Limites à instauração do inquérito civil por parte do órgão do ministério público

Sumário: I. Considerações iniciais. II. Da necessidade de justa causa para a instauração do inquérito civil público. III. Denúncia anônima não serve de fundamento para a instauração do inquérito civil público. IV. Do instituto da prescrição como fator impeditivo à instauração do inquérito civil público e do posterior ajuizamento da ação civil pública de improbidade administrativa. VI. I. Da prescrição qüinqüenal direcionada para o agente público. VII. Operando-se o decurso do prazo de 05 (cinco) anos previsto em lei o órgão do ministério público perde a sua legitimação extraordinária para ingressar com a ação de ressarcimento ao erário público. VIII. Conclusão


I – CONSIDERAÇÕES INICIAIS


A instauração do inquérito civil público apesar de ser direito subjetivo do Órgão do Ministério Público (prerrogativa), submete-se a determinados requisitos legais, tidos como condição da sua própria validade jurídica.


Isso porque, o poder de investigação não está acima da Constituição Federal e da Lei, as quais estabelecem limites ao seu regular exercício, justamente para proteger os cidadãos de abusos perpetrados pelos responsáveis pela instauração da persecução estatal.


Todo poder é limitado pelo ordenamento jurídico como forma, entre outros, de garantia do exercício absoluto da democracia, da plena eficácia da aplicação do princípio da segurança jurídica e do bem comum que devem prevalecer na consecução do interesse público.


A limitação do poder imposta ao Órgão do Ministério Público é uma resultante da Lei conforme aduzido alhures, que estabelece condições jurídicas para a adequada e justa atuação dos Membros do parquet, dosando-a, sem que com isso haja uma indevida intromissão na relevante atribuição institucional que foi confiada ao MP pela Constituição Federal.


Inobstante a titularidade para a instauração do inquérito civil público ter sido outorgada, privativamente, ao Órgão do Ministério Público, o seu exercício se submete a observância de mínimas condições legais que autorizam o seu pleno manejo, sob pena de ocorrerem abusos ou excessos de poder caso não sejam cumpridas.


Há que estar sempre presente uma justa causa como verdadeira condicionante ao exercício da jurisdição administrativa pelo Órgão do Ministério Público para o regular desenvolvimento do inquérito civil público, que não poderá jamais ser instaurado ao bel prazer do seu presidente (Membro do MP).


Por justa causa se entende uma situação jurídica lídima, que não seja contrária ao direito, onde a constatação da prática de ato ilícito obriga o Membro do parquet, a determinar a instauração do inquérito civil.


Sem que haja esse justo motivo jurídico, advindo de um ato ilícito omissivo ou comissivo, praticado pelo agente público no exercício de suas funções, demonstrado por elementos probatórios, consistentes em provas diretas, não há como se invadir o chamado status dignitatis do investigado.


Conforme exige-se na esfera penal, tem-se por ilegítima ou abusiva a instauração de inquérito civil sem que esteja presente uma causa justa e legítima para tal.


A conduta ilícita praticada pelo agente público deve estar sobejamente demonstrada, tanto em relação à autoria, quanto no que diz respeito à existência da materialidade, sendo que essa deverá ser demonstrada através de elementos probatórios (provas diretas), capazes de estabelecerem a real e certeira correspondência entre o fato praticado pelo agente e a descrição de cada espécie de infração prevista em Lei (tipicidade), sob pena de caracterizar-se a inoperância da instauração do inquérito civil.


O acima exposto ocorre na atualidade, justamente porque, o investigado deixou de ser objeto de investigação, do arbítrio da persecução estatal, tornando-se sujeito de direitos, de garantias fundamentais elencadas na Constituição Federal.


Deve, portanto, o representante do Órgão do Ministério Público verificar a plausibilidade jurídica da questão que lhe é apresentada, se estão presentes os elementos comprobatórios da autoria e materialidade do ato ilícito praticado pelo agente público, antes de instaurar o inquérito civil, pois ausente a justa causa, ele estará cometendo um ato ilegal, abusivo e contrário ao direito.


Entretanto, entendemos que não se deve limitar o poder investigatório do Órgão do Ministério Público, porquanto ele é necessário e fundamental para a segurança jurídica de todos os cidadãos.


Contudo, esse poder exercido legalmente pelo representante do Órgão do Ministério Público é salutar e necessário, desde que haja o devido senso de responsabilidade e imparcialidade de seu detentor, bem como, sejam observados os requisitos legais determinados pela Lei, pois o inquérito civil público não foi instituído para ser manejado contra quem não praticou ato ilícito, em tese e de igual forma não pode servir de instrumento para perseguições, represálias, vinganças e etc.


Presente uma conexão lógica e plausível entre o fato ilícito praticado e o que quer se provar, é dever do representante do Órgão do Ministério Público investigar a fim de restabelecer a legalidade no serviço público.


Em sendo assim, somente uma justa causa é que confere legitimidade ao representante do Órgão do Ministério Público para iniciar a persecução investigatória, objetivando provar a prática do ato ilícito pelo agente público, com a demonstração, necessariamente, quando da instauração do referido inquérito da autoria do delito e dos elementos comprobatórios de sua materialidade.


II – DA NECESSIDADE DE JUSTA CAUSA PARA A INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO


É matéria pacífica na doutrina e na jurisprudência, que somente nos casos de ilegalidade, de desvio de poder ou na falta de atribuições é lícito ao Poder Judiciário determinar o trancamento do inquérito civil.


Nesse sentido, preleciona Paulo Márcio da Silva:[1] “Nada obsta a titularidade para a instauração do inquérito civil ter sido outorgada, privativamente, ao Ministério Público, não quer isto dizer que o exercício daquela faculdade não esteja sujeito à observância de critérios e exigências mínimas que o autorizam e o legitimam, sob pena de se verificar abuso ou mesmo eventual excesso de poder, passíveis de correção por órgão disciplinar ou mesmo pelo Poder Judiciário, com efeito.”


Sucede, que expressivos posicionamentos são utilizados para defender, com extremado fundamento jurídico, a necessidade da existência de uma justa causa, para a instauração do inquérito civil público, do inquérito policial e da própria ação penal.


Ora, apesar de serem autônomos e independentes, existe grande semelhança entre os institutos do direito processual penal com o inquérito civil público. Basta se verificar, que em alguns casos, as normas punitivas do processo administrativo se aproximam dos princípios do direito penal. Isso porque, quando um fato tem a natureza de infração disciplinar, pode ao mesmo tempo refletir no âmbito penal, v.g., acarretando a instauração de um inquérito policial, de uma ação penal, por ofender os interesses sociais gerais (objeto jurídico) previstos nas leis penais. Máxime que a responsabilidade penal dos servidores públicos abrange os crimes e as contravenções penais à eles imputados.[2]


O Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos da União prevê a tríplice responsabilidade do servidor público, verbis: “Art. 121. O servidor responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições.”


Portanto, como aduzido, pode um fato disciplinar punível acarretar de igual forma também a responsabilidade criminal do servidor público. Sendo certo, que a justa causa para a instauração da ação penal também deverá estar presente no âmbito administrativo disciplinar, pois a Constituição Federal garante o direito à inviolabilidade da honra e da vida privada do cidadão, sem distinguir inclusive, se ele é ou não servidor público.


Justa causa exprime, em sentido lato, toda razão que possa justificar a legitimidade ou a procedência de determinado ato perante o direito.


Pelas palavras De Plácido e Silva,[3] justa causa significa: “o motivo que possa ser alegado, porque está amparado em lei ou procede de fato justo. Mas, a rigor, segundo o sentido de justa, que significa o que convém ou o que de direito, e causa, motivo, razão, origem, é necessário que o que se alega ou se avoca, para mostrar a justa causa, seja realmente amparado na lei ou no direito, ou, não contrariando a este, se funde na razão e na eqüidade.”


No inquérito civil, a justa causa identifica-se com o justo, revelado através de uma fundamentada acusação, devendo estar presente elementos comprobatórios da autoria, bem como, provas diretas da prática de ato ilícito, por parte do investigado, no exercício da função pública, ou em virtude dela, a fim de que possa ser instaurado.


Justamente para manter esse equilíbrio, essa segurança jurídica, tanto o inquérito policial, a ação penal, como o processo administrativo disciplinar devem buscar sempre o justo, que deriva do latim justus, e representa a justiça e o direito.


Pelo direito justo retira-se o abuso de poder do Estado, em razão de que a dignidade da pessoa é preservada pela norma jurídica.[4]


Nesse contexto, o justo deve identificar-se com o direito, em decorrência de que ele está unido ao honesto (correto). Direito justo, para Karl Larenz, “es un peculiar modo de ser del Derecho positivo.”[5]


Em assim sendo, para evitar a temeridade do excesso ou abuso de poder, o direito elegeu uma justa causa para contrapor a causa genérica ou inconsistente, como elemento essencial da instauração de inquéritos policiais, ações penais ou processos administrativos. O inquérito civil público não está isento dessa regra.


Essa é a medida fundamental de segurança jurídica, para que não haja um retrocesso do Poder Público com denuncismos irresponsáveis, lembrando-se a época da ditadura militar, onde a existência de um fato punível era o mero juízo de valor negativo, desatrelado de provas diretas. Bastava haver uma delação, uma suspeita, pouco importando a sua consistência, o seu fundamento, a sua veracidade, que de um momento para outro, o cidadão cumpridor dos seus deveres civis passava a ser tido como subversivo e, de conseqüência representava um perigo para o sistema de governo instalado no País.


Sabedores somos que por imposição e luta do povo, bem como de Políticos honrados e dignos, a época da ditadura, contrária ao direito foi extirpada de nosso sistema de governo, para não ser jamais revivida.


Dessa forma, como medida de segurança jurídica, para que alguém possa ser indiciado, processado e julgado, deve estar presente a justa causa para a acusação, como aduzido por Maria Thereza Rocha de Assis Moura:[6] “Tomando-o como sustentáculo, segue-se que, para que alguém possa ser submetido a julgamento, deve existir justa causa para a acusação, sob pena desta se transformar em instrumento de coação ilegal, contra a liberdade jurídica do acusado, passível de ser mediada por meio de habeas corpus.” -[Itálico no original]-


Nesse diapasão, justa causa é aquela “que é conforme o direito, (…) se o juiz recebe uma denúncia por fato atípico, cabível o remédio heróico, por falta de justa causa; se recebe uma denúncia sem lastro probatório, falta o interesse processual e, de conseguinte, justa causa. Aliás, a expressão ‘falta de justa causa’ é tão ampla que chega a abranger todas as outras hipóteses elencadas nos demais incisos do art. 648.”[7] -[Aspas no original]-


Novamente, registramos o elucidativo posicionamento de Maria Thereza Rocha de Assis Moura, verbis:[8] “A justa causa para a ação penal de natureza condenatória, no direito penal brasileiro, não sobressai apenas dos elementos formais da acusação, mas, também e de modo principal, de sua fidelidade para com a prova que demonstre a legitimidade da acusação. 4.1. Desta conclusão emana que não basta que a peça acusatória impute ao acusado conduta típica, ilícita e culpável. A denúncia ou queixa deve guardar ressonância e estrita fidelidade aos elementos que lhe dão arrimo, sem o que não passará de ato arbitrário, autoritário, que a ordem jurídica não pode tolerar. 4.2. Segue, ainda, que a necessidade da existência de justa causa para a acusação serve como mecanismo para impedir, em hipótese, a ocorrência de imputação formal infundada, temerária, caluniosa e profundamente imoral.”


Desse modo, a justa causa é a condição mínima exigida pela norma legal, pela jurisprudência e pela doutrina para que não ocorra uma acusação sem fundamento e temerária, movida por interesses que não são jurídicos, totalmente desatrelada de provas diretas, quando da instauração de um procedimento ou processo, não configurando, portanto, a legitimidade da acusação.


Apesar do inquérito civil tratar-se de um procedimento administrativo preparatório (inquisitorial) de uma futura ação civil pública, ele não poderá ser instaurado sem que haja uma justa causa, pois ela é necessária para salvaguardar os direitos fundamentais do cidadão em ter a sua vida privada, honra, intimidade e imagem preservados.


Defendendo a necessidade de haver a justa causa para a instauração do inquérito civil público, Paulo Márcio da Silva[9] aduna: “Em razão dessas limitações, é possível aqui reconhecer uma espécie de justa causa para a válida instauração do inquérito civil, como forma de evitar abusos.” –[Sublinhado nosso]-


Hugo Nigro Mazzili[10] também fornece subsídios sobre o tema: “É certo que a instauração de um inquérito civil pressupõe seu exercício responsável, até porque, se procedida sem justa causa poderá ser trancado por meio de mandado de segurança.”


Não resta dúvida que a justa causa é conceituada pela doutrina como sendo “um suporte probatório mínimo em que se deve lastrear a acusação, tendo em vista que a simples instauração do processo penal já atinge o chamado status dignitatis do imputado.”[11]


Dessa forma, tal como ocorre na esfera penal, tem-se por ilegítima ou abusiva a instauração de inquérito civil sem a presença de sérios elementos (provas diretas) capazes de estabelecerem a real correspondência entre a conduta ilícita praticada pelo investigado e a descrição da infração prevista em Lei.


Vê-se, pois, que embora seja preponderantemente um instrumento investigatório, não se dispensa para a instauração do inquérito civil a presença de elementos comprobatórios da autoria e materialidade, capazes de servirem de subsídios às providências a serem adotadas pelo representante do Órgão do Ministério Público encarregado de conduzi-lo.


O professor Hugo Nigro Mazzili,[12] em análise à atividade açodada do Órgão do Ministério Público e a reação de Membros do Poder Legislativo, comenta com propriedade: “Por tudo isso, embora não deva nem possa ser usado com tibieza e covardia, o inquérito civil deve ser instaurado e presidido com elevado senso de responsabilidade. Mas há, ainda, outros aspectos a considerar. Eventuais ilegalidades, entretanto, podem de fato ocorrer no inquérito civil, especialmente na sua instauração (por falta de justa causa, p. ex.), e na sua instrução (com determinação irregular de condução coercitiva, requisições ilícitas, indevida quebra do sigilo legal de informações, por vezes gratuita violação à privacidade dos investigados, etc.).” –[Sublinhado nosso]-


Exige-se a justa causa como condição de validade para a instauração, v.g., do inquérito policial, da ação penal, do processo administrativo disciplinar, do inquérito civil e, por fim, para a ação de improbidade administrativa, pois em todas essas situações jurídicas é atingido o status dignitatis do acusado.


Por essa razão, é necessário, pelo menos, indícios suficientes de autoria e a existência de prova direta da materialidade do ilícito praticado, como condição de validade para a instauração dos procedimentos/processos acima referidos, para que eles adequem-se a legalidade da investigação ou da própria acusação.


Portanto, só existe a obrigatoriedade da instauração de um dos procedimentos/processos legais declinados quando presente a justa causa, resultante do fundamento da acusação, com a descrição circunstanciada e detalhada dos fatos, acompanhados das provas, reforçando a tese de que houve a prática de uma infração. A probable cause liga-se à existência de um juízo de probabilidade de condenação para justificar a instauração do processo. Sendo que esse juízo inicial de probabilidade indica, mesmo que superficialmente, que houve um ato ilícito cometido pelo acusado, que deve ser objeto de uma persecução investigatória, para se buscar a verdade real dos fatos.


Sem a existência desse juízo inicial de probabilidade de condenação (base de fundamentação), a investigação/acusação é insustentável, pois a subjetividade da opinio delicti não é algo efêmero, devendo ser justa, equilibrada, plausível e baseada no texto legal.


Não se pode violar o direito de qualquer pessoa em decorrência de uma simples suspeita (prova indireta), sob pena de configurar constrangimento ilegal e distanciamento do direito. Por isso é que a justa causa está diretamente interligada com a fundamentação da acusação, cotejada aos seus elementos de sustentáculo, devendo o acusador possuir conduta ética e legal, em decorrência de que a denúncia ou outra peça processual acusatória não podem ser elaboradas com abuso ou excesso de poder contra quem ostenta a condição de acusado.


Portanto, o fundamento da investigação/acusação exige necessariamente plausibilidade, com uma increpação em termos de justa causa.


A ausência de justa causa impede a válida e legítima instauração de processos penais[13] e administrativos, por falta inclusive de requisitos exigidos pelo ordenamento jurídico, pois, perante o direito vigente, é impossível justificar o abuso de poder, decorrente de uma acusação arbitrária ou injusta, capaz de acarretar constrangimento ilegal a quem é injustamente imputada a prática de um fato ilícito.


Na atual fase do Direito Público não se admitem mais atos desatrelados da legalidade, pois o poder deve ser exercido em conformidade com os ditames legais, objetivando trazer para todos os cidadãos a devida paz e segurança jurídica, não podendo ser, via de conseqüência, um instrumento de opressão.


Ou, como aduz o jus-filósofo da era moderna Alf Ross:[14] “O poder não é conferido às autoridades públicas para ser exercido como elas queiram, mas para ser exercido de acordo com as regras estabelecidas ou princípios gerais pressupostos.”


Não apoiada em elementos que evidenciem a viabilidade da acusação, deve a denúncia ou a instauração do processo administrativo disciplinar serem rejeitadas,[15] em respeito a inviolabilidade da intimidade e dignidade humana, elementos indissolúveis dos direitos fundamentais do homem.


Na prática, existe uma preocupação de, na dúvida, promover ampla e irrestrita investigação, mesmo que desatrelada de plausibilidade jurídica. Posicionamento esse totalmente contrário aos requisitos de validade exigidos para instauração do inquérito civil público e demais procedimentos e processos, configurando-se como arbitrário, abusivo e ilegal.


Por isso, nos preocupamos em expressar que meros indícios, suspeitas ou desconfianças (provas indiretas), desatrelados de sérios elementos de convicção e de uma justa causa, não podem e não devem servir de fundamento em nosso ordenamento jurídico, como subsídio para oferecimento de denúncia criminal, instauração de processo administrativo disciplinar, de inquérito civil público ou outros procedimentos e processos.


A ordem moral e jurídica proíbem a acusação irresponsável, motivada por sentimentos impuros ou pessoais.[16]


Há, por via de conseqüência, que salientar-se as expressivas palavras do Ministro Victor Nunes Leal quando do HC nº 42.697/GB – STF, onde defendeu que a falta de justa causa gera abuso de poder por parte do Membro do parquet: “Tanto o substantivo abuso como o adjetivo justo são noções que não têm delimitação precisa, exata, milimétrica, incumbindo à jurisprudência, no exame de cada caso, verificar se ocorre o pressuposto da causa justa para fundamentar a restrição imposta ao paciente, ou se, ao contrário, está configurado o abuso de poder, que a qualifica como coação ilegal.”[17]


A jurisdição, por ser a função estatal de aplicar o direito objetivo a um caso real, concreto, objetivando proteger direitos subjetivos deve ser extremamente responsável, sendo certo, que a regra da justa causa deve ser aplicada em todas as hipóteses legais que acarretem aos supostos infratores injustiças, com reflexos de ordem moral, social e familiar.


A razão jurídica deve ser convincente, plausível, pois a acusação não poderá ser genérica ou decorrer de meras presunções, suspeitas (prova indireta) da Autoridade administrativa superior, “sob pena de se transformar em instrumento de coação ilegal contra a liberdade jurídica do acusado.”[18]


Portanto, a infração a ser investigada em inquérito civil é aquela que decorre de um descumprimento dos deveres e das responsabilidades funcionais, ligadas ao exercício das funções desempenhadas pelo servidor público.


Necessita o Estado, para tornar efetivo e legítimo o seu poder-dever de promover a apuração de responsabilidade do pseudo autor de fato ilícito, que a referida infração esteja prevista em lei e que haja provas diretas de sua materialidade bem como, indícios suficientes da autoria. Dado esse caráter indireto da coação disciplinar, necessita a Administração Pública, para torná-la efetiva, ostentar a titularidade de outro direito, igualmente público e subjetivo, denominado ius persequendi ou ius persecutionis.


Verifica-se, portanto, a justa causa quando, mesmo que em tese, ocorra uma infração disciplinar, comprovada através de provas diretas relevantes que demonstrem a existência da materialidade e indícios suficientes em relação a autoria da mesma, visto que a subjetividade da instauração do inquérito civil não pode ser um ato inconseqüente e imprudente do Órgão acusador, em razão da necessidade de estar motivado por questões imperiosas de direito e previsão constitucional.


Ou, em outras palavras, a justa causa necessária para a instauração do inquérito civil se subsume à legalidade e legitimidade próprias da investigação, visto que a demonstração da mesma somente se torna obrigatória quando existir fundamento jurídico para a investigação.


Daí porque, a investigação disciplinar deve obrigatoriamente ter como requisito de validade para sua instauração a justa causa, vez que sem a demonstração da mesma a referida investigação não poderá ser instaurada, exigindo-se da Autoridade Pública um juízo de valor sério e justo, através de critérios objetivos, ligados à fatores jurídicos que estabeleçam uma conexão legal à instauração e o aprofundamento de uma investigação mais técnico-jurídica.


Todavia, a ausência desde o início, em relação a um possível fato ilícito praticado, sem a demonstração inequívoca de responsabilidade do agente público, que poderá ser objeto de uma futura investigação retira o ius persequendi do Estado.


A justa causa é uma condição de procedibilidade do inquérito civil público, do processo administrativo disciplinar, bem como, dos demais procedimentos e processos, inclusive no âmbito penal.


Sendo certo que, por procedibilidade entende-se a condição estabelecida pela lei para dar início à persecução estatal. Assim, até mesmo para se instaurar o processo administrativo disciplinar é necessário que haja uma causa justa e certa, determinada pela legislação como condição sine qua non para o exercício do poder-dever do ius puniendi disciplinar do Estado.


Essa limitação, legalmente estabelecida, possui como finalidade proteger os cidadãos de serem ilegalmente afligidos pelos representantes do poder estatal.


Por essa razão, é que existem limites à concretização do ius puniendi do Estado, que deve, antes de mais nada sujeitar-se as condições estabelecidas pelo ordenamento jurídico para a sua própria validade. Essa observância das mínimas condições legais para o exercício do direito de instauração do inquérito civil público, é uma das conseqüências do Estado Democrático de Direito.


Tal qual na ação judicial, onde o Magistrado verifica se estão presentes as condições para que a mesma seja recebida (condições da ação), no inquérito civil também é exigido a verificação, mesmo que de forma sumária, se estão presentes os elementos legais que respaldam a instauração do respectivo inquérito para se iniciar uma investigação contra o agente público.


Rigorosamente nesse sentido, o Desembargador A. Bitar Filho[19] trancou inquérito civil, entre outros fundamentos também pelo mesmo não possuir “justa causa para o desenvolvimento das investigações.”


Razão pela qual Paulo Bessa Antunes[20] observou, com todo acerto, que a instauração do inquérito civil deve ser feita fundamentadamente.


Justamente essa fundamentação, cotejada com os elementos de provas diretas por ventura existentes é que serão fundamentais para a verificação da justa causa, objetivando dar suporte à instauração do inquérito civil.


Portanto, em não havendo prova direta ou elementos que comprovem a existência, em tese, da prática de ato ilícito por parte do agente público a ser investigado, faltará justa causa para a instauração do inquérito civil.


Dessa forma, inexistindo justa causa para a instauração do inquérito civil, e em sendo o mesmo instaurado, o agente público investigado poderá impetrar mandado de segurança, objetivando o seu trancamento.


III – DENÚNCIA ANÔNIMA NÃO SERVE DE FUNDAMENTO PARA A INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO


Outra situação que se afigura como ilegal é a denúncia anônima, que não pode servir como requisito de validade para a instauração de inquérito civil público.


Qualquer pessoa poderá representar ao Órgão do Ministério Público contra o agente público, desde que cumpra as formalidades elencadas pela lei como garantidoras desse salutar direito.


Isso porque, o inciso IV, do artigo 5º, da CF estabelece que é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.


A representação/denúncia deve ser escrita ou reduzida a termo e assinada, contendo a qualificação do(a) representante, as informações sobre o fato, sua autoria e a indicação das provas de que tenha conhecimento.


Na prática, o Órgão do Ministério Público segue o que vem estabelecido no § 3º, do art. 2º, da Resolução nº 23/2007, do CNMP, e prestigia indevidamente e ilegalmente a manifestação anônima.


Com essa postura os Membros do parquet estimulam o denuncismo anônimo e irresponsável, levado a efeito por fatores que na maioria das vezes não são jurídicos, bem como não correspondem com a realidade dos fatos possuindo, unicamente, caráter político, de inconformismos diversos e infundados (v.g., maldade, revanchismo, inimizade, etc.).


Tratando-se de requerimento/representação para instauração do inquérito civil não só deverá haver sólidos fundamentos jurídicos[21] na peça, como o representante não deve se escusar perante a sua obrigação legal de qualificar-se, além de assiná-la.


Entende Hugo Nigro Mazzili[22] que a delação anônima não deve ser rejeitada se houver indícios da prática de ato ilícito por parte do agente investigado: “Assim, não obstante o art. 5º, IV, da CF, que proíbe o anonimato na manifestação do pensamento e de opiniões diversas, nada impede a notícia anônima do crime (notitia criminis inqualificada), mas, nessa hipótese, constitui dever funcional da autoridade pública destinatária, preliminarmente, proceder com a máxima cautela e discrição as investigações preliminares no sentido de apurar a verossimilhança das informações recebidas. Somente com a certeza da existência de indícios da ocorrência do ilícito é que deve instaurar o procedimento regular.”


Apesar do professor Hugo Nigro Mazzili mitigar a denúncia anônima, no sentido da necessidade do Membro do Órgão do Ministério Público investigar preliminarmente se há verossimilhança nas alegações, para a posteriori decidir se instaura ou não o inquérito civil público, discordamos do preclaro mestre pelo fato de ser um direito fundamental do agente investigado ter ciência antecipada de quem o acusou, em face não só ao seu direito de defesa, como também pela possibilidade do mesmo solicitar indenização pela violação à sua honra subjetiva e objetiva.


Dar guarida ao denuncismo anônimo, atribuindo validade irrestrita aos seus termos, em detrimento do direito fundamental do acusado combater os abusos porventura ocorridos no exercício indevido da manifestação do pensamento, é cercear a possibilidade do exame de apreciação pelo Poder Judiciário com a conseqüente responsabilidade civil e penal de seus autores (RF 176/147).


Sobre a proibição do anonimato que vige em nosso ordenamento jurídico, adequadas são as considerações de Alexandre de Moraes:[23]”A proibição ao anonimato é ampla, abrangendo todos os meios de comunicação (cartas, matérias jornalísticas, informes publicitários, mensagens na Internet, notícias radiofônicas ou televisivas, por exemplo). Vedam-se, portanto, mensagens apócrifas, injuriosas, difamatórias ou caluniosas. A finalidade constitucional é destinada a evitar manifestação de opiniões fúteis, infundadas, somente com o intuito de desrespeito à vida privada, à intimidade, à honra de outrem; ou ainda, com a intenção de subverter a ordem jurídica, o regime democrático e o bem estar social.”


O direito de representação aos Órgãos competentes é livre e necessário para a apuração de irregularidades no serviço público.


Contudo, em observância ao que vem disposto no artigo 5º, IV, da CF, quando a representação se fulcrar na prática de ato ilícito tipificado na Lei de Improbidade Administrativa, o § 1º, do artigo 14, da Lei nº 8.429/92 determina que ela contenha a qualificação do representante, seja por ele assinada, além das informações sobre o fato a ser investigado e sua autoria.


No mesmo sentido, o artigo 144, da Lei nº 8.112/90 estabelece que: “As denúncias sobre irregularidades serão objeto de apuração, desde que contenham a identificação e o endereço do denunciante e sejam formuladas por escrito, confirmada a autenticidade.”


Não resta dúvida que apesar de estar inserida no artigo 5º, IV, da CF a proibição da manifestação anônima, o tema é polêmico e desperta posicionamentos doutrinários antagônicos e díspares, com juristas defendendo posições diametralmente opostas.


 


A Lei nº 7.347, de 24/07/85, que dispõe sobre o manejo da ação civil pública em seu artigo 6º, faculta a qualquer pessoa o direito de provocar a iniciativa do Órgão do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil, com a indicação de elementos de convicção.


Apesar da Lei nº 7.347/85 incentivar “a qualquer pessoa” representar contra as possíveis ilegalidades que constituam, em tese, objeto da ação civil pública, sem explicitar a necessidade da qualificação e da assinatura do representante, o teor dessa Lei deverá ser interpretado em conformidade com o disposto na Constituição Federal, para que ele seja plenamente recepcionado por ela. Em sendo assim, por ser anterior a promulgação da Constituição Federal (05/10/88), a Lei nº 7.347/85 deve se adequar ao que vem estabelecido no artigo 5º, IV, da CF, sob pena de grave configuração de inconstitucionalidade, em decorrência de que admite a representação anônima.


Isso porque, estabeleceu o Constituinte moderno requisito formal para a plena e eficaz validade da representação.


Relativizar-se esse requisito formal de validade referente a representação para prestigiar e dar guarida ao anonimato como forma de manifestação, não se coadura com o Estado Democrático de Direito.


Em sendo assim, se equivoca Hugo Brito Mazzili,[24] quando afirma que não se deve ser recusada a “delação anônima” no inquérito civil, em face dele não possuir conteúdo acusatório.


Apesar do inquérito civil ter natureza unilateral e facultativa, quando instaurado para apurar fato que possa autorizar a tutela dos interesses ou direitos a cargo do Órgão do Ministério Público, ex vi legis, ele invade a tutela de bem jurídico de outrem, que ao ser investigado possui o direito de se manifestar por escrito, bem como produzir provas necessárias para elucidarem suas razões de defesa.


Apesar da Resolução nº 23/2007 do CNMP não prever o direito de defesa do investigado, o § 2º, do seu artigo 6º, determina que sejam colhidas todas as provas permitidas pelo ordenamento jurídico que possam esclarecer o fato objeto da investigação, facultando a concessão de vistas dos autos, mediante requerimento fundamentado do interessado ou de seu procurador legalmente constituído (art. 7º, § 2º, V, da Resolução nº 23/2007, do CNMP).


Na prática, a parte interessada, quando intimada da instauração do inquérito civil, é convocada para prestar depoimento, além de lhe ser facultada a apresentação de suas razões de defesa por escrito, apesar de não haver uma acusação formal, com a possibilidade de juntada de documentos que possam corroborar suas razões e produção de todos os meios de provas admitidos em direito.


Agrega-se a tal situação, que sendo a conduta do agente público objeto da investigação, para defender-se do fato ilícito cuja prática lhe é imputada, fere-se a sua honra subjetiva e objetiva caso não o tenha praticado.


Observando o direito de defesa da parte investigada, em conformidade com o artigo 5º, LV, da CF, o Ato Normativo nº 488-CPJ, de 5 de outubro de 2006 do Colégio de Procuradores de Justiça do Estado de São Paulo, que disciplinou o inquérito civil e demais investigações em seu âmbito, determinou o seu artigo 21,[25] que da instauração do referido procedimento, caberá recurso do investigado ao Conselho Superior do Órgão do Ministério Público.


Não resta dúvida que o recurso hierárquico do interessado, contra o ato que determina a instauração do inquérito civil, corresponde ao plasmado do direito de defesa que é outorgado a todos os investigados em geral.


Mesmo tendo caráter inquisitorial o inquérito civil investiga a autoria e a materialidade da prática de ato ilícito, podendo gerar uma incômoda ação civil contra o investigado, que se não tiver dado causa a qualquer ilicitude, sofrerá um sério desgaste emocional e moral.


Por essa razão, o Órgão do Ministério Público deve agir com extrema cautela e prudência quando receber uma denúncia, máxime se ela é anônima, pois, nessa hipótese, não existe o menor comprometimento com a verdade real daquele que acusando, se protege não fornecendo sua qualificação, bem como, não assinando a representação formulada contra o agente público.


Mais cauteloso, o Órgão do Ministério Público do Estado de São Paulo estabeleceu no Ato Normativo nº 484-CPJ/2006, em seu artigo 13, que a representação deverá conter os seguintes requisitos: nome, qualificação e endereço do representante e, se possível, do autor; descrição do fato da investigação; indicação dos meios de provas ou apresentação das informações e dos documentos pertinentes à investigação, se houver.


Os requisitos legais exigidos pelo Ato Normativo acima referido, demonstram a seriedade que deve conter uma representação, preservando o interesse jurídico na elucidação da mesma, pois do contrário haveria uma banalização de tão fundamental direito.


Antes de ser um direito trata-se de um verdadeiro dever de todos os cidadãos, representar contra o agente público que tenha praticado qualquer ato ilícito, ao tomar conhecimento do mesmo, perante a Autoridade competente.


Por essa razão, a Constituição Federal e a Lei exigem que as representações contenham a qualificação do representante e sejam assinadas, opondo-se dessa forma ao anonimato.


Apesar de ser controvertida a jurisprudência, o Superior Tribunal de Justiça tem rejeitado cartas anônimas, a respeito de Autoridades sujeitas à sua jurisdição penal, por afrontarem ao que vem estatuído no artigo 5º, IV, da CF,[26] como se infere no voto condutor do Ministro Ari Pargendler: “1. Trata-se de petição encaminhada pelo Ministério Público Federal em que se requer que uma denúncia anônima (…) seja registrada como sindicância, seguindo os demais trâmites; nela diz-se que o juiz seria proprietário de área rural, cujo valor seria incompatível com sua remuneração. 2. O art. 5º, item IV, da Constituição Federal garante a livre manifestação do pensamento, mas veda o anonimato. A carta anônima de fl. 07 não pode, portanto, movimentar polícia e justiça, sem afrontar a aludida norma constitucional.”


Em outra oportunidade, na questão de ordem na notícia-crime (QO na NC 280/TO), sob a relatoria do Ministro Nilson Naves, o STJ[27] negou validade jurídica a delação anônima contra Membro do Tribunal de Contas, manifestada por uma apócrifa correspondência, verbis: “Competência do Superior Tribunal (originária). Notícia-Crime (delação anônima). Anonimato (vedação). Relator (competência). 1. Compete ao Superior Tribunal processar e julgar, originariamente, nos crimes comuns, entre outras pessoas, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados. 2. O ordenamento jurídico brasileiro, inquestionavelmente, requer – e é bom que assim requeira – que também o processo preliminar – preparatório da ação penal – inicie-se sem mácula. 3. Se as investigações preliminares foram iniciadas a partir de correspondência anônima, as aqui feitas tiveram início, então, repletas de nódoas, melhor dizendo, nasceram mortas ou, tendo vindo à luz com sinais de vida, logo morreram. 4. Cabe ao Ministério Público, entre outras funções, a defesa da ordem jurídica, ordem que, entre nós, repele o anonimato (Constituição, art. 5º, IV). 5. Questão de ordem que, submetida pelo Relator à Corte Especial (Regimento, art. 34, IV), foi pela Corte acolhida a fim de se determinar o arquivamento dos autos. Votos vencidos.”


Deve, portanto, ser desconsiderada a representação que é iniciada com fundamento em uma correspondência anônima, ou o requerimento que não contenha a qualificação e a assinatura de seu subscritor, por violarem a condição formal de sua própria validade.


Ou, conforme aduzido pelo douto Ministro Arnaldo Esteves Lima:[28] “A declaração anônima não constitui elemento de prova sobre a autoria delitiva, ainda que indiciária, mas gera notícia dirigida por pessoa sem nenhum compromisso com a veracidade do conteúdo de suas informações, haja vista que a falta de identificação inviabiliza, inclusive, a sua responsabilização pela prática de denunciação caluniosa (art. 339, do Código Penal).”


Mesmo reconhecendo a 5ª Turma do STJ[29] a possibilidade de instauração de inquérito policial decorrente de denúncia anônima em alguns casos, a delação apócrifa não constitui elemento de prova sobre a autoria delitiva, mas como alegado pelo Ministro Arnaldo Esteves Lima, constitui mera notícia remetida por pessoa, de modo anônimo, sem nenhum compromisso com a verdade dos fatos que relata, não podendo ser responsabilizada, inclusive, na esfera penal ou cível, por ocultar sua identificação.


Ao se admitir a submissão do cidadão numa investigação com fundamento em denúncia apócrifa, sem os requisitos fundamentais de sua validade, que é a qualificação e a assinatura do denunciante, fragiliza-se todo o ordenamento jurídico, visto que a Constituição instituiu condição formal de sua validade.


Ao afastar-se tal garantia constitucional para devassar a vida de cidadãos, viola-se o direito fundamental da parte de não ser objeto de uma investigação iniciada por uma representação anônima.


Nesse sentido, expressivo foi o pronunciamento da 6ª Turma do STJ[30] ao analisar o procedimento criminal iniciado a partir de correspondência eletrônica anônima (e-mail), verbis: “Procedimento criminal (acusação anônima). Anonimato (vedação). Incompatibilidade de normas (antinomia). Foro privilegiado (prerrogativa de função). Denúncia apócrifa (investigação inconveniente). 1. Requer o ordenamento jurídico brasileiro – e é bom que assim requeira – que também o processo preliminar – preparatório da ação penal – inicie-se sem mácula. 2. Se as investigações preliminares foram iniciadas a partir de correspondência eletrônica anônima (e-mail), tiveram início, então, repletas de nódoas, tratando-se, pois, de natimorta notícia. 3. Em nosso conjunto de regras jurídicas, normas existem sobre sigilo, bem como sobre informação; enfim, normas sobre segurança e


normas sobre liberdade. 4. Havendo normas de opostas inspirações ideológicas – antinomia de princípio –, a solução do conflito (aparente) há de privilegiar a liberdade, porque a liberdade anda à frente dos outros bens da vida, salvo à frente da própria vida. 5. Deve-se, todavia, distinguir cada caso, de tal sorte que, em determinadas hipóteses, esteja a autoridade policial, diante de notícia, autorizada a apurar eventual ocorrência de crime. 6. Tratando-se, como se trata, porém, de paciente que detém foro por prerrogativa de função, ao admitir-se investigação calcada em denúncia apócrifa, fragiliza-se não a pessoa, e sim a própria instituição à qual pertence e, em última razão, o Estado democrático de direito. 7. A Turma ratificou a liminar – de caráter unipessoal – e concedeu a ordem a fim de determinar o arquivamento do procedimento criminal.”


Não resta dúvida que a promoção do Membro do parquet deve ser feita na forma da lei, pois o ato administrativo que determina a instauração do inquérito civil não pode ser um ato de prepotência ou arrogância, devendo ser cotejado o requisito formal da representação, com a identificação da autoria e a materialidade ali aventadas. Partindo-se do anonimato como fundamentação inicial da investigação, pela teoria do fruto da árvore envenenada, todo o apuratório estará comprometido juridicamente.


Na atual Constituição Federal o direito a vida e os direitos que compõem a dignidade humana passaram a ser o centro de gravidade do ordenamento jurídico, no sentido de impossibilitar que haja transgressão a esses valores, não podendo o Órgão do Ministério Público violar dispositivos que prevejam essas garantias.


Tais valores constitucionais mereceram a experiente e prudente consideração do Ministro Luiz Fux no REsp nº 881323/RN:[31] “10. Deveras, a dignidade humana retrata-se, na visão Kantiana, na autodeterminação; na vontade livre daqueles que usufruem de uma vivência sadia. É de se indagar, qual a aptidão de um cidadão para o exercício de sua dignidade se acusado de forma arbitrária pelo Estado incumbido de sua proteção ? 11. Anote-se, ademais, retratar a lide um dos mais expressivos


atentados aos direitos fundamentais da pessoa humana. Sob esse enfoque temos assentado que “a exigibilidade a qualquer tempo dos consectários às violações dos direitos humanos decorre do princípio de que o reconhecimento da dignidade humana é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz, razão por que a Declaração Universal inaugura seu regramento superior estabelecendo no art. 1º que ‘todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos’. Deflui da Constituição federal que a dignidade da pessoa humana é premissa inarredável de qualquer sistema de direito que afirme a existência, no seu corpo de normas, dos denominados direitos fundamentais e os efetive em nome da promessa da inafastabilidade da jurisdição, marcando a relação umbilical entre os direitos humanos e o direito processual”. (REsp 612.108/PR, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJ 03.11.2004). 12. Recurso especial não conhecido.”


Assim sendo, não há fundamento constitucional que dê suporte jurídico ao denuncismo anônimo.


Portanto, inconstitucionais, são as disposições contidas no artigo 6º, da Lei nº 7.347/85, bem como no artigo 2º, da Resolução nº 23/2007 do CNMP, e demais atos administrativos que acatem o denuncismo anônimo, manifestado por representações, e-mail’s, cartas, etc., sem a identificação, qualificação e subscrição do responsável.


Celso Ribeiro Bastos[32] traz o seguinte entendimento sobre a questão sub oculis: “Já vimos que há liberdade de expressão sobre certas restrições. Não há dúvida, de outra parte, que o seu asseguramento pelo Texto Constitucional é feito de forma bastante ampla. Ora, é fácil imaginar que exercido irresponsavelmente, esse direito tornar-se-ia uma fonte de tormento aos indivíduos na sociedade. A todo instante poderiam ser objeto de informações inverídicas, de expressões valorativas de conteúdo negativo, tudo isso feito sem qualquer benefício social, mas com a inevitável conseqüência de causar danos morais e patrimoniais às pessoas referidas. A Constituição cuida neste mesmo parágrafo sob comento de estabelecer um sistema de responsabilidade bastante desenvolvido e eficaz. Senão vejamos: “Proíbe-se o anonimato”. Com efeito esta é a forma mais torpe e vil de emitir-se o pensamento. A pessoa que o exprime não o assume. Isto revela terrível vício moral consistente na falta de coragem. Mas este fenômeno o assume. Isto revela terrível vício moral consistente na falta de coragem. Mas este fenômeno é ainda mais grave. Estimula as opiniões fúteis, as meras sacadilhas, sem que o colhido por estas maldades tenha possibilidade de insurgir-se contra o seu autor, inclusive demonstrando a baixeza moral e a falta de autoridade de quem emitiu estes atos. Foi feliz portanto o Texto Constitucional ao coibir a expressão do pensamento anônimo. Sem dúvida a identificação do responsável para que se desenvolvam os atos posteriores tendentes à sua responsabilização.”


Ao referendar tal entendimento, o STF, ao julgar o MS nº 24.405/DF, sob a relatoria do Ministro Carlos Veloso, analisou o ratio legis do disposto no artigo 144 da Lei nº 8.112/90, que veda o denuncismo anônimo e irresponsável; como se infere das seguintes colocações do citado voto condutor: “Indaga-se qual a ratio legis do disposto artigo 144 da Lei n. 8.112/90? A razão da lei é esta: evitar, justamente, o denuncismo irresponsável. Aquele que, irresponsavelmente, formula denúncia contra alguém, deve responsabilizar-se pelo seu ato, respondendo, na Justiça, pelos danos causados à honra subjetiva e objetiva do denunciado. O Procurador Antônio Carlos Alencar Carvalho, em trabalho sobre o tema – ‘A Instauração do Processo Disciplinar Administrativo por Denúncia Anônima’ em “JAM – Jurídica – Administração Municipal, setembro/2001 – escreve: ‘o preceito do art. 144 da Lei 8.112/90 tem o escopo de preservar a dignidade do cargo público e constitui um direito subjetivo dos servidores contra denúncias vazias, infundadas, perseguições políticas, agressões à honra perpetradas por desafetos ou por pessoas de má-fé, de modo a evitar que, sob o manto do anonimato, terceiros irresponsáveis venham a vilipendiar a imagem e a distinção de cidadãos que zelam e servem à coisa púbica, (…) Sem regras, indivíduos inescrupulosos empregariam, anônima e impunemente, todo tipo de difamação e calúnia, sem ao menos a oportunidade de defesa para os ofendidos, que sofreriam o constrangimento da instauração de sindicâncias e processos administrativos disciplinares, procedimentos cujo conteúdo termina por se refletir publicamente, no âmbito da repartição pública, com irreparável gravame ao funcionário ilegalmente acusado’. Perfeito esse entendimento.”


Por essa razão, “não há como se equiparar o anonimato do denuncismo com o instituto da proteção à testemunha. Esta tem cara, tem endereço, tem um nome a zelar, tem compromisso com a verdade; o delator anônimo ao contrário, pode se utilizar das facilidades inerentes a essa condição para macular, leviana e irresponsavelmente, a dignidade de possíveis desafetos, com o intuito de se promover ilicitamente.”[33]


Não resta dúvida que a representação anônima gera obstáculo formal à instauração do inquérito civil, por violar expressamente o que vem estabelecido no art. 5º, IV, da CF, que veda a manifestação do pensamento apócrifo e sem substrato de seriedade.


A representação que contenha todos os dados necessários exigidos por lei, a qualificação do representante e de igual forma, seja subscrita por ele, deve ser manejada de forma subsistente, sob pena do direito de regresso por quem se sinta ofendido pela mesma.


É uma forma lícita de se preservar a juridicidade do direito de representação, evitando-se sua proliferação de forma irresponsável e abusiva, que excedem o direito subjetivo da parte, para macular a honra objetiva e subjetiva do representado.


Por essa razão, a representação anônima não pode servir de fundamento para dar início a instauração do inquérito civil público.


IV – DO INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO COMO FATOR IMPEDITIVO À INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO E DO POSTERIOR AJUIZAMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA


Quando da prática de qualquer fato ilícito previsto na Lei nº 8.429/92, ao representante do Órgão do Ministério Público, face sua competência funcional, é permitido de ofício, através de inquérito civil público, investigar a conduta delituosa do agente público.


Contudo, uma vez instaurado o inquérito civil público, deve ser observado em seu trâmite todas as disposições legais cabíveis, inclusive em termos processuais, porquanto o Membro do parquet que conduz o referido inquérito não está acima da Lei, e em assim sendo, não possui autorização para violá-la. Tal observância necessariamente deve ocorrer, justamente porque, atuam os Membros integrantes do Órgão em questão como guardiãos da legalidade, perante toda a sociedade.


Dessa forma, o inquérito civil público, para sua instauração, deve sempre ser precedido de uma justa causa em decorrência de que submete-se ao princípio da legalidade, como fundamento de sua validade. Havendo motivo justo e relevante, devidamente comprovado, estará apto o Membro integrante do Órgão do Ministério Público para proceder a investigação da prática de um fato ilícito através do referido inquérito.


Sucede que, apesar da absoluta exigência da demonstração e comprovação de uma justa causa para iniciar-se a investigação conduzida pelo representante do parquet, ela não poderá retroagir para abranger fatos ilícitos praticados pelo investigado no período em que já operou-se a prescrição (artigo 23, incisos I e II, da Lei nº 8.429/92).


Em sendo assim, na hipótese de término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança, o prazo prescricional é de 05 (cinco) anos. Essa situação jurídica é regulada pelo disposto no inciso I, do artigo 23, da Lei nº 8.429/92, no qual encontra-se previsto o dies a quo da fluição do prazo prescricional, que ocorre com o término da última função de confiança, de cargo em comissão ou mandato exercido pelo agente público investigado.


Por outro lado, em razão da disposição contida na regra especial que refere-se ao instituto da prescrição prevista no inciso II, do artigo 23, da Lei nº 8.429/92, e dentro do prazo prescricional determinado por Lei especial aplicável para as infrações disciplinares puníveis com a imposição de pena de demissão, é que estará legitimado o representante do parquet para promover investigações e apurações por intermédio de inquérito civil público ou até ajuizar entre outras, ações de improbidade administrativa.


Por conseguinte, após o decurso dos respectivos prazos legais, e em operando-se a prescrição, perde o Membro integrante do Órgão do Ministério Público sua legitimação extraordinária para investigar o agente público que porventura tenha praticado um fato ilícito, quer por intermédio da instauração do inquérito civil público, quer pelo próprio ajuizamento de ação civil pública.


Conseqüentemente, a Portaria exarada pelo Órgão do Ministério Público no sentido de efetuar-se a apuração de fato ilícito certo e determinado praticado por agente público, sujeita-se aos prazos prescricionais previstos em Lei, justamente para garantir a segurança jurídica de todos os cidadãos. Portanto, decorrido o prazo legal e, por conseguinte, operando-se a prescrição, caso não tenha sido proposta a ação judicial competente, não mais poderá ser promovida.


Estando prescrito o fato ilícito praticado pelo agente público e previsto em Lei, a propositura da respectiva ação de improbidade administrativa perante o Poder Judiciário, implica diretamente em que a continuação da tramitação do inquérito civil público se torna abusiva e ilegal.[34]


Afronta a própria regra da eficiência a manutenção de uma investigação interna (administrativa) levada a efeito por Membros do Órgão do Ministério Público, quando o próprio direito material se encontra prescrito.


Operando-se a prescrição do direito material em que se funda a investigação levada a efeito por representantes do parquet, inexiste processualidade prevista em Lei para a manutenção da tramitação do inquérito civil público.


Isso porque, os Membros do Órgão do Ministério Público promovem corriqueiramente a instauração e a tramitação de inquérito civil público para colher elementos que possam embasar uma possível e posterior ação civil pública. Entretanto, se o direito material em que se funda a futura ação a ser intentada em Juízo se encontra prescrito, qual será a utilidade da manutenção em trâmite do inquérito civil público?


Não haverá nenhuma utilidade, em decorrência de que operando-se a prescrição ocorre a estabilização das relações intersubjetivas das partes, tornando-se imutáveis e irreversíveis aquelas que são produzidas no curso dos anos e que não foram revistas ou atacadas no prazo legal.[35]


Apesar do entendimento dos Legisladores, doutrinadores e jurisprudencial no sentido de que é imprescritível o direito material em que se funda a ação de ressarcimento ao erário em decorrência de eventual prática de ato ilícito por parte de agente público (art. 37, § 5º, da CF), o representante do parquet não possui legitimidade ativa para investigar a referida infração e ingressar com a respectiva ação, pois somente a pessoa jurídica de direito público lesada é que está legitimada para ajuizar a competente ação de ressarcimento em face do prejuízo que lhe foi causado.


A pessoa jurídica de direito público terá, privativamente, o direito de ingressar em juízo postulando o ressarcimento, consistente no pagamento ou na reversão de bens, conforme o caso, tendo em vista o prejuízo sofrido (dano) com a prática do fato ilícito pelo agente público (art. 18, da Lei nº 8.429/92).


A competência dos Membros do Órgão do Ministério Público é extraordinária, e deverá ser exercida no prazo legal, pois, após o decurso do referido prazo, já não mais poderão promover medidas judiciais, cabendo ao ente de direito público lesado, através da via própria, que não será a ação de improbidade administrativa, ingressar em Juízo com o pedido de ressarcimento pelos danos sofridos.


Muito embora o direito dos Membros do Órgão do Ministério Público de investigarem e ingressarem em Juízo com ações seja considerado um direito público subjetivo autônomo e abstrato, incumbindo-lhes de igual forma, a defesa e proteção da ordem jurídica, entre outras, sendo que a Lei estabelece as condições necessárias ao exercício do referido direito, como forma de evitar a prática de abusos e violações de disposições contidas nos textos legais, v.g., a propositura de ações genéricas ou inúteis, nas quais o pedido, desde seu início, já está contaminado pela insubsistência.


Como conseqüência do aduzido, operando-se a consumação da prescrição, ocorre o impedimento absoluto do prosseguimento do inquérito civil público, e apesar da Lei nº 7.347/85, que disciplina a Ação Civil Pública, não estabelecer expressamente em seu texto nenhum dispositivo sobre o instituto da prescrição, aplica-se analogicamente a regra constante do Decreto nº 20.910/32, ou, de igual forma, por guardar estrita similitude com a ação popular a Lei nº 4.177/65, que dispõe em seu artigo 21, o prazo prescricional de 05 (cinco) anos para o ingresso da referida ação.


Corroborando o aduzido, enfatiza a Desembargadora Letícia Sardas, em suas oportunas, brilhantes e bem lançadas colocações, verbis:[36] “O brilhante advogado Mauro Roberto Gomes de Mattos, em sua obra intitulada “O Limite da Improbidade Administrativa”, publicada pela Editora América Jurídica, 3ª edição, 2006, na qual comenta os artigos da Lei nº 8.429/92, exaure com brilhantismo as questões atinentes à prescrição qüinqüenal para o agente público ao comentar o art. 23 da referida norma. Relata aquele advogado, op. cit. p. 800, que, após o julgamento do RESP nº 136.204-RS pelo STJ, no âmbito federal foi promulgada a Lei nº 9.784/99 que teria pacificado em seu art. 54, o contido no Decreto 20.910/32 e no art. 22, I, da Lei 8.429/92, tendo em vista que fixa em 5 (cinco) anos o direito de a Administração anular seus atos, contados da data em que foram praticados. A propósito, é bom ressaltar que no âmbito estadual temos a Lei nº 3.870/02 que também fixou o prazo de cinco anos para a Administração anular os seus atos. No que pertine ao prazo prescricional das ações contra a Administração Pública, aplica-se o disposto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32 que estabelece: ‘Art. 1º – As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.’ E vice-versa, por força da aplicação do princípio da igualdade, norma contida no caput do art. 5.º da CRFB/88, a consumação do lapso prescricional é endereçada tanto ao ente público como também para o administrado. Portanto, dúvidas não existem quanto à prescrição qüinqüenal do ato administrativo, devendo a Administração Pública, no lapso prescricional, respeitar as situações consolidadas pelo transcurso dos anos, sendo plenamente aplicável às ações de improbidade administrativa o disposto no inciso I do art. 23 da Lei 8.429/92. Desta forma, verifica-se que as ações de improbidade administrativa, segundo o inciso I do art. 23, só podem ser exercidas até cinco anos após o término do exercício de mandato.”


De conseqüência, ocorrendo o decurso do prazo legal e operando-se a prescrição do direito material em que se funda a ação, não há como ter prosseguimento a investigação que está sendo levada a efeito através do inquérito civil público.


A investigação se tornará abusiva e ilegítima, em face do princípio de que ninguém poderá ter a sua intimidade violada, sem uma causa legítima.


IV.I. DA PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL DIRECIONADA PARA O AGENTE PÚBLICO


O artigo 23 da Lei de Improbidade Administrativa, em observância ao princípio da prescritibilidade, determina o prazo máximo para a imposição das sanções nele previstas.


Em sentido legal, pode-se afirmar que a prescrição exprime o modo pelo qual o direito se extingue, em vista do não-exercício dele por certo lapso de tempo.[37]


Sendo assim, a inércia em relação a determinado direito material, dentro de um prazo assinalado em Lei, possui, em determinados casos, o condão de aniquilar situações lesivas ao interesse de outrem.


Por igual, pelo instituto da preclusão opera-se a extinção ou consumação de uma faculdade legal, em decorrência de uma omissão ou do simples transcurso do prazo que não foi cumprido.


A preclusão é, conseqüentemente, um fato jurídico secundário, pois não extingue nem impede o exercício do direito, mas somente de uma determinada faculdade processual.[38]


Vale dizer que a preclusão funciona como uma conseqüência da prescrição que seria, sem sombra de dúvida, o fato jurídico extintivo do exercício de um determinado direito, sendo certo que os fatos jurídicos extintivos são os que possuem a eficácia de fazer cessar a relação jurídica.


Em síntese, o instituto da prescrição funcionaria como sendo o principal, e a preclusão como acessório.


A diferença doutrinária e processual do instituto da preclusão em relação ao da prescrição vem do direito processual civil, que é disciplinado por prazos legais e fatais, a fim de se prestigiar a celeridade da prestação jurisdicional, em que a perda de determinada faculdade processual extingue aquela etapa (preclusão) e não o direito material invocado pelas partes, que somente seria aniquilado, na presente hipótese, pela ocorrência da prescrição.


Efetuada essa diferenciação entre a conceituação dos institutos da prescrição e da preclusão, surge a necessidade de adentrar no tema sob o âmbito do direito administrativo, que é composto por um universo de leis que ensejam os mais variados procedimentos e processos administrativos, em que alguns comandos legais expressamente dispõem sobre os prazos prescricionais, e outros silenciam quanto à fluição dos mesmos.


Por certo que não se pode abstrair a regra da prescritibilidade quando o Poder Público se confronta com o interesse jurídico do agente público ou administrado.


Para regular a desigual situação jurídica, a regra inerente a prescrição e a preclusão aplica-se de maneira diversa, dependendo de cada situação concreta, cabendo ressaltar que o objetivo dessas regras reside na necessidade da estabilidade das relações jurídicas.[39]


Em abono ao que foi aduzido, o ex-Consultor Geral da República, Rafael Mayer,[40] teve a oportunidade de destacar que “a prescrição tem por base o interesse social pela estabilidade das relações jurídicas.”


Diante do fato de que o Direito Administrativo não possui codificação própria, o operador do referido direito e seu intérprete possuem a obrigação de consultar qual é a norma legal aplicável, entre as inúmeras existentes, para cada caso concreto.


No que pertine ao prazo prescricional das ações e direitos reivindicados contra a Administração Pública, e vice-versa, ainda vige o Decreto nº 20.910/32, que regula a prescrição qüinqüenal, dispondo em seu artigo inaugural que “as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em 5 anos, contados da data do ato ou fato do qual se originarem.” Sendo que o artigo 2º do citado Decreto determina que: “Prescrevem igualmente no mesmo prazo todo o direito e as prestações correspondentes a pensões vencidas ou por vencerem, ao meio soldo e ao montepio civil e militar ou a quaisquer restituições ou diferenças.”


Sucede que o prazo prescricional previsto no referido Decreto não possui como finalidade apenas regular o ingresso de ações por parte dos interessados contra o Poder Público, funcionando também como obstáculo a revogabilidade dos atos administrativos estáveis pelo transcurso dos anos.


Esse raciocínio lógico depreende-se do próprio texto legal do Decreto nº 20.910/32, em decorrência de que o seu artigo 2º, observando o disposto no artigo 1º, prevê o prazo prescricional de 05 (cinco) anos para o exercício de “todo o direito”, sem exceção. Levando o intérprete a concluir que pela dicção do princípio da igualdade, norma assente no caput do artigo 5º, da CF, a consumação do lapso prescricional é direcionada tanto para o ente de direito público como também para o administrado.


Pensar de modo diverso seria o mesmo que desprezar os preceitos e objetivos do Estado Democrático de Direito, aos quais se referem a Constituição da República Federativa do Brasil. Portanto, o ente de direito público possui, como regra legal, a faculdade de rever seus atos administrativos dentro do prazo de 05 (cinco) anos, sob pena de, não o fazendo nesse aprazamento legal, operar-se a prescrição do direito de auto-tutela.


Ratificando o aduzido, deve-se ater ao teor do julgado do Colendo STJ, sob a relatoria do ilustre Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, registrando nos anais daquela Corte que a prescrição do ato administrativo afeta tanto o direito do administrado como e, sobretudo, da Administração, verbis: “REsp. Administrativo. Prescrição. A prescrição afeta o direito de o credor exigir parcelas do direito ao devedor, a decadência atinge o próprio direito. A prescrição pode ser argüida tanto pela Pública Administração, como pelo servidor. Além do princípio da igualdade, o instituto visa a resguardar, com a seqüência do tempo, a estabilidade das situações jurídicas. Conta-se tempo igual para ambos.”[41]


Após ter sido proferido o julgado acima citado, foi promulgada a Lei nº 9.784, de 29.01.99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, pacificando em seu artigo 54, o contido no Decreto nº 20.910/32 e a posteriori, no artigo 22, I, da Lei nº 8.429/92, fixando o prazo de 05 (cinco) anos para o exercício do direito de a Administração anular seus atos, contados da data em que foram praticados.


Nesse sentido, a prescrição administrativa estabiliza as relações intersubjetivas das partes, tornando irreversíveis e intocáveis aquelas que são produzidas no curso dos anos e que não foram revistas, impugnadas ou questionadas tempestivamente.


Sobre o thema, o saudoso administrativista lusitano, Marcello Caetano[42], deixou consignado que a prescrição administrativa cura o ato que possa ser considerado no futuro como ilegal: “O ato doente cura-se com o decurso do tempo, e isso se dá porque o legislador pensa que a ilegalidade cometida não é tão grave que deva sobrepor-se ao interesse de pôr termo à insegurança dos direitos. Aos interessados, incluindo os representantes do interesse público, é facultada a anulação do ato; mas se não usarem oportunamente dessa faculdade, o interesse geral impõe que não fique indefinidamente a pesar sobre este ato a ameaça de anulação.” –[Itálico nosso]-


Portanto, operando-se a prescrição para a Administração rever seus atos no prazo de 05 (cinco) anos, por igual tal instituto atinge o ato administrativo na sua essência.


De igual forma, a Advocacia Geral da União, acatando a regra legal citada, proferiu o Parecer nº GQ-10, de 6 de outubro de 1993: “8. Ato Nulo. Revisão. Prescrição Qüinqüenal. – A prescrição qüinqüenal prevista no art. 1º do Decreto n.º 20.910/32 abrange tanto o ato nulo, quanto o anulável. – Revisão do Parecer JCF, de 30 de novembro de 1992, da Consultoria Geral da República.”


Os Tribunais pátrios sedimentaram o entendimento de que os atos administrativos nulos também se inserem ao princípio da prescrição qüinqüenal: TRF-AC nº 010865/90-DF, in DJU de 22 abr. 1991; TRF-AC nº 0200233/89-RJ, in DJU de 07 mai. 1991; STF-RE nº 5.559/90-SP, in DJU de 19 nov.1990.


Em sendo assim, não restam dúvidas quanto a prescrição qüinqüenal do ato administrativo, devendo a Administração Pública, operando-se a prescrição, respeitar e acatar as situações consolidadas pelo transcurso do referido prazo prescricional.


Nesse diapasão, até mesmo a Súmula nº 473 do STF, que após a promulgação do novo Texto Maior, aos 05.10.88, vem sendo interpretada com temperamentos, pelo fato de permitir que em decorrência da regra do devido processo legal e da ampla defesa (art. 5º, LV, da CF), a Administração revogue os seus atos nulos, possui obstáculo no prazo de 05 (cinco) anos legais, contados a partir da data de expedição do ato administrativo hostilizado, conforme disposição legal, posicionamentos jurisprudenciais e doutrinários.


Em decorrência do aduzido, constata-se que as ações de improbidade administrativa, previstas no bojo da Lei nº 8.429/92, e de conformidade com o disposto no seu artigo 23, I, só podem ser exercidas até 05 (cinco) anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança. Nesse sentido é o teor do REsp nº 457723/SP, do STJ, sob a relatoria da ilustre Ministra Eliana Calmon, verbis: “Administrativo e processo civil. Ação civil por ato de improbidade: prescrição. 1. A Lei nº 7.347/85, disciplinadora da ação civil pública, não contém prazo prescricional, diferentemente da Lei nº 8.429/92, que estabelece prescrição qüinqüenal (art. 23). 2. O termo a quo da prescrição para a hipótese de falta de ocupantes de cargos eleitos, em comissão ou em função de confiança, é o término do exercício de mandato ou afastamento do cargo. 3. Recurso especial improvido.”[43]


Com observância das decisões do STJ seguem os seguintes precedentes de outras Colendas Cortes, que acatam e reconhecem a plena eficácia do disposto no artigo 23 da LIA: “Agravo de instrumento. Ação civil pública. Improbidade administrativa. Prescrição qüinqüenal. Reparação de danos com fulcro no art. 159 do Código Civil de 1916. Legitimidade do Ministério Público. A prescrição qüinqüenal verificada no caso em tela, pelo decurso do lapso temporal, impede o curso da ação civil pública por improbidade administrativa pela extinção do direito de ação relativa à defesa dos interesses da Fazenda Pública. Impossibilidade de converter a ação civil pública em ação de reparação de danos, com fundamento no artigo 159 do Código Civil de 1916. Ilegitimidade do Ministério Público para postular em juízo pretensão indenizatória de sociedade de economia mista com fundamento no art. 159 do Código Civil de 1916. Extinção do processo decretada. Decisão reformada. Recurso provido.”[44]; “Improbidade administrativa. Prescrição. Ocorrência. Sentença confirmada. Em se tratando de improbidade administrativa, a apuração e a punição do ilícito submetem-se a prescrição prevista no art. 23 da Lei nº 8.429/92. Em reexame necessário, confirma-se a sentença.”[45]; “Ação cautelar inominada. Indisponibilidade de bens. Improbidade administrativa. Perda do objeto. É de ser extinta pela perda do objeto a ação cautelar contra o Prefeito por força da extinção, pela prescrição, da ação de improbidade. Ação cautelar julgada prejudicada em relação a Classir Luiz Bassani. Autos remetidos ao juízo da 1ª instância.”[46]


Operando-se o prazo prescricional, resta impossibilitado o ajuizamento da ação de improbidade administrativa, pois o disposto no artigo 23, I, da Lei nº 8.429/92 obstaculiza o ingresso perante o Poder Judiciário de lides extemporâneas, em virtude da proeminência do interesse público, que objetiva estabilizar as relações jurídicas, a fim de que o tempo não seja o empecilho e sim o elemento de segurança jurídica de todos os cidadãos.


A grande incerteza que ocorre por ocasião da interpretação efetuada no presente dispositivo legal é quando o intérprete ou o operador do direito confrontam o que vem estatuído no art. 23, I, da Lei nº 8.429/92 com o disposto no § 5º, do art. 37, da CF.


Ora, o equívoco fica evidenciado quando o autor, ao ingressar com a ação de improbidade administrativa, conjuga a mesma com as de ressarcimentos, estabelecendo a aplicação integral do disposto no § 5º, do art. 37, da CF, verbis: “Art. 37. (…) § 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.”


O preceito constitucional acima citado prevê duas situações distintas: uma, relativa à sanção imposta pela prática de um ato ilícito; outra, relacionada à reparação do prejuízo. Na primeira hipótese, o artigo 23, da Lei de Improbidade Administrativa fixou os prazos prescricionais; na segunda, garantiu-se a imprescritibilidade das ações, medida considerada imprópria, pois a regra é inversa, vigorando em outras situações legais a prescritibilidade, mas, como está previsto na Constituição Federal promulgada em 1988, não há que se infirmar o transcurso do tempo como uma pseudo barreira para ressarcir ao erário os valores que lhe foram retirados.


Essa prerrogativa de jurisdição por parte do Poder Público deve ser eficiente e célere, visto que o fator temporal possui o condão de estabilizar as situações jurídicas, até aquelas que tenham sido praticadas com algum vício de legalidade ou de forma.


Por outro lado, no caso das ações de ressarcimento ao erário, consideradas pelo artigo 37, § 5º, da CF, como imprescritíveis não se pode deixar de observar que mesmo elas não se vinculando ao lapso do tempo, o Órgão do Ministério Público por possuir a legitimação extraordinária terá a contagem de prazo para exercer o seu munus público nos 05 (cinco) anos previstos em Lei. Após o decurso desse prazo, somente o ente de direito público lesado é que terá a legitimidade ativa, em tese, para ingressar perante o Poder Judiciário, reivindicando que retorne ao erário o que lhe foi retirado de maneira ilegal ou ilícita.


Portanto, a legitimidade extraordinária do Órgão do Ministério Público para ingressar tanto com a ação de improbidade administrativa, quanto com a ação de ressarcimento ao erário vincula-se ao fator do tempo.


Isso porque, apesar da Lei nº 7.347/85, que disciplina a ação civil pública não conter em seu texto dispositivo expresso versando sobre o instituto da prescrição ou o seu dies a quo, deve ser aplicada analogicamente a regra constante do Decreto nº 20.910/32, ou, por guardar estrita similitude com a ação popular, as disposições contidas na Lei nº 4.717/65 que a regula, e prevê em seu artigo 21, o prazo prescricional de 05 (cinco) anos.[47]


Não resta dúvida que a propositura da ação civil pública por parte do Órgão do Ministério Público deve observar requisitos legais, entre os quais os denominados como condições de procedibilidade.


Uma delas é a da prescritibilidade, que não obstante haver exceção, trata-se de regra geral.


Entender a regra constitucional inserta no § 5º, do artigo 37, como a instituição de uma imprescritibilidade, por mais relevante que seja coibir a lesão ao erário, é desconsiderar os fundamentos, preceitos e diretrizes do Estado Democrático de Direito em que vivemos.


Sendo certo que a ação civil pública de ressarcimento, como nos demais casos, não maneja bem jurídico mais relevante para a coletividade do que a ação popular. Nessa vertente, tanto a ação civil pública como a ação popular,[48] possuem o prazo qüinqüenal como marco limitador aos seus exercícios.


Esse posicionamento que adotamos é compatível com as premissas do Estado Democrático de Direito preconizado em nossa Carta Maior.


Corroborando o que aduzimos, a professora Ada Pellegrini Grinover[49] defende a aplicação da prescrição qüinqüenal para o Órgão do Ministério Público quando ele manejar ação civil pública de ressarcimento: “(…) o fenômeno extintivo inviabilizaria o aforamento de qualquer demanda (por qualquer sujeito legitimado para tanto) objetivando ressarcimento de alegados danos ao erário, forçoso seria – como de fato será – concluir que a consumação do lapso previsto na legislação infraconstitucional haveria de operar, quando menos e para argumentar, a extinção em relação ao Ministério Público que, diante da superação do lapso temporal previsto pela lei, teria – como de fato terá – perdido a pertinência subjetiva para a ação tendente à finalidade mencionada, pertinência que decorre de legitimação extraordinária. A tal conclusão se chega, primeiramente, pela aceitação de que a regra constitucional inserta no artigo 37, § 5º, não pode ser entendida como consagração de uma suposta imprescritibilidade. Por mais relevante que seja, e é – o ressarcimento ao erário, tal pretensão não se distingue substancialmente da defesa do patrimônio público que hodiernamente é feita em centenas ou mesmo milhares de outras demandas pelas quais a Fazenda Pública (União, Estados e Municípios) buscam, por seus procuradores em diferentes níveis, alguma forma de ressarcimento aos cofres públicos. Portanto, é preciso que se extraia do ordenamento um regime unitário e coerente na disciplina dos prazos extintivos que envolvem o patrimônio público.” –[Parênteses no original]-


A citada doutrinadora esclarece que a legitimidade para ingressar em juízo após os 05 (cinco) anos legais seria da pessoa jurídica cujo patrimônio foi afetado em consonância com o disposto no § 5º, do art. 37, da CF: “No plano material, a legitimação ativa é primariamente da pessoa jurídica cujo patrimônio foi afetado. Sendo assim, a se entender pela imprescritibilidade extraída do § 5º, do art. 37, só pode entender que essa imunidade é prerrogativa do titular do direito no plano material do ordenamento. E sua conclusão é também reforçada por regra de hermenêutica segundo a qual as exceções comportam interpretação estrita; o que, na questão jurídica examinada, apresenta dupla conotação. Em primeiro lugar, tem-se que a regra é a da prescritibilidade e, assim, a imprescritibilidade é a exceção (…). Em segundo lugar, a regra é a legitimação ordinária e a exceção é a legitimação extraordinária. Sendo assim, se a lei outorga a legitimação extraordinária, é lícito que ela mesma regule um prazo razoável para que tal legitimação seja efetivamente exercida, sob pena de se extinguir.”[50]


Nessas condições, o exercício da legitimação extraordinária pelo Órgão do Ministério Público para a promoção da ação civil pública de ressarcimento ao erário se submete ao prazo qüinqüenal. Após o decurso desse prazo, ocorre a perda do direito de acionar.


Por outro lado, a disposição contida no artigo 23, da Lei nº 8.429/92 se aplica integralmente aos atos de improbidade administrativa, não sendo inconstitucional, ao passo que o ressarcimento de prejuízo ou lesão ao erário não possui o limite de marco temporal, quando o autor da ação for o ente de direito público lesado, podendo ser a mesma ajuizada a qualquer tempo, não se confundindo com os trâmites da ação de improbidade administrativa.


Decorridos 05 (cinco) anos do término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou função de confiança, opera-se a prescrição, fator impeditivo do direito de acionar em se tratando de improbidade administrativa.


Todavia, se a propositura da ação se deu antes do término do prazo prescricional, a demora na efetivação da citação válida, por culpa exclusiva da máquina judiciária, faz incidir a regra contida na Súmula nº 106 do STJ, que afasta a consumação da prescrição, prevalecendo a data do protocolo de entrada da petição inicial na Justiça.[51]


Dessa forma, é de se fazer uma diferenciação na matéria sub examen, pois a imprescritibilidade assegurada pelo § 5º, do art. 37, da CF, como já aduzimos, somente aplica-se para ações de ressarcimento de dano ao erário, a serem propostas em outra via, que não a da ação de improbidade administrativa.[52]


Portanto, proposta a ação de improbidade administrativa, após o prazo prescricional previsto no artigo 23, I, da Lei nº 8.429/92, mesmo que ela cumule pedido de ressarcimento ao erário, não poderá ser recebida pelo Juízo, por ter sido protocolizada fora do prazo legal, face estar prescrito o direito de acionar (direito de ação): “Agravo de instrumento. Administrativo. Constitucional. Processo civil. Decisão que rejeitou preliminares de prescrição e de incompetência da Justiça Federal. Argüidas pelo agravante. Preliminares de irregularidade de intimação e de imprescritibilidade da ação de improbidade. Argüidas pelo agravado em contra-razões. Lei nº 8.429/92. Prescrição da ação acolhida. 1. Apesar da prerrogativa de ser intimado pessoalmente, com a remessa dos autos, a intimação feita ao Ministério Público Federal por meio de ofício e pelo Oficial de Justiça não é irregular, tanto por ser o agravado parte autora da ação como por haver o ato atingido sua finalidade. Assim, não se repelirá nem se lhe suprirá a falta quando não prejudicar a parte (CPC, art. 249, § 1º). 2. A jurisprudência deste Tribunal firmou-se no sentido de que as verbas da União, oriundas de convênios para fomento e desenvolvimento da educação em sentido amplo, que compreende, além do ensino propriamente dito, as práticas culturais e desportivas, ainda que aplicadas no Estado ou no Município, cuja prestação de contas deve ser feita ao Tribunal de Contas da União, não perdem a natureza originária de verbas públicas federais. Competência da Justiça Federal. 3. A prescrição da ação de ressarcimento de dano por improbidade administrativa ocorre no prazo qüinqüenal previsto no art. 23, inc. I, da Lei nº 8.429/92, contado ‘após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança’. O prazo não se interrompe pelo exercício subseqüente de outra função pública, em sentido lato, pois a responsabilidade civil e administrativa decorre do exercício de cargo, função pública ou mandato eletivo em que se verificou a prática de improbidade. Com a exoneração do cargo em 30 de março de 1994 e ajuizamento da ação em 17 de dezembro de 1999, consumado está o lapso prescricional. 4. São imprescritíveis, tão-só, os crimes de racismo e de ação de grupos armados, civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (Constituição Federal, art. 5º, incs. XLII e XLIV). 5. A Lei nº 8.429/92, destinada a tornar efetivas as sanções previstas em seus arts. 9º, 10 e 11, entre os quais a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, não excepcionou da regra da prescrição qüinqüenal a ação de ressarcimento de dano.”[53]


Tal situação não é verificada (prazo prescricional), quando do ajuizamento de execução fiscal, proposta com fundamento nas disposições contidas na Lei nº 6.830/80, mesmo em se tratando de matéria que envolva improbidade administrativa, não incidindo a regra do artigo 23, I, da Lei nº 8.429/92, verbis: “Execução fiscal. Art. 23 da Lei nº 8.429/92. Multa. 1. O disposto no art. 23, inc. I, da Lei nº 8.429/92, que regula o prazo prescricional para o ajuizamento da ação de improbidade administrativa, não se aplica à execução fiscal relativa ao débito oriundo de multa decorrente de ausência de prestação de contas pelo Prefeito, uma vez que incidem dispositivos da Lei nº 6.830/80, que disciplina a execução de dívida ativa da Fazenda Pública. 2. Apelação desprovida.”[54]


Esse esclarecimento se faz necessário para deixar evidenciado que o disposto no artigo 23, da LIA, não se embate com o texto do § 5º, do art. 37, da CF, quando a respectiva ação traz também como pedido, o ressarcimento ao erário público.


Deverá o autor ajuizar, na via adequada, ação de ressarcimento, visando obter o pagamento do dano ou prejuízo causado ao erário.


Portanto, prescrito o direito material em que se funda a ação, deve, de plano, ser a mesma rejeitada pelo Magistrado, quando de seu juízo de admissibilidade, pois o disposto nos incisos I e II, do artigo 23, da Lei nº 8.429/92 especificam os prazos que devem ser observados para a propositura da ação de improbidade administrativa.[55]


Com efeito, o artigo 23, inciso I, da Lei em comento prevê o instituto da prescrição qüinqüenal, cuja contagem inicia-se após o término do exercício do mandato, do cargo em comissão ou da função de confiança do agente político.


Desse modo, a fluição do dies a quo não é o da data da prática do ato tido como ilícito, em decorrência de que a sua contagem se inicia quando ocorre o término da relação do agente público com o Estado. Em sendo assim, somente com a cessação do vínculo transitório do agente público é que o prazo prescricional começa a fluir, independentemente do dia da prática do ato tido, em tese, como ímprobo e de má-fé.


Portanto, o decurso do prazo prescricional impede que seja proposta a ação de improbidade administrativa contra agentes políticos, servidores públicos que ostentem funções de chefia ou particulares nomeados para exercerem cargos em comissão, sendo o referido prazo de 05 (cinco) anos, contado a partir do término das respectivas funções.[56]


Já o disposto no inciso II, do artigo 23, da Lei nº 8.429/92, preconiza a incidência do prazo prescricional previsto em Lei específica, no que diz respeito à ação de improbidade administrativa, que responde o servidor público, em relação as infrações disciplinares puníveis com a imposição de demissão “(…) a bem do serviço público, nas situações em que se configurem exercício de cargo efetivo ou emprego.”[57]


Conforme previsto no inciso acima referido e quando tratar-se de um servidor público que encontrar-se no pólo passivo da ação de improbidade administrativa, deverão ser observados os prazos prescricionais previstos em seu Regime Jurídico (Lei específica).


A Lei nº 8.112/90 (Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos da União), bem como alguns Estatutos dos servidores públicos de vários Estados brasileiros, estabelecem o dies a quo do prazo prescricional do processo administrativo disciplinar como sendo o momento em que a infração disciplinar investigada se tornou conhecida/pública, desconsiderando a data em que ela foi, em tese, praticada (quando ocorreu a consumação).


Não se pode concordar com redações indeterminadas de textos legais, pois essas indefinições ferem o próprio plasmado do instituto da prescrição que objetiva, entre outros, possibilitar a segurança jurídica e a paz social. Isso porque a incerteza do dies a quo do prazo prescricional não é admitida pelo ordenamento jurídico, em decorrência de que a regra geral é a da prescrição, devendo ser certeiro o prazo de seu início e de seu término.


Ao contrário, o direito sancionatório traz no postulado da segurança jurídica o seu ponto basilar, sendo defeso a eternização de acusações ou de processos administrativos disciplinares.


O ius puniendi do Estado (abstrato) torna-se concreto em decorrência da prática de uma infração disciplinar por parte do servidor público, não sendo contudo ilimitado o exercício do poder punitivo, que encontra limites temporais como conseqüência da necessidade de não se aviltar o princípio da segurança jurídica, o qual tanto preconizam e enaltecem os países que estabeleceram em suas normas fundamentais o Estado Democrático de Direito.


Para a concretização do ius puniendi do Estado, inicialmente é necessária que a conduta do servidor público infrinja norma legal previamente estabelecida em legislação vigente.


Constatada a prática da infração disciplinar pelo servidor público, o termo inicial da prescrição disciplinar é o do dia em que a mesma foi praticada, sendo ilegal considerar-se o dia de sua ciência pela Administração, pois, como representante do Poder Público, seus atos produzem efeitos jurídicos a partir da ocasião em que foram praticados/consumados.


Em sendo assim, é totalmente ilegal e contraria todos os dispositivos do ordenamento jurídico afirmar-se que um preposto do Poder Público, ao praticar uma infração disciplinar tenha que aguardar a Administração alegar que tomou conhecimento do fato oficialmente/publicamente, a fim de ser responsabilizado por sua prática.


Ora, o servidor público, como preposto do Estado, quando pratica atos representando o seu Órgão ou repartição pública, ao lesar ou violar direitos de pessoas ou terceiros, concede a eles a oportunidade de tentar reformar ou anular seus atos em até 05 (cinco) anos do dia em que foram praticados e não da data da tomada de conhecimento dos referidos atos por parte Administração Pública. Porque inverter esse princípio quando se trata da prática de infração disciplinar (desde que não se trate de um ilícito criminal) por parte do servidor público, ao ponto de considerar o dies a quo da prescrição o da data do conhecimento/ciência do fato por parte da Administração Pública?


Não existe justificação para tal ilegalidade, em decorrência de que o prazo prescricional começa a fluir no dia (dies a quo) em que se pratica a infração disciplinar.


No caso da infração disciplinar, a situação é bem bizarra, pois ela se subdivide em ilícito criminal e em infração disciplinar que apenas viola normas legais não penais. Assim, elas são divididas em dois grupos: as faltas disciplinares oriundas de um crime previsto no Código Penal e aquelas que não possuem essa característica.


Na infração disciplinar prevista como crime, de acordo com o disposto no § 2º, do art. 142, da Lei nº 8.112/90, o prazo prescricional é contado a partir “do dia em que o crime se consumou”, independentemente da Autoridade administrativa ter tido ciência do fato criminoso, eis que o referido parágrafo remete os prazos de prescrição para a lei penal. Assim, quando a infração investigada for, v.g., peculato, concussão, corrupção passiva, prevaricação, facilitação de contrabando, advocacia administrativa, violação de sigilo funcional, abandono de cargo ou função e etc., o prazo prescricional começa a fluir da consumação do fato ilícito praticado pelo servidor público. Sucede que o mesmo direito administrativo disciplinar estabelece, em relação a infração disciplinar que não seja prevista como crime, outro critério para o termo inicial da prescrição, qual seja, começa a fluir da ciência da infração por parte da Administração Pública e não da prática (consumação) do fato tido como irregular (§ 1º, do art. 142, da Lei nº 8.112/90). O critério adotado pelo Legislador, qual seja, de conhecimento pela Administração Pública é muito vago, pois é cediço que ela é representada pelo agente público de uma maneira geral.


De igual forma, não é especificado pela norma legal qual é a Autoridade administrativa que deverá tomar conhecimento da infração disciplinar.


Ao não estabelecer qual é a Autoridade responsável pelo conhecimento da prática da infração disciplinar, não cabe ao intérprete restringir situação legal onde o Legislador não o fez, para estabelecer que o prazo prescricional de 05 (cinco) anos começaria a fluir a partir da ciência da Autoridade que possui competência para instaurar o processo administrativo disciplinar, como decidido pelo STJ: “(…) comece a correr na data em que a autoridade da Administração tem ciência inequívoca do fato imputado ao servidor, e não apenas a partir do conhecimento das irregularidades pela autoridade competente para a instauração do processo administrativo disciplinar.”[58] Mesmo sendo indeterminado o critério adotado pelo artigo 142, §1º, da Lei nº 8.112/90, o operador do direito deve conferir efetividade à regra da prescritibilidade, pois a Administração Pública é representada por seus agentes, que, se tomarem conhecimento da prática de qualquer fato ilegal, são obrigados a solicitar ou determinar a imediata apuração do ilícito disciplinar (art. 143, da Lei nº 8.112/90).


Dessa forma, a infração disciplinar é apurada e investigada desde o seu conhecimento por qualquer dos agentes públicos.


Ora, o problema relativo a prescrição não pode ser objeto de uma regra diversa da prevista no Código Penal, pois tanto no momento da consumação do crime, quanto no dia da ciência por parte da Administração Pública da prática da infração disciplinar, o termo inicial da prescrição deve ser o da data em que o crime se consumou, conforme disposto no artigo 111, I ao VI, do Código Penal, observando-se a previsão de exceções à regra geral contida no inciso I.


Isso porque, o que é relevante para o direito é o momento em que o servidor público pratica o ato contrário ao comando da Lei, violando o bem jurídico tutelado por ela.


Nosso Direito Penal inspirou-se na Lei nº 261, da França, na qual o seu artigo 34, estatui que o prazo prescricional começa a fluir do dia em que foi cometido o delito.


Por essa razão, o art. 79, do Código Penal Brasileiro de 1890, dispôs que: “A prescrição da ação resulta exclusivamente do lapso de tempo decorrido do dia em que o crime foi cometido.”


Assim, desde essa fase do direito penal, estabeleceu-se como regra geral que o prazo prescricional começa a fluir da data em que o “crime se consumou” e não de quando o fato se tornou público/conhecido, para que não ocorra a indevida dilação do prazo prescricional, acarretando incertezas nas relações jurídicas, contrário ao estabelecido na atual redação do artigo 111, inciso I, do Código Penal, cuja rubrica dispõe sobre o termo inicial da prescrição antes de transitar em julgado a sentença final, havendo exceções.


Não é admissível que a Administração Pública beneficie-se da sua inércia para trazer a instabilidade jurídica aos seus subordinados. Contra a instabilidade jurídica gerada pela imprescritibilidade manifestou-se o Ministro Moreira Alves,[59] através de seu brilhante voto vencedor no MS nº 20.069/DF, Pleno, do STF, no qual asseverou que: “(…) se até as faltas mais graves – e, por isso mesmo, também definidas como crimes – são, de modo genérico, suscetíveis de prescrição, no plano administrativo, não há como pretender-se que a imprescritibilidade continue a ser o princípio geral, por corresponder ao escopo da sanção administrativa, ou seja, o interesse superior da boa ordem do serviço público (…) Em matéria de demissão, não há qualquer razão, por causa da gravidade, para se considerar que possa prescrever a pretensão punitiva da Administração Pública, quanto a crimes e à ausência ao serviço, 60 dias interpoladamente sem causa justificada, e não possa prescrever a mesma pretensão, quanto à faltas menos graves do que as definidas como crime e que, como ausência contumaz, são de natureza meramente funcional. Haverá quem sustente que é o interesse superior da boa ordem do serviço público que permite a prescritibilidade, quanto à faltas que configuram crime, e a imprescritibilidade, no tocante a algumas poucas de natureza meramente funcional?”


A seguir, o eminente Ministro Moreira Alves[60] arremata: “(…) noutras palavras, se os crimes ditos contra a Administração, tipificados no Código Penal estão sob o amparo da prescrição penal, por que motivo não introduziu esse instituto também no âmbito administrativo? Fosse por deliberado propósito, fosse por mera omissão, o vigente Estatuto recusou guarida à prescrição da falta disciplinar. Postou-se, assim, como a célebre espada do episódio de Dâmodes sobre a cabeça do servidor público, acessando-lhe com a ameaça de punição em qualquer época até a mais remota, depois de cometido e olvidado o fato.”


Inexiste lógica jurídica para justificar como a prescrição no direito administrativo sancionador não se opera do mesmo modo para todos os fatos infracionais, em decorrência de que é muito mais amplo do que o direito penal, podendo incidir em campos distintos, como por exemplo: ilícitos fiscais, tributários, econômicos, de polícia, de trânsito, atentatórios à saúde pública, urbanismo, ordem pública,[61] disciplinar, etc.


Viola a razoabilidade diferenciar o termo inicial da prescrição, ou seja, quando for oriunda de uma infração disciplinar tipificada como crime, o dies a quo é o da data em que esse se consumou, ao passo que se a infração disciplinar for derivada de disposições estatutárias, o termo inicial da prescrição é o da data do conhecimento/ciência por parte da Administração Pública.


É incoerente, infundada e injurídica essa ilegal e irrazoável distinção do termo inicial da prescrição.


A redação do § 1º, do art. 142, da Lei nº 8.112/90 é insustentável, pois ela privilegia a tese da imprescritibilidade da sanção administrativa, como averbado por José Cretella Júnior:[62] “(…) é insustentável a tese da imprescritibilidade da sanção administrativa, defendida por ilustres cultores do Direito Administrativo, porque o fundamento da prescrição tem de ser buscado na categoria jurídica, sendo o mesmo para o Direito Penal e para o Direito Disciplinar, havendo diferenças, é claro, apenas naquilo que o Direito Positivo de cada país preceituou para uma e outra figura. A prescrição penal e a prescrição administrativa são espécies, repetimos, entre outras, da figura categorial ‘prescrição’, que reponta em vários ramos do Direito, definindo-se genericamente, como ‘a perda do direito de punir, em decorrência do tempo.’ ‘Os Estatutos do funcionalismo brasileiro dispõem que a punibilidade da falta administrativa também prevista em lei como crime, prescreve no mesmo prazo correspondente à prescrição da punibilidade deste. No caso, deixam de vigorar as regras estatutárias, estabelecidas pelo Direito Disciplinar e aplicadas quando tudo ainda se passa na esfera administrativa, para prevalecer a orientação do Direito Penal, fixada no capítulo ‘Da extinção da punibilidade’, catalogada na Parte Geral do nosso Código Penal.” –[Aspas e itálico no original]-


Outrossim, no tocante à fixação do dies a quo incidente na prescrição, José Cretella Júnior defende também a interpretação extensiva das disposições estatutárias, a fim de que o servidor público se beneficie da regra penal da prescrição, qual seja, “do dia em que o crime se consumou” e jamais “a partir da ciência/publicidade do fato”, verbis: “No estudo da prescrição da falta disciplinar, o aspecto mais relevante é a fixação do dies a quo, do momento ‘a partir do qual’ principia a fluir o prazo para a extinção da iniciativa de punir. O prazo, na esfera administrativa, pode escoar-se em decorrência: a) da inércia da Administração que, conhecendo o fato, deixa, por qualquer motivo, de abrir o devido processo administrativo para apurá-lo; b) da ignorância ou insciência do fato; c) do processo administrativo aberto, mas indefinidamente prolongado, até a prescrição, pelo decurso do tempo, fixado no Estatuto.’ ‘A terceira hipótese é equiparada também ao que decorre na esfera do Direito Penal quando, cometida a infração, a prescrição atinge o poder punitivo do Estado, antes da condenação, no decorrer do processo, cumprindo à Administração distinguir se trata de ilícito administrativo puro ou ilícito administrativo crime.’ ‘Em suma, a extrema gravidade da pena de demissão, não há a menor dúvida de que se deve dar às disposições estatutárias pertinentes interpretação extensiva, a fim de que o agente beneficie-se com as regras penais da prescrição ‘a partir do fato’ e jamais ‘a partir da ciência do fato’. Do contrário, chegaríamos ao absurdo, repetimos, de ser beneficiado com a regra da prescrição penal o agente público que cometeu crime contra a Administração ao qual o Estatuto comina a pena de demissão e de ser prejudicado com a regra da prescrição estatutária o funcionário que cometeu puro ilícito administrativo, ao qual, também, a pena cominada é a demissão.” –[Aspas e itálico no original]-


Incorporando essas razões, o Ministro Fernando Gonçalves,[63] no caso do disposto no inciso IX, do art. 117, da Lei nº 8.112/90, que versa sobre a violação à dignidade da função pública, conferiu interpretação extensiva das disposições estatutárias às regras penais da prescrição e estabeleceu o dies a quo a partir da ocorrência do fato: “(…) na espécie, o art. 117, IX, da Lei nº 8.112/90, deve a prescrição regular-se pelo art. 142 daquele Diploma Legal, que prevê o prazo de cinco anos, contados a partir da ocorrência do fato, em face da extrema gravidade da pena de demissão.”


Também não se pode deixar de olvidar que “a punição administrativa guarda evidente afinidade, estrutural e teológica, com a sanção penal”,[64] o que leva a concluir que não existe fundamento razoável capaz de validar a discriminação sub oculis do dies a quo da prescrição, inclusive para as mesmas penas disciplinares.


Avalisando a presente tese, o insigne Procurador Regional da República Brasilino Pereira dos Santos,[65] manifestou o seu inconformismo com a separação do direito administrativo para com o direito penal quando a prescrição for regulada pelo § 1º, do art. 142, da Lei nº 8.112/90, definindo tal situação como “um tamanho absurdo”, em decorrência de que “conta-se a prescrição do momento da consumação do crime, apenas excetuando-se a hipótese de falsidade de assentamento de registro civil.”


Para Edmir Netto de Araújo,[66] a situação narrada se afigura como uma aberração dos dispositivos estatutários federais, verbis: “(…) certas aberrações decorrentes dos dispositivos estatutários, especialmente federais, como se acham em vigor, mesmo cumprida a determinação constitucional (art. 37, § 5º) para fixação, por lei, dos prazos de prescrição de ilícitos administrativos. 1) a primeira delas: a prescrição da ação disciplinar do ilícito administrativo que ocasiona demissão, mesmo agravada, tem seu termo inicial da data do conhecimento da infração, ao passo que a falta-crime a tem na data do fato. Ou seja, é provável que, muitas vezes, a infração mais grave deixe de ser punível antes da infração menos grave. 2) A fixação do dies a quo na data do conhecimento da autoridade, e interrupção da prescrição pela instauração do respectivo procedimento administrativo levam a outros absurdos: será quase impossível ao servidor, especialmente federal, na prática livrar-se da ameaça de punição.” -[Itálico e parênteses no original] – O direito não pode atuar objetivando a eternização de uma futura punição disciplinar, capaz de ser manejada quando a Administração Pública se dignar a afirmar que tomou conhecimento de um fato após o transcurso do tempo. O ius puniendi não é absoluto e eterno, ele se sujeita à regra da segurança jurídica e do princípio da razoabilidade, dentre outros, exatamente para possibilitar a paz coletiva, afastando a idéia de um processo perpétuo.[67]


O prazo de 05 (cinco) anos, contados a partir da prática do fato tido como irregular não é suficiente para promover a apuração disciplinar, e se for o caso, após o due process of law, impor a penalidade cabível? Entendemos que esse critério é mais do que suficiente para apurar a prática ou não de uma infração disciplinar, sem que ocorra impunidade.


Em nossa Obra intitulada “Lei nº 8.112/90 Interpretada e Comentada: Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos da União”, averbamos que: “O prazo de prescrição é contado da data do ato tido como violador de deveres funcionais, pois não se admite, em hipótese alguma, que a Administração Pública não conheça seus atos, que são públicos a todos, sendo-lhe defeso alegar torpeza ou desconhecimento.”[68]


Portanto, a interrupção do início da contagem do prazo de prescrição até que a Administração Pública declare que tomou conhecimento/ciência do fato tido como infracional não se coaduna com o instituto da prescrição que permeia os Estados Democráticos de Direito.


Da forma como está sendo interpretado pelo Poder Público o disposto no § 1º, do artigo 142, da Lei nº 8.112/90, não é recepcionado pela redação do artigo 5º, LXXVIII,[69] da Constituição Federal, que assegura à todos, no âmbito judicial e administrativo, duração razoável do processo, com a utilização de meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Ora, não é mais admissível que possa haver na legislação infraconstitucional preceito capaz de impedir o curso da prescrição no processo administrativo disciplinar de forma permanente, até que a Administração Pública declare a sua ciência ou conhecimento do fato tido como violador de deveres funcionais, praticado por seu preposto e em seu nome.


A posição filosófico-política de que o Estado está acima de tudo e de todos já foi superada pelo Direito Constitucional moderno, em decorrência de que a essência do poder é a manutenção da preservação do homem, não como servo, mas como destinatário de princípios fundamentais, direitos, garantias e deveres.


Partindo dessa indelegável premissa, todos os cidadãos/servidores públicos passam a ter constitucionalmente assegurada não só a prestação da tutela jurisdicional tempestiva, como também a celeridade na tramitação dos processos administrativos disciplinares.


Sendo entendido como celeridade a fluição de um tempo razoável no transcurso de processos judiciais e administrativos, contrapondo-se a sua interrupção ou suspensão ad eternum do prazo prescricional no processo administrativo disciplinar, em decorrência de que o Poder Público também é destinatário do comando constitucional a que alude o inciso LXXVIII, do art. 5º, da CF.


V. OPERANDO-SE O DECURSO DO PRAZO DE 05 (CINCO) ANOS PREVISTO EM LEI O ÓRGÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PERDE A SUA LEGITIMAÇÃO EXTRAORDINÁRIA PARA INGRESSAR COM A AÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO PÚBLICO


Após a análise do instituto da prescrição, é de se perquirir se o Órgão do Ministério Público possui legitimidade ad causam para propor a ação de ressarcimento ao erário, após o decurso do prazo de 05 (cinco) anos, da prática do ato ilícito.


Para tanto, faz-se necessário transcrever o disposto no § 5º, do artigo 37, da CF: “A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.”


Independentemente da lesão causada ao erário e da gravidade do ilícito praticado, é de se ressaltar que a legitimidade ativa para propor ação de ressarcimento é do ente de direito público lesado, destinatário, inclusive, de um posterior título judicial que determinará a devolução ao erário público dos valores desviados de seu patrimônio.


Já a legitimação extraordinária é aquela que resulta de dispositivo previsto em Lei (art. 6º, do CPC), onde a parte está autorizada para agir em juízo, em nome próprio, como autor ou réu na defesa de direito alheio.


Em relação a prática de atos de improbidade administrativa que possam causar lesão ao erário público, inexiste dúvida que a legitimação ordinária é do ente de direito público que tenha sofrido a lesão que ocasionou a diminuição de seu patrimônio. A redução patrimonial ocorrida gera a legitimação ativa, em primeiro lugar, da pessoa jurídica de direito público cujo patrimônio foi aviltado pela prática de ato ilícito por agente público ou por terceiros.


Nesse sentido, ao interpretar-se como imprescritível a ação de ressarcimento ao erário público (artigo 37, § 5º, da CF) e, em sendo o titular do direito de acionar o ente público lesado, tem-se que, essa prerrogativa, de propor a ação a qualquer tempo, é do titular do direito no plano material do ordenamento jurídico.


Isso porque, a prescrição é a regra, sendo exceção a imprescritibilidade que, in casu, refere-se a ação de ressarcimento ao erário público. Sendo certo que, “a sentença que julgar procedente ação civil de reparação de dano ou decretar a perda dos bens havidos ilicitamente determinará o pagamento ou a reversão dos bens, conforme o caso, em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito.” (cf. art. 18, da Lei nº 8.429/92).


Por outro lado, tem-se que a regra é a legitimação ordinária (ente público lesado) e a exceção é a legitimação extraordinária (Órgão do Ministério Público). Em sendo assim, é factível que a Lei regule a matéria, de modo razoável, para que a legitimação extraordinária seja efetivamente exercida, sob pena de se extinguir tal direito subsidiário.


E conforme aduzido alhures a Lei nº 8.429/92, de acordo com o disposto em seu artigo 23, incisos I e II, estabeleceu o lapso temporal para o exercício do direito de propor a ação de improbidade administrativa.


Ocorrendo o decurso do prazo prescricional previsto no artigo 23, da Lei nº 8.429/92, cessa a legitimidade extraordinária do Órgão do Ministério Público, inclusive para ingressar em Juízo com ação de ressarcimento ao erário.


Isso porque, o Legislador originário ao facultar para o Órgão do Ministério Público o direito de extraordinariamente ingressar com a ação de improbidade administrativa, submeteu-o aos prazos previstos no artigo 23 e seus incisos, da Lei nº 8.429/92.


Posiciona-se no mesmo sentido a jurista Ada Pellegrini Grinover:[70] “(…) o decurso do prazo previsto pelo art. 23 da Lei nº 8.429/92 se opera também em relação a pretensão de ressarcimento do erário, impondo, quando menos a extinção da legitimação extraordinária do Ministério Público.”


É de salientar-se que a Constituição Federal estabeleceu a legitimidade ativa do Órgão do Ministério Público para as seguintes providências/ações:


– promover privativamente a ação penal pública, na forma da Lei (art. 129, I, CF);


– ingressar com ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos na CF (art. 129, IV, da CF);


– defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas (art. 129, V, da CF);


– expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los na forma da lei complementar respectiva (art. 129, VI, da CF).


Por sua vez, o inciso IX, do artigo 129, da CF, ao tempo em que confere ao Órgão do Ministério Público o direito de exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, veda a representação judicial e a consultoria jurídica para entidades públicas.


Em sendo assim, exaurida a legitimidade extraordinária do Órgão do Ministério Público para ingressar com a ação de improbidade administrativa, incluindo nesse contexto a ação de ressarcimento ao erário, caberá a pessoa jurídica de direito público lesada tomar as medidas legais para reaver o que lhe foi retirado ilicitamente.


Em convergência com o que aduzimos, cita-se o posicionamento adotado no REsp nº 246698/MG:[71] “Processual Civil. Ação Civil Pública em defesa do patrimônio público. Hipóteses de cabimento. Legitimidade do Ministério Público. Limites. 1. A função institucional do Ministério Público, de promover ação civil publica em defesa do patrimônio público, prevista no art. 129, III, da Constituição Federal, deve ser interpretada em harmonia com a norma do inciso IX do mesmo artigo, que veda a esse órgão assumir a condição de representante judicial ou de consultor jurídico das pessoas de direito público. 2. Ordinariamente, a defesa judicial do patrimônio público é atribuição dos órgãos da advocacia e da consultoria dos entes públicos, que a promovem pelas vias procedimentais e nos limites da competência estabelecidos em lei. A intervenção do Ministério Público, nesse domínio, somente se justifica em situações especiais, em que se possa identificar, no patrocínio judicial em defesa do patrimônio público, mais que um interesse ordinário da pessoa jurídica titular do direito lesado, um interesse superior, da própria sociedade. 3. No caso, a defesa judicial do direito à reversão de bem imóvel ao domínio municipal, por alegada configuração de condição resolutória da sua doação a clube recreativo, é hipótese que se situa no plano dos interesses ordinários do Município, não havendo justificativa para que o Ministério Público, por ação civil pública, atue em substituição dos órgãos e das vias ordinárias de tutela. 4. Recurso especial a que se nega provimento.”


Sendo averbado pelo Ministro Relator Teori Albino Zavascki em seu voto condutor, que: “A conjugação dos dois dispositivos constitucionais acima referidos deixa evidenciado que, ordinariamente, a defesa judicial do patrimônio público é atribuição dos órgãos da advocacia e da consultoria dos entes públicos, que a promovem pelas vias procedimentais e nos limites da competência estabelecidos em lei. Portanto, ordinariamente, o Ministério Público não está legitimado a atuar em defesa da Administração Pública. A sua intervenção nesse domínio, conseqüentemente, somente se justifica em situações não ordinárias, ou seja, em situações especiais. Que situações seriam essas? São as situações em que, no patrocínio judicial em defesa do patrimônio público, se possa identificar um interesse superior, que, por alguma razão objetiva e clara, transcende ao interesse ordinário da pessoa jurídica titular do direito lesado. Assim ocorre quando, pela natureza da causa, da magnitude da lesão, ou pelas pessoas envolvidas ou por outra circunstância objetiva, a eventual lesão trouxer um risco, não apenas restrito domínio da pessoa jurídica, mas a valores especialmente protegidos, de interesse a toda a sociedade. É o que ocorre, por exemplo, quando o patrimônio público é lesado pelo próprio administrador (improbidade administrativa) ou quando os órgãos ordinários de tutela judicial do patrimônio público se mostrarem manifestamente omissos ou impossibilitados de atuar (o que põe em risco o funcionamento da instituição pública). Nessas ou em outras situações especiais semelhantes, em que o interesse superior esteja devidamente justificado é que se poderá considerar legítimas a atuação do Ministério Público e a utilização da ação civil pública para o exercício da pretensão à tutela jurisdicional.”


Destarte, o Órgão do Ministério Público em situações excepcionais e extraordinárias se encontra legitimado, desde que dentro do prazo estabelecido pela Lei, para exercitar o seu direito de ação, inclusive como forma de demonstrar a sua tão necessária atuação. Ultrapassado o prazo previsto em Lei, não há como se justificar a manutenção da legitimação excepcional do Órgão do Ministério Público, perdendo, face o decurso do tempo, seu direito de ação.


Operando-se o decurso do prazo prescricional, relacionado ao direito material em que se funda a ação de improbidade administrativa, extingue-se a legitimidade ativa do ente de direito público lesado, bem como a legitimidade extraordinária do Órgão do Ministério Público, em decorrência da estabilização da situação de fato, face a inércia dos legitimados que não promoveram as medidas cabíveis no prazo legal, em prol da segurança jurídica.


Contudo, não havendo ressarcimento ao erário, em decorrência da lesão sofrida pela prática de ato ilícito, compete a pessoa jurídica de direito público que sofreu o prejuízo financeiro ingressar em Juízo com a devida ação de ressarcimento, em face da extinção da legitimidade ad causam do Órgão do Ministério Público, que deixou transcorrer in albis o prazo legal para exercitar o seu direito de propor a respectiva ação (decadência), em face da imprescritibilidade do ressarcimento direcionar-se para o ente público que sofreu a lesão.


Isso porque, mesmo sendo imprescritível, em tese, o direito de ressarcimento ao erário, não se pode deixar de observar que a não propositura da competente ação pelo Órgão do Ministério Público no prazo legal (art. 23, da Lei nº 8.429/92) opera a decadência, não havendo como suspender ou interromper o prazo extintivo da legitimidade extraordinária do representante do parquet federal ou estadual em ingressar com a referida ação.[72]


Após a presente explanação, concluímos que uma vez operada a prescrição fica obstada a instauração do inquérito civil público bem como, o posterior ingresso em Juízo com as ações civil pública e de improbidade administrativa, pois o ordenamento jurídico criou lapso temporal para o exercício do direito material, o qual, por óbvio deve ser observado.


O Órgão do Ministério Público, como fiscal da lei, possui a obrigação de cumprir o lapso temporal previsto em lei para o exercício do direito material; entretanto, em assim não o fazendo, em tal situação, lhe será retirado o direito de jurisdição.


Há que salientar-se que a estabilidade jurídica, preconizada pela Constituição Federal, trata-se de um dos fatores imperantes do instituto da prescrição.


Rigorosamente nesse sentido, o ilustre Desembargador Renato Simoni, da 9ª Câmara Cível, aduz: “Porém é importante que se diga que há quem defenda que tal ação seria imprescritível, em face do teor da parte final do § 5º do art. 37 da CRFB/88: ‘§ 5º – A Lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.’ Entretanto, entender a regra constitucional inserta no § 5º do art. 37 como a consagração de uma imprescritibilidade, por mais relevante que seja coibir o sangramento ao erário, é subtrair o Estado de Direito em que vivemos. O Dr. Mauro Roberto Gomes de Mattos, já citado, com quem comungamos, chega à conclusão de que a norma constitucional prevê duas situações distintas: uma relativa à sanção pelo ato ilícito, outra relacionada à reparação do prejuízo, a ser proposta em outra via, que não é a da ação de improbidade administrativa. Assim, no caso de ação de ressarcimento ao erário, mesmo não se vinculando a um lapso de tempo, o Ministério Público por possuir a legitimação extraordinária, terá a contagem de prazo para exercer o seu munus publicum no prazo fixado na Lei 8.429/92, de cinco anos. Após o transcurso deste prazo, somente o ente público lesado é que terá a legitimidade ativa, em tese, para ingressar perante o Poder Judiciário, reivindicando o ressarcimento do erário.”


Portanto, pelas razões expostas, concluímos que, operando-se a prescrição do direito material em que se funda a ação, com seus prazos previstos no ordenamento jurídico, não haverá resultado útil em manter-se efetiva a investigação levada a efeito no inquérito civil público e nem tampouco propor-se futuras ações civil pública ou de improbidade administrativa.


VI. – CONCLUSÃO


Sabedores somos, que o Órgão do Ministério Público possui o impostergável direito (prerrogativa) de instaurar inquérito civil público, visando obter provas e elementos jurídicos capazes de fundamentar o posterior ingresso de ações civil púbica ou improbidade administrativa; bem como, não restando comprovada a materialidade e autoria do fato ilícito, em tese, praticado, após o exaurimento do apuratório, o próprio pedido de arquivamento.


Apenas é ressaltado que a instauração do inquérito civil público encontra limites, como qualquer outro procedimento investigatório, no ordenamento jurídico, que estabelece a condição, o prazo e a devida fundamentação para dar suporte a qualquer tipo de persecução estatal. Sendo um deles a existência de uma justa causa, sem a qual, o inquérito civil público não poderá ser instaurado.


Desse modo, a instauração de procedimentos investigatórios, mesmo que preparatórios, sem que haja uma justa causa ou que esteja prejudicado pelo lapso prescricional, cria a arbitrariedade e o abuso do direito de investigação.


Os cidadãos honestos, probos e dignos, ao tempo em que não desejam que haja a impunidade de determinados agentes públicos que descumprem os seus deveres institucionais, esperam que o Órgão do Ministério Público cumpra a sua relevante obrigação em tempo hábil, sendo ela respaldada em robustos fundamentos legais, para que a aparência da prática de um pseudo ilícito não seja uma mera ficção jurídica, criada por quem quer ostentar os holofotes da mídia, em detrimento da dignidade humana. Devendo o presente tema ser merecedor do devido aprofundamento e reflexão por parte dos operadores do direito.


 


Notas:

[1] SILVA, Paulo Márcio. Inquérito Civil e Ação Civil Pública – Instrumentos da Tutela Coletiva. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 102.

[2] Cf. art. 123, da Lei nº 8.112/90: “Art. 123. A responsabilidade penal abrange os crimes e contravenções imputados ao servidor, nessa qualidade.”

[3] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 22. ed. Atualizado por: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 810.

[4] O artigo 1º, da Convenção Européia dos Direitos do Homem dispõe sobre a: “Obrigação de respeitar os direitos do homem.”

[5] LARENZ, Karl. Derecho Justo – Fundamentos de Ética Jurídica. Tradução de: Luiz Díez-Picaso. Madrid: Editorial Civitas, 1993, p. 21.

[6] MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Justa Causa para a Ação Penal. São Paulo: RT, 2001, p. 18.

[7] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 1997, v. 2, p. 123.

[8] MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Justa Causa para a Ação Penal. São Paulo: RT, 2001, p. 291.

[9] SILVA, Paulo Márcio da. Inquérito Civil e Ação Civil Pública – Instrumento da Tutela Coletiva. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 102.

[10] MAZZILI, Hugo Nigro. O Inquérito Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 162.

[11] JARDIM, Antônio Silva. Direito Processual Penal – Estudos e Pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 70.

[12] MAZZILI. Hugo Nigro. O Inquérito Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 65-66.

[13] STF. Rel. Min. Celso de Mello, HC nº 79.844-6/RJ, 2ª T., julgado em 15 de fev. 2000, DJ de 17 mar. 2000, p. 003, JSTF – LEX 260/361.

[14] ROSS, Alf. Direito e Justiça. São Paulo: Edipro, 2003, p. 199.

[15] Cf. STJ. Rel. Min. Costa Leite, HC. RSTJ 29/113.

[16] Sendo oportuno citar a passagem do Sermão da Montanha de Jesus Cristo, invocado por Hans Kelsen:[16] “Como exemplo de um tal ordenamento social refere-se geralmente a Moral, que precisamente por isso, se costuma distinguir do Direito, como ordem estatuidora de sanções. É uma ordem moral desprovida de sanções aquela que visa Jesus no Sermão da Montanha; em que rejeita decididamente o princípio de talião do Velho Testamento – responder ao bem com o bem e ao mal com o mal. ‘Vós tendes ouvido dizer olho por olho e dente por dente. Eu, porém, digo-vos que não deveis resistir ao mal’ (isto é, que o mal não deve ser retribuído com o mal). ‘Vós tendes ouvido dizer que devemos amar o nosso próximo (isto é, aquele que nos quer bem) e odiar o nosso inimigo (isto é, aquele que nos odeia). Eu, porém, digo-vos: amai os vossos inimigos…’ (isto é, não retribuais o mal com mal, fazer bem àqueles que vos fazem mal). ‘Pois se amais aqueles que vos amam (isto é, se apenas ao bem respondeis com bem), que recompensa tereis? Não faz também o mesmo o publicano?’ É evidente a recompensa celeste que Jesus se refere aqui. Também neste sistema moral do mais alto idealismo não está totalmente excluído portanto, o princípio da retribuição. Não é, na verdade, uma recompensa terrestre mas uma recompensa celestial que é prometida àquele que renuncia à sua aplicação no aquém, àquele que não retribui o mal com o mal nem faz apenas a quem lhe faz bem. E também a pena no além faz parte deste sistema, que rejeita a pena do aquém.” – [Aspas e parênteses no original]-

[17] STF. Rel. Min. Victor Nunes, HC nº 42.697/GB, 1ª T., DJ de 02 fev. 1966. Ementário 642-01, p. 359.

[18] MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Justa Causa para a Ação Penal. São Paulo: RT, 2001, p. 18.

[19] TJ/MT. Ms nº 9557/2005, Órgão Especial, Rel. Des. A. Bitar Filho, julgado em 11 de agos. 2005.

[20] ANTUNES, Paulo Bessa. “O Inquérito Civil – Considerações críticas”. In: Ação Civil Pública: Lei 7.347/1985 – 15 anos. 2. ed. São Paulo: RT, 2002, p 8.

[21] “Tratando-se de mero requerimento para instauração do inquérito civil, por certo poderá ser indeferido pelo membro do Ministério Público. Se o promotor de Justiça não vislumbrar fundamentos para a instauração do inquérito não violará dever jurídico algum ao indeferir o pedido do interessado (como p. ex., se o fato narrado não justificar, nem mesmo em tese a ação do Ministério Público.” (MAZZILI, Hugo Nigro. O Inquérito Civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 65).

[22] MAZZILI, Hugo de Brito. Id.

[23] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 207.

[24] “Não se diga que a declaração anônima deva ser recusada, por ferir a ampla defesa: o inquérito civil não é processo acusatório; nele não há acusação nem nele se impõe sanções.” (MAZZILI, Hugo Nigro. O Inquérito Civil. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 104.

[25] Art. 21: “Da instauração do inquérito civil caberá recurso do interessado ao Conselho Superior do Ministério Público, nos termos deste ato normativo.”

[26] “Sindicância. Carta Anônima. O Superior Tribunal de Justiça não pode ordenar a instauração de sindicância, a respeito de autoridades sujeitas a sua jurisdição penal, com base em carta anônima. Arquivamento.” (STJ. Rel. Min. Ari Pargendler, QO na Sd 81/SP, Corte Especial, DJ de 28 agos. 2006, p. 198).

[27] STJ. Rel. Min. Nilson Naves, QO na NC 280/TO, Corte Especial, DJ de 05 set. 2005, p. 194.

[28] STJ. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, AgRg no REsp nº 295155/RJ, 4ª T., DJ de 05 agos. 2002, p. 347.

[29] STJ. Rel. Min. Laurita Vaz, HC nº 44.649/SP, 5ª T., DJ de 08 out. 2007, e HC nº 38.093/AM, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª T., DJ de 17 dez. 2004.

[30] STJ. Rel. Min. Nilson Naves, HC nº 95838/RJ, 6ª T., DJ de 17 mar. 2008, LEX /STJ- v. 224, p. 342.

[31] STJ. Rel. Min. Luiz Fux, REsp nº 881323/RN, 1ª T., DJ de 31 mar. 2008.

[32] BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1989, v. 2, p. 43.

[33] STJ. Rel. Min. João Otávio de Noronha, MS nº 8196/DF, 1ª S., DJ de 17 fev. 2007, p. 216.

[34] “1. Mandado de Segurança. 2. Inquérito Civil instaurado por órgão do Ministério Público, para apuração de responsabilidade de ex-Secretário de Estado, visando ação de improbidade administrativa, por fato perfeitamente definido e conhecido. 3. O Inquérito Civil é facultativo, e não obrigatório, podendo a ação judicial ter início com ou sem ele. 4. Já estando prescrita a própria ação, inoportuna e desnecessária se mostra a continuidade do inquérito, uma vez que, ou a ação foi iniciada, não havendo notícia a propósito nos autos, ou não mais poderá sê-lo, face à prescrição já evidenciada. 5. Ordem concedida.” (TJ/RJ. Rel. Des. Mário dos Santos Paulo, Ms nº 2003.004.01648, 4ª C.C., julgado em 10 de jul. 2007).

[35] Semelhante entendimento possui o mestre SILVIO RODRIGUES, que com grande propriedade sobre o tema aduz: “Mister que as relações jurídicas se consolidem no tempo. Há um interesse social em que situações de fato que o tempo consagrou adquiram juridicidade, para que sobre a comunidade não paire, indefinidamente, a ameaça de desequilíbrio representada pela demanda. Que esta seja proposta enquanto os contendores contam com elementos de defesa, pois é do interesse da ordem e da paz social liquidar o passado e evitar litígios sobre atos cujos títulos se perderam e cuja lembrança se foi.” –[Itálico nosso]- (RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 327). 

[36] TJ/RJ. Rel. Des. Letícia Sardas, AI nº 2007.002.08310, 20ª C.C., julgado em 17 de out. 2007. 

[37] DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 634.

[38] “Direito público não especificado. Improbidade administrativa. Medida de afastamento dos servidores reiterada pelo Magistrado a quo. Decisão que não foi objeto de insurgência dos ora agravantes. Pedido de reconsideração que não é suficiente para reabrir o prazo. Preclusão consumada. Agravo não-conhecido.” (TJ/RS. Rel. Des. Nelson Antonio Monteiro Roberto, 3ª C.C., AI nº 70006764898, julgado em 08 de set. 2003).

[39] Sobre o que foi afirmado, Clóvis Beviláqua já deixara consignado: “A prescrição é uma regra de ordem, de harmonia e de paz imposta pela necessidade de certeza nas relações jurídicas.” (In: Tratado Geral do Direito Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1972, p. 310).

[40] In: RDA 118/384. 

[41] STJ. Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, REsp nº 136.204-RS/97.0041207-5, 6ª T., julgado em 21 out. 1997.

[42] CAETANO, Marcello. Princípios fundamentais de direito administrativo. Coimbra: Almedina, 2000, p. 187.

[43] STJ. Rel. Min. Eliana Calmon, REsp nº 457723/SP, 2ª T., DJ de 25 agos. 2003, p. 282.

[44] TJ/RS. Rel. Des. Paulo de Tarso, AI nº 70006292759, 3ª C.C., julgado em 25 set. 2003.

[45] TJ/MG. Rel. Des. Kildare Carvalho, Reexame necessário, 3ª C.C., DJ de 22 agos. 2003.

[46] TJ/RS. Rel. Des. Maria Isabel de Azevedo Souza, MC nº 70007117401, 22ª C.C., julgado em 21 de out. 2003. 

[47] “Prescrição. Ação Civil Pública. Ministério Público Estadual. EDIS. Devolução de diferenças de vencimentos além do devido. Prescrição Qüinqüenal. Existência. Se as eventuais irregularidades teriam ocorrido no ano de 1990 e a ação civil pública somente foi proposta em 1998, já se havia consumado, portanto, o prazo prescricional. Na falta de dispositivo expresso na Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, que disciplina a ação civil pública. Aplicação analógica e subsidiariamente, por guardar estrita similitude com a ação popular, a Lei nº 4.717/65, que, em seu art. 21, estabelece o prazo prescricional de 5 (cinco) anos. Recurso do autor desprovido.” –[Itálico nosso]- (TJ/SP. Rel. Des. Xavier Aquino, AC nº 164.059-5, 5ª Câmara de Direito Público, julgado em 21 de jun. 2001).

[48] Cf. STJ. Rel. Min. Luiz Fux, REsp nº 545/SP, 1ª T., DJ de 09 dez. 2002, p. 292.

[49] GRINOVER, Ada Pellegrini. Ação de Improbidade Administrativa – Decadência e Prescrição. In: Revista Interesse Público, Porto Alegre, Nota Dez, nº 33, Ano VII, p. 63-64, 2005.

[50] GRINOVER, Ada Pellegrini. Ibid., p. 68-69.

[51] “Agravo de instrumento. I. Ação civil pública por ato de improbidade administrativa. Agente político ex-Prefeito. Prescrição. Argüição, citação válida após o decurso do prazo prescricional. Cômputo. Cinco anos após o término do mandato eletivo. Inocorrência. II. Propositura da ação. Despacho inicial. Interrupção da prescrição. II. Demora na citação. Possibilidade. Ex vi da Súmula nº 106 do STJ. I. Consumada a citação válida após o decurso do prazo prescricional, mas proposta a ação dentro do qüinqüídio legal, previsto no inc. I do art. 23 da Lei nº 8.429/92, não há se falar em prescrição do direito de ação. II. Sendo certo que a citação foi válida, forçoso é reconhecer que a interrupção da prescrição retroagirá a actio nata, ex vi do § 1º do art. 219 c/c 263 do Código de Processo Civil. III. Proposta a ação no prazo fixado para seu exercício e ocorrendo a demora na citação por motivos inerentes aos mecanismos da Justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição, inteligência da Súmula nº 106 do STJ. Recurso conhecido e improvido.” (TJ/GO. Rel. Des. Camargo Neto, AI nº 200202011784, 4ª C.C., DJ de 20 mar. 2003).

[52] “Agravo de instrumento. Ação civil de improbidade administrativa. Prescrição. Dano ao erário. Encontrando-se prescrita a ação de improbidade administrativa, o que ocorre no prazo de cinco anos a contar do dia seguinte àquele em que o agente deixar o cargo público, não mais é viável utilizar esta via para ressarcimento do dano, que também representa na Lei nº 8.429/92 uma sanção. Imprescritibilidade assegurada pela existência de vias adequadas. Correta inteligência do art. 37, § 5º, da CF. Agravo desprovido.”

[53] TRF-1ª Região. Rel. Des. Fed. Aloisio Palmeira Lima, AI nº 2001.01.00.035402-8/AM, 1ª T., DJ de 22 abr. 2003, p. 34.

[54] TRF-1ª Região. Rel. Juiz Fed. Convocado Leão Aparecido Alves, Ap. Cível nº 1998.0100.083370-7/MG, 2ª T. Suplementar, DJ de 24 out. 2002, p. 202.

[55] “Responsabilidade Civil. Improbidade Administrativa. Prescrição reconhecida. Processo extinto com o exame do mérito. Prefeito e Secretário Municipal que deixaram suas respectivas funções em 1997. Lide ajuizada pelo Ministério Público em 2004. Prescrição evidenciada. Inteligência do artigo 23 da Lei n.° 8.429/92, cuja norma tem o objetivo principal de responsabilizar o Agente que tenha praticado eventual improbidade administrativa. Resta desinfluente se o suposto Município lesado integrou o pólo ativo da demanda como litisconsorte do Autor ou, ainda, se o M. P. tenha legitimidade para postular ressarcimento ao Erário Público após o prazo qüinqüenal, já que tal deve ser perseguido em ação autônoma e sede própria. Vários precedentes do Egrégio Superior Tribunal de Justiça e deste Colendo Sodalício, como transcritos na fundamentação. R. Sentença que ultimou por reconhecer a prescrição que merece prestígio. Recurso que se apresenta manifestamente improcedente. Aplicação do caput do art. 557 do C.P.C. c.c. art. 31, inciso VIII do Regimento Interno deste E. Tribunal. Negado Seguimento.” (TJ/RJ. Rel. Des. Reinaldo Pinto Alberto Filho, Ap. Cível nº 2008.001.25087, 4ª C.C., julgado em 18 de mar. 2008).

[56] “Processual Civil. Ação Civil Pública. Improbidade Administrativa. Prescrição. 1. O termo final para que seja intentada ação civil pública contra ex-prefeito é, nos termos do artigo 23 da Lei nº 8.249/92, de cinco anos a contar do término do mandato. 2. É válida para efeitos de interrupção da prescrição a citação válida do réu em ação civil pública, ainda que o Juízo não houvesse determinado a notificação prévia prevista no artigo 17 do mesmo diploma legal. 3. Recurso especial provido.” (STJ. Rel. Min. Castro Meira, REsp nº 665130/RS, 2ª T., DJ de 2 jun. 2006, p. 113). 

[57] MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O Limite da Improbidade Administrativa – O Direito dos Administrados dentro da Lei nº 8.429/92. 3. ed. revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2006, p. 813.

[58] STJ. Rel. Min. Laurita Vaz, MS nº 11.974/DF, 3ª S., DJ de 07 mai. 2007, p. 274.

[59] STF. Rel. p/ acórdão Min. Moreira Alves, MS nº 20.069/DF, Pleno, julgado em 24 de nov. 1976, DJ de 02 set. 1977, p. 5969. In: RDA 135:75.

[60] STF. Rel. p/ acórdão Min. Moreira Alves. Ibid., RDA 135:76.

[61] Cf. OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. São Paulo: RT, 2005, p. 17.

[62] CRETELLA JÚNIOR, José. Prescrição Administrativa. In: Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 544/12. 

[63] STJ. Rel. Min. Fernando Gonçalves, Ms nº 6877/DF, 3ª S., DJ de 21 mai. 2001, p. 55.

[64] STJ. Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, REsp nº 19560/RJ, 1ª T., DJ de 18 out. 1993, p. 21.841.

[65] SANTOS, Brasilino Pereira dos. O prazo da prescrição de punição disciplinar começa a correr do momento em que o fato se tornou conhecido?. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/ texto.asp?id=2278>. Acesso em: 08 de jul. 2007.

[66] ARAÚJO, Edmir Netto de. O Ilícito Administrativo e seu Processo. São Paulo: RT, 1994, p. 249.

[67] Serrano Neves, com maestria repudiou a idéia do processo perpétuo: “O ius puniendi – convenhamos – nos regimes organizados sob claros e sólidos princípios liberais e libertários, não pode ser absoluto e perpétuo. Há de sujeitar-se, necessariamente, a certas restrições. Por mais respeitável que seja, em sede de direito penal disciplinar, o criterium tradicionalista, não nos parece muito respeitável a idéia de que o Estado, por si ou por seus órgãos de administração delegada, deve, humanamente, cercar seus administra dos de umas tantas garantias, como, por exemplo, as conseqüentes ou decorrentes de sua própria inércia, ou omissão, ou esquecimento, ou indiferença quanto ao uso, por ele próprio, e segundo a lei, do direito de processar e de punir. – ‘Sob os regimes realmente liberais – fundados, pois, em postulados rigorosamente democráticos – não se tolera a idéia de processo perpétuo, seja este relativo ao direito comum, seja ao disciplinar’.” –[Aspas, itálico e negrito no original]- (In: Decadência e Prescrição no Processo Disciplinar. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Estado da Guanabara, v. 3, Ano II, p. 206), apud SANTOS, Brasilino Pereira dos. O prazo da prescrição de punição disciplinar começa a correr do momento em que o fato se tornou conhecido?. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2278>. Acesso em: 08 de jul. 2007, p. 7-8.)

[68] MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Lei nº 8.112/90 Interpretada e Comentada : Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos da União. 3. ed. revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2006, p. 86.

[69] Art. 5º, LXXVIII, da CF – “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” 

[70] GRINOVER, Ada Pellegrini. Ação de Improbidade Administrativa – Decadência e Prescrição. In: Revista Interesse Público. Op. cit. ant., p. 69.

[71] STJ. Rel. Min. Teori Albino Zavascki, REsp nº 246698/MG, 1ª T., DJ de 18 abr. 2005, p. 213. 

[72] Nesse sentido, posiciona-se Ada Pellegrini Grinover: “(…) quanto ao ressarcimento ao erário, porque, conforme amplamente demonstrado, a Constituição Federal não pode ser interpretada no sentido de consagrar, nesse caso, a imprescritibilidade. Quanto menos, também na linha do quanto fundamentado, é de se entender que o decurso do prazo previsto pelo art. 23, da Lei nº 8.429/92 há que acarretar a extinção da legitimação extraordinária de que é investido o Ministério Público para a propositura da ação de responsabilidade por improbidade administrativa.” (GRINOVER, Ada Pellegrini. Ação de Improbidade Administrativa – Decadência e Prescrição. In: Revista Interesse Público. Op. cit. ant., p. 89). 


Informações Sobre o Autor

Mauro Roberto Gomes de Mattos

Advogado no Rio de Janeiro-RJ. Autor de inúmeras Obras Jurídicas. Vice Presidente do Instituto Ibero-Americano de Direito Público (Capítulo Brasileiro) – IADP; Membro da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social; Membro do IFA – International Fiscal Association; Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social; Co-Coordenador da Revista Ibero-Americana de Direito Público – RIADP (Órgão de Divulgação Oficial do IADP).


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