Resumo: O Artigo em epígrafe trata da figura do mandado de segurança e demonstra além do conceito propriamente dito, os requisitos e características dessa modalidade constitucional. Refere-se, à impetração do mandado de segurança de forma preventiva, mais especificamente em matéria tributária, se destinado assim a evitar lesão ao direito, já existente ou em vias de surgimento. Aborda, também, o prazo decadencial dessa ação tributária por excelência, ilustrando o entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça com decisões. Por fim, suscita a impossibilidade de impetração de mandado de segurança contra lei em tese, haja vista a situação de fato não ter se configurado. Tal assertiva é comprovada com a doutrina majoritária, bem como com decisões dos nossos tribunais, estando a matéria, inclusive, sumula no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
Palavras-chave: Mandado de segurança. Impetração preventiva. Impetração contra lei em tese.
INTRODUÇÃO
Tanto para se configurar que o lançamento, quanto para o contribuinte ter seu direito de questionar a respeito da exigência de um tributo na justiça, precisa-se passar ou por um processo administrativo, ou por um processo judicial tributário.
Após, a elaboração do ato administrativo de lançamento, o contribuinte deve ser notificado para pagar o montante do crédito tributário apurado. Caso contrário, se o contribuinte considerar indevido, pode oferecer impugnação ao lançamento, produzindo provas, com a finalidade de obter julgamento por parte de uma autoridade da administração fazendária. Nesse ponto, verifica-se um processo administrativo, através do qual é realizado o controle da legalidade do lançamento.
Não obstante o lançamento tenha sido discutido em fase administrativa, consoante se citou acima, muitas vezes, o sujeito passivo da obrigação tributária, inconformado com a imposição de certa penalidade ou com a exigência do tributo, recorre ao processo judicial com o fito de se operar o controle da legalidade dos atos da Administração Tributária pelo Poder Judiciário.
No rol de ações judiciais que o contribuinte pode apresentar, está o mandado de segurança, que é uma garantia constitucional do cidadão contra o Poder Público. Está previsto no art. 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal e regulado pela Lei nº 1.533, de 31.12.1951.
O mandado de segurança é tido por muitos como “ação tributária por excelência”, haja vista servir como instrumento de proteção dos particulares em face dos possíveis abusos praticados pelo Poder Público. Desta feita, a vocação constitucional deste writ, transforma-se no principal instrumento judicial de proteção aos cidadãos diante do exercício da função fiscal.
O processo judicial tributário regula-se pelo Código de Processo Civil, salvo no que diz
respeito à execução e à cautelar fiscais. No que se refere ao processo de conhecimento, este é de autoria exclusiva do contribuinte, haja vista no processo administrativo ser sempre de autoria do fisco, não havendo, assim, motivo plausível para este recorrer ao judiciário.
Pretende-se, em especial, esclarecer a impetração do mandado de segurança de forma preventiva – mais especificamente em matéria tributária – suas características, bem como deve ser feita uma discussão quanto à aplicabilidade ou não desse remédio constitucional contra a lei em tese, analisando, dessa forma, as repercussões processuais.
O estudo do assunto acarretará conhecimentos referentes à doutrina atualizada e majoritária, de maneira a serem elucidados questionamentos oriundos da utilização do mandado de segurança.
Assim, busca-se oferecer maiores explicações acerca da temática, corroborando com a tendência do direito pátrio o qual se preocupa em fornecer aos jurisdicionados a efetiva prestação jurisdicional, sem que tal acarrete ilegalidades ou inconstitucionalidades.
Este trabalho fundamenta-se em doutrinas atualizadas e julgados de nossos tribunais relacionados ao tema, sendo instruído a partir de referências teóricas, explorando a literatura já publicada em suas mais diversas formas (livros, artigos, revistas), compreendendo, inclusive, material disponibilizado na rede mundial de computadores, eetratando, assim, uma pesquisa bibliográfica. Segundo essa abordagem, por refletir um caráter subjetivo, de opiniões, buscando uma ampliação do saber científico, em que se vislumbra uma maior compreensão das ações e relações humanas, dos fenômenos sociais, sem preocupação com números, médias e estatísticas, é uma pesquisa qualitativa. No que concerne à utilização dos resultados, é pura, pois tem por fim ampliar o saber. Quanto aos objetivos, o processo investigatório reflete um aperfeiçoamento de concepções, almejando adquirir mais instruções e dados relacionados ao tema, sendo, dessa forma, essencialmente exploratória, com alguns retoques do estilo descritivo.
Esse artigo tem a finalidade de aprimorar e embasar melhor a aplicabilidade do mandado de segurança preventivo em matéria tributária, abordando as suas repercussões práticas em face da utilização pelos contribuintes.
1. MANDADO DE SEGURANÇA. REQUISITOS E CARACTERÍSTICAS
Mandado é um termo originado do latim mandatum ou mandatus que significa uma ordem ou determinação, já o termo Segurança tem o sentido de estado em que se encontra o seu perigo, sem dano ou incerteza, proporcionando uma carência de transtorno ou remoção de suas causas. Portanto, Mandado de Segurança é uma ação utilizada adequadamente para corrigir as ilegalidades ou abusos cometidos pelos órgãos estatais ou àqueles em função do Poder Público.
O mandado de segurança é uma das garantias que a Constituição Federal assegura aos indivíduos para proteção de direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade. Está previsto no artigo 5º, inciso LXIX, in verbis:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (omissis)
LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-corpus ou habeas-data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;”
Segundo Meirelles (2004, p. 21-22), mandado de segurança:
“[…] é o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.”
As peculiaridades na estrutura dessa ação antiexaciona tributária também, favorecem seu manejo na órbita fiscal, uma vez que seus requisitos e seu trâmite se ajustam com precisão às necessidades da lide tributária que, freqüentemente, envolve proteção a direito líquido e certo, sob forma de proteção a legalidade e a outros princípios de raiz constitucional. (MRINS, 2003, p. 451)
Machado (2002, p. 403), definiu direito liquido e certo como sendo aquele cuja demonstração independe de prova. Complementa dizendo que todo direito resulta da incidência de uma norma. Para que o direito seja líquido e certo basta que o fato do qual resulta seja incontroverso, ou seja, quando o exame de sua existência não suscita questões de fato e sim de direito.
Ressalte-se que a controvérsia quanto à norma não lhe retira a liquidez e certeza. Frise-se ainda, que direito líquido e certo não é o direito indiscutível ou incontestável. Aliás, não existe direito com tais qualidades, uma vez que as palavras contidas nas normas podem ter vários significados e interpretações diversas.
James Marins (2003, p. 462), enquadra a norma relativa ao mandado de segurança (art. 5º, LXIX) como sendo de eficácia absoluta plena, por quatro razões, quais sejam:
“(1) a norma veicula uma garantia individual, o que a torna insuscetível de alteração, quer por via de emenda ou reforma constitucional; (2) não contém em sua substância elemento de “vaguedad” (conceitos éticos ou terminologia imprecisa ou equívoca) que pudesse exigir norma infraconstitucional integrativa; (3) não remete expressamente sua regulamentação à lei ordinária complementar; (4) tem aplicabilidade imediata não só porque se trata de cláusula pétrea, mas também por força do §1º do art. 5º da Constituição Federal.”
Constitui, também, requisito fundamental para o cabimento do mandado de segurança ser a lesão, ou ameaça de lesão a direito, fruto de ato de autoridade, haja vista ser o mandado de segurança uma garantia contra o Estado. Contudo como o tributo é cobrado por ato de autoridade, a análise deste pressuposto não se faz necessária.
Por oportuno, é importante fazer a distinção entre ameaça e lesão a direito. A ameaça apenas gera o justo receio de lesão. Ela não é em si mesmo e desde logo uma lesão. E por esse motivo é que se fala em impetração preventiva, que só é possível em face do justo receio gerado pela ameaça, e tem por finalidade evitar a lesão ao direito do impetrante. Admitir-se que a impetração pode dar-se diante da ameaça, não quer dizer que esta seja o ato impugnado, ou ato coator, mas que a ameaça é geradora a partir do justo receio. Como assevera Lucia Valle Figueiredo (1996) basta que haja o justo receio de que o ato venha a acontecer para termos a possibilidade de impetração do mandado de segurança.
No inciso LXIX do artigo 5º da CF, pode-se, desse modo, vislumbrar duas modalidades de mandado de segurança, seja ela preventiva, quando há uma ameaça de direito líquido e certo, como foi referido supra, ou repressiva, no caso de uma ilegalidade já cometida.
O mandado de segurança repressivo dirige-se contra ato já praticado pela autoridade coatora e tem por finalidade evitar que seus efeitos atinjam irremediavelmente a esfera jurídica do particular. Em matéria tributária, a Administração pratica atos de diversas ordens que interferem no plano jurídico do contribuinte, especialmente o ato de lançamento e o ato de aplicação de penalidades (multas e juros moratórios) ou mesmo atos praticados no curso do procedimento de fiscalização tributária. Se houver prática de ato ilegal, de lançamento ou de aplicação de penalidade (auto de infração), e não mais havendo possibilidade de impugnação administrativa, pode o contribuinte lançar mão do mandado de segurança visando reprimir os efeitos do ato praticado, de modo a que não produza efeitos lesivos.( MARINS, 2003. p.468)
Destaque-se que, em ambos os casos são necessárias a indicação do objeto e a comprovação da iminência da lesão a direito subjetivo do impetrante. Não basta a invocação genérica de uma remota possibilidade de ofensa a direito para autorizar a segurança preventiva; exigi-se prova da existência de atos ou situações atuais que evidenciam a ameaça temida. (MEIRLLES, 2004, p. 98)
O § 1º do art. 1º da Lei 1.533/51, por sua vez, procura conceituar o termo “autoridade”: “Consideram-se autoridades, para efeitos desta lei, os representantes ou órgãos dos partidos políticos e os representantes ou administradores das entidades autárquicas e das pessoas naturais ou jurídicas com funções delegadas do poder público, somente no que entender com essas funções”.
Ressalte-se que não pode ser autoridade coatora aquela que edita norma geral e abstrata, mas sim, a executa ou manda executar o ato concreto causador da insatisfação do impetrante, como já preceituou o Superior Tribunal de Justiça, em julgado de lavra do Ministro Hélio Mosimann: “Sendo o ato impugnado mero lançamento tributário, a autoridade que diretamente pratica aquele ato, considerando lesivo a direito do contribuinte, é que deve responder ao mandado de segurança. O Secretário que expediu resolução de caráter genérico e abstrato é a parte legítima.”(MARINS, 2003, p. 470)
2 MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRAÇÃO PREVENTIVA
É o art. 1º da Lei 1.533/51 que literalmente dispõe sobre a possibilidade da impetração preventiva de um mandamus sempre que houver o “justo receio” da perpetração dos atos ilegais e abusivos por parte da autoridade, seja de qual categoria for, ou seja, quais forem as categorias que exerçam.
Alvim (1998, p. 134) sustenta que:
“[…] a ausência de previsão expressa constitucional, todavia, não significa que o mandado de segurança preventivo não contenha fundamento de validade na Carta Magma; ao contrário, salienta que, “o art. 5º, inc. XXXV, da CF, que garante o amplo acesso ao judiciário em caso de lesão ou ameaça de lesão, permite conferir ao mandado de segurança preventivo dignidade constitucional.”
Em complemento, Machado (2004, p.73) discorreu sobre o assunto, afirmando:
“[…] para ensejar a impetração preventiva, portanto, não é necessário que esteja consumada a situação de fato sobre a qual incide a lei questionada. Basta que tal situação esteja acontecendo, ou seja, tenha tido iniciada a sua formação. Ou pelo menos que esteja concretizados fatos dos quais logicamente decorre o fato gerador do direito cuja lesão é temida.”
Ademais, o parágrafo único do artigo 142 do Código Tributário Nacional estabelece que “a atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional”. Todavia, a autoridade administrativa tendo o conhecimento da ocorrência de um fato tributável, não pode deixar de fazer o lançamento. Assim, uma lei que cria ou majora um tributo, desde que ocorrida a situação de fato sobre a qual incide, ou seja, o fato gerador, possibilitando a sua cobrança, desde logo, a autoridade está obrigada a exigir o tributo, e a impor penalidades aos inadimplentes.
Nesta linha de raciocínio o Superior Tribunal de Justiça rege que a lei instituidora de tributo que o contribuinte considere inexigível constitui ameaça suficiente para a impetração de mandado de segurança preventivo, na medida em que deve ser obrigatoriamente aplicada pela autoridade fazendária (CTN, artigo 142, parágrafo único).
Já a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça invoca que editada uma lei mudando critérios de incidência de tributo em contribuição social, é de se presumir que os agentes arrecadadores irão executá-los. Em tal hipótese, cabe mandado de segurança preventivo contra o agente arrecadador – tanto mais, quando tal agente manifesta nas informações o propósito de efetuar a cobrança malsinada.
A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça traz na mesma linha de entendimento, ficando decidido que a lei instituidora de tributo que o contribuinte considere inexigível constitui ameaça suficiente para a impetração do mandado de segurança preventivo, na medida em que deve ser obrigatoriamente aplicada pela autoridade fazendária.
A edição de norma com a ausência de validade jurídica, na qual lei inconstitucional ou norma inferior, ilegal, que caiba à autoridade administrativa tributária aplicá-la, enquadra-se na ameaça de prática de ato abusivo.
Corroborando com os questionamentos ora esposado, os acórdãos do TRF da 3a Região, decidiram nos seguintes termos:
“o mandado de segurança preventivo, junto com as cautelares, é o mais eficaz instrumento de distribuição de justiça, posto que prevenir é melhor que recompor. Nenhuma lesão é completamente reparada ou recomposta. É ilegal o provimento jurisdicional que extingue Mandado de Segurança Preventivo à míngua de ato coator, pois a decisão que poderia ser tomada dirigir-se-ia ao impedimento da efetivação de atos acoimados de ilegítimos, prestes a ocorrer. Caracterizado o periculum in mora, porquanto em não satisfazendo a imposição, a postulante se oferece como inadimplente, ficando sujeita às sanções daí decorrentes. Segurança concedida, para o fim de assegurar o regular procedimento do writ aforado em primeiro grau”. ( STJ, 2a Turma. RESP 105250 / CE. Rel. Ministro Ari Pargendler. Julgado em 16/03/1999. DJ 14.02.2000 p. 23). (grifos do autor)
“APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – PROCESSUAL CIVIL – INDEFERIMENTO LIMINAR NA PETIÇÃO INICIAL – IMPETRAÇÃO DE CONTEÚDO NORMATIVO – INOCORRÊNCIA – CARÁTER PREVENTIVO – JUSTO RECEIO DE LANÇAMENTO DO TRIBUTO DISCUTIDO – 1 – A impetração apresenta nítido caráter preventivo. Não se trata de simples impugnação de ato normativo em tese, pois o que pretendia a parte com a impetração era que não fosse cobrado pela Receita Federal o crédito tributário relativo à contribuição ao PIS, incidente sobre o montante do faturamento, em virtude do seu alegado direito de afastar a incidência da legislação estadual do ICMS, que determina o recolhimento do imposto na fonte e conseqüentemente a sua inclusão no montante do faturamento da empresa. 2 – Estando presentes os requisitos que caracterizem o justo receio de ver aplicada a legislação em seu desfavor, é cabível a utilização do mandado de segurança, visando à preservação do direito do impetrante de não pagar uma exigência que entende eivada de ilegalidade. 3 – Inaplicável o indeferimento liminar da petição inicial por motivo de inexistência de ato ou ameaça concreta de ato ilegal ou abusivo, pois busca a impetrante evitar ato futuro da autoridade administrativa, consistente na atividade fiscal de lançamento, visto estar o contribuinte sujeito às exigências que impugna. 4 – Tendo em vista a sentença de extinção do feito sem a notificação da autoridade para prestar informações, não se aplica, ao caso, o disposto no § 3º do art. 515 do CPC, com a redação dada pela Lei nº 10.352/01, pois o presente writ não está em condições de imediato julgamento. 5 – Apelação a que se dá provimento. Sentença anulada”. (TRF 3ª R. – AMS 91.03.007727-6 – (41732) – 6ª T. – Rel. Des. Fed. Lazarano Neto – DJU 23.09.2005 – p. 504) JCPC.515 JCPC.515.3
Em síntese e em geral, o mandado de segurança é preventivo quando, já existe ou em vias de surgimento a situação de fato que ensejaria a prática do ato considerado ilegal, tal ato ainda não tenha praticado, existindo apenas o justo receio que venha a ser praticado pela autoridade impetrada. É preventivo porque destinado a evitar a lesão ao direito, já existente ou em vias de surgimento, mas pressupõe a existência de situação concreta na qual o impetrante afirma resistir ou dela recorrer o seu direito cuja proteção, contra a ameaça de lesão, está a reclamar do judiciário.(MACHADO, 2002, p. 230-231)
É importante destacar que nem sempre o entendimento foi esse, por oportuno defendido. Por algum tempo, confundiu-se o mandado de segurança contra lei em tese com o mandado de segurança preventivo. Entendia-se que todo aquele que se considerasse ameaçado de futura aplicação de lei, poderia comparecer a juízo.
A decisão que abaixo se transcreveu, ainda guarda o entendimento da possibilidade de impetração de mandando de segurança contra lei em tese, o que, sem sombra de dúvidas, é uma tese contrária a que, atualmente, é adotada:
“PROCESSUAL CIVIL – INTERESSE – ADVOGADO – DESTRUIÇÃO DE AUTOS – MANDADO DE SEGURANÇA – LEI TEM TESE. Existindo ato de execução, é cabível a impetração de mandado de segurança visando à sua impugnação. O advogado tem interesse justificador do ajuizamento de ação, objetivando a conservação de processos já findos. Recurso provido” (Resp 1998/0075417-2 – SP – 1ºT – Rel. Min. Garcia Viera– DJU 12.02.2001 – p. 93.
Embora essa tese inicialmente acolhida, a mesma foi combatida pela doutrina e, finalmente, superada e pacificada perante os Tribunais.
2.1 Prazo de 120 dias. Impetração Preventiva. Decadência e a Jurisprudência do STJ
A Lei nº 1.533/51, em seu artigo 18, dispõe que: “O direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos cento e vinte dias, contatos da ciência, pelo interessado, do ato impugnado”.
Cumpre de logo fixar a idéia de que o prazo de 120 dias que se refere o artigo que se citou acima é decadencial, uma vez que se atinge mortalmente o próprio direito de se obter sumariamente o reconhecimento de direito líquido e certo ameaçado ou violado por autoridade pública ou agente que pratique ato por delegação do Poder Público.
Sendo assim, a decisão que reconhece a decadência é de mérito, fazendo coisa julgada material, a impedir que o contribuinte desfrute do direito de obter tutela específica de não concretização do ato ilegal ou abuso de poder.
Essa premissa é fundamental não somente para a compreensão da natureza jurídica do prazo de 120 dias, como sendo decadencial, mas para o desenvolvimento do raciocínio lógico no tocante à aplicabilidade ou não de referido prazo em cuidando de mandado de segurança preventivo.(CAVALCANTE, 2002, p. 80-86)
Surge então, o questionamento seguinte: como o mandado de segurança preventivo encontra-se subordinado ao prazo decadencial de 120 dias?
A resposta é simples, haja vista o mandado de segurança quando em sua modalidade preventiva funciona como sucedâneo de uma ação declaratória, inexistindo, assim, ato administrativo específico a suspender, uma vez que a impetração se antecede ao próprio lançamento fiscal. Em regra, não se há de falar em prazo, quer se entenda cabível a impetração preventiva, quer se entenda que se trata de norma com efeito concretos, a impetração é sempre cabível, independentemente de prazo.
Surge desse modo, a peculiaridade do relevante papel desempenhado pela sentença proferida de uma ação manda mental tributária de cunho preventivo: a sentença cumprirá função meramente declaratória!
Dessa forma, por não haver ato a ser impugnado, inexiste termo a quo de contagem de 120 dias em mandado de segurança preventivo. A referida conclusão, por mais óbvia que possa parecer, tem sua razão de ser, pois se o mandado é preventivo, é porque ainda não se confirmou a lesão a qual o contribuinte tem o “justo receio” que seja perpetrada. Se, porventura, foi consumada tal lesão, será o caso de impetração repressiva, e, logicamente, subordinada ao prazo de 120 dias, contados da ciência do ato impugnado.
O “justo receio” do contribuinte reside no ato administrativo do lançamento, pois, diante do seu caráter vinculado e obrigatório, desde logo incidindo os efeitos de norma jurídico-tributária de incidência, esmaece a inflexão da denominada lei em tese (Súmula nº 266 do STF).(TAVARES, 2001, p. 180)
Assim, enquanto não constituído o crédito tributário emergente de exação, prevista em lei, inquinada de inconstitucionalidade ou ilegal pelo contribuinte, a lesão temida encontrar-se-é sempre presente, em um renovar constante, cuja conseqüência lógica é o impedimento da marcha do prazo decadencial.
Neste sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça, vide decisões abaixo:
“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – ICMS – SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA RECOLHIMENTO A MAIOR – MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO – CABIMENTO – DECADÊNCIA – AFASTAMENTO – VIOLAÇÃO DO ART. 1° DA LEI Nº 1.533/51 – SÚMULA Nº 7/STJ – 1. Cuidando-se de mandado de segurança preventivo, não há por que falar em decadência do direito pleiteado. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pacificou-se no sentido de que a violação do art. 1° da Lei nº 1.533/51, referente aos pressupostos legais de liquidez e certeza do direito para a concessão da segurança, conduz ao exame de matéria fático-probatória, o que é inviável em sede de Recurso Especial, a teor da Súmula nº 7/STJ. 3. "O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária" (Súmula nº 213/STJ). 4. Recurso Especial conhecido e improvido.” (STJ – RESP 199900595270 – (222034) – SP – 2ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJU 01.07.2005 – p. 00458) (grifos nossos)
“PROCESSUAL CIVIL – TRIBUTÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – DIREITO À COMPENSAÇÃO – CARÁTER PREVENTIVO – PRAZO DECADENCIAL – ART. 18, DA LEI 1533/51 – INAPLICABILIDADE – 1. O mandado de segurança que objetiva o reconhecimento do direito à compensação tributária, bem como evitar eventual atuação do fisco, revela feição eminentemente preventiva, posto que não se volta contra lesão de direito já concretizada, razão pela qual não se aplica o prazo decadencial de 120 dias previsto no art. 18, da Lei 1.533/51. 2. Precedentes jurisprudenciais desta Corte: ERESP 512.006/MG, Relator Ministro Teori Zavascki, DJ de DJ 17.09.2004; AGA 575336/SP, Relator Ministro Teori Zavascki, DJ de 07.06.2004; RESP 291.720/ES, Relatora Ministra Denise Arruda, DJ de 04.08.2004; AGA 491.591/TO, Relator Ministro José Delgado, DJU de 17.5.2004 e AGA 563.305/RJ, Relator Ministro João Otávio de Noronha, DJ de 03.05.2004. 3. Recurso Especial desprovido, para manter o acórdão recorrido que anulou a sentença de 1º Grau, determinando o prosseguimento no julgamento do feito”. (STJ – RESP 200401014710 – (676144) – RJ – 1ª T. – Rel. Min. Luiz Fux – DJU 27.06.2005 – p. 00253) JLMS.18 (grifos nossos)
Tavares (2004) discorreu ainda sobre o assunto afirmando que se é certo que o mandado de segurança preventivo é tipicamente aplicável aos casos dos tributos sujeitos a lançamento por homologação, não menos verdadeiro é afirmar que, de modo geral, subsiste às custas de obrigação tributárias de trato sucessivo.
Isto posto, estando o mandado de segurança preventivo relacionado à corrente de prestações de trato sucessivo, como geralmente ocorre com os tributos autoliquidáveis, o termo a quo da contagem do prazo decadencial do direito de se requerer, encontra-se intrinsecamente relacionado com exigência do pagamento de cada uma das prestações. Ou seja, a exigência de cada prestação configura uma nova ação e autônoma lesão ao patrimônio jurídico do contribuinte, reabrindo-se, consequentemente, uma nova contagem, a qual nunca alcançaria os 120 dias.
O mandado de segurança preventivo não é impetrado contra lei em tese e sim contra os efeitos que a norma jurídica possa vir a produzir. Desse modo, enquanto houver possibilidade de existir tais efeitos, é manejável o instrumento preventivo.
Noutro giro, um dos fundamentos mais freqüentes nas decisões denegatórias de mandando de segurança é o seu não-cabimento contra lei em tese, como se verá, por conseguinte.
3 MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA LEI EM TESE. NÃO CABIMENTO
Um dos fundamentos que mais se observa nas decisões denegatórias de mandado de segurança, certamente é o seu não cabimento contra a lei em tese. Sobre o tema, discorreu Castro Nunes (1967, p. 205) que considera que contra o imposto apenas criado, antes de individualizado o contribuinte pelo lançamento ou por outras provas de expediente administrativo, não me parece cabível mandado de segurança, porque inadmissível contra lei em tese.
Ressalte-se que a o não cabimento de mandado de segurança contra lei em tese é entendimento pacificado nos tribunais, estando a matéria inclusive sumulada perante o STF:
“Súmula 266 – Não cabe mandado de segurança contra lei em tese”
Contra lei em tese, a bem verdade, não cabe nenhum procedimento judicial, salvo apenas nas ações diretas perante o Supremo Tribunal Federal. Segundo decisões a seguir:
“MANDADO DE SEGURANÇA – ICMS SOBRE HABILITAÇÃO – PRELIMINARES – ILEGITIMIDADE PASSIVA – IMPOSSIBILIDADE CONTRA LEI EM TESE – IMPOSSIBILIDADE DE PRODUZIR EFEITOS – AFASTAMENTO – AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO DA AÇÃO – EXTINÇÃO 1SEM JULGAMENTO DO MÉRITO – Suscitadas as preliminares diversas com conteúdos que manifestamente se relacionam, devem ser analisadas e decididas em conjunto. O receio de ato tendente à cobrança de tributos decorrentes de Lei consubstancia situação que autoriza o manejo do mandado de segurança preventivo. Constatada que a pretensão é a declaração de inexistência de relação jurídico-tributária, o mandamus é via inadequada, impondo-se a extinção do feito sem julgamento do mérito em face da ausência de condição da ação”. (TJMS – MS 2004.010596-7/0000-00 – Capital – 1ª S.Cív. – Rel. Des. Paschoal Carmello Leandro – J. 01.08.2005)
“MANDADO DE SEGURANÇA – MINISTRO DA DEFESA – ANISTIADOS – APLICAÇÃO DO REGIME – LEI EM TESE – SÚMULA 266/STF – DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO DEMONSTRADO – Desenvolvem os impetrantes uma argumentação voltada contra Lei em tese, o que é inviável na seara mandamental – Súmula 266/STF. Direito líquido e certo não demonstrado. Impetração que não se conhece”. (STJ – MS 200401190180 – (9935 DF) – 3ª S. – Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca – DJU 10.08.2005 – p. 00197)
“PROCESSUAL CIVIL – APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA LEI EM TESE – AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO DO IMPETRANTE – IMPOSSIBILIDADE – UNÂNIME – Inexistindo na impetração qualquer referência à situação futura em que objetivamente possa vir a ser violado direito líquido e certo, não há como conceder mandado de segurança. Aplicação da Súmula nº 266 do STF, ainda mais quando o impetrante não juntou provas dos pressupostos indispensáveis à via estreita do mandamus. Improvimento do Apelo. Unânime”. (TJMA – AC 014017/2004 – (54043/2005) – São Luís – 3ª C.Cív. – Relª Desª Cleonice Silva Freire – J. 07.04.2005)
É importante trazer a tona o que vem a ser “lei em tese”. Hugo de Brito Machado (2002, p.72) afirmou categoricamente que lei em tese só pode ser a lei que ainda não incidiu. Se a lei já incidiu, deu-se a sua concreção, já existem efeitos jurídicos dessa incidência e, portanto, cuida-se já de questionar o direito no caso concreto e não mais lei em tese.
No mesmo sentido, diz-se que há impetração contra a lei em tese, se esta ocorre sem que esteja configurada a situação de fato em face da qual pode vir a ser praticado o ato tido como ilegal, contra a qual se pede a segurança.
Diz-se ainda, que a impetração é dirigida contra lei em tese precisamente porque, inocorrente o suposto fático da lei questionada, esta ainda não incidiu, e por isso mesmo, não se pode falar em direito, no sentido de direito subjetivo, sabido que este resulta da incidência da lei.
Contudo chama-se a atenção que pode ocorrer de uma norma ainda não haver incidido e, embora exista uma situação concreta que torna iminente a sua incidência, que virá a afetar um direito já em formação, ainda não foi aperfeiçoado.
Faz-se necessário diferenciar a situação que inexiste qualquer fato capaz de formar, ou de iniciar a formação do direito, cuja lesão é temida pelo impetrante, ou seja, contra lei em tese, da situação na qual já ocorreu o suporte fático da norma, ou que já aconteceram fatos suficientes para indicar a formação daquele suporte.
Ao dizer que não cabe mandado de segurança contra lei em tese, o que se busca é evitar impetrações que seriam apenas consultas ao Pode Judiciário, haja vista não estariam elas requerendo proteção para direitos subjetivos, mas orientação a respeito de um poder agir futuro. Como é do nosso conhecimento o Poder Judiciário não é um órgão de consulta jurídica, mas um órgão destinado a dirimir conflitos.
Destaca-se, ainda, que quando for publicada uma lei inconstitucional e houver os encarregados de sua execução tomado providências para esse fim, todo aquele que tiver um direito “ameaçado por essas providências” poderá vir a juízo, através de mandado de segurança, impedir que se consume a lesão de seu direito.[1]
A autoridade tida como coatora não será a que fez a lei, e sim a que tomou providências para que ela fosse executada, sendo essas providências tidas como ameaçadoras ao direito do impetrante.
Entretanto, a lei deixa de ser em tese, no momento em que incide, ou seja, na situação em que ocorrem os fatos na mesma descritos, e, por isso, tem-se a possibilidade de sua aplicação. Então, não seria o ato de aplicar a lei, mas sim a ocorrência de seu suporte fático que viabiliza a lei a ser considerada no plano concreto.
Portanto, há o mandado de segurança contra lei em tese quando não esteja configurada a situação de fato, não tendo caso concreto, em face do qual pode vir a ser praticado o ato tido como ilegal, contra o qual se pede a segurança para que não haja lesão de direito.
Assim, não há que se falar em prestação jurisdicional contra lei que não incidiu, pelo fato de que a atividade judicande tem como característica o seu desenrolar em face de casos concretos.
O mandado de segurança é uma das garantias previstas na Constituição Federal, a qual assegura aos indivíduos a proteção de direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade. Portanto, quando há uma suposta cobrança de tributo indevido pode o contribuinte impetrar tal mecanismo.
O mandado de segurança será preventivo para evitar a lesão de direito, tendo como pressuposto a existência da situação de fato que ensejaria a prática do ato tido como ilegal. Porém, esse ato ainda não foi praticado, por configurar o justo receio de que venha a ser efetivado pela autoridade administrativa tributária.
Vale ressaltar, que no mandado de segurança preventivo não há prazo decadencial pelo fato de que não há ato impugnado, ou seja, não houve um direito lesionado, atingido.
Presume-se que a autoridade da administração tributária realmente irá praticar o ato coator, aplicando a norma inválida, em virtude da natureza plenamente vinculada de sua atividade.
Assim, o mandado de segurança vai garantir que a administração tributária aja de acordo com os lindes fixados pelo legislador, não acarretando em efeitos perversos da tributação, em decorrência de atos abusivos e ilegais.
Destaca-se, por fim, que não cabe mandado de segurança contra lei em tese, uma vez que a situação de fato não se configurou, ou seja, não há caso concreto e, como dito, o Poder Judiciário é um órgão para dirimir conflitos e não de mera consulta.
Informações Sobre o Autor
Lara Isadora Feitosa
Advogada, Formada em Direito pela Universidade de Fortaleza no ano de 2003, e acadêmica de Ciências Contábeis na Universidade Estadual do Ceará