Limites da atuação do TCU

Tornou-se público, nos últimos anos, que o governo vem resistindo à atuação do TCU no cumprimento de sua missão constitucional. O primeiro embate deu-se por ocasião das irregularidades apontadas pela Corte de Contas na execução de inúmeras obras públicas, dentre as quais, aquelas incluídas no PAC. Mais recentemente, a reação do governo contra a ação do TCU veio em forma de veto ao dispositivo da Lei Orçamentária Anual de 2010, que previa corte de recursos destinados a três dos empreendimentos da Petrobrás como resultado da recomendação do TCU, que detectou graves irregularidades, tais como superfaturamento, sobrepreço, critérios inadequados de medição e gestão temerária.


As três obras acoimadas de irregularidades são: a) construção da Refinaria Abreu de Lima, em Pernambuco; b) a modernização da Refinaria Presidente Vargas, no Paraná; e c) a implantação do terminal portuário da Barra do Riacho, no Espírito Santo.


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Quem está com a razão? o governo ou o TCU? Pode o TCU determinar a paralisação de obras? Pode interferir na alocação de recursos orçamentários na LOA, ou promover bloqueio de verbas?


A Constituição Federal não contém textos claros que permitam responder, com segurança, a essas indagações. Daí a controvérsia e a divergência de opiniões entre o Executivo e o TCU.


O certo é que o TCU não é mero órgão auxiliar do Congresso Nacional como sustentado por alguns autores. A par da sua função de órgão auxiliar do Parlamento Nacional o TCU recebeu competências próprias, como se vê do art. 7, da Constituição Federal:


“Art. 71- O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:


I – apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;


II – julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;


III – apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório;


IV – realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II;


V – fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo;


VI – fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município;


VII – prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas;


VIII – aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;


IX – assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;


X – sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;


XI – representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.


§No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis.


§ 2º – Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito.


§ 3º – As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo”.


No cumprimento das atribuições previstas nos incisos I, IV e VII o TCU age como órgão auxiliar do Legislativo.


Porém, as atribuições dos incisos II, III, V, VI, VIII, IX, X e XI são próprias do TCU que agirá de forma autônoma e independente.


O problema está na correta interpretação do inciso X, referente à sustação da execução do ato impugnado. É que segundo o § 1º, do art. 71, da CF, em se tratando de contrato, o ato de sustação cabe ao Congresso Nacional, limitando-se o TCU a comunicar as irregularidades detectadas. Recebida a comunicação de irregularidades o Congresso Nacional, em respeito ao princípio da independência e harmonia dos Poderes, deverá solicitar, de imediato, as medidas cabíveis ao Executivo.


Nos termos do § 2º, se o Congresso Nacional ou o Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas cabíveis para sanar as irregularidades apontadas o TCU deverá decidir a respeito. A Constituição não explicita, nem indica que tipo de decisão deverá ser tomada. Sobre a questão assim nos manifestamos:


“A Carta Magna não diz quais são essas providências, mas só podem ser aquelas concernentes à declaração de nulidade do contrato seguida de imputação de débito ou de multa, conferindo à decisão caráter de título executivo, na forma do § 3º, do art. 71”[1].


De fato, os §§ 2º e 3º, do art. 71, da CF estão ligados ao inciso X, que cuida da sustação da execução do ato impugnado na hipótese de não atendimento das providencias necessárias ao exato cumprimento da lei. Por isso, entendemos que o Texto Magno permite a sustação da execução do contrato pelo TCU na omissão dos Poderes Executivo e Legislativo à luz do princípio da razoabilidade.


Só que sustar a execução de obras em andamento, porque detectadas irregularidades não sanadas pelo Executivo após regular solicitação por órgão competente, não resolve a questão. Uma coisa é a punição dos responsáveis pelas irregularidades, inclusive, pelas instâncias próprias. Outra coisa diversa é a necessidade de conclusão da obra pública. Deixar a obra abandonada, ou impedir a alocação de verbas na LOA, ou ainda, promover o bloqueio de verbas inviabilizando a conclusão da obra pública é atentar contra o interesse público, por gerar prejuízos irreversíveis ao Erário.


É preciso que o § 2º, do art. 71, da CF seja regulamentado por lei especial, ou que sejam inseridos dispositivos claros a respeito na Lei nº 8.443/92 que dispõe sobre a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União.


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O certo é que, no cumprimento de sua missão constitucional, o TCU não pode deixar de apontar as irregularidades detectadas e comunicá-las ao Congresso Nacional, bem como adotar as providências cabíveis em caso de omissão dos Poderes Executivo e Legislativo.


O ideal seria estabelecer o controle prévio, embora esse tipo de controle não mais tenha previsão na Constituição de 1988, talvez, por acarretar morosidade na execução de obras e serviços. Mas, o art. 77, da Lei nº 4.320/64, que prevê controle prévio, concomitante e subsequente está recepcionado pela Constituição de 1988 que não veda aquele controle preventivo. O problema é o tempo necessário para a aferição do controle prévio, pois existem obras urgentes que não podem ficar aguardando a manifestação da Corte de Contas para ser iniciada a sua execução. Outrossim, deve-se priorizar o controle concomitante a ser exercido de forma contínua e permanente, para estancar no nascedouro qualquer irregularidade descoberta. O controle a posteriore é o que menos efeito prático produz, pois limita-se a anunciar o resultado do estrago feito.


Enfim, os instrumentos normativos em vigor são insuficientes para conter as execuções de obras irregulares, e ao mesmo tempo, resguardar os investimentos realizados que não podem ser desperdiçados. Nem as obras parcialmente executadas podem ficar em um compasso de espera implicando sua deterioração pela ação do tempo. É preciso encontrar uma saída legislativa para por cobro às constantes divergências e atritos entre a Corte de Contas e o Poder Executivo que em nada contribuem para o fortalecimento e aprimoramento de nossas instituições públicas.

 
Nota:

[1] CF. nosso Direito financeiro e tributário. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 98.


Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


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