O Supremo Tribunal Federal aprovou em apertada votação, por 6 votos favorários e 5 contrários a continuidade das pesquisas em células-tronco embrionárias, o que representa o prolongamento evolutivo da medicina e a possibilidade de descoberta da cura para algumas doenças e, até mesmo, a esperança para os portadores de deficiência.
A decisão aprovada por maioria mínima sinaliza que a tratativa da análise não foi tão simples e que o órgão máximo da justiça desse País tinha plena consciência da conseqüência da autorização ou não da continuidade das pesquisas.
A Lei de Biossegurança prevê, ou melhor, esclarece o que é uma célula-tronco embrionária:
“Lei n° 11.105/05. Art. 3o Para os efeitos desta Lei, considera-se:
XI – células-tronco embrionárias: células de embrião que apresentam a capacidade de se transformar em células de qualquer tecido de um organismo”.
No Brasil, um País de maioria esmagadora de devotos fiéis ao catolicismo, ocorreu uma equiparação da utilização de células-tronco com a liberação do aborto, porque a utilização de um embrião, ainda que não perfeito, representa no âmbito moral a eliminação de uma vida, o que seria um primeiro passo para a aprovação de outras medidas, dentre elas o aborto.
Ademais, essa posição remete a definição clássica de qual momento em que temos vida, pois, ao se considerar que o embrião não possui vida, ou melhor, não é um ser humano, tal conceito pode ser alargado para o feto ainda não formado em sua totalidade – até um limite máximo de semanas de gestação.
No entanto, o cerne da questão que nos causa preocupação não são os aspectos religiosos, mas sim, os morais que cercam a personalidade, em especial do brasileiro.
Já existem relatos de uma clínica em Ribeirão Preto que possui embriões congelados há 18 anos e, em concomitância, ser o local com maior quantidade de embriões disponíveis o que remete a um temor: existe algum critério para o uso das células-tronco embrionárias?
Uma vez mais, o legislador brasileiro tem o condão de disciplinar uma matéria e peca por omissão, pois a competência do STF era apenas e tão somente decidir pela legalidade ou não do artigo 5° da Lei de Biossegurança, ao criador daquela norma coube a previsão do procedimento e, como de hábito, foi silente.
A liberação da continuidade das pesquisas sem o estabelecimento, ou melhor, a existência de uma previsão legal adequada que determine como será utilizado o embrião congelado, bem como será feito o descarte, causa uma lacuna legislativa que viabiliza um manejo para pessoas de idoneidade moral duvidosa.
A legalidade da utilização dos embriões numa sociedade inventiva e que busca a otimização dos lucros a questão é preocupante porque, de inicio, podemos presenciar dois problemas imediatos: o descarte puro e simples desses embriões, como foi o caso de vários pais na clínica de Ribeirão Preto, sem qualquer tipo de preocupação ou zelo, ou o segundo momento, a comercialização dos mesmos por parte de algumas clínicas com idoneidade duvidosa.
Em qualquer dos casos não existe um regramento expresso na Lei de biossegurança que impeça qualquer das condutas, como prevê o artigo 5°:
“Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:
I – sejam embriões inviáveis; ou
II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.
§ 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.
§ 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.
§ 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.”
Ora, como é possível afirmar não existir punição sendo que o parágrafo terceiro é expresso? Para tanto, uma análise do artigo a que o dispositivo se refere é imprescindível:
“Lei. N° 9.434/97. Art. 15. Comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano:
Pena – reclusão, de três a oito anos, e multa, de 200 a 360 dias-multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem promove, intermedeia, facilita ou aufere qualquer vantagem com a transação”.
Eis um problema: o embrião congelado é um ser humano ou parte dele? Pode ser considerado como diz o artigo 15: partes do corpo humano?
No espírito do que estabeleceu o STF, apesar de não ser o entendimento majoritário, não há essa consideração, pois, ao se discutir se a célula-tronco era ou não ser humano, não pode ser pacifico o entendimento de que esta é parte do corpo humano, aliás como já diz o próprio artigo 5° da Lei de biossegurança: “embriões humanos”, ou seja, estamos tratando de um ser humano, se completo, incompleto, pleno com vida ou não, ai já temos outra discussão .
De tal sorte, que independente das opiniões divergentes, o artigo 15 da Lei n° 9.434/97 não criminaliza o comércio de células-tronco embrionárias e, tampouco, coíbe sua prática, portanto, a comercialização é, sim, possível e viável, sem qualquer elemento coercitivo.
E qual seria o interesse de uma clínica nesse comércio? A inventividade do brasileiro é que aventa tal possibilidade, porque nada impede a prática, como nada impede uma manipulação genética de uma fertilização in vitro.
Calma autor, lembrará algum penalista, o senhor já está indo um pouco longe demais… reflita sobre seus atos e conclua na próxima semana.
Na mesma esteira, gostaria de agradecer as criticas que recebo semanalmente e garantir que todas são lidas e assimiladas, inclusive as mais ásperas, afinal o compromisso é sempre com o leitor e com a qualidade do material publicado.
Informações Sobre o Autor
Antonio Baptista Gonçalves
Advogado, Membro da Association Internationale de Droit Penal, Membro da Associação Brasileira dos Constitucionalistas. Membro da Comissão dos Direitos Humanos da OAB/SP, Mestrando em Filosofia do Direito – PUC/SP, Especialista em International Criminal Law: Terrorism´s New Wars and ICL´s, Responses – Istituto Superiore Internazionale di Scienze Criminali, Especialista em Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de Coimbra, Pós Graduado em Direito Penal – Teoria dos delitos – Universidade de Salamanca, Pós Graduado em Direito Penal Econômico da Fundação Getúlio Vargas – FGV