Os avanços tecnológicos,
as grandes conquistas da ciência não conseguem esconder o caos ético-moral em
que nos encontramos. E nenhuma nação está livre dessa situação. Até mesmo os
povos mais abastados sofrem em grau de intensidade às vezes maior do que aqueles
que padecem no subdesenvolvimento, da verdadeira degeneração moral que assola a
humanidade. A terra é um imenso hospital e nós somos os doentes. O remédio todos conhecemos, basta termos coragem e vontade
de aplicá-lo.
É chegada a hora,
portanto, de abrirmos nossos horizontes a novas idéias. O novo milênio traz
consigo um imperativo: mudança. No tocante à ciência do direito e seus
operadores é grandiosa a necessidade de uma reformulação.
Calorosos debates são
travados na busca de alternativas para o aperfeiçoamento do Judiciário.
Procura-se reformar a instituição da Justiça, torná-la mais célere e eficaz;
mais viável ao cidadão e, evidentemente, mais justa. Mas como melhorarmos o
Judiciário (Instituição, Poder) sem melhorarmos os Homens, artífices responsáveis
pela distribuição da justiça terrena?
Numa sociedade cada vez
mais excludente; num mundo onde somente as desgraças ocupam lugar de destaque
nos noticiários; onde há um verdadeiro desprestígio dos valores cristãos, onde
o mal é a regra e o bem a exceção, urge priorizarmos o aperfeiçoamento ético e
moral dos homens da lei, máxime daqueles que são instrumentos imediatos na luta
pela pacificação social: os juízes de direito.
Neste sentido, não há
como falarmos de um magistrado ou de qualquer outro profissional, sem inseri-lo
no contexto social em que vivemos. O aprimoramento técnico-científico do
direito já não basta. Nunca bastou. Necessitamos e sempre necessitaremos de
grandes juristas, mas, no momento, carecemos de grandes homens. Não daqueles
responsáveis por vultosos feitos, mas, sim, daqueles que compreendam a
importância e a grandiosidade das pequenas coisas do dia a dia, do trato com
seus semelhantes, com os membros de sua família, com os colegas de
trabalho, com as partes no processo… Essa é a grande missão da raça
humana e, porque não dizer, também dos magistrados.
O fim de nossa existência
é, pois, o aprimoramento moral e intelectual e não conseguiremos atingir nosso
objetivo sem nos conscientizarmos de nossa imortalidade e de que somos todos filhos de um mesmo Pai.
A
nobre missão do juiz está longe de ser, apenas e tão somente, aplicar o Direito
positivo. Entretanto, Direito sem justiça não é Direito. De nada serve, a não ser para escravizar. E não me rotulem de “alternativo”.
Embora concorde, em tese, com grande parte do conteúdo desta novel corrente do
pensamento jurídico, ainda acredito que a lei, aplicada com o coração voltado à
verdadeira justiça (não aquela fria dos códigos) seja, principalmente numa
sociedade tão desigual como a nossa, ainda o melhor caminho. Os métodos
interpretativos e de aplicação do direito estão aí, à disposição de todos os
exegetas, basta termos um coração aberto e vontade de bem servir.
E
como serem justos os juízes se aqueles a quem prestam seus serviços não o
conhecem verdadeiramente? Presume-se que o juiz conheça o direito (iura novit curia);
presume-se ser o juiz alguém de inteligência destacada, probo e honesto,
qualificado para prestar a jurisdição, capaz de atuar sempre com imparcialidade
nos feitos de sua alçada… Na triste e subjetiva definição de muitos, o
magistrado é um verdadeiro semideus, vestido em sua
toga negra, capaz de dar a cada um o que é seu!
Doce ilusão.
Com
efeito, grassa no senso comum o sentimento de que seja o juiz um privilegiado.
Na verdade o é, mas não pelos motivos que rotineiramente se lhes atribuem.
A
verdade é uma só: o juiz é gente também. Sujeito a todos os acertos e erros, a
todas as alegrias e tristezas. Não é mais nem menos. É igual. É espírito
e corpo em busca de aperfeiçoamento. No entanto, como servo da justiça, recebeu
a incumbência e o poder de julgar. Se sobrepõe, de
certa forma, às demais pessoas da sociedade, não por ser melhor que os outros,
mas pelo próprio exercício da parcela de poder que lhe é constitucionalmente
atribuída. Ninguém quer ser julgado por um igual, daí
a sobreposição natural do magistrado. Mas essa “superioridade” tem seu preço.
Um preço muito alto! Afinal, foi Cristo mesmo quem disse: “A
quem muito é dado, muito será pedido”.
De todos os males que
açodam qualquer profissão, um causa exacerbada repugnância, principalmente
quando impingido à magistratura: a corrupção. Aquele que negocia suas
sentenças em troca de favores dourados, que faz da toga um disfarce para se
esconder daqueles a quem lesa, pode acreditar que, quando chegar a hora do seu derradeiro julgamento não será julgado da
forma como fazia, segundo seus escusos interesses. Será julgado com a justiça
que, no decorrer da vida negou e, com certeza, faltas
haverá que reparar.
Não
pode, assim, o magistrado, jamais, descurar de seu objetivo, que é, em cada
processo, buscar a justiça, acima de tudo. Não aquela de aparências, que
sobrepõe a forma ao conteúdo, mas a verdadeira, que repare o dano ao lesado e
possibilite ao faltoso tirar de cada deslize uma lição que lhe sirva de impulso
a não mais persistir no erro, a caminhar para frente e não retroceder. Punir
por punir refoge à Lei de Deus, que deve ser a Lei
dos homens. A sanção deve ser ensino. Mais que beneficiar o ofendido deve ser
fonte de aprendizado ao ofensor.
Nossa
sociedade anseia por uma magistratura que efetivamente responda à sua sede e
fome de justiça. Um árduo e doloroso caminho afasta-nos deste compromisso. É
chegada a hora de começarmos a trilhá-lo.
Informações Sobre o Autor
Marcelo Silva Moreira
Assessor Jurídico do TJ/MA
Pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil pela FGV
Professor do UNICEUMA