRARESI, Eurico. A pessoa física como legitimada ativa à ação coletiva. In GRINOVER, Ada Pellegrini (coord). Direito Processual Coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processo Coletivo. 2007. pág. 137

[17] SHEN, Francis X. The overlooked utility of the defendant class action. Denver University Law Review, Vol. 88, p. 73 a 180, 2010. pág. 74

[18] Neste mesmo sentido – Nicole L. Johnson, Comment, BlackBerry Users Unite! Expanding the Consumer Class Action to Include a Class Defense, 116 YALE L.J. 217, 217–18 (2006) (“This Comment takes the Hamdani and Klement proposal ‘to allow certification of defense classes at the instigation of defendants’, a step further and suggests that the class defense has a more expansive applicability, not only for achieving economies of scale and overcoming collective action problems in litigation, but perhaps more importantly in obtaining settlements.”).

[19] NETTO, Nelson Rodrigues. The Optimal Law Enforcement with Mandatory Defendant Class Action. 2007. pág. 47

[20] SIMPSON, Robert R. e PERRA, Graig Lyle. Defendant Class Actions. Connecticut Law Review. [Vol. 32:1319]. 2000. pág. 1319

[21] Idem Ibidem . pág. 1336

[22] NETTO, Nelson Rodrigues.Op Cit. pág. 92

[23] Zechariah Chafee, Jr.. Some Problems of Equity. Apud NETTO, Nelson Rodrigues.Op Cit. pág. 92 

[24] GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências em matéria de ações coletivas nos países de civil Law. In WANBIER, Tereza Arruda Alvim (coord). Revista de Processo. mar./2008. pág. 155

[25] ANDRIGHI, Fátima Nancy.  Reflexões acerca da Representatividade Adequada nas Ações Coletivas Passivas. In MOREIRA, Alberto Camiña (coord).  2011. pág. 337

[26] ANDRIGHI, Fátima Nancy.  Ibidem. pág. 340

[27] ROSSI, Julio César. A Ação Coletiva Passiva. In WANBIER, Tereza Arruda Alvim (coord). Revista de Processo. Ano 36 nº 198. ago/2011. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

[28] VIANA, Flavia Batista. Os fundamentos da ação coletiva passiva no ordenamento jurídico brasileiro. 2009. pág. 186

[29] DIDIER JR, Fredie. Situações jurídicas coletivas passivas: o objeto das ações coletivas passivas. pág 02

[30] Idem. Ibidem. pág. 04

[31] ROSSI, Julio César. A Ação Coletiva Passiva. In WANBIER, Tereza Arruda Alvim (coord). Revista de Processo. Ano 36 nº 198. ago/2011. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.


Informações Sobre o Autor

Alice Satin

Advogada, Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2007). Mestranda em Direito Difuso pela PUC/SP. Professora Assistente na Graduação e Pós-Graduação em Direito da PUC/SP


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