Moradia do fiador nos contratos de locação de imóvel

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Resumo: O estudo do direito à moradia do fiador em contrato de locação de bem imóvel urbano é de suma importância jurídica, já que a fiança é a garantia mais corriqueira nesta espécie de ajuste, apesar de existirem outras elas não são incentivadas. O trabalho foi desenvolvido através da pesquisa bibliográfica, nas áreas de conhecimento jurídico, e jurisprudência. A Lei 8.009/90 dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família, em regra, bem imóvel, ficando este protegido de eventual penhora por dívidas. Entre as exceções, há a penhorabilidade por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. A Emenda Constitucional número 26 de 2000, acrescentou o direito social à moradia. Começou-se a discutir a constitucionalidade da penhora do bem imóvel do fiador em contrato de locação. Surgiram duas correntes. A primeira defende a constitucionalidade do dispositivo legal. A segunda apoia a inconstitucionalidade, por violar não só o direito à moradia como também outros princípios expressos e implícitos da Carta. O Supremo Tribunal Federal, em um verdadeiro retrocesso, posicionou-se, em plenário, pela constitucionalidade da norma. Contudo, entende ainda hoje a grande maioria da doutrina civilista pela a inconstitucionalidade do dispositivo da citada lei por ofenderem diversos comandos supremos.

Palavras chaves: Fiador. Moradia. Constitucionalidade.

Abstract: The study of the right to housing of the guarantor in lease of immovable property urban and of utmost importance, legal already that the guarantor and the guarantee more commonplace in this kind of setting, although there are other, are not encouraged. The work was developed through literature research in the fields of legal knowledge, and jurisprudence. Law 8.009/90 provides for unseizability of good family, as a rule, immovable property, being this eventual protected from garnishment by debt. Among the exceptions, there penhorabilidade by the obligation of bail granted in the lease. The Constitutional Amendment number 26, 2000, added the social right to housing. We began to discuss the constitutionality of the seizure of the property of the guarantor on the lease. Emerged two streams. The first defends the constitutionality of legal provisions. The second supports the unconstitutional for violating not only the right to housing as well as other expressed and implied principles of the Charter. The Supreme Court, in a real setback, positioned himself in plenary, the constitutionality of the provision. However, understands even today the vast majority of tort doctrine unconstitutional by the device of the aforementioned law for offending many supreme command.

Keywords: guarantor. Villa. Constitutionality.

Sumário: Introdução. 1. Desenvolvimento.  1.1. Negócio jurídico. 1.2. Contrato de locação. 1.3. Contrato de fiança. 1.4. Supremacia da Constituição e patrimônio mínimo. 1.5. Bem de família. 1.6. Constitucionalidade da penhora do bem de família do fiador em contrato de locação de bem imóvel. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

O sonho da maioria das pessoas é conquistar a casa própria, muitos morrem sem realizá-lo, no geral, por dificuldades financeiras, já que importa uma soma considerável para a maioria da população brasileira. Muitos dedicam anos de trabalhos e abdicam de pequenas mordomias, para adquirir um pequeno imóvel.

Em um ato de solidariedade e imbuído da intenção de ajudar um amigo, a pessoa concorda em ser fiador em contrato de locação de bem imóvel, mesmo não tendo benefício algum. Não sabe que este gesto pode custar à própria moradia, travando no Judiciário uma batalha que infelizmente lhe tem sido desfavorável, embora os estudiosos do assunto apontem a violação de diversos princípios, explícitos e implícitos da Constituição: solidariedade, igualdade, moradia, proporcionalidade e dignidade da pessoa humana. A Carta Política prevê uma série de prerrogativas a todos, não se limita apenas às relações entre Estado e particular, abrange as relações privadas. A autonomia da vontade não é ilimitada.

O estudo do direito à moradia do fiador em contrato de locação de bem imóvel urbano é de suma importância jurídica, já que a fiança é a garantia mais corriqueira nesta espécie de ajuste, apesar de existirem outras, elas não são incentivadas.

A Lei 8.009/90 dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família, consistindo este, em regra, em bem imóvel. Entre as exceções à regra geral, contempladas pela referida norma, é a penhorabilidade por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. As consequências são muito gravosas para o fiador; elas recebem críticas da doutrina. O Supremo Tribunal Federal, inobstante guardião da Constituição, julga-a constitucional.

Na elaboração deste artigo, foram utilizados os métodos dedutivo e indutivo. Durante o exame dos textos doutrinários, foi utilizado o método dedutivo, pelo qual se procura alcançar um denominador comum entre os autores. A partir do método indutivo, foram também analisadas diversas obras sobre o assunto. Os grandes civilistas, levantados nesta obra, entendem pela inconstitucionalidade da penhora do bem de família do fiador do contrato de locação de imóvel urbano.

O trabalho foi desenvolvido basicamente pela pesquisa nas áreas de conhecimento jurídico, pelo levantamento e análise da regulamentação existente, nos artigos jurídicos e na abordagem jurisprudencial dos Tribunais.

Primeiro, analisar-se-á uma visão geral dos contratos, abordando os conceitos gerais, e depois, especificamente, os contratos de locação de bem imóvel regido pela lei 8.245/1991 e os de fiança regulado pelo Código Civil. Em seguida, abordar-se-ão algumas lições históricas e constitucionais. A teoria do patrimônio mínimo também será mencionada na pesquisa. Posteriormente, introduzir-se-á a questão do bem de família, para, por fim, criticar a constitucionalidade do inciso VII, do artigo 3º da Lei 8.009/90, acrescido pela Lei 8.245/91, a partir da doutrina mais autorizada e da melhor interpretação Constitucional, mesmo divergindo do entendimento dos Tribunais Superiores.

1. DESENVOLVIMENTO

O estudo é voltado à análise do bem de família do fiador em contrato de locação de imóvel. O ponto de partida, como não poderia deixar de ser, é uma pequena passagem pela teoria geral dos negócios jurídicos.

1.1. NEGÓCIO JURÍDICO

O contrato é um negócio jurídico, fato jurídico, baseado na autonomia da vontade humana. A(s) sua(s) parte(s) autodisciplina(m) os seus direitos e deveres, isto é, normatiza(m) os efeitos jurídicos que pretende(m) alcançar.

O conceito de negócio jurídico na ótica de Azevedo apud Farias (2012, p. 585): “todo fato jurídico consistente na declaração de vontade, a que o ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como queridos, respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia impostos pela norma jurídica que sobre ele incide”. Já Orlando apud Farias (2012, p.285) define como “toda declaração de vontade destinada à produção de efeitos jurídicos correspondentes ao intento prático do declarante se reconhecido e garantido pela lei”.

Os negócios jurídicos têm por fim a aquisição, a modificação, a transferência ou extinção de direitos e fundam-se na autonomia da vontade, porém a liberdade conferida aos indivíduos, para regerem e dirigirem relações jurídicas, não é ilimitado, e sim condicionado a parâmetros basilares, consagrados Constitucional e infraconstitucionalmente, tais como a função social do contrato, a boa-fé objetiva, a segurança, a igualdade, a saúde, a dignidade da pessoa humana etc.

A vontade é muito importante para caracterizar o negócio jurídico, todavia, na ótica atual, deixou de ter caráter puramente individualista, passando a incorporar outrossim os efeitos sociais, segundo a doutrina de Farias (012, p.588): “O negócio jurídico transcende o individualismo da vontade para cumprir função de instrumento de concretização da nova tábua axiológica constitucional (CF/88, arts. 1º, III, 3º e 5º)”.

Pontes de Miranda identificou os elementos que compõe o negócio jurídico, conhecido como “Escada Ponteana” ou “Escada Pontiana”, designação dada pela professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka. O autor identificou três planos do negócio jurídico na seguinte ordem: o da existência, o da validade e o da eficácia.

Em regra, para que um negócio seja eficaz, é necessário ter existência e validade, contudo pode haver situações em que ele seja existente, eficaz e ser inválido, caso de um negócio jurídico anulável que esteja gerando efeitos, aponta-se como exemplo o casamento anulável celebrado de boa-fé, gerando efeitos como casamento putativo (TARTUCE, 2011).

Tem-se no plano da existência os seguintes elementos: partes, vontade, objeto e forma. O Código Civil não trata deste plano, parte da validade no seu artigo 104.

No plano da validade, os elementos de existência passam a ser acompanhados de um adjetivo: partes capazes, vontade livre, sem vícios, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, forma prescrita ou não defesa por lei. A supressão de qualquer um destes poderá caracterizar nulidade absoluta ou relativa, e ainda total ou parcial.

Tendo em vista o princípio da conservação do negócio jurídico, adotado pelo Código Civil, a parte inútil do negócio não prejudica a útil, conforme:

Art. 184. Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal.”

Quanto ao plano da eficácia, a denominação é clara, trata da capacidade de produzir efeitos, encontram-se, neste degrau, os elementos acidentais: condição (acontecimento futuro e incerto), termo (acontecimento futuro e certo), modo ou encargo (atribui a uma liberalidade uma obrigação).

1.2. CONTRATO DE LOCAÇÃO

Os doutrinadores Pedrottis (2005, p.2) expõem o seguinte conceito: “Locação consiste no contrato pelo qual uma das partes entrega à outra imóvel urbano para uso e gozo, por meio do pagamento de quantia ajustada, costumeiramente mensal”.

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Trata-se de um contra bilateral, consensual, oneroso e de execução continuada.

O contrato de locação de imóvel urbano é regido pela Lei n.8.245/1991 com as alterações introduzidas pela Lei n.º12.112/2009.

Não se aplica a referida norma, segundo o artigo 1º, continuando regidas pelo Código Civil e pelas Leis especiais, as locações de: imóveis de propriedade da União, dos Estados e dos Municípios, de suas autarquias e fundações públicas, vagas autônomas de garagem ou de espaços para estacionamento de veículos, espaços destinados à publicidade, em apart-hotéis, hotéis – residência ou equiparados, assim considerados aqueles que prestam serviços regulares a seus usuários e com tais seja autorizados a funcionar, por fim, exclui o arrendamento mercantil, em qualquer de suas modalidades.

Segundo Tepedino (2004, p.154): “No âmbito das locações de coisas, distingue-se a locação de bens móveis, prevista nos arts. 565 a 578 do Código Civil de 2002 e a locação de bens imóveis, regulada pela Lei n.º8.245/91”.

A classificação de imóvel urbano independerá de sua localização, sendo importante a sua destinação. Neste sentido, os comentário dos Pedrotti revelam (2005, p.3): “Imóvel urbano deve ser considerado para fins da Lei nº8.245, de 18 de outubro de 1991, aquele que não se destina à economia rural, não importando o lugar em que se encontra situado no perímetro urbano ou fora dele”.

1.3 CONTRATO DE FIANÇA

A fiança ou caução fidejussória, como também é chamada, trata-se de um contrato regulado no pelo artigo 818 do Código Civil: “Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra”. É uma garantia pessoal, respondendo todo o patrimônio do fiador pelo débito do devedor. Consiste num pacto acessório, por garantir o contrato principal, firmado entre o fiador e o credor, independentemente da vontade do devedor, necessariamente escrito, não solene, por prazo determinado ou indeterminado e, em regra, gratuito. Não admite interpretação extensiva. Sua existência depende do contrato principal, sendo este nulo, a fiança assim também será, veja o art.824 do Código Civil: “As obrigações nulas não são suscetíveis de fiança, exceto se a nulidade resultar apenas de incapacidade pessoal do devedor”. Deve-se ressaltar, pela regra do artigo 366 do mesmo Código, que havendo novação da dívida com o devedor principal, sem o consenso do fiador, este ficará exonerado: “Importa exoneração do fiador a novação feita sem seu consenso com o devedor principal”.

O artigo 1.647, inciso III do Código Civil traz norma importante, determina a obrigatoriedade da autorização do outro cônjuge para prestar fiança, exceto se o regime for o da separação absoluta de bens.

A Lei n.8.245/1991 em seu artigo 37, inciso II, estipula como uma das garantias dos contratos de locação imóvel urbano a fiança, e veda em seu artigo 37, parágrafo único, mais de uma garantia num mesmo contrato de locação, sob pena de nulidade. Aconselha-se a anular a garantia excedente, tendo em vista o princípio da preservação do negócio jurídico.

O fiador, no contrato de locação, fica obrigado pela dívida do devedor principal, no limite que convencionou com o credor, segundo a súmula 214 do Superior Tribunal de Justiça: “O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu”.

Quanto a duração da garantia contratual, inclusive a fiança, segundo o artigo 39 da lei de locações: “Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força desta Lei.” Discute-se muito a questão da exoneração do fiador no caso de prorrogação do contrato para prazo indeterminado, esta questão não será abordada no texto, deixando-se apenas o registro. Lembrando que o foco é a inconstitucionalidade da lei que permite a penhorabilidade do bem de família do fiador, devem ficar registradas no trabalho algumas considerações à constitucionalidade das leis e ao direito constitucional ao bem de família, para, por fim, mostrar o ponto de vista da doutrina e da Jurisprudência sobre a questão.

1.4. SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO E PATRIMONIO MÍNIMO

Kelsen dividiu em uma pirâmide vários estratos normativos, no topo ficam a Constituição ou as normas constitucionais, na sequência e de forma decrescente, têm-se as emendas constitucionais; leis complementares; leis ordinárias, resoluções legislativas, medidas provisórias e leis delegadas; e por fim, as normas complementares. A pirâmide de Kelsen é a teoria clássica em que se estabeleceu uma hierarquia normativa, considerando como lei suprema a Constituição e as emendas constitucionais. As normas hierarquicamente inferiores devem estar em consonância com os preceitos constitucionais. Dessa forma, o legislador ao elaborar a lei deve obviamente obedecer à Constituição.

Os atos e decisões dos Poderes Públicos devem ser absolutamente fiéis aos postulados constitucionais. Todos os Poderes, órgãos e cidadãos devem respeitar a supremacia da Constituição, configurando uma garantia que os direitos e liberdades jamais serão ofendidos.

A Constituição limita não só o cidadão como também o próprio Estado. A Carta Magna dispõe, entre outras matérias, sobre os direitos mais preciosos do ser humano. É a Constituição Federal que organiza o Estado brasileiro:

“Nossa Constituição é rígida. Em consequência, é a lei fundamental e suprema do Estado brasileiro. Toda autoridade só nela encontra fundamento e só ela confere poderes e competências governamentais. Nem o governo federal, nem os governos dos Estados, nem os dos Municípios ou do Distrito Federal são soberanos, porque todos são limitados, expressa ou implicitamente, pelas normas positivas daquela lei fundamental. Exercem suas atribuições nos termos nela estabelecidos” (SILVA, 2000, p.46).

Os valores e princípios explícitos e implícitos consagrados na Carta Política devem ser vetores para o intérprete da norma jurídica, seja para quem elabora ou para quem aplica as normas infraconstitucionais. É pacífico, no ordenamento jurídico brasileiro, a supremacia da Constituição.

O Direito Ocidental passou por grandes transformações, devidas aos acontecimentos históricos marcantes: Revolução Francesa, Primeira e Segunda Guerras Mundiais. Classicamente, dominava, no Estado Liberal, um ordenamento voltado para a proteção da propriedade privada, o brocardo mais conhecido era o pacta sunt servanda (o contrato faz lei entre as partes). Percebeu-se, ao longo dos anos, que era preciso humanizar as relações jurídicas, nascendo a consciência da solidariedade e da dignidade da pessoa humana. Houve uma verdadeira despatrimonialização, valorizando-se o ser em detrimento do ter.  

A Constituição Federal de 1988 está carregada de valores voltados à pessoa física, tendo como fundamento a dignidade da pessoa humana e com os seguintes objetivos fundamentais no seu artigo 3º:

“I – construir uma sociedade livre, justa e solidaria;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Todos os órgãos e Poderes da União, Estados, do Distrito Federal e Municípios, como também as relações privadas, devem seguir as diretrizes axiológicas trazidas pela Carta Magna, não podendo se afastar dos seus mandamentos.

Inspirado nos ensinamentos Constitucionais, Fachini criou a teoria do patrimônio mínimo ou mínimo existencial: “a proteção de um patrimônio mínimo vai ao encontro dessas tendências (despatrimonialização das relações civis), posto que põe em primeiro plano a pessoa e suas necessidades fundamentais” (FARIAS; ROSENVALD apud FACHINI, 2012, p.496). Para o autor, para se alcançar os objetivos e fundamentos Constitucionais, deve-se preservar uma pequena parcela do patrimônio do indivíduo, para atender as necessidades essenciais da pessoa humana, em outras palavras, os bens passam a ter uma função social. Nas palavras de FARIAS; ROSENVALD (2012, p.497):

“Nessa ordem de ideias é que se propõe não poder o patrimônio ser um fim em si mesmo, exigindo uma funcionalização do mínimo essencial para a proteção da pessoa humana que o estiver titularizando. Em sendo assim, este mínimo não tem cifra mensurável, dependendo do caso concreto para ser delimitado.”

O bem de família decorre da teoria do patrimônio mínimo. Nas palavras da professora Dias (2010, p.587): “Os novos valores a serem protegidos pelo bem de família podem ser resumidos na noção de mínimo vital, que visa a preservar as bases de dignidade do devedor para que possa recomeçar a vida, mantendo íntegra a sua personalidade”.

Ressalte-se que a teoria mencionada, não leva a irresponsabilidade patrimonial do devedor, porém, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, não permite que o sacrifique a ponto de deixá-lo em situação miserável.

Feita a abordagem sob o ponto Constitucional, passaremos a fazer as considerações ao bem de família e suas principais regras.

1.5 BEM DE FAMÍLIA

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Como não poderia deixar de ser, a legislação extravagante, levada pela ordem constitucional e com a finalidade de enfatizar os valores nela consagrados, instituiu o bem de família convencional, regido pelo Código Civil nos artigos 1.711 a 1722, e o legal ou obrigatório, previsto na Lei n. 8009/90, tornando-o impenhorável, exemplo de patrimônio mínimo. O primeiro é feito necessariamente por escritura pública ou testamento, já o segundo prescinde dessa formalidade, sendo norma de ordem pública. Em regra, ele é impenhorável, não respondendo por dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza. Vejamos os dispositivos:

“Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.”

“Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei”.

“Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.”

No Brasil, as pessoas não têm o hábito de instituir bem de família voluntário. Este se constata útil, quando o indivíduo é proprietário de mais de um bem imóvel residencial, optando por qual deseja proteger, mediante escritura pública, de futuras dívidas, não fazendo isto, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor. Observa Mario Godoy:

“Da leitura atenta dos dispositivos legais invocados, pode-se facilmente inferir que o casal que tiver o seu patrimônio constituído de apenas um único imóvel, destinado à moradia, não poderá instituí-lo como bem de família convencional; aplicável à espécie o regime da Lei 8.009/1990, de modo a lhe atribuir a natureza de bem de família legal.”

O mais comum é o bem de família legal, imposto pelo Estado. Devido a sua relevância, editou-se a súmula 205 do Superior Tribunal de Justiça, regulando a vigência da norma, afirmando o seguinte: “A Lei nº 8.009-90 aplica-se à penhora realizada antes de sua vigência”.

A legislação civil não faz distinção entre imóvel urbano ou rural, ambos recebem a guarida, inclui-se como objeto de bem de família os valores mobiliário, destinados a conservação do imóvel e do sustento da família, as plantações, as benfeitorias, os bens que guarnecem a casa, desde que quitados, os equipamentos, inclusive os de uso profissional.

“Art. 1.712. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.”

A lei 8.009/90 limita a impenhorabilidade do bem de família rural a sede da moradia com os respectivos bens móveis, conforme o §4º, artigo 4º:

“Quando a residência familiar constituir-se em imóvel rural, a impenhorabilidade restringir-se-á à sede da moradia, com os respectivos bens móveis, e, nos casos do art. 5º, inciso XXVI, da Constituição, à área limitada como pequena propriedade rural.”

Pondera o artigo 4º, repelindo o abuso de direito: “Não se beneficiará do disposto nesta lei aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga”.

A família recebeu, pelo fato da sua importância, essencial para formação do caráter da pessoa e para busca da felicidade, especial proteção da Constituição: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.

A Lei n.8.009/90 tem como fundamento principal a dignidade da pessoa humana, a família é apenas uma extensão deste princípio. O STJ, no REsp 45098/RJ, deu o direito do devedor solteiro gozar da proteção do bem de família. Segundo a Súmula 364 do Superior Tribunal de Justiça: “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas”.  

Repetindo o que já foi dito em linhas anteriores, em regra, o bem de família legal é impenhorável, conforme o artigo 1º da Lei n.8.009/1990, o artigo 3º traz ressalvas referentes a dívidas do próprio imóvel, em geral, obrigações proptem rem: dos trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias (inciso I), as decorrentes do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato (inciso II), de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar (inciso IV). Também afasta a impenhorabilidade do bem de família, quando se tratar de pensão alimentícia (inciso III), por ser mais importante tutelar a vida do alimentado do que o patrimônio do alimentante. O imóvel adquirido como produto do crime ou para a execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens (inciso VI) também é outra ressalva. Não se aplica a regra da Lei, quando o próprio imóvel da família for dado em hipoteca (inciso V), entende-se que houve renúncia, porém há julgados do Superior Tribunal, AgRg no AREsp264431/SE AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2012/0253270-0,  Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, julgado em 2013, defendendo a tese que, se o benefício não tiver sido revertido à família, o imóvel continuará impenhorável por força de lei, isto é, não se aplicando quando for instituído em favor de terceiros:

“DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. CÉDULA DE CRÉDITO COMERCIAL COM HIPOTECA. IMÓVEL HIPOTECADO DE PROPRIEDADE DE PESSOA JURÍDICA. ÚNICO BEM A SERVIR DE MORADA À ENTIDADE FAMILIAR. LEI 8.009/1990. IMÓVEL DADO EM GARANTIA EM FAVOR DE TERCEIRA PESSOA JURÍDICA. INTERVENIENTES HIPOTECANTES NÃO BENEFICIÁRIOS DO EMPRÉSTIMO. BEM DE FAMÍLIA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. BENEFÍCIO QUE NÃO ADMITE RENÚNCIA POR ARTE DE SEU TITULAR. CARACTERIZAÇÃO DO BEM, OBJETO DA EXECUÇÃO, COMO BEM DE FAMÍLIA. CONVICÇÃO FORMADA COM BASE NO SUPORTE FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. INCIDÊNCIA. 1. "Para que seja reconhecida a impenhorabilidade do bem de família, de acordo com o artigo 1º, da Lei n° 8.009/90, basta que o imóvel sirva de residência para a família do devedor, sendo irrelevante o valor do bem." (REsp 1.178.469/SP, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 18/11/2010, DJe 10/12/2010)  2. A jurisprudência do STJ tem, de forma reiterada e inequívoca, pontuado que a incidência da proteção dada ao bem de família somente é afastada se caracterizada alguma das hipóteses descritas nos incisos I a IV do art. 3º da Lei 8.009/1990. Precedentes. 3. O benefício conferido pela Lei n. 8.009/90 ao instituto do bem de família constitui princípio de ordem pública, prevalente mesmo sobre a vontade manifestada, não admitindo sua renúncia por parte de seu titular. A propósito, entre outros: REsp 875.687/RS, Rel. Ministro Luiz Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 9/8/2011, DJe 22/8/2011; REsp 805.713/DF, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 15/3/2007, DJ 16/4/2007 4. A firme jurisprudência do STJ é no sentido de que a excepcionalidade da regra que autoriza a penhora de bem de família dado em garantia (art. 3º, V, da Lei 8009/90) limita-se à hipótese de a dívida ter sido constituída em favor da entidade familiar, não se aplicando na hipótese de ter sido em favor de terceiros – caso dos autos. (AgRg no Ag 1.126.623/SP, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 16/9/2010, DJe 6/10/2010; REsp 268.690/SP, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, DJ de 12/3/2001). 5. No caso, as instâncias ordinárias, com suporte no conjunto fático-probatório produzido nos autos, firmaram convicção de que o bem dado em garantia é a própria moradia da entidade familiar dos sócios da pessoa jurídica – proprietária do imóvel e interveniente hipotecante do contrato de mútuo celebrado -, situação que não desnatura sua condição de "bem de família". Com efeito, inviável, em sede de especial, desconstituir a conclusão a que chegou o Tribunal a quo quanto à realidade fática do uso do imóvel – a de que o bem hipotecado é bem de família. 6. Agravo regimental não provido.”

1.6 CONSTITUCIONALIDADE DA PENHORA DO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR EM CONTRATO DE LOCAÇÃO DE IMÓVEL

Dentre as exceções do artigo 3º, o inciso VII, incluído pela Lei n.8.245/1991, é o que traz mais polêmica na doutrina e jurisprudência: a penhorabilidade do bem de família por obrigações decorrentes de fiança concedida em contrato de locação. 

A Emenda Constitucional n.26 de 2000, acrescentou o direito social à moradia: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. 

Começou-se a discutir a constitucionalidade da penhora do bem imóvel do fiador em contrato de locação.  Surgiram duas correntes.

A primeira defende a constitucionalidade do dispositivo legal. Argumentando que o direito de moradia é uma norma programática de segunda geração, mandamento que estabelece diretrizes ou programas a serem implementados pelos Poderes Públicos, com aplicação diferida no tempo, isto é, não tem aplicação imediata. Reforçando esta posição:

“Os direitos sociais não se referem ao direito individual de preservar sua morada, ainda que considerado bem de família, mas que os direitos sociais são a garantia de que o estado na sua função social irá garantir e oferecer à sociedade as condições materiais e concretas para que ela esteja guarnecida de moradia digna. Os direitos sociais, tal como se apresentam na constituição são, em verdade regras de ‘dever ser’, e, portanto, regras programáticas. Dita assim, a questão da penhorabilidade da moradia do fiador não é objeto de direito social da moradia” (SIMÃO apud CUTAIT, 2012, p.59).

A segunda corrente apoia a inconstitucionalidade da norma, por violar não só o direito a moradia, como também o princípio da isonomia, da proporcionalidade, da dignidade da pessoa humana e da solidariedade.

O devedor principal tem direito a proteção legal, enquanto o subsidiário não goza do mesmo benefício da impenhorabilidade do bem de família, no mínimo, injusto este raciocínio. Ofende frontalmente a igualdade: o fiador pode ficar sem teto, o inquilino não. Filiando a tese:

“À luz do Direito Civil Constitucional – pois não há outra forma de pensar modernamente o Direito Civil -, parece-me forçoso concluir que este dispositivo de lei viola o princípio da isonomia insculpido no art.5º da CF, uma vez que trata de forma desigual locatário e fiador, embora as obrigações de ambos tenham a mesma causa jurídica: o contrato de locação” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2004, p.290).

Condena a penhorabilidade do bem imóvel do fiador o doutrinador Gonçalves (2009, p.504): “Tal exceção contém uma certa incongruência, pois, tendo o inquilino como impenhoráveis os bens que guarnecem sua residência, poderia seu fiador sofrer execução de seu bem de família, sua residência.”

O professor Flávio Tartuce entende que o inciso VII ofende o direito a moradia, exteriorização do princípio da proteção da dignidade da pessoa humana (SIMÃO, p.60).

Também posiciona-se sobre o tema o Gonçalves apud Azevedo (2009, p.504): “leva a que seja executado o responsável (fiador), sem a possibilidade de execução do devedor (o locatário, afiançado); e, mais, que sendo executado o primeiro, não possa ele exercer seu direito de regresso contra o segundo.”

Outro importante civilista assevera:

“Diante de tal tendência axiológica, não se pode interpretar a Lei n.º8.245, em particular no que concerne aos litígios oriundos das obrigações contratuais, com lente unilateral, maniqueísta. Apresenta-se imprescindível o cotejo dos interesses em conflito como a ratio da norma, privilegiando os valores extrapatrimoniais – a moradia, a estabilidade da pessoa humana em seu hatitat -, bem como o fundo empresarial” (TEPEDINO, 2004, p.190).

O bom senso diria o seguinte: no contrato de fiança, essencialmente acessório, o fiador é devedor subsidiário, devendo recair primeiro a dívida no devedor principal, para depois excutir bens do garantidor, e não sobre o único imóvel do fiador. 

Em decisão monocrática, o Min. Carlos Velloso, em 2005, no Recurso Extraordinário n.352.940, entendeu ser a norma inconstitucional:

“Em decisão monocrática do ano de 2005, o então Ministro Carlos Velloso entendeu pela inconstitucionalidade da norma, tese a qual se filia (nesse sentido, ver: STF352.940/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, j.25.04.2005). O primeiro argumento é a festejada proteção da moradia e da dignidade humana, retiradas do art.6º, do Texto Maior. O segundo argumento é a lesão à isonomia e à razoabilidade, uma vez que o locatário, devedor principal, não perde o bem de família, ao contrário do fiador. Ora, sabe-se, que a fiança é contrato acessório e, como tal, não pode trazer mais obrigações que contrato principal”. (TARTUCE, 2012, p.182).

Todos os autores mencionados, ilustres civilistas, com autoridade e de forma bem fundamentada e coerente justificam a inconstitucionalidade do dispositivo do art.3º, inciso VII, da Lei 8.009/90, incluído pela Lei 8.245/1991, porém os nossos Tribunais Superiores, contrariando os estudiosos do assunto, entendem ser a norma constitucional, conforme o Superior Tribunal de Justiça no Agravo Regimental nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração no Agravo Regimental nos Embargos de Declaração no Recurso Especial 771700 / RJ, sexta turma, Ministro Relator Vasco Della Giustina, em 2012:

“AGRAVO REGIMENTAL. LOCAÇÃO. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA ALTERAR A DECISÃO AGRAVADA. LOCAÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. FIADOR. PENHORABILIDADE. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 211/STJ.1. O agravante não trouxe argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada, razão que enseja a negativa do provimento ao agravo regimental. 2. A jurisprudência desta Corte é clara, no sentido de que, é possível a penhora do bem de família de fiador de contrato de locação, mesmo quando pactuado antes da vigência da Lei 8.245/91, que alterou o art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/90. Precedentes. 3. À luz do enunciado sumular 211/STJ, é inadmissível o recurso especial que demande a apreciação de matéria sobre a qual não tenha se pronunciado a Corte de origem, apesar de opostos embargos de declaração. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.”

Note-se que não é uma decisão isolada, já que a terceira turma do STJ também assegura a penhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de locação de imóvel urbano, no Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 160852/SP do Ministro Relator Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21 de agosto de 2012:

“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO. EXECUÇÃO. PENHORA SOBRE IMÓVEL DO FIADOR. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. O Superior Tribunal de Justiça, na linha do decidido pelo Supremo Tribunal Federal, tem entendimento firmado no sentido da legitimidade da penhora sobre bem de família pertencente a fiador de contrato de locação.  2. Os argumentos expendidos nas razões do regimental são insuficientes para autorizar a reforma da decisão agravada, de modo que esta merece ser mantida por seus próprios fundamentos. 3. Agravo regimental não provido.”

Há outros julgados do Tribunal Cidadão de outras turmas, aceitando a penhora do bem de família do fiador.

O STF, em um verdadeiro retrocesso, posicionou-se, em plenário, pela constitucionalidade da norma, como mostra o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 608558/Rio de Janeiro do Relator Ministro Ricardo Lewandowski, primeira turma, julgado em primeiro de agosto de 2010:

“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. DIREITO À MORADIA. PENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR DE CONTRATO DE LOCAÇÃO. LEGITIMIDADE. CONSTITUIÇÃO, ART. 6º (REDAÇÃO DADA PELA EC 26/2000). LEI 8.009/90, ART. 3º, VII. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA 283 DO STF. COMPETÊNCIA DO RELATOR (CPC, ART. 557, CAPUT, E RISTF, ART. 21, § 1º). TRANSFORMAÇÃO DE LOCAÇÃO EM COMODATO. CONTROVÉRSIA INFRACONSTITUCIONAL. SÚMULA 279 DO STF. I – O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 407.688/SP, considerou ser legítima a penhora do bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, ao entendimento de que o art. 3º, VII, da Lei 8.009/90 não viola o disposto no art. 6º da CF/88 (redação dada pela EC 26/2000). Precedentes. II – Incumbe ao agravante o dever de impugnar, de forma específica, cada um dos fundamentos da decisão atacada, sob pena de não conhecimento do recurso. Incidência da Súmula 283 do STF. III – Legitimidade constitucional da atribuição conferida ao Relator para negar seguimento, por meio de decisão monocrática, a recursos, pedidos ou ações, quando inadmissíveis, intempestivos, sem objeto ou veiculem pretensão incompatível com a jurisprudência dominante deste Supremo Tribunal (CPC, art. 557, caput, e RISTF, art. 21, § 1º). IV – A controvérsia referente à transformação da locação em comodato foi dirimida pelo acórdão recorrido com apoio no Código Civil e no conjunto fático-probatório dos autos. Ofensa reflexa à Constituição e Súmula 279 do STF. V – Agravo regimental improvido. RE 608558 AgR/RJ”

O contrato de fiança locatícia é válido, debate-se o fato de atingir o bem de família do fiador, e não o do devedor principal, o locatário. Há outras formas de se garantir esta espécie de pacto, sem precisar onerar o imóvel do fiador, devendo-se incentivar a caução, o seguro de fiança locatícia e a cessão fiduciária de quotas de investimento.

Ao menos, dever-se-ia adotar uma posição intermediária, primeiro executar os bens móveis do locador, seja de família ou não, para depois excutir o patrimônio do fiador, pois, conforme o entendimento dos Tribunais, o locador, devedor e único beneficiário do contrato de locação, que adquire bem de família, tem a proteção da impenhorabilidade da Lei n.8.009/90, enquanto o fiador, que não teve vantagem alguma, paga com o seu.

CONCLUSÃO

A manifestação de vontade é o fator chave do negócio jurídico, em maior ou menor medida, recebendo intervenção de normas de ordem pública. Os institutos do Código Civil e as leis não são um fim em si mesmo, atendem a um fim social, humanizando as relações, rompendo as desigualdades entre as pessoas.

A Carta Magna é o fundamento de todo o ordenamento jurídico, carregado de princípio e normas a serem seguidos por todos os Poderes, órgãos e pessoas. Teoricamente, nenhuma norma pode ofendê-la, seja formal ou materialmente, todas as leis devem ser interpretadas a luz da Constituição vigente.

O artigo 3º, inciso VII, da Lei 8.009/90, ofendeu o princípio da moradia, da isonomia, da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana, desabriga o indivíduo, tratou de forma diferenciada pessoas que se encontram na mesma situação, onera mais o indivíduo que não teve benefício algum com o contrato principal e priva o fiador do mínimo, o seu teto.

Os Tribunais Superiores perderam uma grande oportunidade de corrigir uma injustiça legal ao se posicionarem contra a proteção do bem de família do fiador no contrato de locação de bem imóvel, abandonaram suas próprias regras, princípios e ensinamentos e afrontaram a Constituição.

Porém, entende sabiamente a grande maioria da doutrina civilista, pela inconstitucionalidade do dispositivo da citada lei por ofenderem diversos comandos supremos.

Resta aguardar o Legislativo corrigir a sua própria aberração jurídica, pelas razões já expostas, encontrando-se, em trâmite, no Senado Federal, o projeto de Lei 408/2008 e na Câmara dos Deputados sob o número 1.622/1996, 2.368/1996 e 1.458/2003, todos visando a extirpar essa incongruência.

 

Referências
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BRASIL. Lei n.8.245, de 18 de outubro de 1991. Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Diário oficial da União, Brasília, 21 outubro, 1991.
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SIMÃO. José Fernando. Direito Civil, Contratos, Série Leituras Jurídicas, 5 edição, São Paulo, Atlas, p. 155-174. Material da 3ª aula da Disciplina Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Civil, Negocial e Imobiliário – Universidade Anhanguera – Uniderp – Rede LFG.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Disponível em ˂http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=bem+de+fam%EDlia+hipoteca&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2˃. Acesso em 06 maio 2013.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume único. 2. ed. São Paulo: GEN/Método, 2012.
TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

Informações Sobre o Autor

Rossana Roberta de Sousa Araújo

Graduada em Direito pelo Instituto de Educação Superior da Paraíba -IESP advogada pós-graduada em Processo Civil lato sensu pós-graduanda em Direito Civil Imobiliário


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