Limite à autonomia das organizações desportivas pela perspectiva contemporânea do Supremo Tribunal Federal

Resumo: Princípio sem regulação dispõe campo hermenêutico difuso e, não raras vezes, aplicações discutíveis. O princípio da autonomia organizacional das entidades desportivas não é exceção. Trata-se do enunciado previsto no inciso I, art. 217 da Constituição Federal. A autonomia organizacional destas instituições privadas não possui eficácia regulamentada. Em que pese à Lei n. 9.615/88 ser considerada um marco legislativo do desporto, tão apenas replicou o enunciado constitucional. Uma vez inerte o legislador ordinário, esse importante princípio para o sistema jurídico desportivo carece de limite de aplicação. Nesse ponto, o protagonismo da jurisprudência contemporânea do STF exsurge imponente, pois confere, indiretamente, limite de aplicação ao enunciado constitucional. Portanto, este artigo se propõe à análise da jurisprudência contemporânea da Corte Suprema. Sendo assim, identificadas as razões determinantes de seus julgados mais recentes, conjugam-se postulados judiciais que apontam para o limite de aplicação à autonomia organizacional das entidades desportivas. Sob esse prisma, busca-se sua modulação.

Palavras-chave: Autonomia. Constituição Federal. Lei n. 9.615/88. Supremo Tribunal Federal. Entidades desportivas.

Abstract: Principle without rule offers diffuse interpretation and, not infrequently, debatable applications. The principle of organizational autonomy of sporting entities is no exception. This is the statement provided for in item I, art. 217 of the Federal Constitution. The organizational autonomy of these private institutions does not have regulated efficacy. In spite of Law no. 9.615/88 be considered as a historical milestone in sports legislation, only replicated the constitutional statement. Since the ordinary legislator is inert, this important principle for the sports legal system does not have a limit of application. At this point, the leading role of the contemporary jurisprudence of the Supreme Court exsurges important, since it confers, indirectly, limits of application to the constitutional statement. Therefore, this article proposes to analyze the contemporary jurisprudence of the Supreme Court. Therefore, having identified the reasons for its most recent judgments, conjugates statement that point to the limit of application to the organizational autonomy of sports organizations. In this light, its modulation will be defined.

Keywords: Autonomy. Federal Constitution. Law n. 9.615/88. Supreme Court. Sports entities.

Sumário: Introdução. 1. Desporto, organizações desportivas e autonomia. 1.1. Desporto. 1.2. Organizações desportivas. 1.3. Autonomia. 2. Limite à autonomia das organizações desportivas pela perspectiva contemporânea do Supremo Tribunal Federal. 2.1. Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n. 3.045-1 de 10/08/2005. 2.2. Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n. 2.937 de 23/02/2012. 2.3. Reclamação Constitucional n. 14.247 de 28/05/2013. 2.4. Recurso Extraordinário n. 935.482 de 24/02/2016. Conclusão.

Introdução

A expressão normativa dos princípios constitucionais é defendida pelos doutrinadores mais expoentes da contemporaneidade. Dentre os quais, destacam-se Ronald Dworkin[1] e Robert Alexy[2]. No entanto, a mera concepção do princípio ao status de norma não satisfaz seu plano de eficácia, pois, carente de regras próprias, torna-se estéril.

Bem se sabe que a atuação legiferante é, quase sempre, reativa. Inocência é crer que a legislação muda a sociedade. Em verdade, ao contrário. Diante aos avanços da ciência, economia e política a sociedade outorga evoluções à sua própria essência. Das quais, muitas reclamam adaptações legislativas. O ordenamento jurídico é expressão cultural firmada em dado contexto histórico. Enrijecido e petrificado à sua época, é insatisfatório perante demandas sociais em grau de complexidade normativa extemporânea.

No curso da evolução da sociedade e da atuação legislativa, a aplicação hermenêutica sistêmica, sob amparo valorativo dos princípios, é, por vezes, único recurso jurisdicional válido e célere às pretensões culturais avançadas.

Assim, a aparente inviabilidade de eficácia normativa resolve-se pela atividade jurisdicional, na exata medida em que as razões determinantes dos seus julgados tornam-se sua própria modulação.

Nesse passo, a discussão sobre a materialidade normativa do inciso I, art. 217 da C.F.[3] ganha imponente justificativa.

O referido princípio constitucional prescreve autonomia organizacional às entidades desportivas. No entanto, haja vista a carência de regras específicas[4][5], inexiste limite de aplicação, inviabilizando, via reflexa, seu plano de eficácia.

A discussão sobre a aplicação do princípio da autonomia organizacional das entidades desportivas polariza-se pelas apropriações particulares de seus próprios agentes e dos agentes estatais.

Neste prisma, os agentes da atividade desportiva reclamam mínimo intervencionismo estatal as suas atividades de organização e atuação, potencializando, dessa forma, máxima eficácia ao princípio da autonomia. Os agentes estatais, ao seu turno, militam pelo recrudescimento do princípio para otimizar uma política intervencionista mais ampla.

O choque de forças entre as referidas instituições, não raras vezes, é franqueada pela jurisdição. Neste cenário, o ativismo judicial do Superior Tribunal Federal assume papel protagonista. As razões determinantes da atividade judicial do tribunal de sobreposição tornam-se a instrumentalização ao princípio da autonomia organizacional das entidades desportivas. Modulando seu limite de aplicação, confere eficácia normativa até, então, diferida.

Portanto, uma vez carente de regras próprias, a eficácia ao princípio da autonomia organizacional das entidades desportivas encontra efetividade na ratio decidendi[6] firmada pela jurisprudência do STF que firmou seu posicionamento em recentes precedentes[7].

Por derradeiro, pormenorizando o estudo desses precedentes, propõe-se por a lume suas razões determinantes e, conjugando suas estruturantes, concretizar a eficácia da autonomia organizacional das entidades desportivas, modulando seu limite.

Mais a mais, tomando em conta que o movimento desportivo é um fenômeno sociocultural de proporções globais e seu relevante impacto econômico de interesse sócio estatal, instiga, sobremaneira, o objeto do presente artigo, que, por razões claras, não ostenta pretensões de exaurimento.

1. Desporto, organizações desportivas e autonomia

A adstrição do presente artigo remete-se à autonomia das organizações desportivas. Impõe-se, sob esse prisma, apontar conceitos básicos delimitadores.

Desse modo, considerando que as entidades subjetivas exercem atividades do desporto pela sua prática, administração, regulação e fiscalização[8] identifica-se, de plano, que o desporto é atividade fim de toda organização desportiva. Por questões didáticas, inicia-se pelo desporto.

1.1. Desporto

Via de regra, é muito raro que as percepções apropriadas pelos observadores de um objeto cognoscível sejam comuns e convergentes.

Tal fato não decorre simplesmente pela infinidade de perspectivas que o objeto cognoscível está disposto, mas, principalmente, pela particular apropriação de perspectivas que, segundo seu observador, apontam para o único sentido da verdade.

Assim, a conjugação de perspectivas distintas não se perfaz pela apropriação individual que limita conhecimento a falsas percepções de verdade, apriorismos e dogmas.

O observador “imune” a percepções distintas (pois confere validade tão somente às próprias) inviabiliza a conjugação de todo conhecimento e esteriliza a produção do potencial conhecimento científico.

O conceito de desporto não é diferente disso. É polissêmico, vez que doutrinadores forjam conceitos sobre estruturantes particulares.

No entanto, não se pode negar a existência de premissas que comungam parcial comunicabilidade. A par desse ideário, os conceitos mais afins do brocardo em tela prestam-se ao objeto teleológico do presente artigo.

Nesse sentido, pode-se afirmar que a atividade desportiva em si, desenvolveu-se da prática informal, como manifestação sociocultural, atingindo seu apogeu contemporâneo de alcance globalizado[9].

Segundo aporte doutrinário norte americano o desporto caracteriza-se como atividade que requer complexidade de capacidades físicas e exercício físico vigoroso. Envolve organização e regulamentação da competição e, ao mesmo tempo, mantém íntima relação com liberdade e espontaneidade.

Pierre Coubertin, pedagogo e historiador francês, ficou marcado para a história como o fundador dos Jogos Olímpicos modernos. Conhecido inclusive pelo título nobiliárquico de Barão de Coubertin, aponta que o desporto é um culto voluntário e habitual de exercício muscular intenso, suscitado pelo desejo de progressão sem hesitação em ir até o risco[10].

O desporto, na concepção de Huizinga, não passa de uma atividade ou ocupação voluntária, limitadas pelo tempo e lugar em conformidade com as regras livremente aceitas, mas moduladas com seu caráter obrigatório. Tem seu objetivo em si próprio, sendo acompanhado por um sentimento de tensão, alegria e consciência de que essa atividade é distinta da vida normal[11].

Sob uma perspectiva normativa, em 1992 os Ministros europeus responsáveis pelo Desporto, reunidos na 7ª Conferência em Rhodes, definiram o desporto como expressão de todas as formas de atividades físicas. Busca, no entanto, além de expressão ou melhoria das capacidades físicas e mentais, o fomento de relações sociais ou, ainda, obtenção de resultados na competição a todos os níveis[12].

Importante o destaque que a expressão normativa da Carta Europeia de 1992 equipara atividade profissional e não profissional como manifestação própria do desporto. Bastando, para tanto, que vise expressão ou melhoria das capacidades físicas e mentais, fomente relações sociais ou vise resultados em competição.

A par de uma concepção universalista, Gustavo Pires amplia o desporto a estruturantes conceituais diversas, tais como: exercício físico, competição, apetrechos, estratégia, regras, resultados, treino, entre outras mais[13].

Conjugando os principais excertos conceituais, trata-se de consenso que o desporto é uma atividade de manifestação cultural prática e complexa projetando interesses de impacto social e/ou político e/ou econômico.

Definido como prática de atividade física, o desporto pode se caracterizar tanto pela natureza individual quanto coletiva, competitiva quanto participativa e profissional quanto amadora.

Mais a mais, pode ser praticado sob o regime de rígidas regras (natureza formal) ou mera manifestação consuetudinária cultural (natureza informal), com pretensão à superação de índices de rendimento pré-determinados por autoridades desportivas ou metas particulares pessoais.

Além disso, é atividade física que pode expressar fins de otimizar a saúde corporal e mental ou, simplesmente, satisfação recreativa.

Sobretudo, é patrimônio histórico-cultural da humanidade.

1.2. Organizações Desportivas

O aporte conceitual das organizações desportivas se apresenta relevante no contexto deste artigo. Afirma-se isso, porque (uma vez responsáveis pela manifestação do desporto e do próprio direito desportivo) proclamam máxima eficácia ao princípio da autonomia organizacional no exercício de suas atividades.

Nesse viés, a autonomia das organizações desportivas tornaria acentuada à custa do intervencionismo estatal, reduzindo-o à míngua ou ao não intervencionismo.

Portanto apropriar um conceito às entidades que praticam, administram, regulam e fiscalizam o desporto é trilha imperiosa no curso do presente artigo.

Conceituar expressões insertas em um sistema normativo é tarefa árdua, mas, bem pensadas as coisas, trata-se de identificar sua natureza jurídica. Revela-se pelas suas estruturantes elementares, sua essência, seu conteúdo fundamental. Decorre, daí, seu conjunto sistêmico-normativo afim e suas premissas jurídicas.

Nesse passo, o código civilista pátrio prescreve que as pessoas são dignas de personalidade jurídica, ou seja, capacidade de possuir direitos e contrair obrigações. De igual sorte, confere distinção normativa entre pessoas naturais e jurídicas.

A pessoa jurídica é ficção normativa. Entidade constituía pelo legislador. Seu principal enunciado prescritivo é conferido pelo art. 40 e seguintes do Código Civil. Segundo sua inteligência[14], pessoa jurídica é gênero das espécies pública e privada.

As organizações desportivas, nesse contexto e em consonância à disciplina da Lei n. 9.615/88[15], consistem em pessoas jurídicas de direito privado com organização e funcionamento autônomo e competência definida pelo próprio estatuto ou contrato social[16].

O direito à constituição de pessoas jurídicas privadas é livre, desde que observadas suas expressões ope legis. Para tanto, o sistema jurídico civilista dispõe em seu art. 44 personalidades jurídicas distintas, quais sejam, associações, sociedades, fundações, organizações religiosas, partidos políticos e empresa individual de responsabilidade limitada.

Em que pese à variedade de personalidades jurídicas para constituição, é habitual que as organizações desportivas se constituam sob a forma de associação, sejam pelas facilitadas adesões aos incentivos fiscais ou parcerias administrativas estatais.

Contudo, importante ressaltar que a pessoa jurídica constituída sob a forma de associação possui relevante similitude com uma sociedade. Mormente, com esta não se confunde.

A associação é pessoa jurídica de direito privado na qual pessoas reúnem-se pelo capital. Muito embora, sem interesse de prospecção lucrativa.

Uma associação, portanto, pode ser definida como pessoa jurídica de natureza privada constituída a partir da união de ideias e esforços de pessoas em torno de um propósito sem finalidade lucrativa (OLIVA, 1988). É uma modalidade de agrupamento dotada de personalidade jurídica. Na qualidade de pessoa jurídica de direito privado, volta-se à realização de interesses sociais e filantrópicos via administração de seus associados[17]. Sua constituição jurídica decorre da inscrição de seu estatuto no registro competente, em forma pública ou particular, desde que atendidos os pressupostos legais, principalmente os enunciados no art. 54 do Código Civil[18].

A sociedade, por sua vez, é pessoa jurídica de direito privado pela qual pessoas integram capital com vistas à persecução teleológica lucrativa. Apresenta, portanto, a finalidade lucrativa como essência.

Nesse sentido, afirma o jurista Flávio Tartuce que a finalidade é o elemento de distinção entre associação e sociedade (TARTUCE, 2015).

Sob esse prisma, a pontual diferença entre a associação e a sociedade são os objetivos motivadores que projetam os sócios a reunirem-se em atividade econômica. Quando os fins são exclusivamente filantrópicos, culturais, sociais, políticos, ou seja, não ostentam interesses econômicos, trata-se de associação. Ao contrário, quando o fim volta-se ao ganho de capital, trata-se de sociedade[19].

Assim, parte relevante da doutrina é mais cautelosa no sentido de limitar a natureza jurídica das organizações desportivas à figura das associações, em que pese o relevo das entidades constituídas sob suas roupagens normativas.

A razão dessa reserva é evidente se tomarmos em consideração a contumaz manifestação das atividades das organizações desportivas com exclusivo viés pró-lucro, mesmo quando constituídas sob a forma de associação. O fomento de atividade empresarial com vistas ao ganho de capital, repita-se, é fator essencial de distinção entre a sociedade e a associação.

Destarte, pode-se afirmar, concludentemente, que uma organização desportiva é, latu sensu, pessoa jurídica de natureza privada, constituída e organizada pela reunião de pessoas, sob a forma de associação ou sociedade. É pessoa jurídica que desenvolve o desporto pela sua prática, administração, regulação e fiscalização.

Constituídas sob o regime das associações[20], a promoção e o fomento do desporto não terão fins econômicos. Ao passo que, se o interesse social findar ao ganho de capital, as organizações desportivas deverão ser constituídas sob o regime jurídico das sociedades[21].

1.3. Autonomia

O enunciado do art. 217 da C.F. proclama o poder/dever estatal ao fomento do desporto. No entanto, conjugado ao seu inciso I, deve se efetivar com reservas à autonomia organizacional das entidades desportivas.

Nesse aspecto, circunscrever um conceito de autonomia é pertinente para viabilizar melhor luzes aos interesses do presente artigo.

Imune a digressões menos importantes, tomando como base a etimologia, o vocábulo autonomia possui origem grega[22] e se constitui pelos adjetivos autos e nomos. Autos possui o significado de “o mesmo”, “ele mesmo”, “por si mesmo”. Ao passo que nomos significa “norma”, “lei”, “convenção”, “instituição”.

Esta composição etimológica implica na particularidade subjetiva de autodeterminação. Define uma capacidade do ser que, de modo independente e autônomo, escolhe o que lhe convém como justo, correto, adequado, pertinente, necessário. Essencialmente autonomia é autorregulação. É a faculdade de administração pessoal imune a ingerências externas.

Conforme o vocabulário técnico da Filosofia a autonomia é a condição de uma pessoa ou de uma coletividade cultural em determinar a lei à qual se submete[23].

Trata-se de expressão que encontra suas origens na filosofia kantiana, designando a independência da vontade e capacidade de autodeterminação pela via da razão[24]. Esse prisma doutrinário confere a ideia de que a autonomia assume o status de princípio da autonomia da vontade. Sendo assim, sob a forma de uma norma universal, a ordem subjetiva destina-se ao fim da própria vontade.  Essa imperatividade à autodeterminação constitui-se pelos desígnios da razão[25].

A este momento, chega-se ao ponto em que o curso instrumental para subsidiar o propósito do presente artigo está aportado. A apropriação dessas fontes conceituais habilita a pretensão de fixar o limite à autonomia das entidades desportivas sob perspectiva da Corte Suprema.

2. Limite à autonomia das organizações desportivas pela perspectiva contemporânea do Superior Tribunal Federal

Manifestações recentes do Superior Tribunal Federal revelam seu posicionamento em relação ao princípio da autonomia organizacional inerente às entidades desportivas.

Há de se tomar em conta que, uma vez inerte o legislador ordinário, cabe ao Poder Judiciária, via Corte Suprema de sobreposição, viabilizar eficácia ao princípio constitucional modulando seu alcance.

Mais a mais, o Direito[26] como um “organismo vivo” se adapta às vicissitudes societárias. Ao passo que o direito[27] não se sustenta, per si, a ponto de viabilizar, de forma célere, soluções avançadas às demandas de complexidade normativa extemporânea.

Nesse caso, destaca-se, em maior grau, o poder/dever jurisdicional. A rigor de métodos hermenêuticos, a atividade judicial encontra uma avançada aplicação do direito nas expressões valorativas do Direito. Estas insertas, invariavelmente, no sistema principiológico de enunciados fundamentais.

Desta ótica, a jurisprudência apresenta-se como instrumento de concretização normativa.

A fim de atender demandas jurídicas de complexidade normativa extemporânea, firmam-se teses novas. As razões elementares que determinam e fundamentam a solução dos casos difíceis (ratio decidendi) constituem precedentes judiciais. A depender do nível de complexidade, contemporaneidade, inovação jurídica, grau de jurisdição, tendem a instrumentar soluções em demandas similares.

Quando a ratio decidendi possui raízes na Corte Suprema, o potencial de aderência das instâncias inferiores é absolutamente significativo. Maior sua adesão, ainda, em se tratando de julgamentos de colegiado. Tal condição promove verdadeira reação em cadeia, influenciando toda a jurisdição do país.

Eis a força de um precedente judicial.

Dito isto, é respeitável a concretização ao princípio da autonomia organizacional das entidades desportiva sob a perspectiva contemporânea do STF.

Portanto, projetam-se luzes às motivações jurídicas dos julgados do STF, especialmente, ADI n. 3.045-1; ADI n. 2.937; Rcl n. 14.247 e RE n. 935.482.

2.1. Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n. 3.045-1 de 10/08/2005

Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, chegou ao plenário do Superior Tribunal Federal, através de Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n. 3.045-1, a apreciação da autonomia das organizações desportivas face ao art. 59 do referido diploma legal.

A ação foi proposta pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) [28]. Com vistas à declaração de inconstitucionalidade do caput do art. 59 e seu parágrafo único do CC, sem redução do texto[29], objetivava-se afastar sua incidência às organizações desportivas frente ao princípio constitucional da autonomia.

Ocorreu, no entanto, extinção anômala da ADI n. 3.045-1 por prejudicialidade, porque superveniente alteração legislativa revogou substancial matéria judicializada.

Apesar disso, antes da extinção do feito sem resolução de mérito, o Ministro-relator Celso de Mello apresentou seu voto. Colhe-se, de suas razões, um arcabouço jurídico de referência singular. Uma forma de “prenúncio” de ratio decidendi que se confirmaria em 2012.

Decorre da análise de seu voto, que o Ministro-relator foi exauriente no tratamento da autonomia das organizações desportivas. Assentou que, em consonância à “Lei Pelé”, o princípio da autonomia é modo de atribuir mera faculdade e liberdade às entidades com personalidade jurídica para se organizarem à prática do desporto.

Na opinião do Ministro-relator, extraem-se do próprio enunciado constitucional as diretrizes normativas da organização das entidades desportivas[30]. A expressão da autonomia positivada à Carta Magna é a capacidade de exercício de um poder essencialmente subordinado a diretrizes gerais.

Tais diretrizes condicionam a prática do desporto e a organização e o funcionamento das entidades desportivas.

Neste ponto, a autonomia é conferida apenas em certo grau e não de forma absoluta. Impõe-se, portanto, sua sujeição à ordem legislativa posta pelo Estado, porque, contrario sensu, seria legitimar soberania infundada[31].

Sob essa perspectiva, acaba, por fim, reconhecendo que as organizações desportivas são dotadas de poder autônomo. No entanto, um poder relativo e não absoluto, porque, de maneira nenhuma, assemelha-se à soberania privada.

Pondera, inclusive, que a autonomia é autodeterminação dentro da lei. É o poder exercido de modo independente, mas dentro dos limites consentidos pela lei estatal maior e que ampliar à máxima eficácia a autonomia é recurso hermenêutico inválido[32].

Não obstante, aponta que o sentido da autonomia das organizações desportivas consubstancia-se naquilo que concernir a sua organização, estruturação e interno funcionamento. Esse é o espaço de livre e autônoma deliberação, desde que observados os delineamentos fundados das normas gerais positivas pelo Estado[33].

Encerra seu posicionamento no sentido de que a autonomia, por mais ampla que seja, não significa independência total em relação ao Estado. Este não pode ser coibido na legítima atuação institucional quando estabelece disciplina normativa geral. Nesse passo, não se escusariam as organizações desportivas.

Às razões determinantes ínsitas ao voto do Ministro-relator, exsurge a limitação da autonomia do inciso I, art. 217 da C.F.

Diga-se, en passant, que o Ministro Gilmar Mendes manifestou-se durante o voto do Min. relator filiando-se à ideia de que liberdade absoluta não existe em lugar nenhum. Portanto, inadmissível extremar a interpretação constitucional da autonomia das organizações desportivas, sob pena de assumirem natureza de verdadeiras províncias, rivalizando com o próprio Estado.

Por derradeiro, o acolhimento da prejudicialidade[34] inviabilizou a manifestação judicial dos demais Ministros.

Em concreto, é indubitável reconhecer que as estruturantes da ratio decidendi da ADI n. 3.045-1 imprimem importante prenúncio ao limite da autonomia das organizações desportivas.

Destarte, o STF aponta uma tese no sentido de que é legítima a intervenção normativa do Estado na definição de cláusulas gerais pertinentes à estruturação das associações civis (in casu, organizações desportivas). Assentando-se, por fim, que o poder de supremacia do Estado é intransponível pelo setor privado e a autonomia das organizações desportivas submete-se a sua ingerência.

2.2. Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n. 2.937 de 23/02/2012

A Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n. 2.937 foi proposta pelo Partido Progressista. Suposta ofensa à autonomia das entidades desportivas foi invocada em face de vários dispositivos da Lei federal n. 10.671/2003[35] (Estatuto do Torcedor).

Nesta oportunidade, o plenário da Suprema Corte confirmou o “ensaio” precedente da ADI n. 3.045-1.

Diga-se, sem dúvidas, que a ADI n. 2.937 é o julgamento contemporâneo com melhores diretrizes jurídicas que indicam o limite da autonomia organizacional das entidades desportivas.

Com muita diligência técnica, o Ministro-relator Antonio Cezar Peluso posicionou-se pela improcedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade. Foi acompanhado, de forma unânime, pelos integrantes da sessão plenária.

Firmou seu posicionamento às razões do M.S. n. 23.452[36].      Nesse sentido, invocou que inexiste direito sem limitação e, frisa-se, nem mesmo direitos fundamentais, pois se submetem à primazia do interesse público.

Complementa o Ministro-relator que merece interpretação sistemática o caput do art. 217 e seu inciso I. Assim, uma vez que o desporto exsurge na condição de bem jurídico tutelado pelo ordenamento (caput do art. 217), a autonomia (inciso I) é mera concretização que justifica sua própria realização[37].

Em conclusão, considerou que os dispositivos atacados, além de atender seu fim teleológico, ou seja, a proteção do torcedor, favorecem indiretamente o desenvolvimento das instituições. Fomentam o exercício profissional e a busca da eficiência na gestão esportiva, em benefício a toda sociedade.

Por derradeiro sustentou que nenhum dispositivo estabeleceu normas tendentes a alterar o funcionamento e a organização administrativa das entidades, vinculando autonomia ao âmbito interno prático-administrativo[38].

Confirmando o voto do Ministro-relator, o Min. Ayres Britto acrescentou que os dispositivos atacados conferem proteção ao torcedor face à autonomia, haja vista que esse enunciado constitucional se reserva, tão apenas, à organização e ao funcionamento das organizações desportivas[39].

Nesse limiar, importante destacar que autonomia das entidades desportivas aporta restrição de intervencionismo com fins ideológicos. Sob esse ângulo, o Estado fere o princípio da autonomia quando promove intervenção valorativa e alheia à atividade do desporto.

Desnaturar os interesses elementares que norteiam a administração e execução do desporto fere o enunciado da autonomia. A intervenção político-ideológica no âmbito interno das organizações desportivas é inconstitucional, pois afronta o inciso I, art. 217 da C.F[40].

Entende, por sua vez o Ministro Gilmar Mendes, que modular a aplicação da autonomia das organizações desportivas não é tarefa fácil. Refere-se ao processo legislativo da “Lei Geral da Copa” como verdadeiro contrato de adesão. Uma espécie de acordo quase que universal (agreement) na qual o Estado adere às vontades da FIFA[41].

Tomando em consideração isso, seria compreensível uma ideia de usurpação estatal quando há intervenção em alguma seara da atividade desportiva[42].

Por fim, no passo das prescrições normativas dos incisos XVII e XVIII, art. 5º da C.F., afirma que apesar da outorga do constituinte à plena liberdade de associação e constituição de associações, o texto constitucional não impede que, mediante processo legislativo, se estabeleçam diretrizes estatutárias das associações. Tanto é que a disciplina dessa matéria em âmbito civilista é histórica[43].

O Min. Celso de Mello complementa que o maior grau de autonomia concedido aos entes associativos, conjugado ao princípio da liberdade de associação, não limita o Estado ao exercício do poder de legislar[44]. Portanto, a cláusula constitucional de autonomia não pode ser invocada para afastar ou reprimir a legitimidade do legislador que opera em adstrição regulamentar.

Em apertada síntese, conclui-se que as razões determinantes da ADI n. 2.937 oferece substancial matiz hermenêutica.

Sob esse prisma, conjuga-se que a autonomia organizacional das entidades desportivas é limitada pelo intervencionismo legislativo. Opera-se legítimo, no entanto, quando observado o funcionamento e a organização interna das entidades desportivas e não se torne instrumento político-ideológico a ponto de desnaturar a atividade do desporto na qualidade de iniciativa privada.

2.3. Reclamação Constitucional n. 14.247 de 28/05/2013

Recorrendo-se ao instrumento da R.C. n. 14.247, a Confederação Brasileira de Futebol apontou que atuação jurisdicional da 1ª Vara Cível de Campina Grande/PB se deu à margem da autonomia das organizações desportivas.

O juízo de primeiro grau, em sede liminar, determinou à CBF que excluísse o Rio Branco Football Club do Campeonato Brasileiro da série “C” de 2012 para inclusão do Treze Futebol Clube.

Sustentou a CBF que o Juízo reclamado usurpou sua autonomia de organização e coordenação das competições de futebol. E mais, que a medida liminar é flagrante violação a precedentes do STF, especialmente ADI n. 2.937 e 3.045-1.

O imbróglio jurídico se deu em 2011 no Campeonato Brasileiro da Série “C”. À época, o Rio Branco Football Club foi punido com a pena de exclusão do campeonato[45] por ter demandado na Comarca de Rio Branco/AC sem o prévio esgotamento das instâncias desportivas.

Aplicada a pena de exclusão, a agremiação propôs nova ação em face da CBF e do STJD[46] no Juízo da 4ª Vara Cível do Fórum Regional de Jacarepaguá/RJ.

Diante a concessão de medida liminar que suspendeu o cumprimento da pena imposta pelo STJD, as partes firmaram acordo extrajudicial. Em seus termos, ficou entabulado que o clube Rio Branco desistiria das ações judiciais. Em contrapartida, além de garantir sua vaga na série C em 2012, a CBF e o STJD não denunciariam o clube Rio Branco Football Club à FIFA.

Prejudicado pelos termos do acordo, a agremiação Treze Futebol Clube ajuizou uma ação perante o Juízo da 1ª Vara Cível de Campina Grande. Concedida a tutela antecipada, obteve deferimento liminar à inclusão na competição de futebol Série “C”.

E mais, decorrente a essa decisão judicial, o Juízo da 1ª Vara da Fazenda e Registros Públicos de Araguaína/TO concedeu pleito semelhante ao Araguaína Futebol e Regatas para o mesmo campeonato. No entanto, após reunião com o presidente da CBF, o clube Araguaína desistiu da ação[47].

A manifestação de maior relevo do Ministro-relator se deu à apreciação do recebimento da R.C. n. 14.247.

Seu desafio era considerar, ou não, indevida a intervenção judicial na esfera de competência autônoma das organizações desportivas. Afirma-se isso, pois a decisão desafiada seguia à contramão do acordo de vontades extrajudicial. Fruto, portanto, da própria liberdade de autodeterminação administrativa das entidades desportivas.

Na oportunidade, o Ministro-relator indeferiu o prosseguimento da ação sob fundamentos processuais. Nesse sentido, em razão de a controvérsia orbitar sobre incidentes de execução decorrente de acordo extrajudicial, entendeu que a via eletiva processual era inadequada[48].

Apesar disso, em apertadas linhas, entendeu que a atuação jurisdicional em nada violou a autonomia das organizações desportivas, porque não adentrou ao mérito do acordo extrajudicial. Mas, tão apenas, ao plano de validade[49].

Na ADI n. 2.937 e 3.045-1 ficou assentado que a autonomia das organizações desportivas não se perfectibiliza de eficácia absoluta. Entretanto, o intervencionismo estatal é inconstitucional quanto afeta suas estruturas internas.

E mais, a autonomia das entidades desportivas possui sua máxima expressão na autodeterminação organizacional para seu regular funcionamento. Concretiza-se pela atuação administrativa das competições que organiza, v.g.

A par disso tudo, conjuga-se que o poder intervencionista do Estado alinha-se ao dispositivo constitucional do inciso I, art. 217 quando atua pela ordem pública, declarando nulo ato jurídico privado de interesse organizacional das entidades desportivas.

Portanto, reconhecida a nulidade de pacto extrajudicial firmado entre entidades desportivas, inexiste violação ao princípio da autonomia. Ressalta-se, no entanto, que esse tipo de intervenção à autonomia destas entidades é legítima se, e somente se, decretada sem adentrar no mérito valorativo das cláusulas entabuladas no pacto.

Por fim, a título de curiosidade, após a interposição de Agravo Interno o Ministro-relator viabilizou a mediação entre as partes. Do acordo, ficou assentado que o Rio Branco disputaria a edição de 2012 do Campeonato Brasileiro da série C como 21º participante. Ironia do destino, na mesma edição foi rebaixado à série D[50].

2.4. Recurso Extraordinário n. 935.482 de 24/02/2016

Trata-se de julgado contemporâneo. Nesta oportunidade a Ministra-relatora Rosa Weber confirmou os precedentes da Corte Suprema.

O litígio remete-se à validade das alterações no estatuto social do São Paulo Futebol Clube e a obrigatoriedade de aplicação do art. 59 do Código Civil face à autonomia das organizações desportivas.

Em sede de Recurso Extraordinário, o São Paulo Futebol Clube invocou a reforma do acórdão a quo aportado no enunciado do inciso I, art. 217 da C.F.

Aderindo fielmente às razões da ADI n. 2.937, a Ministra-relatora negou prosseguimento ao recurso.

Interposto agravo regimental, invocou, de igual sorte, excertos da ADI. 3.045-1 à qual confirma a natureza relativa do princípio da autonomia organizacional das entidades desportivas.

Apesar de que a Ministra-relatora socorre-se, tão apenas, às próprias fundamentações dos precedentes da Suprema Corte[51], sem promover qualquer inovação jurídico-valorativa, confirma a força vinculativa da ADI n. 3.045-1 e ADI n. 2.937.

Por derradeiro, em atenção ao voto da Ministra-relatora, o Ministro Marco Aurélio concluiu que, uma vez a intervenção do juízo de origem não importa em análise de conteúdo das cláusulas estatutárias, inexiste intervenção a ponto de violar a autonomia enunciada no inciso I, art. 217 da Carta Magna[52].

Destarte, a autonomia das organizações desportivas encontra impeditivo em razão da Suprema Corte entender que não lhe escusa a aplicabilidade do art. 59 do Código Civil. Evita-se, assim, alteração do estatuto à revelia pelos seus diretores.

Conclusão

A projeção hermenêutica e normativa dos precedentes promove impactos no sistema jurídico do país.

Notadamente, em se tratando de precedentes da Corte Suprema, ganham especial força vinculativa. Some-se a isso, seu poder de modulação de matérias constitucionais de eficácia diferida e a prescrição especial do art. 927 do CPC54.

Sob esse apanágio, as razões determinantes dos julgados analisados aportam como limite à autonomia das organizações desportivas.

Nesse passo, resta evidente que a autonomia é marcada pela sua relatividade. O âmbito de autodeterminação das entidades desportivas tangencia o plano de organização e funcionamento interno.

O caráter relativo da autonomia das entidades desportivas revela-se, mais claro, em razão de que o interesse público outorga intervenções. Desse modo, quando atos jurídicos no âmbito de organização e funcionamento violam a ordem pública, submetem-se à declaração de nulidade.

Mais a mais, é o interesse público que legitima a incidência do art. 59 do CC às organizações desportivas. Pensar de modo contrário seria usurpação do legislativo do Estado. Além disso, a normatividade do Código Civil, em homenagem ao discurso democrático, confere à assembleia poder diretivo-administrativo impedindo exercício exclusivo e discricionário de membros diretores.

Em que pese o caráter relativo da autonomia das entidades desportivas, a intervenção estatal de cunho político-ideológico não ostenta guarida constitucional. Intervenção a essa ordem, desconstitui a natureza privada e autônoma de tais instituições.

Por fim, sob perspectiva contemporânea dos precedentes do STF, conjuga-se a autonomia organizacional das entidades desportivas aos postulados seguintes: (I) não é absoluta; (II) possui máxima expressão em âmbito organizacional interno; (III) pactos privados submetem-se aos pressupostos de validade; e (IV) o interesse público legitima o intervencionismo moderado, desde que sem finalidade político-ideológica.

A limitação à atuação das organizações desportivas deve ser observada com importante atenção. Quanto maior a ingerência do Estado à livre iniciativa, maior a supressão de seus valores.

Constituições mais próximas aos axiomas capitalistas, não validam mecanismos intervencionistas extremos a ponto de macular a livre iniciativa. Convivem, harmonicamente, com excepcional e comedida ingerência estatal.

Nesse mesmo linear, a eficácia do inciso I, art. 217 da C.F. que não se guia pelo intervencionismo soberano.

 

Referências
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Notas
[1] DWORKIN, 2002, p. 36.

[2] Aqui, regras e princípios se­rão reunidos sob o conceito de norma. Tanto regras quanto princípios são normas, porque ambos dizem o que deve ser. Ambos podem ser formulados por meio das expressões deônticas básicas do dever, da permissão e da proibição. Princípios são, tanto quanto as regras, razões para juízos concretos de dever-ser, ainda que de espécie muito diferente. A distinção entre regras e princípios é, portanto, uma distin­ção entre duas espécies de normas. (ALEXY, 2015, p. 87).

[3] Inciso I, art. 217 da C.F. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um, observados: (I) a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;

[4] Ressalva, apenas, ao inciso II, art. 2º da Lei n. 9.615/98, mas, de todo modo, não confere eficácia ao princípio constitucional.

[5] Inciso II, art. 2º da Lei n. 9.615/98. O desporto, como direito individual, tem como base os princípios: (II) da autonomia, definido pela faculdade e liberdade de pessoas físicas e jurídicas organizarem-se para a prática desportiva;

[6] A ratio decidendi – ou, para os norte-americanos, a holding – são os fundamentos jurídicos que sustentam a decisão; a opção hermenêutica adotada na sentença, sem a qual a decisão não teria sido proferida como foi. (DIDIER, BRAGA e OLIVEIRA, 2015, p. 442).

[7] ADI n. 3.045-1 de 10/08/2005; ADI n. 2.937 de 23/02/2012; Rcl 14.247 de 28/05/2013 e RE n. 935.482 de 24/02/2016.

[8] Tomando como exemplo o futebol, a prática do desporto é realizado pelo Clube de Futebol; a administração do desporto é realizada pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF); a regulação do desporto realizada pela Fédération Internationale de Football Association (FIFA) e a fiscalização do desporto realizada pela World Anti-Doping Agency (WADA).

[9] BAYER, 2014, p.15.

[10] PIERRE, 1934.

[11] HUIZINGA, 1951.

[12] Art. 2º da Carta Europeia do Desporto de 1992. Entende-se por “desporto” todas as formas de actividades físicas que, através de uma participação organizada ou não, têm por objectivo a expressão ou o melhoramento da condição física e psíquica, o desenvolvimento das relações sociais ou a obtenção de resultados na competição a todos os níveis. Carta Europeia do Desporto consultada na seguinte página eletrônica: http://www.dsport.pt/usport/dirigentes-desportivos/carta-europeia-do-desporto/ (acesso em 28.12.17 às 09:29 horas).

[13] (…) exercício físico, competição, desafio, esforço, luta, apetrechos, estratégia, e táctica, princípios, objectivos, instituições, regras, classificações, tempo livre, jogo, vertigem, aventura, investigação, dinheiro, lazer, sorte, rendimento, simulação, códigos, resultados, prestações, treino, força, destreza, meditação, tempo, espaço, beleza, medição, voluntarismo, morte, etc. (PIRES, 2007).

[14] Art. 40 da Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. As pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de direito privado.

[15] A referida legislação ordinária é conhecida popularmente como “Lei Pelé” ou “Lei do passe livre”.

[16] Art. 16 da Lei n. 9.615 de 24 de março de 1988. As entidades de prática desportiva e as entidades de administração do desporto, bem como as ligas de que trata o art. 20, são pessoas jurídicas de direito privado, com organização e funcionamento autônomo, e terão as competências definidas em seus estatutos ou contratos sociais.

[17] PAES, 2010.

[18] Art. 54 da Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Sob pena de nulidade, o estatuto das associações conterá: (I) a denominação, os fins e a sede da associação; (II) os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos associados; (III) os direitos e deveres dos associados; (IV) as fontes de recursos para sua manutenção; (V) o modo de constituição e funcionamento dos órgãos deliberativos e administrativos; (V) o modo de constituição e de funcionamento dos órgãos deliberativos; (VI) as condições para a alteração das disposições estatutárias e para a dissolução. (VII) a forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas.

[19] Entre a associação e a sociedade a diferença se encontra na natureza dos objetivos que inspiraram a união dos esforços pessoais de seus integrantes. No primeiro caso, tais objetivos não são econômicos, mas filantrópicos, culturais, sociais, políticos ou de qualquer outro gênero. No caso das sociedades, os objetivos que aproximam os sócios são econômicos, isto é, quem compõe uma sociedade com outra pessoa está pretendendo ganhar dinheiro com isso. (COELHO, 2012, p. 30).

[20] Segundo regulação do art. 53 e seguintes da Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002.

[21] A nova redação do art. 16 da Lei n. 9.615, conferida pela Lei n. 13.155, de 4 de agosto de 2015, prescreve que as competências das organizações desportivas serão definidas pelos próprios estatutos ou contratos sociais.

[22] Dicionário Prieberam. Consultado na seguinte página eletrônica (28/12/17 às 12:31 horas): https://www.priberam.pt/dlpo/autonomia.

[23] LALANDE, 1999.

[24] AUTONOMIA (in. Autonomy, fr. Autonotnie, ai. Autonomie, it. Autonomia). Termo introduzido por Kant para designar a independência da vontade em relação a qualquer desejo ou objeto de desejo e a sua capacidade de determinar-se em conformidade com uma lei própria, que é a da razão. Kant contrapõe a A.  à heteronomia, em que a vontade é determinada pelos objetos da faculdade de desejar. Os ideais morais de felicidade ou perfeição supõem a heteronomia da vontade porque supõem que ela seja determinada pelo desejo de alcançá-los e não por uma lei sua. A independência da vontade em relação a qualquer objeto desejado é a liberdade no sentido negativo, ao passo que a sua legislação própria (como “razão prática” é a liberdade no sentido positivo. “A lei moral não exprime nada mais do que a A. da razão pura prática, isto é, da liberdade”. (Crít. R. Pratica, I, § 8). Em virtude de tal A., “todo ser racional deve considerar-se fundador de uma legislação universal”. (GrundlegungzurMel. der Sitten, II, B A 77). Este ficou sendo o conceito clássico de A. Mais genericamente, fala-se hoje, p. Ex., de “princípio autônomo” no sentido de um princípio que tenha em si, ou ponha por si mesmo, a sua validade ou a regra da sua ação. (ABBAGNANO, 2007, p. 98 – 99).

[25] Via-se o homem ligado a leis pelo seu dever, mas não vinha à ideia de ninguém que ele estava sujeito só à sua própria legislação, embora esta legislação seja universal, e que ele estava somente obrigado a agir conforme a sua própria vontade, mas que, segundo o fim natural, essa vontade era legisladora universal. Porque, se nos limitávamos a conceber o homem como submetido a uma lei (qualquer que ela fosse), esta lei devia ter em si qualquer interesse que o estimulasse ou o constrangesse, uma vez que, como lei, ela não emanava da sua vontade, mas sim que a vontade era legalmente obrigada por qualquer outra coisa a agir de certa maneira. Em virtude desta consequência inevitável, porém, todo o trabalho para encontrar um princípio supremo do dever era irremediavelmente perdido; pois o que se obtinha não era nunca o dever, mas sim a necessidade da acção partindo de um determinado interesse, interesse esse que ora podia ser próprio ora alheio. Mas então o imperativo tinha que resultar sempre condicionado // e não podia servir como mandamento moral. Chamarei, pois, a este princípio, princípio da Autonomia da vontade, por oposição a qualquer outro que por isso atribuo à Heteronomia. (KANT, 2007, p. 74 – 75).

[26] O Direito na concepção de ordem valorativa conjugada pelas conquistas e evoluções históricas da humanidade. Verdadeiro patrimônio sociocultural sistematizado pelos direitos humanos e institucionalizado às Cartas Magnas de cada Estado.

[27] O direito como expressão reducionista à norma inserta em um ordenamento jurídico sistêmico.

[28] Na qualidade de amicus curiae, o Sindicato Nacional das Associações de Futebol Profissional e Administração do Desporto e Ligas.

[29] Trata-se de uma técnica de interpretação constitucional – que tem sua origem na prática da Corte Constitucional alemã – utilizada pelo Supremo Tribunal Federal, na qual se declara a inconstitucionalidade parcial da norma sem reduzir o seu texto, ou seja, sem alterar a expressão literal da lei. Normalmente, ela é empregada quando a norma é redigida em linguagem ampla e que abrange várias hipóteses, sendo uma delas inconstitucional. Assim, a lei continua tendo vigência – não se altera a sua expressão literal –, mas o Supremo Tribunal Federal deixa consignado o trecho da norma que é inconstitucional. É dizer, uma das variantes da lei é inconstitucional. Portanto, faz-se possível afirmar que essa técnica de interpretação ocorre, quando – pela redação do texto na qual se inclui a parte da norma que é atacada como inconstitucional – não é possível suprimir dele qualquer expressão para alcançar a parte inconstitucional. Impõe-se, então, a suspensão da eficácia parcial do texto impugnado sem a redução de sua expressão literal. (BASTOS, 1999, p. 175).

[30] MELLO, 2005, p. 87.

[31] O legislador constituinte visando assegurar e incentivar a participação efetiva das referidas associações no âmbito do desporto nacional conferiu-lhes um grau de autonomia que propicia a tais entes especial prerrogativa jurídica consistente no prevalecimento de sua própria vontade, em tema de definição de sua estrutura organizacional e seu interno funcionamento, embora tais entidades estejam sujeitas às normas gerais fundadas na legislação emanada do Estado, eis que a noção de autonomia, ainda que de extração constitucional, não se revela absoluta, nem tem a extensão e o conteúdo inerentes ao conceito de soberania e de independência. (MELLO, 2005, p. 87).

[32] Tenho para mim que não se revela legítimo o procedimento hermenêutico, que, elastecendo o sentido conceitual da autonomia institucional de tais associações, busca estender, indevidamente, o âmbito de incidência de tal prerrogativa (…). (MELLO, 2005, p. 90).

[33] MELLO, 2005, p. 107.

[34] MENDES, 2005, p. 130.

[35]  Art. 8º, I, 9º, § 5º, incs. I e II, e § 4º, 11, caput e §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 6º, 12, 19, 30, § único, 32, caput e §§ 1º e 2º, 33, § único, incs. II e III, e 37, caput, incs. I e II, § 1º e inc. II, e § 3º, da Lei federal n. 10.671/2003, denominada Estatuto de Defesa do Torcedor.

[36] Os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas — e considerado o substrato ético que as informa — permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros. (MELLO apud PELUSO, 2012, p. 21 -21).

[37] PELUSO, 2012, p. 21.

[38] PELUSO, 2012, p. 24.

[39] BRITTO, 2012, p. 32.

[40] BRITTO, 2012, p. 32.

[41] Organização desportiva que administra o futebol em âmbito internacional.

[42] MENDES, 2012, p. 36.

[43] MENDES, 2012, p. 40.

[44] MELLO, 2012, p. 39 – 40.

[45] Pena prevista no artigo 231 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva – Resolução Normativa do Conselho Nacional do Esporte n. 1 de 23 de dezembro de 2003.

[46] Superior Tribunal de Justiça Desportiva.

[47] Nota da história do Rio Branco Football Club. Consultada na seguinte página eletrônica (acesso em 29/12/17 às 12:38 horas): http://www.riobrancofc.com/historia.

[48] FUX, 2012, p. 6.

[49] Ante a realidade processual verificada, não há falar em desobediência às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas Ações Diretas de Inconstitucionalidades nºs 2937 e 3045 nas quais foi declarada a constitucionalidade do Estatuto do Torcedor, pressuposto de cabimento da reclamação. (FUX, 2012, p. 5 – 6).

[50] Nota da história do Rio Branco Football Club. Consultada na seguinte página eletrônica (acesso em 29/12/17 às 12:38 horas): http://www.riobrancofc.com/historia. 

[51] WEBER, 2016, p. 9 a 11. Ag. Reg. RE n. 935.482.

[52]  AURÉLIO, 2016, p. 9 a 11. Ag. Reg. RE n. 935.482.
54 Art. 927 da Lei 13.105/15. Os juízes e os tribunais observarão: (I) as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; (II) os enunciados de súmula vinculante; (III) os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; (IV) os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; (V) a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.


Informações Sobre o Autor

Anderson Luiz Arantes

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Advogado. Fundador do Escritório Arantes Advocacia


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