Menoridade penal: existe impunibilidade?

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Resumo: O presente trabalho apresentado à disciplina de Seminários Jurídicos tratará acerca da Menoridade Penal, tratando especificamente da questão da impunibilidade. A Constituição de 1988, repetindo o artigo 27 do Código Penal, dispõe no artigo 228 que são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos. Portanto, fixando um critério biológico, adotou a legislação pátria uma presunção de que todo menor de dezoito anos não é capaz de entender o caráter ilícito de sua ação. Ao menor são aplicadas as medidas sócio-educativas previstas no artigo 112 do ECA, que vão desde advertência até a internação em estabelecimento adequado. Na atualidade, diversas entidades e organizações vêm, cada vez mais, somando forças objetivando reduzir a idade penal, sob o argumento que mais encontra eco no meio jurídico e também junto à população decorre da excessiva elevação do número de crimes praticados por menores na faixa etária dos quatorze aos dezoito anos de idade. Ao contrário da corrente anterior, há parte considerável da sociedade contrária à redução da maioridade penal que, partindo do bom senso para justificá-las, entendem que o problema do aumento da criminalidade entre menores de dezoito anos não é legal, mas sim social.

Palavras-chave: Menor Infrator. Menoridade Penal. Impunibilidade.

Sumário: Introdução; I. A evolução da imputabilidade penal no Brasil; II. a menoridade como excludente de imputabilidade  penal; 2.1. Da imputabilidade penal; 2.2. Causas de exclusão da imputabilidade penal; 2.2.1 Doença Mental, Desenvolvimento Mental Incompleto ou Retardado; 2.2.2 Embriaguez Completa, Proveniente de Caso Fortuito ou Forca Maior; 2.2.3 Menoridade Penal; III. A questão da impunibilidade e a redução da menoridade penal; 3.1. Eficácia das medidas sócio-educativas do ECA; 3.2. Ilusão do sentimento de impunidade;3.3. Argumentos pela redução da menoridade penal; 3.4. Argumentos pela não redução da menoridade penal; Considerações finais; Referências

 

INTRODUÇÃO[1]

O presente trabalho apresentado à disciplina de Seminários Jurídicos será elaborado sobre a menoridade penal, com enfoque principal nas observações publicadas sobre a redução da menoridade penal.

A pesquisa objetiva contribuir com uma abordagem sobre um tema atual e relevante, que se encontra sendo discutido em toda a sociedade brasileira, a fim de tentar esclarecer o tratamento proporcionado pelo ordenamento jurídico brasileiro aos menores infratores.

A questão a ser colocada é a possibilidade da impunibilidade do menor infrator diante do dispositivo do artigo 228 da Constituição Federal e artigo 27 do Código Penal que determinam que os menores de dezoito anos são inimputáveis.

O presente trabalho é iniciado com uma abordagem superficial histórica sobre os principais ordenamentos jurídicos que entabularam a evolução da imputabilidade penal no Brasil.

O segundo capítulo trata especificamente sobre a menoridade como excludente da imputabilidade penal, primeiramente conceituando o próprio instituto da imputabilidade e após alinhavando considerações sobre as causas de exclusão da imputabilidade penal, dentre elas a menoridade penal.

O terceiro capítulo aborda precisamente sobre a questão da impunibilidade e a redução da menoridade penal, iniciando com uma abordagem sobre a eficácia das medidas sócio-educativas previstas no ECA, tratando sobre a ilusão criada na sociedade sobre a impunidade do menor infrator.

No ultimo capítulo ainda são tratados alguns argumentos publicados sobre a corrente doutrinária que entende que a redução da menoridade penal deve conseguir diminuir a criminalidade juvenil e sobre a corrente que se manifesta pela manutenção da idade penal, entendendo que há punição aos menores pela aplicação das medidas sócio educativas do ECA.

I A EVOLUÇÃO DA IMPUTABILIDADE PENAL NO BRASIL

A partir do século XIX, o mundo se viu compelido a enfrentar o problema do menor infrator.

Segundo Oliveira (2003, p. 02) isto se deu principalmente devido ao crescente desenvolvimento das indústrias, a urbanização e o trabalho assalariado  das mulheres, que tendo que sustentar os lares, tiveram que deixar de cuidar exclusivamente da educação dos filhos, culminando em uma instabilidade e  degradação dos valores dos menores e conseqüentemente ao crime.

De acordo com Margarida (2002, p. 34), o Brasil demorou cinco séculos para construir leis de atenção à infância e à adolescência, atravessando do século XVI ao século XIX sem editar nenhuma disposição legal sobre o tema. Ainda sobre o assunto, a mesma autora pondera que:

“[…] Sabemos que este não é um dado sem significados. Isto diz muito sobre as concepções de infância e de adolescência que têm sido historicamente dominantes em nosso país, sobre as políticas que têm sido elaboradas e sobre as que não têm sido desenvolvidas e implementadas. Refletir sobre o atendimento prestado à infância e adolescência significa pensar a própria história da infância e adolescência brasileira.” (MARGARIDA, 2002, p. 34)

Mirabete (2002, p. 216) ensina que o primeiro Código Penal brasileiro de 1830 fixou a idade de imputabilidade plena em quatorze anos, prevendo um sistema bio-psicológico para a punição de crianças entre sete e quatorze anos.

O Código Republicano de 1890 previa que era irresponsável penalmente o menor com idade até nove anos, devendo o maior de nove anos e menor de quatorze anos submeter-se a avaliação do Magistrado.

A Lei Orçamentária de 1921 acabou por revogar aquele dispositivo do Código Penal de 1890, tratando, já por motivos de política criminal e de natureza criminológica, de forma diversa a questão da menoridade penal, estabelecendo a inimputabilidade dos menores de quatorze anos e o processo especial para os maiores de quatorze e menores de dezoito anos de idade.

Com o advento do Código Penal de 1940, fixou-se o limite da inimputabilidade aos menores de dezoito anos, adotando o critério puramente biológico no que concerne à inimputabilidade em face da idade.

Assim, quando um menor pratica um fato descrito como crime ou contravenção penal, o Código Penal de 1940 adotou a presunção absoluta da falta de discernimento do indivíduo menor de dezoito anos.

Conforme escreve Oliveira (2003,p . 03), a partir do Código Penal de 1940 qualquer que seja a idade do menor, este não será submetido a processo criminal, mas a procedimento previsto em legislação especial.

O Decreto-Lei 1004/69, que instituiu o Código Penal de 1969, de curtíssima duração, possibilitou a imposição de pena de um terço até a metade ao menor entre dezesseis e dezoito anos, se fossem capazes de compreender o ilícito do ato praticado.

Em 1979, na comemoração do Ano Internacional da Criança, foi publicada a Lei n 6.697/79, instituindo o segundo Código de Menores, o qual disciplinou a lei penal de aplicabilidade aos menores, acompanhando as diretrizes das mais eficientes e modernas codificações aplicadas no mundo. Contudo, ressalte-se que a Lei n. 6697/79 não tinha caráter preventivo, mas sim um aspecto de repressão.

Através da Lei nº 7.209/84, foi dada nova redação à Parte Geral do Código Penal, mantendo a imputabilidade penal aos 18 anos, observando assim um critério objetivo, conforme diz a exposição de motivos da Parte Geral do Código Penal:

“Manteve o Projeto a inimputabilidade penal ao menor de 18 (dezoito) anos. Trata-se de opção apoiada em critérios de Política Criminal. Os que preconizam a redução do limite, sob a justificativa da criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não consideram a circunstância de que o menor, ser ainda incompleto, é naturalmente anti-social na medida em que não socializado e instruído. O reajustamento do processo de formação do caráter deve ser cometido à educação, não à pena criminal. De resto, com a legislação de menores recentemente editada, dispõe o Estado dos instrumentos necessários ao afastamento do jovem delinqüente, menor de 18 (dezoito anos), do convívio social, sem sua necessária submissão ao tratamento do delinqüente adulto, expondo-o à contaminação carcerária […]”. (BRASIL, 1984, p. 02)

A Constituição Federal de 1988 corroborou, em seu artigo 228, os artigos. 1º, inciso II e 41, § 3º do então Código de Menores, vigente ainda à época, no sentido da inimputabilidade penal dos menores de dezoito anos.

A Lei n. 8069/90 trouxe imenso avanço no tocante a responsabilidade penal do menor, tentando se aproximar da realidade social da época, criando  medidas de recuperação aplicáveis aos menores.

II A MENORIDADE COMO EXCLUDENTE DE IMPUTABILIDADE PENAL

2.1 DA IMPUTABILIDADE PENAL

Para que se possa dizer que uma conduta é reprovável, ou seja, que há culpabilidade, é necessário que o agente pudesse ter agido de acordo com a norma.

Entretanto, para que o sujeito aja de acordo com o direito é imperioso que o mesmo tenha a capacidade psíquica de entender o que à lei determina e que face a sua não observância, haverá uma sanção predeterminada. Essa capacidade psíquica denomina-se de imputabilidade.

Um dos melhores conceitos de imputabilidade vem do mestre Carrara, citado na obra de Bittencourt:

“[…] A imputabilidade é o juízo que fazemos de um fato futuro, previsto como meramente possível; a imputação é um juízo de um fato ocorrido. A primeira é a contemplação de uma idéia; a segunda é o exame de um fato concreto. Lá estamos diante de um conceito puro; aqui estamos na presença de uma realidade.” (BITTENCOURT, 2000, p. 300)

Para Fragoso, “imputabilidade é a condição pessoal de maturidade e sanidade mental que confere ao agente a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de se determinar segundo esse entendimento” (FRAGOSO, 1995, p.197).

Segundo Damásio de Jesus, “imputabilidade penal é o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de um fato punível” (JESUS, 1999, p. 467).

Portanto, se o indivíduo incapaz de compreender o caráter ilícito do fato em razão de alguma doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, ou até mesmo de uma embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior, não deve responder pelo seu ato praticado, ou seja, não é culpável, vez que, juridicamente, podemos considerá-lo inimputável [2].

No Direito Penal, o fundamento da imputabilidade é a capacidade de entender e de querer e somente o somatório da maturidade e da sanidade mental confere ao homem a imputabilidade penal. Segundo os ensinamentos de Mirabete:

“Há imputabilidade quando o sujeito é capaz de compreender a ilicitude de sua conduta e agir de acordo com esse entendimento. Só é reprovável a conduta se o sujeito tem certo grau de capacidade psíquica que lhe permita compreender a antijuridicidade do fato e também de adequar essa conduta a sua consciência. Quem não tem essa capacidade de entendimento e de determinação é inimputável, eliminando-se a culpabilidade.” (MIRABETE, 2000, p. 210)

O seu reconhecimento depende de aptidão para conhecer a ilicitude do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento.

Importante ressaltar que a capacidade de entender o caráter criminoso do fato não deve se confundir com a exigência de que o agente tenha consciência de que sua conduta se encontra descrita em lei como infração.

Imputável, segundo Damásio de Jesus, “é o sujeito mentalmente são e desenvolvido que possui a capacidade de saber que sua conduta contraria os mandamentos da ordem jurídica” (JESUS, 1999, p.469).

2.2 CAUSAS DE EXCLUSÃO DA IMPUTABILIDADE PENAL

Quando o agente não possui a capacidade de compreender a ilicitude de sua conduta e de agir de acordo com esse discernimento, diz-se que o agente é inimputável e, dessa forma, isento de pena pela ausência de culpabilidade.

Conforme ensina Nucci (2006, p. 254) os critérios para se averiguar a inimputabilidade, quando à higidez mental, são os seguintes:

a) Critério biológico: a simples presença de uma psicopatogenia já é suficiente para comprovar a inimputabilidade. Assim, se presente a enfermidade mental, ou o desenvolvimento psíquico deficiente ou a perturbação transitória da mente, o agente deve ser considerado inimputável.

b) Critério psicológico: verificam-se apenas as condições mentais do agente no momento da ação, sendo que a verificação da presença de doenças mentais ou distúrbio psíquico patológico é afastado.

c) Critério bio-psicológico: é o adotado pelo Código Penal em vigor. Tal sistema é a junção dos critérios anteriores e leva em consideração dois momentos distintos para atendimento da inimputabilidade. Num primeiro momento, deve-se verificar se o agente apresenta alguma doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Em caso negativo, não é inimputável. Caso positivo, será necessário analisar se o indivíduo era capaz de entender o caráter ilícito do fato; será inimputável se não tiver essa capacidade.

Os artigos 26, caput, 27 e 28, § 1º do Código Penal, enumeram as causas de exclusão de imputabilidade. São elas: a) doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado; b) desenvolvimento mental incompleto por presunção legal, do menor de dezoito anos; c) embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou forca maior.

2.2.1 Doença Mental, Desenvolvimento Mental Incompleto ou Retardado

Previstas pelo artigo 26 do Código Penal, a doença mental, o desenvolvimento mental incompleto e o desenvolvimento mental retardado, enquanto motivos que excluem a imputabilidade.

Segundo Capez (2000, p.282), a doença mental, assim referida pela legislação penal substantiva, deve ser entendida como perturbação mental ou psíquica de qualquer ordem, capaz de eliminar ou afetar a capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou a de comandar a vontade de acordo com esse entendimento.

Para que haja exclusão da imputabilidade por doença mental é necessário que esta tenha o condão de eliminar a capacidade de entender e de querer do indivíduo, características principais daquele elemento da culpabilidade, então,se a doença mental não comprometer essa capacidade, certamente que a imputabilidade não será excluída.

Para Damásio (1999, p. 201), a expressão em análise abrange, dentre outras doenças, as psicoses em geral, a esquizofrenia, a loucura, a histeria, a paranóia, a epilepsia etc.

Alguns doutrinadores, entre eles Barros (2001 p. 330), costumam afirmar que a doença mental pode ser, ainda, permanente ou transitória, levando em consideração o tempo em que a doença afeta o indivíduo.

Segundo Mirabete (2003, p. 222), o essencial é que a doença subsista no momento da prática da conduta criminosa, podendo, inclusive, ter origem tóxica, como no caso de ingestão de álcool, cocaína etc.

Refere-se o Código Penal, ainda, em desenvolvimento mental incompleto, como segunda causa de exclusão da imputabilidade.

No ensinamento de Capez (2000, p.289) o desenvolvimento mental incompleto é aquele que ainda não se concluiu, devido à recente idade cronológica do agente ou a sua falta de convivência em sociedade, ocasionando imaturidade mental e emocional.

É o caso dos menores de idade, que será tratado em item em separado, e dos os silvícolas, os quais só serão considerados inimputáveis se não estiverem adaptados a civilização. Se o agente é índio integrado e adaptado ao meio civilizado não incorrerá em uma causa excludente da imputabilidade.

De acordo com Damásio (1999, p. 501), a inimputabilidade do silvícola é discutível, visto que não há razão para considerar os indígenas inadaptados como carentes de desenvolvimento mental completo, porque podem ter um desenvolvimento muito mais completo que outras raças.

Barros (2001, p. 331) defende que há situações em que o silvícola sofre de desenvolvimento mental incompleto. O que deve ser levado em consideração é o critério norteado pelo legislador ao fixar tal situação como causa de exclusão da imputabilidade: a assimilação dos valores da vida civilizada por parte do índio.

Indubitavelmente, no caso dos silvícolas imperioso será a realização de um laudo pericial para que se possa aferir a inimputabilidade.

Refere-se o Código Penal, ainda, em seu artigo 26, caput, em desenvolvimento mental retardado, como excludente da imputabilidade. Para Capez, tal desenvolvimento “é o incompatível com o estágio de vida em que se encontra a pessoa, estando, portanto, abaixo do desenvolvimento normal para idade cronológica” (CAPEZ, 2000, p. 283).

Ao contrário do desenvolvimento incompleto, no qual não há maturidade psíquica em razão da ainda precoce fase de vida ou da falta de conhecimento empírico do agente, no desenvolvimento retardado a capacidade não corresponde às expectativas para aquele momento da vida, o que significa que a plena potencialidade jamais será adquirida.

É o caso dos oligofrênicos (idiotas, imbecis e débeis mentais), que são pessoas de reduzidíssimo coeficiente intelectual.

Dada a sua quase insignificante capacidade mental, ficam impossibilitados de avaliar de forma correta a realidade que os cerca, não tendo, por conseguinte, condições de entender o crime que porventura cometerem.

Ressalte-se que para alguns doutrinadores somente haverá exclusão de imputabilidade nas faixas mais baixas.

Por último se pode classificar como portadores de desenvolvimento mental retardado os surdos-mudos, conforme circunstâncias. O isolamento do surdo-mudo pode impedir o desenvolvimento mental e afetar a capacidade de discernimento no campo intelectual ou ético, ainda que não acompanhado de doença mental ou oligofrenia.

No tocante a esses indivíduos, nem sempre os mesmos se revelam inimputáveis, competindo à perícia fixar o grau de seu retardamento sensorial.

Segundo Barros (2001, p. 331), podem ocorrer três hipóteses:

a) o surdo-mudo, ao tempo do crime, não tinha capacidade de autodeterminação; nesse caso, ele é considerado deficiente mental, equiparando-se aos oligofrênicos (artigo 26, caput, do Código Penal).

b) o surdo-mudo, ao tempo do crime, estava com a capacidade de autodeterminação diminuída; nesse caso, deverá ser tratado como semi-imputável (37), enquadrando-se no parágrafo único do artigo 26 do Código Penal.

c) o surdo-mudo, ao tempo do crime, reunia plena capacidade de autodeterminação; nesse caso, deverá ser tratado como imputável e sofrer pena cabível.

Por fim, necessário registrar que não basta somente à presença dessas situações de base biológica (doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado) para que fique excluída a imputabilidade, é necessária, também, a observância de determinado estado psicológico por parte do agente.

O Código Penal, em seu artigo 26, caput, determina que só é inimputável aquele que ao tempo da ação ou omissão era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Dessa forma, pode o sujeito, por ocasião da prática de um delito, estar apresentando um daqueles estados mórbidos há pouco descritos e, ao mesmo tempo, ser perfeitamente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou pelo menos podemos verificar que seu aspecto volitivo não foi comprometido.

Nesse caso, sem dúvida nenhuma o critério biológico deverá ser descartado, predominando, consequentemente, a característica psicológica, base do conceito do elemento da culpabilidade em análise.

Em razão disso, deverá o agente ser, perfeitamente, considerado imputável nos termos do artigo retrocitado, visto que a capacidade de entender e de querer estão presentes.

Excluída a imputabilidade por incapacidade total de entendimento da ilicitude do fato ou de autodeterminação, o autor é absorvido e aplicar-se-á obrigatoriamente a medida de segurança.

2.2.2 Embriaguez Completa, Proveniente de Caso Fortuito ou Forca Maior.

Mirabete (2003, p. 220) costuma dividir a embriaguez em espécies, levando em consideração a origem desse estado e sua intensidade, ou seja, a forma como o sujeito veio a adquirir tal situação e o grau de influência que o conteúdo ebriante apresenta sobre o organismo do indivíduo.

A embriaguez não acidental ocorre quando o agente ingere a substância alcoólica ou de efeitos análogos, sem que sua origem se dê por caso fortuito ou forca maior.

Barros (2001, p. 338) escreve que a embriaguez não acidental jamais excluiu a imputabilidade, seja ela voluntária, culposa, completa ou incompleta, ocorrendo porque o indivíduo, no momento em que ingeriu a substância, era livre para decidir se devia ou não fazer.

A conduta, mesmo que praticada em estado de embriaguez completa, originou-se de uma ato de livre arbítrio do sujeito, que optou por ingerir o líquido, quando possuía a possibilidade de não o fazer.

Para Capez (2000 p. 289), a embriaguez acidental proveniente de caso fortuito é aquela na qual o indivíduo ingere bebida na ignorância de que tem conteúdo alcoólico ou dos efeitos psicotrópicos que provoca.

A embriaguez acidental proveniente de força maior é aquela que deriva de uma forca externa ao agente, que o obriga a consumir droga. É o caso do sujeito obrigado a ingerir álcool por coação física ou moral irresistível, perdendo, em seguida, o controle sobre suas ações.

Ressalte-se que a exclusão da imputabilidade só ocorre caso haja a redução da capacidade intelectual ou volitiva do agente ao tempo da prática do fato.

Se não se observar essa redução, mesmo frente a uma embriaguez acidental proveniente de caso fortuito ou forca maior, o agente deverá responder pelo crime, subsistindo a imputabilidade na íntegra.

2.2.3 Menoridade Penal

A Constituição de 1988, repetindo o disposto no artigo 27 do Código Penal[3], dispõe em seu artigo 228 que são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeito a normas da legislação especial [4].

Fragoso (1995, p. 197) ressalta que, além de serem tratados nos dois artigos supracitados, os menores de idade estão inseridos, também, no artigo 26 da lei penal substantiva, quando determina como causa de exclusão da imputabilidade o desenvolvimento mental incompleto.

Segundo Mirabete (2003, 216), ao determinar que os menores de idade são inimputáveis, o Código Penal adotou o chamado critério biológico, que já tivemos oportunidade de aludir, havendo nesse caso uma presunção absoluta de que os menores de 18 anos não reúnem a capacidade de autodeterminação.

Esta presunção absoluta trazida pela legislação penal persiste mesmo se o menor infrator for casado ou emancipado, ou mesmo que se trate de um superdotado com excepcional inteligência.

Portanto, fixando um critério biológico, adotou a legislação pátria uma presunção de que todo menor de dezoito anos não é capaz de entender o caráter ilícito de sua ação, visualizando-o, pois, como possuidor de um desenvolvimento mental incompleto.

Barros (2001 p. 329) critica o ordenamento jurídico atual, alegando que tal critério como mera ficção, pois nenhum critério científico é capaz de demarcar o exato momento em que se dá o pleno desenvolvimento da personalidade moral de um indivíduo, principalmente nos dias de hoje, onde as crianças, nos seus primeiros anos de vida, já começam o seu processo educacional.

III A QUESTÃO DA IMPUNIBILIDADE E A REDUÇÃO DA MENORIDADE PENAL

3.1 EFICÁCIA DAS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS DO ECA

Como já mencionado, no sistema jurídico penal brasileiro o menor de dezoito anos é inimputável e está sujeito a uma legislação específica, dado o seu peculiar estado de desenvolvimento incompleto que, entendem os legisladores, não os torna aptos a serem punidos por suas ações delituosas como se adultos fossem.

Assim, ao menor infrator não aplicadas não as penas previstas no Código Penal, mas as medidas sócio-educativas previstas no artigo 112 do ECA [5], que vão desde advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, regime de semiliberdade até a privação de liberdade por internação em estabelecimento adequado.

“[…] o ECA prevê medidas sócio-educativas eficazes, reconhece a possibilidade de privação provisória de liberdade, não sentenciado, inclusive em parâmetros mais abrangentes que o CPP destina aos imputáveis na prisão preventiva, e oferece uma gama larga da alternativas de responsabilização.” (SADDY, 2003, p. 06)

Tais medidas, de modo geral, conferem ampla resposta ao ato praticado, merecedor de reprovação social, não mais ficando os juízes limitados às tradicionais admoestações e/ou encarceramento, medidas extremas, que muitas vezes não se afiguram como as mais adequadas.

A medida sócio-educativa vista, ao contrário da prisão, a regeneração do adolescente, para que ele venha a se tornar um indivíduo produtivo da sociedade e que não volte a delinqüir quando maior.

Cabível o raciocínio de Bernard Shaw: “A pena deve ser considerada em seu duplo objetivo: punitivo e regenerativo. Para regenerar uma pessoa é preciso melhorá-la. Para punir uma pessoa é preciso injuriá-la. Não se conhece uma pessoa que tenha melhorado sendo injuriada […].” (Apud, COSTA, 2004, p. 230)

Evidente que não se trata de abonar todo e qualquer ato, pois a relevação do erro é prejudicial ao adolescente, deve este ser responsabilizado por seus atos.

Assim, no cometimento de atos graves ou no caso de descumprimento de medida menos severa, anteriormente aplicada, conforme o caso é necessária a segregação do adolescente, para que seja dada ao mesmo uma correta abordagem pedagógica, no intuito de que reconheça os limites que lhe são impostos pela convivência em sociedade.

Porém, devem ser reservadas as medidas restritivas de liberdade para os casos mais graves, entendendo a sua aplicação como excepcional. Deve-se assim privilegiar as medidas de orientação e acompanhamento, tais como: a liberdade assistida, a reparação do dano e a prestação de serviços à comunidade.

Não esqueçamos de promover, ao lado da aplicação dessas medidas a reinserção do jovem em programas educacionais e profissionalizantes.

Importante é que se tenha consciência de que, tratar e recuperar o adolescente infrator implica, necessariamente, em tratar e recuperar a família deste jovem, para que possamos resgatá-lo como elemento útil à sociedade.

De todos esses argumentos, forçosa é a constatação de que o Estado, em verdade, é co-autor de boa parte das infrações cometidas, pois sua inação em projetos sociais conduz muitos ao desespero, infectando-os com o delito.

A economia que se faz em educação, saúde e habitação, implica em gastos redobrados com segurança pública. Assim a melhor resposta que se pode dar ao ato infracional, é tratar o agente da maneira mais conveniente, no sentido de que a sociedade possa ganhar um cidadão e não um marginal.

Importante destacar que as críticas advindas da sociedade no tocante a não incriminação dos adolescentes infratores deveriam ser lançadas a não implementação pelo Estado das medidas sócio educativas e de proteção ao menor.

Isto porque em diversas situações o que se tem visto é o descumprimento do mandamento constitucional que dispõe que crianças e adolescentes são prioridade absoluta da nação brasileira.

Em sendo prioridade absoluta, assim devem ser tratadas pelos órgãos Estatais, que deveriam priorizar formas de integrar esses jovens à sociedade com a criação de programas de execução das medidas contidas no ECA.

Portanto, se as medidas sócio-educativas previstas no ECA forem adequadamente postas em funcionamento, dão a resposta de responsabilização adequada aos jovens em conflito com a lei e revelam-se remédios eficazes diante de atos infracionais praticados.

3.2 ILUSÃO DO SENTIMENTO DE IMPUNIDADE

Na atualidade, há na sociedade brasileira um sentimento de impunidade em relação aos menores infratores. Isto porque os infratores menores (inimputáveis) não são processados, julgados e sujeitos a pena privativa de liberdade como os criminosos maiores (imputáveis).

O ECA reserva aos menores de dezoito anos, que praticam ato considerado infração penal, procedimento especial e várias medidas sócio-educativas, que gradativamente pode chegar a atingir a liberdade do infrator por um período máximo de três anos, independente da natureza do crime.

Saddy (2003, p. 07) exemplifica que para um criminoso adulto, primário e de bons antecedentes, permanecer três anos recluso em estabelecimento prisional fechado, teria que ter sido condenado à pena de dezoito anos, tendo em vista a possibilidade de progressão de regime de cumprimento de pena (Art. 112 da LEP).

Um adolescente infrator não tem as benesses da progressão do regime ou do livramento condicional, sem se falar no indulto presidencial, podendo permanecer os mesmos três anos internado por infração penal cominada a pena privativa de liberdade muito mais branda daquela disposta acima.

Carneiro (2006, p. 11) também escreve que ao se comparar o ECA com o Código Penal, no que concerne ao fator punição, nota-se que aquele, em muitos casos, pode punir mais que este, demonstrando maior rigor na represália. A autora menciona exemplo relacionado aos delitos de trânsito:

“[…] pelo ECA, o adolescente poderá receber, até mesmo, a aplicação de uma medida sócio-educativa de semi-liberdade, enquanto que o adulto, de acordo com o sistema penal comum, receberá, na maioria dos casos, uma simples multa ou, ainda, ser beneficiado com o sursis, sem interferir na sua liberdade.” (CARNEIRO, 2006, p. 11)

Outro exemplo é o caso de um roubo com emprego de arma de fogo, onde acusado maior e adolescente praticaram delitos idênticos e que foram respectivamente responsabilizados pelo delito (maior) e ato infracional (menor).

Enquanto o adulto, primário e de bons antecedentes, receberá uma pena de cinco anos e quatro meses de reclusão, e que cumprirá desta apenas um terço (dois anos) em regime semi-aberto, recebendo então o livramento condicional e, no caso de progressão para o regime aberto, terá que cumprir menos de um ano, um adolescente poderá ser sujeitado a medida de internação de até três anos.

Assim, o adolescente poderá passar muito mais tempo fora da sociedade do que o condenado maior, mesmo tendo cometido infrações penais idênticas, com a agravante que o maior terá que cumprir a pena em presídios superlotados, delegacias ou cadeias públicas sem as mínimas condições de reeducação.

Há de se fazer à reflexão de qual destes indivíduos terá a possibilidade de se regenerar e retornar à sociedade em condições de não mais voltar a delinqüir, tornando-se um membro produtivo da comunidade onde vive.

Portanto, não há como negar que uma medida sócio-educativa prevista no artigo 112 da Lei 8.069/90 pode ser muito mais rigorosa que uma pena privativa de liberdade que seria aplicada se fosse maior.

Importante mencionar ainda que o adolescente, diversamente do que acontece com o criminoso maior, após cumprido o prazo total da internação ainda poderá ser submetido à medida sócio-educativa de semiliberdade e, após, sendo o caso, à de Liberdade Assistida, todas por igual período.

Obviamente é necessário que as medidas sejam aplicadas nos moldes previstos na Lei, de maneira a provocar os efeitos pretendidos pelo legislador, ou seja, a oportunidade de, por meio de tratamento pedagógico, modificar o comportamento do menor, o que seria impossível no sistema carcerário brasileiro.

Esta ilusão de impunidade em relação menor infrator surge da sensação de que nada lhe acontece ao cometer fato descrito como crime ou contravenção penal, o que não é a realidade.

Este pensamento equivocado de impunidade se tem revelado no maior obstáculo à plena efetivação do ECA, principalmente diante da crescente onda de violência, como bem escreve Saddy:

“[…] A circunstância de o adolescente não responder por seus atos delituosos perante a Corte Penal não o faz irresponsável. Ao contrário do que sofismática e erroneamente se propala, o sistema legal implantado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente faz estes jovens, entre l2 e l8 anos, sujeitos de direitos e de responsabilidades e, em caso de infração, prevê medidas sócio-educativas, inclusive com privação de liberdade, como já vimos.” (SADDY, 2003, p. 05)

O ECA oferece a devida resposta anseios da sociedade por segurança e, ao mesmo tempo, busca devolver a esta mesma sociedade pessoas capazes de exercer adequadamente seus direitos e deveres de cidadania, cabendo a sociedade e ao Estado o compromisso com a efetivação plena do ECA, fazendo valer este que é um instrumento de cidadania e responsabilização de adultos e jovens.

Portanto, o discurso daqueles que afirmam que o adolescente infrator fica impune ao cometer um crime não tem qualquer fundamento jurídico, visto que o ECA prevê uma série de medidas sócio educativas visando a recuperação do infrator.

3.3 ARGUMENTOS PELA REDUÇÃO DA MENORIDADE PENAL

O tema menoridade penal voltou a ser discutido na sociedade brasileira com fortes argumentos entre aqueles que concordam com a redução e os que argumentam pela manutenção da menoridade aos dezoito anos.

Segundo escreve Pereira (2002, p. 16), diversas entidades e organizações vêm, cada vez mais, somando forças objetivando reduzir a idade penal, sob o argumento que mais encontra eco no meio jurídico e também junto à população decorre da excessiva elevação do número de crimes praticados por menores na faixa etária dos quatorze aos dezoito anos de idade.

Outro argumento utilizado é ligado à eficácia do ECA, devido a uma suposta falha por não punir com a desejável medida os delitos praticados pelos adolescentes infratores, fazendo com que, pela sua brandura e condescendência, seja estimulada a prática criminosa.

Segundo esta corrente, a pena que se aplica em casos extremos é a da internação em instituições apropriadas por um período de, no máximo, três anos, a partir do que o infrator passa a ser encarado sem nenhuma restrição, ou seja, sem antecedentes, não importando a gravidade do crime praticado.

Dentre os doutrinadores que defendem a redução da maioridade, leciona brilhantemente Cavallieri:

“[…] A manutenção da idade de 18 anos para o afastamento do menor, criança e adolescente, do Código Penal é uma bandeira de todos, menoristas e estatutistas. […]. Quando lutamos pela conservação dessa idade, é comum ouvir-se, até de pessoas cultas, a afirmação de que ela é absurda, ‘porque, mesmo com muito menos de 18 anos eles [sic] sabem o que fazem.’ Não lhes ocorre que o conhecimento está ligado à imputabilidade e que, quando os doutos afirmam que os menores de 18 são inimputáveis, querem dizer que se trata de presunção [sic] de inimputabilidade. Mas, porque falar-se em presunção, se temos a realidade? É obvio que a partir de tenra idade, eles sabem o que fazem. […]. Toda esta dúvida tem sua origem na Exposição de Motivos do Código Penal de 1940, quando o Ministro Francisco Campos escreveu que os menores ficavam fora daquela lei, porque eram imaturos [sic]. […]. Segundo ele, todos os menores de 18 anos no Brasil eram imaturos. Absurdo completo. E nós contaminamos toda a nação com esta insólita concepção. Espero que a importância prática de uma conceituação adequada tenha sido demonstrada. Os estatutistas merecem todos os encômios pela elevação à Lei Magna de uma aspiração comum, mas poderiam ter aproveitado para destruir um mito prejudicial. Eles [sic] sabem o que fazem, mas não vão para a cadeia, pois temos solução melhor para seus crimes.” (CAVALLIERI, 1997, p. 54-56)

Cavallieri destaca ainda o posicionamento de Darcy de Arruda Miranda, que sustenta a imputabilidade a partir dos quatorze anos, de Paulo José da Costa Júnior, de Manoel Pedro Pimentel, Marcello Fortes Barbosa e Diógenes Malacarne que sustentam a imputabilidade a partir dos dezesseis anos.

Pereira (2002, p. 16) comenta que até o Yussef Cahali, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, vem admitindo a tendência de se posicionar a favor da redução da menoridade penal para dezesseis anos, por motivos de política criminal, ou seja, por ser uma exigência social.

Este entendimento é esposado por Marcello Fortes Barbosa, também Desembargador do Estado de São Paulo, que defende claramente o retorno do critério bio-psicológico para aferição da imputabilidade aos dezesseis anos.

Inclusive, há um Projeto de Emenda Constitucional (171/93) tramitando no Congresso Nacional, encaminhado pela Associação dos Advogados Criminais do Estado de São Paulo e de autoria do Deputado Benedito Domingos, que trata da redução da maioridade penal dos 18 para os 16 anos, alterando o artigo 228 da Constituição da República e, por conseguinte, o artigo 27 do Código Penal.

A Emenda Constitucional proposta também gera uma grande discussão jurídica, sobre a possibilidade constitucional da redução penal.

Os defensores da Emenda dizem que não há qualquer inconstitucionalidade em uma emenda que vise a reduzir a maioridade penal, porque o artigo 228 não se insere dentre as chamadas cláusulas pétreas, não havendo a limitação imposta pelo § 4º do artigo 60 da Constituição da República.

3.4 ARGUMENTOS PELA NÃO REDUÇÃO DA MENORIDADE PENAL

Ao contrário da corrente anterior, há parte considerável da sociedade contrária à redução da maioridade penal que, partindo do bom senso para justificá-las, entendem que o problema do aumento da criminalidade entre menores de dezoito anos não é legal, mas sim social.

Primeiramente se tem o posicionamento da OAB, por meio de sua comissão de Direitos Humanos, que defende que a redução da maioridade penal não reduzirá a onda de violência, pois se assim fosse o Código Penal de 1940 deveria impedir os crimes praticados pelos maiores de dezoito anos, o que não ocorre atualmente.

Pereira (2006, p. 09) destaca os juristas Evandro Lins e Silva, Alberto Silva Franco, João Estevam da Silva, Amaral e Silva e Hélio Bicudo como inclusos na posição contrária à redução da menoridade penal.

Os citados juristas entendem que a questão não é legal, mas sim de injustiça social, que acaba condenando os nossos jovens e crianças à formação de sucessivas gerações de débeis mentais, subnutridos, analfabetos, carentes de carinho e candidatos em potencial aos hospitais, internatos e casas de internatos e casas de detenção. (Apud PEREIRA, 2006, p. 10)

Além disso, diminuir a menoridade penal somente iria contribuir para aumentar a população nas Penitenciárias brasileiras, que já não são nenhum exemplo de reeducação, dificultando mais ainda a ressocialização do preso, o que viria de encontro ao próprio caráter retributivo da pena.

Além disto, milhares de mandados de prisão estão à espera de vagas nas prisões a fim de serem cumpridos, situação que se agravará mais ainda com a a redução da maioridade penal.

Nestes termos, a pena não servirá para punir o menor infrator, mas apenas irá mascarar uma situação irreal de punição, pelo simples fato deles não estarem sob a égide do ECA, mas aos dispositivos do Código Penal.

Sobre o tema em discussão, Liberati argumenta em prol da atual sistemática menorista:

“[…]. Os que preconizam a redução do limite, sob a justificativa da criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não consideram a circunstância de que o menor, por ser ainda incompleto, é naturalmente anti-social à medida que não é socializado ou instruído. O reajustamento do processo de formação do caráter deve ser cometido à educação, não à pena criminal. De resto, com a legislação de menores recentemente editada, dispõe o Estado dos instrumentos necessários ao afastamento do jovem delinquente, menor de 18 anos, do convívio social, sem sua necessária submissão ao tratamento do delinquente adulto, expondo-o à contaminação carcerária’.” (LIBERATI, 2000, p. 72)

Sobre o argumento de que a possibilidade de voto aos dezesseis anos e a inimputabilidade penal aos dezesseis anos seria uma contradição legal, há de se reiterar que a não aplicação do Código Penal não se traduz em irresponsabilidade, pois o ECA é um instrumento eficaz para combater a situação exposta, desde que aplicado nos termos do preconizado em seus objetivos, ou seja, visando a aplicação sob o caráter pedagógico da medida.

Ora, as medidas sócio-educativas aplicadas aos atos infracionais praticados por menores servem para alertar o infrator à conduta anti-social praticada e reeducá-lo para a vida em comunidade e a diminuição da menoridade em nada contribuiria para combater a delinqüência juvenil, como bem menciona Oliveira:

“[…] a redução da imputabilidade penal, o aumento do tempo de internação, o rigor excessivo das punições não recuperam. Só o tratamento, a educação, a prevenção são capazes de diminuir a delinqüência juvenil. Para combater a que já existe, o que se pode afirmar é que a segregação não recupera, ao contrário, degenera. Rigor não gera eficácia, mas desespero, revolta e reincidência. E isso é justamente o que não se espera para os nossos jovens.” (OLIVEIRA, 2003, p. 16)

A conveniente política de promover a internação desenfreada de jovens infratores está longe de resolver o problema, pois só ameniza a situação de forma superficial, fermentando a produção do marginal do futuro.

Ora, é obrigação da sociedade fornecer todo o apoio necessário ao desenvolvimento destes adolescentes, para que deles se possa cobrar algo mais do que uma natural violência daqueles que são, diuturnamente, violentados pela própria sociedade que os critica.

Neste sentido, interessa à sociedade que os adolescentes infratores sejam corretamente tratados, sem a sua segregação social, mas com o fim de resgatá-los à cidadania e não colaborar para seu ingresso na marginalidade.

Não há como simplesmente segregar menores inimputáveis que são o próprio produto da omissão do Estado, que ao longo dos anos pouco vem se importando com a deteriorização causada ao ser humano submetido a condições adversas, tais como, as observadas nos centros de internação de adolescentes.

Diante disto, parece ser inócua a diminuição da maioridade penal para os dezesseis anos, pois não será deste modo que ficarão sanados o aumento da criminalidade e da violência infanto-juvenil.

Considerações finais

O presente estudo tratou acerca da Menoridade Penal, com foco especificamente da questão da impunibilidade do menor infrator.

Primeiramente o estudo apresentador definiu que a menoridade penal é uma causa de exclusão da punibilidade, com fundamento no fato de que o agente menor não possui a capacidade de compreender a ilicitude de sua conduta e de agir de acordo com esse discernimento.

Os artigos 26, caput, 27 e 28, § 1º do Código Penal, enumeram a menoridade como causa de exclusão de imputabilidade, juntamente com a doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado e a embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou forca maior.

O artigo 228 da Constituição de 1988, repetindo o disposto no artigo 27 do Código Penal, também dispõe que são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeito a normas da legislação especial.

A doutrina demonstra que ao determinar que os menores de idade são inimputáveis, o Código Penal adotou o chamado critério biológico, que já tivemos oportunidade de aludir, havendo nesse caso uma presunção absoluta de que os menores de dezoito anos não reúnem a capacidade de autodeterminação.

Diante desta sistemática e observando o crescimento da criminalidade entre menores de dezoito anos, a sociedade brasileira vem desenvolvendo um sentimento de impunidade em relação aos menores infratores. Isto ocorre porque os infratores menores (inimputáveis) não são processados, julgados e sujeitos a pena privativa de liberdade como os criminosos maiores (imputáveis).

Entretanto, este entendimento vem sendo extremamente combatido no meio jurídico, visto que o ECA reserva aos menores de dezoito anos que praticam ato considerado infração penal, procedimento especial e várias medidas sócio-educativas, que gradativamente pode chegar a atingir a liberdade do infrator por um período máximo de três anos, independente da natureza do crime.

Inclusive, muitos juristas vem disseminando a idéia de que ao se comparar o ECA com o Código Penal, no que concerne ao fator punição, aquele, em muitos casos, pode punir mais que este, demonstrando maior rigor na represália.

Prova disto é o fato de que o adolescente, diversamente do que acontece com o criminoso maior, após cumprido o prazo total da internação ainda poderá ser submetido à medida sócio-educativa de semiliberdade e, após, sendo o caso, à de Liberdade Assistida, todas por igual período.

Obviamente é necessário que as medidas sejam aplicadas nos moldes previstos na Lei, de maneira a provocar os efeitos pretendidos pelo legislador, ou seja, a oportunidade de, por meio de tratamento pedagógico, modificar o comportamento do menor, o que seria impossível no sistema carcerário brasileiro.

Fato é que o tema menoridade penal voltou a ser discutido na sociedade brasileira com fortes argumentos entre aqueles que concordam com a redução e os que argumentam pela manutenção da menoridade aos dezoito anos.

Um dos principais argumentos utilizados é ligado à eficácia do ECA, devido a uma suposta falha por não punir com a desejável medida os delitos praticados pelos adolescentes infratores, fazendo com que, pela sua brandura e condescendência, seja estimulada a prática criminosa.

Segundo esta corrente, a pena que se aplica em casos extremos é a da internação em instituições apropriadas por um período de, no máximo, três anos, a partir do que o infrator passa a ser encarado sem nenhuma restrição, ou seja, sem antecedentes, não importando a gravidade do crime praticado.

Inclusive, há um PEC tramitando no Congresso Nacional que trata da redução da maioridade penal dos 18 para os 16 anos, alterando o artigo 228 da Constituição da República e, por conseguinte, o artigo 27 do Código Penal.

Ao contrário da corrente anterior, também há parte considerável da sociedade contrária à redução da maioridade penal que, partindo do bom senso para justificá-las, entendem que o problema do aumento da criminalidade entre menores de dezoito anos não é legal, mas sim social.

O primeiro argumento que defende que a redução da maioridade penal não reduzirá a onda de violência, é o de que se assim fosse o Código Penal de 1940 deveria impedir os crimes praticados pelos maiores de dezoito anos, o que não ocorre atualmente.

A maioria dos juristas entendem que a questão não é legal, mas sim de injustiça social, que acaba condenando os nossos jovens e crianças à formação de sucessivas gerações de débeis mentais, subnutridos, analfabetos, carentes de carinho e candidatos em potencial aos hospitais, internatos e casas de internatos e casas de detenção.

Além disso, diminuir a menoridade penal somente iria contribuir para aumentar a população nas Penitenciárias brasileiras, que já não são nenhum exemplo de reeducação, dificultando mais ainda a ressocialização do preso, o que viria de encontro ao próprio caráter retributivo da pena.

Nestes termos, a pena não servirá para punir o menor infrator, mas apenas irá mascarar uma situação irreal de punição, pelo simples fato deles não estarem sob a égide do ECA, mas aos dispositivos do Código Penal.

Além do mais, as medidas sócio-educativas aplicadas aos atos infracionais praticados por menores servem para alertar o infrator à conduta anti-social praticada e reeducá-lo para a vida em comunidade e a diminuição da menoridade em nada contribuiria para combater a delinqüência juvenil.

Parece certo o entendimento desta corrente que a conveniente política de promover a internação desenfreada de jovens infratores está longe de resolver o problema, pois só ameniza a situação atual, sem atingir qualquer resultado prático.

Realmente deveria a sociedade estar embrenhada em propiciar aos adolescentes infratores o correto tratamento disposto no ECA, com o fim de resgatá-los à cidadania e não colaborar para seu ingresso na marginalidade.

Assim, apesar do apelo social demonstrado nos últimos tempos diante de fatos noticiados na mídia nacional, parece claro que a corrente doutrinária que entende pela manutenção da menoridade penal esta correta, pois a efetivação das disposições do ECA, não só no sentido punitivo, mas também no sentido de proteção e desenvolvimento do menor, serão suficientes para futuramente diminuir o índice de criminalidade entre os adolescentes.

 

Referências
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Notas:
[1] Trabalho semestral a ser apresentado para a disciplina de Seminários Jurídicos, do Curso de Direito da Área de Ciências Socialmente Aplicáveis, da Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí – Unidavi.
[2] Art.26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (BRASIL, 1940, p. 14)
[3] Art. 27. Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. (BRASIL, 1940, p. 15)
[4] Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de 18 (dezoito) anos, sujeitos às normas de legislação especial. (BRASIL, 1988, p, 54)
[5] Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I – advertência; II – obrigação de reparar o dano; III – prestação de serviços à comunidade; IV – liberdade assistida; V – inserção em regime de semi-liberdade; VI – internação em estabelecimento educacional; VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. […] (BRASIL, 1990, p. 10)

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Joelma Simonetti

 

Acadêmica do curso de Direito da Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí – UNIDAVI