MST: uma análise social e constitucional

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O Movimento dos Sem – Terra (MST), teve sua
gênese em 1984, durante o 1º Encontro dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, na
cidade de Cascavel, no Paraná. De início, revelou-se como um movimento contrario
à mecanização dos governos militares que provocaram, inexoravelmente,
uma forte migração dos trabalhadores do campo para cidade, na fase do chamado
“milagre brasileiro”. Assim, simbolizavam a força dos trabalhadores de terra,
por ora “sem – terra”, preteridos de seu labor e ecoando em uma voz uníssona
seus direitos, reivindicações e propostas, com o fito de transformar a
sociedade e realizar a tão sonhada reforma agrária.

O MST, tal como proposto originariamente, em seu
plano ideal e teórico, não encontrou, de início, entraves de ordem jurídica ou
social, mas, ao revés, foi com a aquiescência da sociedade e com o
consentimento do Estado de Direito que ganhou força e expressão, chegando hoje à vincular 1,5 milhões de pessoas em 23 estados. Todavia, há
muito, o movimento esquivou-se de seu paradigma embrionário, deixando de lado
uma luta legítima pelo exercício da cidadania e de seus direitos, para
entregar-se a práticas nefastas de interesses escusos, repudiadas hoje pela
sociedade que em passado tão exíguo o aplaudiu.

É sobre essa ótica desvirtuada que o movimento
continua a crescer, ganhando cada vez mais força econômica e política,
multiplicando seus números, enfileirando seus integrantes como que discípulos
fiéis de Santo Agostinho, levando consigo o seu tão
precioso conceito de justiça: “Justiça é
dar a cada um o que é seu”
. No entanto, tais Guerreiros da Terra se
afiguram como exegetas, interpretando a máxima de forma literal, retomando a
uma justiça privada e dividindo o “seu” do “nosso” de acordo com o seu
intrínseco conceito de justiça e divisão eqüitativa.

Desta forma, não compreendem que a justiça
realizada através de injustiça é, senão, injustiça, posto que jamais um ato
ilícito e contrário a ordem jurídica pode se convalescer em um ato legal e portanto justo. A justiça só pode ser concebida dentro da legalidade,
respeitando os valores impostos através das normas e leis validamente
elaboradas e legitimamente aceitas.

É verdade que a Constituição Federal garante em seu
artigo 5º, incisos XVI e XVII, a liberdade de associação e de reunião como um
direito individual a ser resguardado e garantido pela ordem jurídica. Senão,
vejamos:

“XVI –
todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público,
independente de autorização…”

“XVII – é
plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter
paramilitar”

No entanto, de igual monta também é a assertiva de
que o exercício desses direitos não são absolutos, mas
aos revés, condicionados à observância de uma série de requisitos necessários
para que se desenvolva de forma valida.

Antes de alcançar o busilis, convém, entrementes, disgredir do focu, a fim de
clarear alguns conceitos que norteiam a presente abordagem, com o intuito de
delimitar e especificar mais precisamente o objeto, como aqui faço a respeito de ser o MST uma reunião ou associação (?).
Vejamos. Segundo Uadi Lammêmgo
Bulos, em sua obra, Constituição Federal Anotada, reunião
e associação são agrupamentos distintos:

“Reunião
não se confunde com associação. Na reunião existe uma pluralidade de
participantes, em pequeno ou grande número, que se reúnem por período limitado,
sem laços de continuidade. O vínculo associativo, em contrapartida, é de
natureza permanente, porque não se reveste de caráter efêmero e episódico.”

Apropriado também, o conceito de associação de
Pontes de Miranda, presente em seus comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969, 2 ed.. São Paulo, Revista
dos Tribunais, 1970, in verbis:

“Toda
coligação voluntária de algumas ou de muitas pessoas físicas, por tempo longo,
com o intuito de alcançar algum fim (lícito), sob direção unificante.”

Assim, tem-se que o MST estaria aglutinado dentro
do conceito de associação, em virtude de seu caráter permanente e de
continuidade, em contraposição ao de reunião, onde se evidência a sua
efemeridade. Desse modo, dando-lhe uma roupagem jurídica de associação, suas
ações e condutas deveriam ser pautadas em consonância com tal instituto, ou
seja, um movimento que desenvolva-se pacificamente e
que tenha objetivos lícitos.

No entanto, não é o que se afigura, pois hoje, o
MST apresenta-se desnudo de legalidade, com feições extremamente desvirtuadas
do propósito constitucionalmente previsto. A um, não há como reconhecer o
caráter de pacificidade em tal movimento, no qual
seus integrantes, ou muitos deles, para engendrarem no mesmo, são “capacitados”
através de um treinamento tipicamente de milícias, abastecidos de armas, e não
de idéias, e tendo como mediador não o diálogo aberto e democrático, mas o uso
ditatorial da força e de seu poder arbitrário. Tal poder, arbitrário, é
conquistado através da disseminação do medo e do temor no seio social, onde
praticando todo e qualquer tipo de ilicitude não se vislumbra desfecho outro
que a impunidade. Forma-se, assim, um estado paralelo, com leis e justiças
próprias, construídas originariamente pela força dos machados, foices e pedaços
de pau, e hoje, mantida com escopetas em haste.

Segundo o Dicionário Brasileiro de Língua
Portuguesa, o vocábulo “pacífico” se apresenta como aquele que é amigo da
paz
, manso; enquanto que “pacifismo” significa o sistema que pugna pela paz
universal e pelo desarmamento das nações. Ora, o campo semântico dos
vocábulos supramencionados pode ser largo e até certo ponto abstrato, mas não
ao ponto de aglutinar em seu seio o Movimento dos Sem Terra, que diante do
exposto e do que o dia a dia nos apresentam aos olhos,
não há como entender tal movimento, jamais, como sendo pacífico.

Mais há mais, como dizer lícita a atividade do MST ? É certo quer não se pode negar à sua finalidade
última, um caráter legítimo, ou seja , a sua luta pela
terra e pela Reforma Agrária; todavia, o que eiva de ilegalidade tal movimento
é o caminho que se percorre para tanto, trilhado em meio a incontáveis
infrações e desrespeito a ordem jurídica vigente.

E o que seria essa ilicitude? Segundo o Vocábulo
Jurídico de Plácido e Silva, “ilícito , vem a
qualificar, em matéria jurídica, todo fato ou ato que importe numa violação a
um direito ou ocasione dano a outrem, e que provenha do dolo ou se funde na
culpa”. Assim, diante de tal acepção, fácil é a percepção das numerosas
violações a direitos ou danos provocados por tal movimento, como apenas para
exemplificar, os tão corriqueiros assaltos a supermercados e as invasões de
terras ( violações do direito de propriedade); as
agressões, vias de fato e lesões corporais ocorridas durante os confrontos,
seja com a polícia, seja com os fazendeiros (violação a integridade física); e
em casos extremos, as mortes ocorridas em diversos embates (violação do direito
à vida).

Do exposto, resta evidente o caráter de ilicitude
do qual se reveste o movimento, no qual seus integrantes, por uma amor excessivo e mal compreendido da liberdade,
introduzem a desordem, incidindo nos erros mais funestos e cometendo todos os
tipos de excessos. O que aqueles não compreendem é que apenas a sua dor, que
deveras há de ser imensa, e seu sentimento de marginalização perante a
sociedade não tem, por si só, o condão de legitimar suas ações, posto que o
legítimo só poderá ser compreendido dentro do conceito
de legalidade e a lei não aprova tais atos.

O que parece-me é que aos
integrantes do MST foram ministradas aulas de filosofia, em que incrustaram em
suas mentes o apótema de Maquiavél , “Os fins justificam os meios”; o estado
natural de beligerância de Thomas Hobbes; e o já mencionado conceito de Justiça
de Santo Agostinho, ou porque não dizer, “neoconceito”
de justiça, sob a ótica de uma interpretação própria nos dado pelo mencionado
Movimento. Pergunto-me, por vezes, se teriam recebido uma
cartilha dos chamados “Adágios Populares”, e mais uma vez com todo o seu poder
de transmutar os conceitos já assentes, reorganizaram-nos à sua valia, de forma
a atingir o surpreendente: “ Se a Justiça esta por mim, quem será contra
mim?”.

No entanto, olvidam-se respirar em outra época, que
o Estado Moderno há muito foi superado e que as armas cederam lugar ao diálogo,
ou ao menos deveria assim ser, e que o exercício de direitos não pode Ter o
condão de usurpar e infringir outros direitos também resguardados, que nesse
novo modelo de sociedade, da qual participamos, é necessário que toda conduta
seja pautada dentro da máxima da legalidade: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa , senão em virtude de lei.”. Este é o chamado
Estado Democrático de Direito, bem – vindo MST…

Talvez, diante de tantos e muitas vezes
insuperáveis problemas, uma solução prática poderia funcionar como apanágio,
qual seja um intermediador, a fim de proceder ao MST
à apresentação da nova era que há tempos chegou. No entanto, na necessidade de
precisar um nome para tal incumbência, indico o complascente
poder Judiciário… E que por favor lhes façam as
vezes!


Informações Sobre o Autor

Cláudia de Mendonça Braga Soares