Resumo: Artigo científico voltado à exposição de pontos relevantes sobre a adoção da norma NBR 14.136/2002 da ABNT como modelo para padronização de plugues e tomadas elétricas em todo o país. Relaciona os diferentes diplomas normativos envolvidos, especialmente as Leis n. 11.337/2006 e n. 12.119/2009, reunindo diversas opiniões existentes sobre o tema. Pretende fomentar a discussão jurídica dos mais diferentes aspectos pertinentes, tanto de ordem jurídica quanto técnica, econômica, administrativa, política e social. Conclui pela premente importância de se considerar todos esses aspectos para melhor opinar sobre a padronização adotada, jamais podendo o administrador na sua decisão relegar à informalidade as questões sociais, econômicas e políticas envolvidas.
Palavras-chaves: padronização; plugues; tomadas; fio-terra; discricionariedade.
Sumário: Introdução; 1. A Jabuticaba Elétrica; 2. Prós e Contras; 3. A Lei do Fio-Terra; 4. A Lei n. 12.119/2009; Considerações Finais; Bibliografia.
INTRODUÇÃO
Esse insólito título é fruto da não menos estranha circunstância em que se encontram o consumidor e o empresariado brasileiro diante da Lei n. 11.337 de 26.07.2006, a Lei do Fio-Terra, que torna obrigatória para a indústria e o comércio nacionais a observância do novo padrão de plugues e tomadas trazido pela NBR 14136:2002, expedida pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
A ‘Jabuticaba Elétrica’ – na sugestiva alcunha conferida pela jornalista Carolina Romanini[1] – só se tornou conhecida do grande público recentemente e, muitas vezes, da pior maneira possível: quando o consumidor, adquirindo um eletrodoméstico nacional, se depara com um plugue diferente de tudo que já havia visto antes, constituído de três pinos cilíndricos quase em linha – pois o pino central é levemente deslocado.
Sabendo, então, que não possui em casa uma tomada adequada, o consumidor sai à procura de um adaptador no comércio local e, não raro, se revolta ao saber que poucos estabelecimentos o possuem. Resultado: ansioso ou necessitado de utilizar o novo equipamento, o consumidor ou faz um terceiro furo central (inócuo) em uma tomada comum, ou retira (corta) o pino central (condutor-terra).
Pronto! Nada que o ‘jeitinho brasileiro’ não resolva.
Note-se que esse efeito prático (e muito previsível, aliás) da disposição normativa é exatamente o oposto da função do novo modelo e da pretensão declarada pela norma que tornou sua utilização compulsória: aumentar a segurança para o consumidor. Ocorre que nem sempre todas as intenções são declaradas e nem toda solução lógica e tecnicamente adequada pode ser, de fato, a mais conveniente. É o que se passa a investigar.
1. A JABUTICABA ELÉTRICA
Segundo a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (ABINEE)[2], em março de 1993 iniciou-se no Brasil um projeto de padronização de plugues e tomadas com base no modelo nº. 60906-1 (system of plugs and socket-outlets for household and similar purposes) criado em 1986 pela International Electrotechnical Commission (IEC), uma vez que no mercado nacional já haviam mais de dez tipos de plugues e quase quinze tipos de tomadas diferentes. Em julho de 1994 a comissão de estudos da ABNT apresentou desenhos para plugues e tomadas de 10 a 20 amperes, tendo sido o projeto de padronização aprovado pela entidade em 1996 e publicado em julho de 1998 através da NBR 14.136.
O Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO), expediu, então, a Portaria n. 185 de 21.07.2000, instituindo a certificação compulsória de plugues e tomadas para tensões até 440V (volts) comercializados no país (art. 1º), sendo que, segundo dispõe, a partir de 01.01.2006 “os plugues e tomadas fabricados e comercializados deverão atender aos requisitos da Norma Brasileira de padronização NBR 14136”, sob as penas previstas nos artigos 8º e 9º da Lei n. 9.933 de 20.12.1999.
As Portarias n. 83 de 13.06.2001 e n. 136 de 04.10.2001 fizeram uma complementação da norma, definindo as regras para as extensões, adaptadores, plugues de três saídas (conhecidos por benjamins ou ‘T’s), além de plugues e tomadas de conexão exclusiva do aparelho de utilização. Elas também fixaram, juntamente com as posteriores Portaria n. 134 de 15.07.2002 e n. 19 de 16.01.2004, as datas limites para a comercialização dos produtos desconformes por fabricantes, importadores, lojistas e varejistas. Todas essas portarias vieram sucessivamente postergando a implantação obrigatória e definitiva do modelo único, culminando com expedição da Resolução n. 11 de 20.12.2006 pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (CONMETRO), a qual declara que
“Art. 1º. (…) o atendimento pelas empresas fabricantes e importadoras de plugues e tomadas às especificações da norma ABNT NBR 14136:2002, configura observância ao estabelecido nesta Resolução e em Portaria do Inmetro tornando compulsória a certificação de plugues e tomadas.”
A resolução também resolve:
“Art. 2º. Estabelecer os novos prazos para a adequação dos fabricantes e importadores de plugues e tomadas à regulamentação Inmetro em vigor, na seguinte forma:
I – Os Plugues de 2 (dois) pinos desmontáveis, em desacordo com a norma ABNT NBR 14136:2002, poderão ser comercializados, por fabricantes e importadores, até 01 de agosto de 2007.
II – Os Plugues de 2 (dois) pinos injetados desmontáveis, em desacordo com a norma ABNT NBR 14136:2002, poderão ser comercializados, por fabricantes e importadores, até 01 de janeiro de 2008.
III – Os Plugues de 3 (três) pinos desmontáveis ou injetados, em desacordo com a norma ABNT NBR 14136:2002, poderão ser comercializados, por fabricantes e importadores, até 01 de janeiro de 2009.
IV – As Tomadas móveis de 2 (dois) pinos desmontáveis ou injetados, em desacordo com a norma ABNT NBR 14136:2002, poderão ser comercializadas, por fabricantes e importadores, até 01 de janeiro de 2008.
V – As Tomadas fixas de 2 (dois) pinos desmontáveis ou injetados, em desacordo com a norma ABNT NBR 14136:2002, não poderão ser comercializadas, por fabricantes e importadores, após 01 de janeiro de 2009.
VI – As Tomadas fixas e móveis de 3 (três) pinos desmontáveis ou injetados, em desacordo com a norma ABNT NBR 14136:2002, poderão ser comercializadas, por fabricantes e importadores, até 01 de janeiro de 2009.
VII – O Cordão Conector e o Prolongador com 2 (dois) ou 3 (três) pinos desmontáveis ou injetados, em desacordo com a norma ABNT NBR 14136:2002, poderão ser comercializados, por fabricantes e importadores, até 01 de janeiro de 2010.”
Nesse passo, impende ressaltar que é competência do CONMETRO estabelecer normas referentes materiais e produtos industriais (art. 3, ‘d’ da Lei n. 5.966 de 11.12.1973), bem como “expedir atos normativos e regulamentos técnicos nos campos da Metrologia e da Avaliação da Conformidade de produtos, de processos e de serviços” (art. 2 da Lei n. 9.933 de 20.12.1999).
Quanto ao INMETRO, a mesma Lei n. 9.933 dispõe em seu art. 3, inc. IV, que este é competente para “exercer o poder de polícia administrativa na área de Avaliação da Conformidade, em relação aos produtos por ele regulamentados ou por competência que lhe seja delegada”, cuidando-se que ao INMETRO compete elaborar e expedir regulamentos técnicos “nas áreas que lhe forem determinadas pelo CONMETRO” (art. 3, inc. I), não sendo de nosso conhecimento, entretanto, qualquer ato normativo do CONMETRO a determinar ao INMETRO a padronização compulsória de plugues e tomadas especificamente.
Todavia, com o advento da Resolução n. 11/2006 do CONMETRO, a investigação de eventual ilegalidade por incompetência do INMETRO parece perder relevância, não podendo deixar de se destacar também o disposto no art. 39, inc. VIII, do Código de Defesa do Consumidor:
“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (…)
VIII – colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial” (Conmetro);
Da mesma forma, embora a ABNT seja entidade privada sem fins lucrativos, é ela reconhecida pela Resolução nº 7 do CONMETRO, de 24.08.1992, como único Foro Nacional de Normatização, além de fazer parte do International Organization for Standartization (ISO), da Comissão Panamericana de Normas Técnicas (COPANT) e da Associação MERCOSUL de Normalização (AMN), sendo também representante nacional dessas entidades e da International Electrotechnical Commission (IEC). Isso certamente lhe dá, além de um amparo legal, uma indiscutível autoridade em seu campo de atuação[3].
2. PRÓS E CONTRAS
As principais justificativas que embasaram a padronização são: a necessidade de zelar cada vez mais pela segurança das instalações elétricas de baixa tensão, foco de potenciais acidentes domésticos ao consumidor; a necessidade de resguardar a melhor eficiência energética de dispositivos elétricos de modo a diminuir o desperdício de energia; a existência de mais de quatorze tipos diferentes de tomadas e plugues comercializados no país, muitos dos quais desconformes com padrões técnicos desejáveis; e a necessidade de regulamentar o segmento de fabricação, importação e comercialização de plugues e tomadas no país.
Especificamente quanto à adoção da NBR 14136:2002, costuma-se destacar sua conformidade com a IEC 60906-1[4], tendo sido aproveitado o seu formato com poço (rebaixamento do plugue em relação ao corpo do dispositivo) e sextavado (com seis faces), que impede a inserção unipolar também dificultando o contato com as partes energizadas. Segurança esta que é complementada pela capa plástica que envolve a base dos pinos.
Outro ponto positivo apontado pelos especialistas é que o modelo padrão com 2 pinos (ou furos) é compatível com mais de 80% dos aparelhos comercializados hoje no país, necessitando de adaptação apenas os 20% restantes. Da mesma forma, a padronização geraria economia de escala para as empresas, sendo que para o consumidor – para muitos dos aparelhos que necessitam de tomada de 3 pinos – já havia a necessidade de adquirir uma tomada específica (que agora passa a ser um modelo só). Por fim, afirma-se que as sucessivas postergações à implementação compulsória do novo modelo padrão concedeu tempo hábil às empresas do setor para se adaptar.
De outro lado, porém, muitas críticas foram levantadas por associações, sindicatos e grupos representativos da indústria, do comércio e dos consumidores – ainda que se alegue que ao longo de todo o processo de normatização tenha havido a participação desses grupos.
Dentre os argumentos opostos, defende-se que não houve a adequada e suficiente conscientização da população sobre as mudanças a serem implementadas, o que dificultou e desdemocratizou o debate, ficando restrito às comissões e grupos especializados que, ainda que diretamente interessados, poderiam não refletir o interesse público envolvido. Alegou-se também que outras medidas de securitização poderiam ser adotadas sem tantos inconvenientes, a exemplo: a obrigatoriedade de revestimento plástico das bases dos pinos dos plugues; o aumento do diâmetro das tomadas de modo a inviabilizar a inserção unipolar; a regulamentação específica dos materiais e medidas a serem utilizadas; dentre outras.
Outra crítica é o fato de que parcela ínfima das residências no país possuem aterramento, de modo que a obrigatoriedade do fio-terra integrado ao plugue torna-se medida inócua e, portanto, despropositada frente aos inconvenientes que gera. Da mesma forma, o já aludido ‘jeitinho brasileiro’ cuida de tornar a adoção compulsória do modelo padrão uma aventura pouco indicada sem a que haja a devida conscientização da população.
O presidente do Sincoelétrico, Marco Aurélio Sprovieri[5], chegou a aludir o fato de que a padronização gera um grande impacto no comércio internacional, criando uma evidente barreira técnica protecionista contra os produtos chineses e americanos, que utilizam os plugues de pino achatado, dificultando também, todavia, a exportação do Brasil para esses mesmos mercados – além do novo e burocrático processo de certificação das empresas.
Aliás, uma importante questão levantada é que não existe razão para o Brasil adotar um modelo padrão diferente de todos os demais países já que, dentre as mais de 110 configurações no mundo[6], certamente deve haver algum que (ainda que necessite de alguma adaptação) atenda aos mesmos objetivos pretendidos pela NBR 14.136. Quanto a isso, a ABINEE informa[7] que se chegou a cogitar a adoção do modelo alemão, considerado muito seguro, mas que foi descartado pelo seu elevado custo, falta de praticidade e total incompatibilidade com os modelos de plugues e tomadas até então existentes no Brasil.
Isso, contudo, não parece afastar a possibilidade de se ter aperfeiçoado o ‘padrão universal’ já utilizado, admitindo pinos chatos (como os da China, Estados Unidos e boa parte da América) e pinos redondos (como boa parte da Europa, África e Ásia).
Ocorre que antes mesmo da expedição da Resolução n. 11 de 20.12.2006 do CONMETRO, foi publicada em 26.07.2007 a chamada Lei do Fio-Terra, que veio tornar a questão ainda mais tormentosa.
3. A LEI DO FIO-TERRA
A redação original da Lei n. 11.337 de 26.07.2006 determina:
“Art. 1º As edificações cuja construção se inicie a partir da vigência desta Lei deverão obrigatoriamente possuir sistema de aterramento e instalações elétricas compatíveis com a utilização do condutor-terra de proteção, bem como tomadas com o terceiro contato correspondente.
Art. 2 Os aparelhos elétricos com carcaça metálica e aqueles sensíveis a variações bruscas de tensão, produzidos ou comercializados no País, deverão, obrigatoriamente, dispor de condutor-terra de proteção e do respectivo adaptador macho tripolar.
Parágrafo único. O disposto neste artigo entra em vigor quinze meses após a publicação desta Lei.
Art. 3 Esta Lei entra em vigor noventa dias após sua publicação.”
Portanto, consoante o art. 2º acima citado, não bastasse o CONMETRO impor aos fabricantes, importadores, varejistas e lojistas nacionais um padrão nacional de plugues e tomadas, com a nova lei, qualquer aparelho elétrico com carcaça metálica ou sensíveis a variações bruscas de tensão, produzidos ou mesmo comercializados no Brasil, passa a ter que apresentar obrigatoriamente o fio-terra adaptado a um plugue tripolar.
Ou seja, se até então a versão tripolar do padrão nacional de plugues e tomadas (a ‘jabutucada elétrica’ propriamente dita) era reservada somente aos aparelhos que já tinham a necessidade de fio-terra, com a Lei n. 11.337/2006, praticamente todos os aparelhos elétricos passam a ter de apresentar obrigatoriamente o dispositivo, tornando o plugue tripolar, que era exceção, uma regra!
Com isso, a controvérsia que estava reservada aos comitês técnicos especializados ganhou também os corredores do Congresso Nacional principalmente através das associações, sindicatos e grupos representativos da indústria, do comércio e dos consumidores, aumentando de sobremaneira a (im)popularidade do modelo NBR 14.136:2002 e imediatamente gerando propostas de correção e alteração da Lei 11.337/2006, as quais se veicularam legislativamente através do PLC 1.815/2007 do deputado federal Júlio Delgado (PSB/MG), que foi convertida na Lei n. 12.119 de 15.12.2009, publicada em 16.12.2009.
4. A LEI N. 12.119/2009
A Lei n. 12.119/2009, que “altera o art. 2º da Lei n. 11.337, de 26 de julho de 2006, para melhor detalhar a abrangência da exigência nele contida e para adequar a nomenclatura empregada aos padrões técnicos estabelecidos”, dispõe:
“Art. 1º O art. 2º da Lei n. 11.337, de 26 de julho de 2006, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 2º Os aparelhos elétricos e eletrônicos, com carcaça metálica comercializados no País, enquadrados na classe I, em conformidade com as normas técnicas brasileiras pertinentes, deverão dispor de condutor terra de proteção e do respectivo plugue, também definido em conformidade com as normas técnicas brasileiras.
Parágrafo Único. O disposto neste artigo entra em vigor a partir de 1º de janeiro de 2.010.”
Art. 3º, Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação”
Como se evidencia da sua comparação com a redação original da Lei. 11.337/2006, a nova disposição estende os efeitos do mandamento normativo também aos aparelhos eletrônicos, não se restringindo aos aparelhos elétricos. Todavia, longe de comprometer ainda mais a situação do consumidor brasileiro, limita-se a tornar obrigatório o fio-terra integrado ao plugue somente aos aparelhos enquadrados na denominada ‘classe I’, quais sejam, aqueles com carcaça metálica dotados apenas de isolação básica necessitando de condutor-terra para se evitar choques elétricos. Nas demais classes de isolação para aparelhos (de II a V) o dispositivo é dispensado[8].
Outra impropriedade técnica corrigida pela alteração foi a supressão da expressão “e aqueles sensíveis a variações bruscas de tensão”, uma vez que “todos os aparelhos elétricos conectados a uma tomada elétrica estão sujeitos a uma variação de tensão, independentemente da classe de isolação” [9], não havendo riscos ao consumidor em muitos deles, sendo em outros casos tecnicamente incabível tal exigência. Ademais, é notável a subjetividade e atecnia das expressões ‘sensível’ e ‘brusca’ utilizadas.
Além disso, a referência da redação original a “adaptador macho tripolar” é equivocada, posto que tecnicamente plugues e adaptadores são coisas diferentes. Ao se utilizar daquela expressão, parece o legislador se referir a um adaptador de três saídas (conhecido por adaptador Benjamin ou ‘T’), quando, na verdade, se referia a um plugue com três pinos, onde o condutor-terra encontra-se integrado. Disso, a Lei 12.119/2009 preferiu referir-se a “plugue, também definido em conformidade com as normas técnicas brasileiras”, qual seja, atualmente a NBR 14.126:2002.
Para os fabricantes também são previstas mudanças: as exigências restringem-se aos aparelhos comercializados no país, dispensando, portanto, de sua observação os fabricantes exportadores, que passam a poder produzir e exportar aparelhos com plugues em conformidade com os padrões do país de destino.
Do ponto de vista da redação legislativa, houve a exclusão da palavra “obrigatoriamente”, posto que desnecessária e redundante à sua própria natureza de norma legal, sendo sua observação compulsória.
E, finalmente, uma curiosidade: o prazo de quinze meses contados da publicação da Lei n. 11.337 para início da vigência do seu artigo 2º foi alterado para 01.01.2010 conforme a redação final do PLC 1.815/2007, já sancionado. Ocorre que referida data já sobreveio em 27.10.2007, de modo que o dispositivo já se encontra vigente e a ‘jabuticaba elétrica’ já é – ao menos legislativamente – uma realidade no país.
Pergunta-se, então: o que fazer com os efeitos legais do artigo 2º a partir de 27.10.2007 até 31.12.2009? Parece que o mesmo que vem sendo feito até agora: ignorá-los – ao menos no que tange à exigência de plugue com condutor-terra integrado para todos os aparelhos elétricos com carcaça metálica e aqueles sensíveis a variações bruscas de tensão, produzidos ou comercializados no país.
CONSIDERÇÕES FINAIS
Do exposto, conclui-se que o modelo de plugues e tomadas NBR 14.136:2002 certamente é mais seguro e econômico que os modelos então comercializados no país, bem como que a padronização nacional (aliás, mundial) é medida de todo desejável. Entretanto, a criação de um modelo tripolar diferente de todos os já existentes implica em um desgaste importante tanto para a indústria e comércio nacionais quanto para o consumidor, tornando cogitável a hipótese de se adaptar os modelos já existentes (plugues de pinos redondos e chatos com tomada ‘universal’) para alcançar os mesmos objetivos.
Ademais, ilhar-se tecnicamente do mundo, data vênia, não parece ser uma das estratégias mais benéficas à economia nacional – ainda que calcada sobre os padrões de excelência técnica da IEC 60906-1 –, tendo sido melhor que houvesse a proposta de um tipo intercambiável entre os modelos de plugues mais comuns no mundo, bem como levando a discussão para âmbito internacional, procurando estabelecer propostas e diretrizes comuns ao menos dentro do MERCOSUL.
Além disso, delegar uma decisão final de tamanha importância para o país (inclusive para seu comércio exterior), a órgãos que devem se restringir a critérios de ordem técnica, é tolher ou relegar para a informalidade importantes decisões de ordem política. Dessa forma, tal como a atual discussão sobre a aquisição de caças pela Força Aérea Brasileira, a fator político (ainda que reservado a uma decisão final) não deve ser descartado.
Realmente, entre opções juridicamente indiferentes, havendo autorização pelo ordenamento jurídico, pode e deve o órgão administrativo utilizar-se da competência discricionária, a qual se pauta por critérios políticos de decisão com vistas sempre os objetivos, princípios e valores consagrados na Lei Maior. O mesmo raciocínio parece ser aplicável também na opção entre indiferentes técnicos cuja decisão final seja atribuída ao administrador público. Assim, salvo melhor juízo, fundamental seria que se colocasse à disposição do administrador mais de uma alternativa na escolha do modelo padrão de plugues e tomadas a ser adotado no Brasil.
Por fim, embora os efeitos sobre a indústria nacional já sejam uma realidade e se tenha evitado que a ‘jabuticaba elétrica’ viesse a dominar o cotidiano do consumidor brasileiro por via da efetiva aplicação da redação original da Lei do Fio-Terra, tem-se por certo que o grande impacto das mudanças instituídas ainda está por vir, só nos restando saber uma coisa: ao final, quem realmente sairá ganhando com tudo isso?
Informações Sobre o Autor
Diego Nassif da Silva
Advogado, graduado pela Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro, campus da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), pós-graduado (especialista) em Direito Empresarial pela Universidade Cândido Mendes e em Direito Público pela Universidade do Sul de Santa Catarina.