Resumo: O presente trabalho, é parte integrante da Monografia apresentada para conclusão do Curso de Pós Graduação “lato sensu” em Direito Processual Civil.
Sinopse: Estudo das medidas cautelares, com aprofundamento nas questões que integram as medidas cautelares no direito de família. Na seqüência é direcionado o interesse para a medida cautelar de afastamento do lar, concluindo com breve explanação sobre o descumprimento à ordem concedida, e suas conseqüências.
Sumário: I – Medidas Cautelares I.I – Noções gerais I.II – Características e pressupostos; II – Medidas Cautelares no direito de família II. I – Peculiaridades II.I.I – Juízo Competente II.I.II – Efetivação e Eficácia da Medida Cautelar no Direito de Família II.I.III – Execução e Extinção II.II – Medida Cautelar de Afastamento do Lar II.III – Características; III – A Ordem Liminar III.I – Noções Gerais III.II – Descumprimento da Ordem Liminar; Conclusão; Bibliografia.
I – Medidas Cautelares
I.I – Noções Gerais
A tutela preventiva de direito material protege o bem da vida. Atribuído a sujeitos que se encontrem nas circunstâncias que tipificam a tutela preventiva de direito processual, o bem da vida é de natureza processual, instrumentalmente vinculado à satisfação de um interesse de direito material. (JJ Calmon de Passos, op.cit., p. 44/45)
Portanto o bem da vida a ser protegido pela cautelar, seja ela de afastamento do lar ou outra, tem dois pontos de focalização, o material e o processual.
Para analisar a efetividade da medida cautelar, há que se considerar esses dois pontos: o processual e o material. Se mesmo a ordem sendo descumprida, ainda é perfeita, do ponto de vista material e processual.
No ponto de vista material, em risco está o bem da vida almejado pelo sujeito.
No processual, em risco está a “própria tutela jurisdicional, posta sob o risco ou perigo de se frustrar em sua efetividade ou em seu alcance “ (Ibidem, p.45). Ainda, segundo o mesmo estudioso “A pretensão à segurança do resultado útil do processo, seja ele de cognição, seja ele de execução, é exercitável mediante as ações denominadas de cautelares.” (…) “A ação cautelar tutela o processo não o direito material. O processo cautelar é processo a serviço do processo, não processo a serviço do direito material.” (Ibidem, p.45/46).
I.II – Características e Pressupostos
“A ação cautelar, o processo cautelar e a tutela cautelar têm como características:
a) sua instrumentalidade, porque relacionados sempre e necessariamente a um outro processo, dito principal, cujo resultado útil buscam assegurar;
b) a provisoriedade do provimento a que visam, visto como tendentes apenas a constituir as condições necessárias à segurança da futura atribuição do bem da vida que for reconhecido, por sentença firme, como devido a alguém;
c) o fundado receio de que, antes de proferida sentença transitada em julgado, venha a se tornar impossível ou improváveis a atribuição do bem da vida que por meio dela se pretende obter (periculum in mora);
d) a probabilidade de que a sentença a ser proferida se incline no sentido da existência do direito ao bem da vida que se pretende obter, em termos definitivos, com ela (fumus boni juris).” [1]
Calmon em 1984, ao comentar o artigo 796 do Código de Processo Civil, afirmava sua posição contrária aos aliados da teoria de que a instrumentalidade não é dado essencial ao processo cautelar. Na época Ovídio Batista da Silva era adepto a teoria do sentido secundário e até hoje continua tendo seus estudos compactuados por outros pensadores como Cândido Dinamarco, Victor Alberto Marins que diretamente assevera que: “Não se nega, assim, a instrumentalidade ao acautelamento, mas daí a considerá-lo ‘nota típica fundamental’ vai um passo muito largo”[2].
É de se considerar tendo em vista as regras do artigo 808 do CPC[3], que os pressupostos nele contidos são de constituição e desenvolvimento do processo cautelar. As dificuldades que venha a sofrer o processo principal, irão refletir no processo cautelar diretamente ligado a ele.
Como em qualquer processo, no cautelar também deve ser observado no tocante ao juiz, as partes, o interesse e a legitimidade (Livro I do Código de Processo Civil).
No que se refere ao interesse processual, e a possibilidade jurídica do pedido, não se verificando pelo juiz a existência deles no processo cautelar, não refletirá os efeitos de sua decisão pela inépcia no processo principal, se ocorresse o inverso, extinguiria o processo cautelar, tendo em vista o inciso II do artigo 808 do Código de Processo Civil.
Além do que, já fora indicado, deve ainda o pedido cautelar ser “feito em petição inicial própria, com autuação autônoma e processamento distinto do que se venha a adotar no processo principal.” (JJ Calmon de Passos, op. cit. p.73)
Como pressupostos, é impossível desviar os olhos do fumus boni juris e do periculum in mora, que mesmo não se visualizando em nenhum artigo do Título II do Código de Processo Civil, tal denominação é usual entre os juristas para enumerar as circunstâncias que fundamentam(rão) o pedido da liminar. [4]
Segundo Calmon de Passos, o periculum in mora que é um dos requisitos, é composto de fundamentos próprios que devem estar explícitos na ação, que são eles:
“a) ato de uma das partes no processo; b) possibilidade da ocorrência de lesão grave em decorrência desse ato (fundado receio de dano); c) que essa lesão grave seja de difícil e incerta reparação; d) que tudo isso ponha em risco a satisfação do direito da outra parte se a final vier a ser reconhecido e tutelado; e) que esse risco decorra da natural e inevitável duração do processo.” [5]
Na ação cautelar o bem da vida a ser tutelado existe, porém, não na forma de um direito e sim como uma probabilidade de um direito. Visualizado o risco de dano, este, como supra considerado, dano de difícil reparação, por ato de uma das partes, e que ao final o pretenso direito, quando passe a um efetivo direito, sofra o risco de não poder ser satisfeito, e que tudo isso esteja relacionado a duração do processo principal não cautelar.
O fumus boni juris ou a fumaça de um bom direito, se refere segundo o ilustre Calmon de Passos “a plausibilidade da existência do direito invocado, a ser apreciado mediante cognição superficial de seus pressupostos de fato e de direito.”[6]
Segundo, ainda, entendimento do mestre supra nominado, a palavra plausibilidade, ao contrário de dar uma visão de conhecimento superficial dos fatos por parte do juiz, refere-se ao fato de ser o autor legitimado e com direito de ação no processo principal.[7]
Também em sua teoria, quando se referiu ao mérito da cautelar, afirmou que a plausibilidade se refere ao direito no processo principal, que o juiz na cautelar, para não determiná-la inepta analisará a “plausibilidade, possibilidade de a vir a definir o Judiciário em favor de quem requerer a tutela cautelar”.[8]
Essa questão já foi estudada por tantos ilustres como Carlo Calvosa, Victor Marins, Pontes de Miranda, o próprio Liebman tirou suas conclusões, porém não pôs ponto final na questão e cada teoria é abraçada por alguns adeptos. Pode-se tencionar em concluir que, mesmo sendo totalmente ligado ao processo principal, como já visto anteriormente, para sua admissibilidade deverá ser analisado, com base em provas de possível dano irreparável, que há um “direito” não claramente visível mas, a “fumaça” de existência de um possível direito da parte requerente, em estar em juízo para obter a liminar por ter seu bem da vida ameaçado, e não que terá ou não êxito no processo principal, se considerar que a “causa de pedir, na cautelar é o fato ou complexo de fatos constitutivos da situação de perigo que autorizam o fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação” [9] e nisso visualizamos o fumus boni juris e o periculum in mora, não há que se falar em análise do Judiciário no âmbito cautelar, do direito material a ser visualizado no processo principal ou nele já explicitado conforme for incidente ou preparatória a cautelar.
Nessa questão do mérito da ação cautelar, muito bem se referiu Victor A Azi Bonfim Marins quando citando Ovídio Baptista da Silva, afirma que esse último “melhor posicionou os fundamentos da tutela acautelatória, asseverando: “…isso que Zanzucchi denominou condições da ação cautelar em verdade, não o são, mas, ao contrário, correspondem ao mérito, à res iudicium deducta …”, se referindo ao periculum in mora e ao fumus boni juris, o primeiro pois se refere ao interesse da parte e o segundo se referindo a possibilidade jurídica do pedido formulado.
II – Medidas Cautelares no Direito de Família
II. I – Peculiaridades
A primeira consideração se faz dos artigos que de forma específica tratam das medidas cautelares utilizadas nos processos de família, medidas estas nominadas, que asseguram bens, pessoas e provas, de forma preparatória ou incidente ao processo principal, que podem ser: Cód. Civil – art. 1562 e 7º, § 1º da Lei de Divórcio, CPC – arts. 839/843, Cód. Civil de 1916 – art. 224, CPC – arts. 852/854, CPC – arts. 855/860, CPC – arts. 877/878, CPC – art. 888-II, CPC – art. 888, n.º III, CPC – art. 888, n.º VI, CPC – art. 888, n.º VII.
Essa seleção não explora as medidas cautelares inominadas ou atípicas (item I.III) que possam vir a ser utilizadas conforme houver a necessidade apresentada pelo fato real, que por abrirem um leque sobremaneira extenso, dentro do âmbito das ações cautelares, tornam difícil sua indicação específica.
A peculiaridade principal, pode ser considerada, a de que essas medidas cautelares são utilizadas em um tipo de conflito bastante delicado, que possui minúcias e melindres próprios, que é o processo de dissolução da sociedade conjugal, seja por meio de separação judicial ou pelo divórcio (Lei 6515/77).
Já analisou essa característica o ilustre Basilio de Oliveira[10]:
“Quando a crise matrimonial atinge tal intensidade que acarreta a insuportabilidade da vida em comum, indicando a um dos cônjuges o caminho da dissolução da sociedade conjugal, faz-se necessária a adoção de certas medidas cautelares que são próprias do processo de separação judicial ou do divórcio.”
Em uma visão geral das medidas cautelares utilizadas no direito de família, elas visam a proteger o direito de um dos cônjuges e também dos filhos, quanto a sua integridade física e psicológica (hoje a agressão já é considerada nestes dois sentidos) quanto a integridade dos bens conjugais (para que não sejam dissipados antes da conclusão do processo principal de separação judicial), e para que as provas que serão necessárias, ao bom andamento do processo principal, não se desfaçam ou sejam destruídas.
II.I.I – Juízo Competente
O atual artigo 800 do Código de Processo Civil pátrio, com as modificações trazidas pela lei 8952/94 é o marco definidor da questão do juiz competente para receber e julgar a ação cautelar seja ela qual for, não somente a específica para o direito de família já que tal artigo está disposto no Capítulo I Das disposições Gerais, cujo texto é abaixo transcrito na íntegra:
“Art.800. As medidas cautelares serão requeridas ao juiz da causa; e, quando preparatórias, ao juiz competente para conhecer da ação principal.
Parágrafo único. Interposto o recurso, a medida cautelar será requerida diretamente ao tribunal.”
É necessário se fazer uma rápida análise do vocábulo “preparatória”, tendo em vista algumas críticas que lhe foram feitas, pois segundo alguns juristas neste trabalho utilizados como referência, acredita-se que melhor se aplicaria o vocábulo “preventivas” ao invés de preparatórias, pois as medidas cautelares tratam de garantir o resultado útil do processo e não prepará-lo, como “condição de exercício da ação principal”. [11]
Feitas essa considerações, passamos a análise do conteúdo do artigo 800 acima transcrito.
Com observância ao artigo 800 e seu parágrafo único, podemos concluir que, quando a ação cautelar se fizer necessária, antes de interposta a ação principal na forma de preventiva, será submetida a apreciação pelo juiz que será competente para a ação principal. Quando a ação principal estiver em curso, a cautelar obrigatoriamente será requerida ao juiz que primeiro conhecer a principal.
Pontes de Miranda[12], fez afirmação, que com linguagem simples, porém completa, sana dúvidas que eventualmente surjam:
“ As medidas cautelares, quaisquer que sejam, têm de ser pedidas ao juiz que no momento seria o competente para a ação, ainda que não se trate, in casu, de ação de medida cautelar para a preparação de outra. Se pedidas pendente a lide, está visto que a causa principal atrai a acessória.”
O parágrafo único do artigo 800, ora analisado, com sua redação atual (Lei 8952/94) que é clara e direta, afirma que “interposto o recurso, a medida cautelar será requerida diretamente ao tribunal”.
Galeno Lacerda in Basilio de Oliveira, op. cit. p.69, adverte que:
“…se tratando de agravo de instrumento outra será a solução, porque esse recurso não possui efeito suspensivo e o devolutivo é apenas parcial, competindo ao juiz de primeiro grau processar e julgar as cautelas incidentais, salvo nos casos do art. 585 e quando o agravo devolver ao tribunal, exatamente, a questão do cabimento ou não da cautelar, como por exemplo, na decisão que indefere liminar…”
Não apresentando questões de maior complexidade, é de se salientar que deve ser considerado também o caráter de urgência, e os princípios informadores do direito, que não deixam de levar a apreciação do juiz, pedido feito em circunstâncias tais, que necessite de tratamento urgente, caberia levando-se em consideração essas colocações, a apreciação por juiz ainda que incompetente.
A severidade da lei não pode ser tal que seja inflexível diante de casos excepcionais, Basilio de Oliveira, op. cit. p.71, afirma que “É pacífico atualmente na doutrina a admissão da medida cautelar proferida por juízo incompetente, em caso de urgência, diante do periculum in mora”.
Continua o processualista, na seqüência: “Em casos excepcionais de urgência, também se admite o ingresso da mesma medida em juízo incompetente, como defende Ovídio Batista da Silva, Humberto Theodoro Junior e Frederico Marques…”
II.I.II – Efetivação e Eficácia da Medida Cautelar no Direito de Família
A importância do entendimento sobre a efetivação da medida cautelar se encontra no que se refere ao momento da efetivação.
Deste momento será contado o prazo previsto no artigo 806 do CPC:
“Art. 806. Cabe a parte propor a ação, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data da efetivação da medida cautelar, quando essa for concedida em procedimento preparatório.”
Segundo Basilio de Oliveira, op.cit, p.132, “efetivação é ato de efetivar, é tornar efetivo, levar a efeito, concluir, acabar alguma coisa.”
Analogamente, podemos afirmar, tendo em vista a linha tênue que separa as duas cautelares: de separação de corpos e de afastamento de cônjuge do lar -, que conforme afirma Basilio de Oliveira, ibidem, “A cautelar de separação prévia de corpos se efetiva com a intimação do outro cônjuge da decisão concessiva da medida”.(grifo nosso)
A intimação, consoante conceituação dada pelo Código de Processo Civil, em seu artigo 234 “é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa.” Com esse conceito podemos afirmar que a efetivação da medida cautelar se dá no momento em que a parte toma ciência da decisão do juiz que a concedeu.
A eficácia da medida por sua vez esta prevista no artigo 807 do Código de Processo Civil, como segue:
“Art. 807. As medidas cautelares conservam a sua eficácia no prazo do artigo antecedente[13] e na pendência do processo principal; mas podem, a qualquer tempo, ser revogadas ou modificadas.
Parágrafo único. Salvo decisão judicial em contrário, a medida cautelar conservará a eficácia durante o período de suspensão do processo.”
A eficácia refere-se ao fato de produzir e manter a cautelar os seus efeitos, o que se dá sob algumas condições previstas no artigo supra citado combinado com o artigo 806, que prevê para as cautelares preparatórias uma prazo de eficácia de 30 (trinta) dias, que serve para alertar o requerente que deverá providenciar a ação principal dentro deste prazo, e na dependência de um processo principal já em curso, as medidas cautelares mantém sua eficácia “mesmo que suspenso aquele processo, tanto de cognição como o de execução, salvo se revogadas ou modificadas (art. 807, § único), o que, aliás, está em sintonia com os dispostos nos arts. 266 e 793, permitindo ao juiz nesse período determinar medidas urgentes.”[14]
II.I.III – Execução e Extinção
A extinção diz respeito ao fim da eficácia da medida cautelar, que pode ser classificada como normal ou anômala. Segundo Basilio de Oliveira, op.cit, p. 132, “Pela forma normal, a medida cautelar se extingue com a procedência da ação principal.” E as formas ditas anômalas seriam as previstas nos artigos do Código de Processo Civil: 807 (revogação e a modificação); 808, n.º I, II e III (não ajuizamento da ação principal dentro dos trinta dias previstos e a falta de execução da medida deferida neste mesmo prazo, a declaração de extinção do processo principal).
Não se pode olvidar, que a falta de qualquer um dos pressupostos processuais e/ou condições da ação, também acarretam a extinção do processo cautelar, e por via de conseqüência, cessa a eficácia da medida nele concedida. Serão nulos os atos praticados após a cessação da eficácia da medida.
No tocante a execução cautelar, “leciona a doutrina que as medidas cautelares podem ser restritivas de direitos, constritivas de bens e simplesmente conservativas de bens, provas ou direitos” (ibidem, p.135), isso nos dá o entendimento de que algumas por si só se executam, diante da decisão concessiva. Outras porém, de natureza condenatória, necessitam de execução, mas o sentido é diverso da execução forçada, pois dentro da matéria de direito cautelar a execução cautelar, “ao contrário, como de resto, em todo processo cautelar, o que se encontra é um conteúdo muito diferente, voltado exclusivamente para a segurança de outro processo, sem cuidar de satisfazer ou proteger um direito de qualquer das partes” (Humberto Theodoro Junior in Basilio de Oliveira, op.cit.,p.136).
Concluindo o pensamento supra, não sendo considerada existente a execução cautelar forçada em sua forma processual conhecida (execução no sentido técnico e específico), não se pode opor embargos a este.
II. II – Medida Cautelar de Afastamento do Lar
Visualiza-se uma certa confusão, ou uma falta de conceituação mais apropriada, que dissocie em parte a separação de corpos do afastamento do lar.
Tendo em vista os deveres do casamento previstos no art. 1566 do Código Civil pátrio, a separação de corpos viria a cessar o dever referente às obrigações sexuais do casal o afastamento do lar o dever de coabitação:
“Art. 1566. São deveres de ambos os cônjuges:
I – Fidelidade recíproca;
II – Vida em comum, no domicílio conjugal …”
Sendo que a doutrina, além de escassa é dúbia a respeito da diferença entre as duas, este trabalho ousa então em afirmar que a separação de corpos se refere ao “mútuo débito conjugal”, sendo que a medida cautelar de Afastamento do Lar, refere-se ao dever de coabitação. Esta foi uma das razões pelas quais optou-se pelo estudo no presente trabalho, da medida cautelar de afastamento do lar, por ser mais abrangente e também mais drástica.
Por vezes percebe-se uma confusão na doutrina, pois muitos doutrinadores tratam das duas medidas cautelares como se fossem a mesma, com as mesmas conseqüências, o que não condiz com a realidade fática e legal.
Fica claro que se o casal não estiver morando sob o mesmo teto, resta prejudicado o mútuo débito conjugal, ficando absorvida pelo afastamento do lar a separação de corpos, pois pode-se concluir que quem não suporta a convivência no lar conjugal, não suportaria manter relações com seu parceiro.
Porém o mesmo não se conclui quando o pedido de separação de corpos é feito, pois, conforme interpretação do pedido por parte do juiz, rompe-se a obrigação do debitum conjugale porém não se rompe o dever de coabitar sob o mesmo teto até final da relação processual, ou interpelação de outra ação cautelar, caso seja necessário.
Deste ponto de vista o afastamento do lar apresenta-se como uma medida mais drástica, em casos que conforme análise dos pressupostos (periculum in mora e fumus boni juris) necessita de verdadeiro rompimento de contato físico e visual entre as partes por período de tempo determinado.
O doutrinador Ovídio Batista[15], vem a corroborar com seus ensinamentos, a análise supra, pois afirma que “A provisional de que trata o art. 888,VI do CPC tem por finalidade precípua isentar os cônjuges do debitum coniugale, não implicando, necessariamente, no afastamento de um deles da morada comum (Marcos Afonso Borges, op. cit. p.109; THEODORO JUNIOR, Comentários…, p.104)”.
Porém ao seguir em suas considerações acerca das medidas cautelares de afastamento do lar e da separação de corpos, cria uma questão intrigante, pois afirma que “ a provisional de separação de corpos não é cautelar. É simples medida antecipatória da provável sentença favorável a ser proferida na ação matrimonial correspondente.” (op. cit. p. 403). O que levando-se em consideração os princípios informadores do processo cautelar, não se poderia afirmar cautelar, sem relevâncias as suas características (fumus boni juris, periculum in mora) bem como de que ela carrega consigo as conseqüências de ser uma ação cautelar (provisoriedade, fungibilidade, revogabilidade, etc.), pensamento esse preponderante na doutrina e tribunais pátrios.
Determinados fins de casamentos que a princípio foram regados com promessas de amor eterno, com o passar do tempo transformam-se em verdadeiros campos de batalha, onde as ofensas variam de palavras a gestos, onde mulheres filhos e também os homens, se vêem presos aos maus tratos e até muito próximos da morte, motivos esses que ensejam o pedido e a concessão do afastamento do lar de um do cônjuges, muitas vezes a “vítima” no casamento sente-se mais segura saindo do lar, não pedindo a saída do agressor, que torna-se inócua quando há o descumprimento da ordem, o que muitas vezes ocorre, retornando ao lar o cônjuge afastado, tornando a causar tormentos a vida familiar.
II.III – Características
Em consideração a matéria específica dirigida ao Direito de Família, é respaldada além dos artigos do Código de Processo Civil (Art.888, VI), também pelos artigos 1562 do Código Civil e artigo 7º parágrafo 1º da Lei do Divórcio.
É considerada prenuncio da separação judicial, e tem como característica a sua maior drasticidade do que a separação de corpos, e que não deve ser concedida inaudita altera parte, isto é, sem audiência prévia de justificação, o que pode ser afastado dependendo da prova constituída, que convença o magistrado da necessidade da liminar urgente.
Basilio de Oliveira,op.cit,p.163, nos ensina que:
“A ordem de afastamento do lar pode-se referir obviamente a qualquer dos cônjuges, marido e mulher. Assim, tanto o requerente pode pedir seu próprio afastamento como o do requerido, conforme já assinalado.
A medida provisional não tem por objetivo apenas a legalização da separação ou de exonerar o cônjuge do debitum conjugale.
Em várias situações, o casal já se acha separado. Nesse caso, excepcionalmente, o que se pretende, basicamente, é evitar o retorno ao lar do outro cônjuge que se ausentou, tornando insuportável a vida do cônjuge que permaneceu e dos filhos.”
Do que podemos concluir que, a ação cautelar pode ser proposta, nos casos em que a parte requerente venha sofrendo maus tratos, sejam eles através de sevícias ou de agressões psicológicas, hoje também consideradas causadoras de malefícios muitas vezes irreversíveis, bem como maus tratos em relação aos filhos, sendo o pedido acompanhado de prova policial, através do boletim de ocorrência e de auto de exame de corpo de delito. Também é requerido quando o cônjuge abandonado, não aceita (por razões óbvias) o retorno ao lar do cônjuge ausente.
III – A Ordem Liminar
III.I – Noções Gerais
Temos no artigo 804 do Código de Processo Civil, a seguinte regra ora transcrita:
“Art. 804. É lícito ao juiz conceder liminarmente ou após justificação prévia a medida cautelar, sem ouvir o réu, quando verificar que este, sendo citado, poderá torná-la ineficaz, caso em que poderá determinar que o requerente preste caução real ou fidejussória de ressarcir os danos que o requerido possa vir a sofrer.”
Com base nesta determinação geral, concluímos que a decisão inicial, que acompanha muitas vezes a própria citação (inaudita autera parte) que concede a providência cautelar solicitada é a liminar.
Em nota de rodapé, referindo-se ao artigo supra, Victor A.A. Bonfim Marins, op.cit, p.263, faz uma consideração que deve ser apreciada na íntegra, neste intróito:
“O Código emprega o vocábulo liminar, na dicção do art. 804, para designar o provimento concedido antes da justificação prévia (“liminarmente ou após a justificação prévia). Isto está longe de significar contudo, que o juiz não possa deferir a cautela após ouvir o réu ou após a justificação prévia, mesmo que se não dê à decisão interlocutória correspondente o nome de liminar.”
III.II – Descumprimento da Ordem Liminar
Ultrapassadas as fases de prova do fumus boni juris e do periculum in mora, onde o juiz já verificou a necessidade da medida cautelar suplicada, verifica-se por vezes a existência de resistência por parte do réu em atender à ordem contra ele deferida. Muitas vezes não só empreende resistência como também descumpre literalmente a ordem dada de não mais permanecer no lar conjugal, retornando a ele, nem bem o Oficial de Justiça tenha cumprido o mandado.
Como o afastamento do lar pode vir a ser requerido por quem queira sair, bem como por quem deseja que o outro cônjuge saia, é mais coerente dizer que o descumprimento da ordem se dê com mais freqüência no segundo caso, onde se determina a saída contra a vontade do paciente.
Tendo o juiz cautelosamente, como se espera, analisado todos os requisitos para a concessão, bem como as provas produzidas, o descumprimento afronta uma ordem judicial, que não há que ser revista a não ser por meios próprios, que não o desforço pessoal do réu.
Em análise do que escreveu Ovídio Batista (ob. cit.) percebe-se que observou que a cautelar já seria para alguns a própria providência tomada para punir o descumprimento:
“É importante observar que Calamandrei, ao sugerir que as medidas cautelares desempenhariam a função de uma “polícia judiciária”, predisposta a defender o imperium iudicius (Introduzione…,p.144), lembra que essas providências judiciais assemelham-se ao contempt of court do direito anglo-americano, que são igualmente medidas adotadas pela commom law para assegurar o império judicial e punir desrespeitos à corte.”
Continua Ovídio Batista, ob. cit. página 104, dizendo que:
“Essas liminares, que deveriam antecipar apenas condenação – de modo que a execução se fizesse em processo autônomo subsequente -, acabam transformadas em decisões mandamentais, seja através do emprego do processo cautelar, seja muitas vezes utilizando-se o mandado de segurança e até a ação civil pública, hipóteses em que o não cumprimento da sentença liminar, que seria apenas o pressuposto ligitimador da ação executória, como estabelece o art. 580 do CPC, passa a ser considerado desobediência a uma ordem judicial – ordem que naturalmente as sentenças condenatórias não podem conter -, e o demandado sujeito a pena de prisão.”
Um exemplo do que fora supra mencionado, que pode ser utilizado para ilustrar a questão, é o citado pelo próprio Ovídio Batista [16], que segue abaixo transcrito:
“Essas liminares “provisionais satisfativas” têm sido empregadas para veicular pretensões que, em tese, seriam casos típicos de ações condenatórias, transformadas, no entanto, em ações mandamentais. A experiência jurisprudencial recente registra um caso exemplar desta transformação das pretensões condenatórias em mandamentais nas ações promovidas pelos segurados da previdência social, ou em seus nomes, visando ao pagamento de pensões em valores corrigidos, segundo os novos critérios constitucionais. A pretensão a haver pagamento, a mais típica e universalmente conhecida espécie de pretensão condenatória, tanto no domínio das relações de natureza privada quanto nos casos em que o condenado seja uma entidade de direito público, torna-se, nessas hipóteses, uma pretensão mandamental a produzir decisões mandamentais, por meio das quais o juiz não mais condena, mas ordena o pagamento, sob pena de desobediência.”
O crime de desobediência está previsto no artigo 359 do Código Penal, através de abertura de inquérito policial, e com a possibilidade de ordem de prisão em flagrante, conforme transcrição infra:
“Desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito
Art. 359 – Exercer função, atividade, direito, autoridade ou múnus, de que foi suspenso ou privado por decisão judicial:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, ou multa.”
Tal artigo pose vir a ser utilizado pelo Juiz, quando contempla a situação fática que ele prevê, mesmo que seu texto não comporte a previsão de “desobediência na esfera civil”, o que talvez não seja necessário, tendo em vista ser utilizado por simples desobediência, seja ela de juiz de competência no cível ou no crime.
Questão suscitada de início, que merece ser contemplada nessa altura de desenvolvimento do trabalho é a que se refere ao descrédito do judiciário perante a sociedade, quando um cidadão descumpre deliberadamente uma ordem judicial.
Em primeiro lugar, pode ser observado, que o descumprimento se refere mais a uma falta de respeito, conhecimento e consciência de cidadania, de uma pessoa que vive em uma sociedade organizada, do que por parte da atuação do judiciário. Tendo em vista não se referir a “crise do judiciário”, bem como a sua “morosidade” (parte do anterior), pois supõem-se que fora devidamente aplicada a medida e tornada eficaz e efetiva, somente põe em prova a força do poder acionado, em manter a ordem social.
Como disse William James, psicólogo e filósofo americano: “A maior descoberta da minha geração é que os seres humanos, alterando suas atitudes mentais, podem alterar a própria vida”, e isso é que deve ser proporcionado a todos em nossa sociedade, oportunidade de mudança de suas atitudes mentais, focalizando isso para o desenvolvimento de todos os segmentos sociais, o que irá fatalmente culminar em “paz social”. Um povo educado, confiante e subordinado a uma ordem justa, possivelmente não transforme nossos tribunais em campos de batalha, sem submeter-se às ordens que forem contrárias aos seus próprios interesses, sem pensar no coletivo. Utopia a parte, a educação é um ótimo começo.
Conclusão
(…)Ao tratar da Ação Cautelar de Afastamento do Lar, chama a atenção o fato de muitas vezes a liminar ser concedida, ser cumprida pelo Oficial de Justiça, isto é, torna-se eficaz e efetivada pela citação ou intimação da parte, porém é descumprida logo em seguida pelo réu (ré).
Não foi encontrada solução homogênea na esfera processual civil, para superar ou apenas contornar a questão. Recorrem os juristas a diversas soluções, conforme suas próprias consciências, respeitados os limites legais, partindo da designação de audiência que não se caracteriza como de justificação, pois a liminar já fora concedida, e apresenta-se nos moldes da conciliatória, não prevista especificamente para as cautelares, mas presente no artigo 125, inciso IV do Código de Processo Civil pátrio, que dá poderes ao juiz para promover a conciliação a qualquer tempo: “Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe: (…) IV – tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes.”
A outra solução é apelar para o uso dos poderes auferidos pelo Código Penal, em seu artigo 359, sendo repassada as peças processuais necessárias ao Ministério Público oferecer a denúncia pelo crime de desobediência, o que nem sempre na prática oferece resultados, tendo em vista a possibilidade de suspensão do processo pelo artigo 89 da Lei 9.099/95 nos termos em que prevê.
A eficácia e a efetividade, com base em seus conceitos jurídicos, formalmente não se vêem prejudicados pelo ato do descumprimento. A medida não perde sua eficácia, em tese, que seria o direito representado pelo fumus boni juris (fumaça do bom direito) da parte requerente, e ele ter sido reconhecido a fim da medida produzir seus efeitos, que é dar a parte requerente a garantia de preservação de sua integridade física ou psicológica, durante o período de tempo previsto em lei (trinta dias ou enquanto durar o processo principal).
A efetividade, que se refere ao momento da efetivação da medida, também não se torna prejudicada na forma, e direitos da parte em relação aos seus efeitos. Mesmo com o descumprimento, o prazo do artigo 806 do CPC, permanece da data da citação ou intimação do réu, para impetrar a ação principal se preparatória, para o autor, e apresentar a contestação para o requerido.
O que se verifica de imediato, como conseqüência do descumprimento, é o perigo que corre a parte requerente da medida, e o descrédito no poder judiciário, tendo em vista “o longo braço da lei” ter sido naquele momento desviado.
É inquestionável que ao menos no plano das idéias, o processo deve colimar resultados concretos, o que efetivamente ocorre com as cautelares, e neste caso específico, formalmente a medida cautelar de afastamento do lar foca resultado prático, porém nos deparamos no trabalho diário do judiciário com limitações impostas pelos diversos fatores sociais, e um deles, mais evidente neste caso, é a ignorância da parte paciente, o diálogo bastante restrito, e um caos social generalizado, que culmina no descrédito das instituições existentes.
Uma melhor redação do artigo do Código Penal, acesso a justiça, mas não no sentido de proporcionar a promoção de um numero maior de demandas, ou de juizados de pequenas causas, para dirimir questões de valor monetário reduzido, e sim o acesso a informação da justiça, cidadãos conhecedores de seus deveres e direitos, conscientizados de seus limites diante do poder judiciário, e até a simples explicação de que a cautelar não decide a questão, e que não estará abrindo mão de seus direitos de cônjuge com o fato de estar sendo afastado do lar, pessoas mais conscientes, não se limitam a pensar na “queda de braço” que está supostamente disputando, e que o ato de afastamento lhe causaria uma vergonha diante da comunidade em que convive, e diante da família que comanda, tudo isso traria uma luz a questão.
Razão pela qual a insistência em educar o povo. Os reflexos para o judiciário seriam benéficos, e toda essa polêmica de acesso a justiça seria questão resolvida. A idéia de que o povo tenha acesso a justiça, não pode estar separada das outras necessidades, pois do contrário, seriam cidadãos mancos, com apenas “uma perna” apoiada e a outra ao vento, a mercê das outras carências. Tudo isso está intimamente ligado a questão do descumprimento da ordem liminar, pois temos às portas de nossos tribunais cidadãos “mancos”, com acesso a justiça, mas não sabendo como bem utilizá-lo.
Informações Sobre o Autor
Soraya de Morais
Funcionária do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, exercendo a função de Conciliadora do Juizado Especial Cível.
Pós Graduada em Direito Processual Civil “lato sensu” pelo INCIJUR.